quarta-feira, junho 13, 2007

A busca masculina

Um belo texto de Joaquim Ferreira dos Santos, colunista de O Globo, publicado anteontem. Nesta época em que a mídia fala tanto de namorados e os religiosos, de casamento (S. Antônio ainda é popular, não?), é uma reflexão interessante sobre as aflições contemporâneas de ambos os sexos. Não costumo ler o Joaquim, embora já tenha o suficiente dele para saber que é um virtuoso da crônica e da língua; mas, com esse texto, ele ganhou meu respeito.

Aos namorados, maridos, pretendentes e solteiros, satisfeitos ou não, deixo a divagação do nobre jornalista .
--------

Mulher, procura-se.

Joaquim Ferreira dos Santos, O GLOBO de 11/6/2007.

Homens pedem a palavra: também estão sozinhos

Perto de uma mulher eles são só garotos, e um dos mais sensíveis de sua geração, em torno dos 50 anos, começou a ter o coração aos solavancos, acordado de madrugada para preparar mentalmente o texto exato com que ia levar adiante a conversa que estava tendo, cada vez mais quente e sedutora, com a sua cliente no consultório de homeopatia na Gávea. Pensava em Drummond. O amor chega tarde. Estava apaixonado como o velho garoto que não lhe largava as vísceras trêmulas e agora, eufórico, estava certo. Jamais o largaria. Era o que precisava. Havia acabado de sair de um casamento de 20 anos, 50% mais pobre e 100% mais descrente. Achava que jamais começaria tudo outra vez. Todas iguais. Interesseiras. Simplórias. Estava disposto a se trancar num bunker de livros, no máximo convidar alguma amiga para um sushi, quando eis que. Ela, a cliente que salpicava de insônia suas madrugadas, marcou consulta de urgência para sábado de manhã, dia em que ele não costumava atender. Na hora agá, ela telefonou dizendo que já lhe sumira a dor de garganta - mas que tal um almoço? Toda a sinalização clássica de envolvimento. Um homem e uma mulher deslumbrados pela evidência do encontro. Ela, entrando na faixa dos 40, citou meia dúzia de versos do Los Hermanos ("Olha só que cara estranho que chegou/ Parece não achar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou"). Ele retrucou com outros tantos do Caetano ("Tudo em volta está deserto/ Tudo certo como dois e dois são cinco"). Riram. Passou uma mulher com uma dessas pulseiras enormes que estão usando agora, toda tingida de couro de vaca. Riram mais ainda. Não havia dúvida. Era Drummond. O amor havia batido na aorta, na carótida, e dado mó bobeira nos dois. Um dia, quando a moça chegou em casa, a sala estava cheia de orquídeas. Ela agradeceu com cartão fofo onde sublinhou a palavra "futuro", que conseguiu encaixar meio sem jeito no texto. Na semana seguinte jantaram num italiano do Leblon - e, ao final das três horas em torno da mesa, ele resolveu declarar que estava fisgado. Jogado aos seus pés. Que não dormia, que não resistia, que não queria misturar o pessoal com o profissional, mas fazer o quê? Era hora de mandar às favas as convenções. Apostar na felicidade de ver o mundo do jeito que se deve, outra vez de cabeça para baixo. Rendia-se. Ela, subitamente fria, pegou da palavra. Disse que não era bem assim. Estava com a vida complicada. Não queria piorar as coisas. Ele ainda mandou outra braçada de flores. Foi junto um cartão em que conseguiu sublinhar no meio do texto a palavra "compromisso", aquela que ecoa mais borboletas, brisas e bem-te-vis no ouvido de uma mulher. De brincadeira mandou também um sino, que poderia dizer "acorda, sou eu o Cara". Ou qualquer outra bobagem que ela juntasse ao objeto surreal, talvez mesmo associasse com aquele quadro do Magritte, e a fizesse rir. Ela não riu. Pediu que não insistisse - e nunca mais se viram, nem no consultório da Gávea nem no italiano do Leblon. Só nas insônias dele. Já não havia mais Drummond. O amor havia batido na trave e escorrido pela linha de