segunda-feira, junho 25, 2007

O cinema de todos nós

O meu caro Hermenauta postou uma típica pesquisa virótica em seu blog, inicialmente publicada pelo jornal inglês The Guardian: quais as suas cinco "cenas inesquecíveis" do cinema?

Abaixo, reproduzo quase integralmente a resposta que deixei na caixa de comentários dele. E vocês, meus caros sete leitores, quais são as suas cenas memoráveis?

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1 - A dança entre o protagonista embasbacado e a vampira em "A Hora do Espanto 2" (talvez a cena mais sensual que já vi em toda minha vida).

2 - O Sr. Miyagi e Daniel-san treinando na praia ao entardecer, em Karate Kid.

3 - "Luke, eu sou seu pai."

4 - Qualquer cena do Escuridão em "A Lenda".

5 - A abertura do mar (não, senhores, não era o Vermelho) em "Os Dez Mandamentos".


E isso porque eu não citei "Fúria de Titãs", "As 7 Faces do Dr. Lao", "Drácula", "O Senhor dos Anéis" (ah, aquele prólogo...) e outros tantos dignos de menção.

Gótico...


Começando uma semana fria e enevoada com novos objetos de desejo e um fundo musical apropriado, refestelado em arquétipos sombrios e deliciosos.

sexta-feira, junho 22, 2007

O tempero da temperança

Vi Shrek 3. Apesar de todos os elogios ao filme, devo ter dado 3 ou 4 risadas no filme todo, e nenhuma delas foi particularmente intensa. Ou meu senso de humor tirou férias ou confirmei a minha antiga tese de que a ironia e o sarcasmo dependem da moderação para terem pleno efeito.


Divagação de utilidade pública

Carreiras

22/06/2007

Ih! deu branco

Reinaldo Polito


Ter um branco no momento de falar em público é uma saia justa que ninguém gostaria de enfrentar. Reflita comigo no constrangimento desta circunstância: ao fazer uma apresentação diante da platéia, num determinado momento, sem mais nem menos, dá um branco, as idéias desaparecem e você fica sem saber qual rumo tomar.

A situação começa a ficar desesperadora depois que você descobre não se tratar apenas do desaparecimento de uma ou outra palavra que deveria corporificar de maneira adequada o pensamento. Você percebe que a falha é muito mais grave, pois o que sumiu na verdade foi toda a seqüência do raciocínio.

Entre o momento do branco e a descoberta de que você ficou sem saber por onde seguir na apresentação transcorrem apenas alguns poucos segundos, mas na sua cabeça a impressão é de que foram longos e intermináveis minutos.

Esse é um cenário muito apropriado para o aparecimento do medo. Afinal, todas as condições indicam que, se a situação persistir, a sua imagem como orador poderá ser prejudicada. Por isso é natural que ocorra uma descarga de adrenalina no organismo e que a partir daí o descontrole se generalize.

Um dos erros mais graves que se pode cometer para tentar afastar o branco é o de insistir sem nenhum critério para reencontrar a linha de pensamento. A experiência mostra que, quanto mais se insiste, mais o pensamento tenderá a escapar.

Ah, se fosse possível fugir e não ter de passar por esse sofrimento. Como seria bom se aparecesse um buraco no chão e pudesse desaparecer da frente dos ouvintes. Melhor ainda seria acordar e se dar conta de que tudo não passou de um pesadelo.

Se você já teve um branco ao falar em público, sabe exatamente o que eu estou dizendo. Se você nunca foi apanhado por ele, tem consciência de que precisa se cuidar, pois todos nós estamos sujeitos a passar por essa situação diante da platéia.

Essa é uma preocupação não só de quem se inicia na arte de falar em público, mas também daqueles já experimentados em freqüentar tribunas. Quase todas as semanas alguém me diz: "Polito, tenho medo de que me dê um branco".

Se você seguir as sugestões que vou passar a partir deste momento, terá à disposição um conjunto de recursos para se proteger do branco.

Esteja muito bem preparado
Embora o preparo nem sempre seja suficiente para impedir o aparecimento do branco, as chances de que ele ocorra se ampliam ainda mais se você não se preparar de maneira conveniente. Por isso não se arrisque.

Não se limite a uma preparação apenas superficial. Saiba que passar os olhos duas ou três vezes no texto que irá expor, provavelmente, não será suficiente para que se sinta seguro e em condições de falar.