fundo. Pista falsa? Apenas mais uma mulher bonita testando a força dos seus poderes de sedução? O homeopata, tentando sorrir, diz que preferiu botar o erro no excesso de flores. Soube mais tarde, tarde demais, que as mulheres de 2007 estariam se sentindo sufocadas com o que antes era a mais orgânica das poesias. Não devia mandar tantas flores, ele aprendeu, mas e o resto? "O que quer uma mulher moderna?", ele escreveu semana passada ao cronista que publicara dias antes, com o título de "Homem, procura-se", as dores de uma geração de abandonadas. O jornalista tinha feito o relato, meio verdade, meio romanceado, das mulheres que vão de festa em festa, de chat em chat, maldizendo o desencontro e bolando frases para camisetas. "As torres gêmeas caíram, mas será que as almas gêmeas vão pelo mesmo caminho?" O médico-leitor reclamava igual carência. Solidão. Pego no contrapé do que julgava ser a delícia de uma paixão correspondida, perguntava-se novamente drummondiano: e agora, José? "Uma mulher, procura-se", escreveu o médico, sem saber que no mesmo momento, como se uma onda magnética de ânsia amorosa cortasse a cidade, mais duas dúzias de e-mails masculinos com idêntico relato chegavam ao estupefato cronista. Ajude-nos. SOS. Fale da nossa dor. Os homens sofriam da mesma pororoca existencial, que é o desencontro das almas, do mesmo fracasso que elas nas buscas. Desiludidos. Também haviam sido atingidos pela nova artilharia que se move nos telhados, e jogados fora. Diziam-se descartados. Trocados por alguém mais jovem. Impedidos de ir adiante porque transam uma vez, transam duas, mas as palavras não gemem. Nada fixa. Nada cola. Todos sozinhos reclamando da mesma falta de cócega. Do mesmo desânimo em continuar a procura. "Tenho encontrado muitas mulheres fáceis, fúteis e interesseiras", escreveu um outro médico, quarentão, "mas essas bacanas descritas na crônica já estão acompanhadas". A esses homens não será dado nome algum porque parecem todos o mesmo. Dilaceram-se em silêncio, atormentados pelo orgulho masculino do bom cabrito. Sofrem calados. Nenhum reclama da falta de sexo, mas soletram palavras ainda há pouco difíceis em seu vocabulário. "Ausência de companhia", por exemplo. "Sou editor de livros de arte nesta cidade do Rio de Janeiro", escreveu um deles, "e só queria lhe fazer uma pergunta: qual o telefone desta senhora perfilada em sua coluna? Estando solteiro há mais de um ano, também encontro as mesmas dificuldades que a sua personagem". Eles, em uníssono, queriam que o cronista fizesse a autópsia do que havia por dentro dos cadáveres insepultos que se espalham por todos os telhados, todos ganindo baixinho seus últimos suspiros de persistência romântica. Que verificasse, e anunciasse no jornal, alguma pista nas vísceras dos infelizes. Por que eles são mortos no momento da aproximação? Por que elas, como se todas tivessem ao mesmo tempo desligado o transponder do painel de controle, não davam sinal de reconhecimento? Não mandar flores em excesso, OK, está copiado - mas quais os novos venenos, os novos calibres, as novas ondas malignas que fazem aviões de homens e mulheres se chocarem no ar, com tripas e corações queimados, despejados por todos os lados da selva? Eles reclamam o desejo de voar juntinho em céu de brigadeiro, de ver "O céu de Suely" no DVD da companheira e depois, ah depois!, dormir em paz. Dormir de conchinha, ronronando alguma doce safadezinha, longe das baladas, dos baixios das bestas, do Baixo Gávea e outras perdas de tempo. O cronista, com a simplicidade da espécie, anotou que homem e mulher queriam a mesma coisa. O amor. O encontro. Achou que tinha cumprido a função social de apresentar os dois e, sem mais, saiu de cena. Torce discreto para que amanhã os bons fluidos do Dia dos Namorados façam o resto - e escrevam o final feliz da história.

6 comentários:

Estava Perdida no Mar disse...

Ah...eu li essa crônica. Nem gosto muito do Joaquim, mas essa me chamou a atenção pelo título. Ah, acho o assunto meio desgastado, mas enfim...Não aguento mais ouvir de todas as classes sociais e idades possíveis o quanto está díficil arrumar algúem. Que papo mais chato.
Beijos

Cris... disse...

E então, passou-se o dia dos namorados... qual teria sido então, o final dessa história hoje?!

P.S: cheguei aqui nem sei como, só sei que cheguei e gostei de te ler.

Beijinhos.

Nina Braga disse...

Vou ler mais esse tal Manoel, ou seria Joaquim?
(Desculpe, é que não resisto a essas piadinhas infames com nomes de portugueses, meus ancestrais.)
Gostei muito do seu comentário, e mais ainda deste texto.
Não sei o porquê, talvez seja excesso de romantismo pós-dia dos namorados, mas gosto deste tema: encontros e desencontros amorosos vividos por pessoas que querem o mesmo.
Esse mundo anda muito cheio de tabus e padrões e pré-conceitos...
Mas depois falo mais sobre isso, afinal isto aqui é só um comentário.
:]

Boa noite!

Rodrigo disse...

Jaqueline,

Concordamos em discordar, já que acho o tema fascinante. De qualquer forma, chato ou não, esse é um assunto que vai acompanhar nossa sociedade por muito tempo ainda. Acho saudável contemplá-lo de vez em quando, pois ele diz muito sobre o mundo que estamos construindo.

Clara,

Eu bem gostaria de saber... Mas acho que nunca saberemos. Algumas histórias ficam melhor assim, terminando não em um ponto final, mas em reticências.

E não importa como você chegou, o importante é que esteve aqui. Então, seja bem-vinda ao Divagações!


Nina,

Como disse acima, também gosto do tema. Confesso que não apenas por interesse filosófico: quem pode dizer que nunca passará por uma situação assim? Refletir um pouco sobre isso não fará mal algum, certamente.

Aliás, adoraria ler o seu desenvolvimento do assunto.

Um abraço a todas,
Rodrigo.

Anônimo disse...

Gosto muito do tema. Acho que o Joaquim relatou, talvez, o resultado do sentimento de auto preservação, que nos faz ter medo do outro, mostrar um eu "filtrado".
Os homens, coitados, foram se encolhendo diante dessa mulher moderna que parte para uma conquista demonstrando que é ela quem está no comando. Aí gente,o prazer do jogo da sedução se perde.
Acredito que sejam as mulheres que escolhem seus parceiros e que tem sido assim desde Eva mordeu a maçã,afinal de contas, por instinto de preservação da espécie precisamos "levar para casa" o homem que aparente ser o melhor reprodutor e provedor.Porém, precisam as mulheres fazer essa escolha de forma sutil, com glamour. Aquela brincadeirinha de caça e caçador, "da dança do acasalamento" não podem faltar.
Quando uma mulher parte para o "ataque", ela tira do homem o delicioso prazer de tomar a iniciativa, de achar que esta no comando,de estar conquistando.
As feministas que me perdoem mas no jogo da sedução entre homem e mulher, acho que no tempo de meus pais era mais interessante e dava mais certo. Na natureza tem coisas que não podem ser mexidas, caso contrário chegaremos ao caos.O ser humano interfere na natureza, super aquece o planeta e esfria as relações. Coitado de nossos filhos!
De minha parte vou continuar aconselhando às minhas amigas que no primeiro encontro elas deixem uma boa parte da mulher independente em casa e deixem que ele abra a porta do carro para elas.Que contenham a ansiedade que tomou conta das mulheres modernas e deixem que ele as sirva de um boa bebida. Creio mesmo que assim, homens e mulheres transarão uma , duas vezes, mas com uma enorme chance de que na terceira vez - quem sabe?-estarão fazendo amor, gemendo palavras deliciosas.

Anônimo disse...

Merle Oberon, Orchidea de Santis(Orquidea de Santis), Sofia Alves uma orquidea cheia de glamour