Não seja negligente. Cuide da sua preparação o máximo que puder. Use todo o tempo que tiver à disposição. Se puder contar com uma semana para se preparar, prepare-se durante toda a semana. Se tiver um mês, prepare-se durante todo o mês. Enfim, quanto mais preparado estiver, maior será o seu domínio sobre o tema, mais organizada será a seqüência do raciocínio e, conseqüentemente, menores serão as chances de que ocorra o branco.

Uma boa estratégia de preparação é a de ensaiar o discurso de maneiras diferentes, alterando as palavras, modificando a ordem das etapas e dos tópicos. Procure alternar o treinamento com e sem o apoio de recursos visuais. Esse procedimento permitirá que promova as adaptações que julgar convenientes diante dos ouvintes, no momento da apresentação.

Estou fazendo essa sugestão porque se você se submeter a uma única forma de treinamento e durante a apresentação não se lembrar de uma ou outra informação importante, ficará limitado para encontrar alternativas que o ajudem a superar o problema.

São inúmeros os exemplos de pessoas das mais diferentes formações dizendo-se abaladas por causa da desagradável experiência de terem enfrentado um branco quando era importante que se saíssem bem na apresentação.

O problema de algumas delas foi tão grave que chegou a prejudicar sua imagem profissional.

Não permita que o mesmo ocorra com você. Prepare-se bastante. E, quando achar que já está pronto, volte a se preparar ainda mais.

Leve um roteiro como apoio
Não haverá nenhum mal se você resolver levar um roteiro escrito como apoio para ter mais segurança na apresentação. Você poderá contar com o auxílio do roteiro sempre que desejar, mas recorra a esse apoio especialmente quando se sentir desconfortável, imaginando que pelo nervosismo poderá ter um branco.

Prepare o roteiro de tal forma que possa se sentir à vontade para manuseá-lo diante do público. Uma recomendação que dá bons resultados é escrever frases que possam ajudá-lo a seguir a seqüência da exposição. Inclua também no roteiro os números, as datas e as cifras que precisam ser mencionados.

Você se sentirá mais amparado com o uso de um roteiro. Provavelmente o fato de saber que, se não se lembrar de alguma informação poderá recorrer ao recurso de apoio, vai deixá-lo mais seguro. E é quase certo que nunca precise recorrer a ele, pois essa confiança permitirá que se lembre de todos os dados de que precisar.

Como agir na hora do branco
Até aqui eu me preocupei em orientá-lo como agir para evitar o branco. Agora vou dar algumas dicas de como proceder se for surpreendido por ele.

O maior e mais importante de todos os conselhos que eu poderia dar é que procure não perder a calma e muito menos se desesperar se der o branco -por maior que seja a dificuldade para agir assim.

Tenha em mente que, se ficar desesperado, perderá o controle da situação e agravará ainda mais o problema. Se você for dominado pelo desespero, mais irá se pressionar e menores serão as chances de se safar dessa verdadeira armadilha que armará para você mesmo. Por isso, quanto mais puder manter a calma, maiores serão as possibilidades de sucesso.

Há pouco, eu disse que um dos erros mais graves para quem é apanhado pelo branco é o de ficar insistindo para encontrar a informação que perdeu. Por isso, não insista. Se tiver um branco insista apenas uma vez para tentar se lembrar da informação.

Se não for possível recuperá-la na primeira tentativa, veja se consegue repetir a última frase que pronunciou, como se estivesse querendo dar ênfase àquela parte da mensagem -às vezes dá certo e ao chegar ao ponto em que deu branco a informação poderá surgir naturalmente.

Bem, se esse recurso não der certo, recorra à expressão que dá excelentes resultados, o melhor remédio contra o branco. Diga: "na verdade, o que eu quero dizer é..." Essa expressão o obrigará a recontar a informação por um novo ângulo, e o pensamento se ajustará para continuar com a seqüência planejada. Funciona mesmo, pode usar que dá resultado.

Se mesmo assim esse remédio que estou dizendo que é infalível fracassar, comente com os ouvintes que mais à frente voltará a abordar esse ponto da apresentação e passe imediatamente para o tópico seguinte. Dessa forma, tendo saído da pressão do momento e com mais tranqüilidade, ao longo da apresentação você terá melhores condições de se lembrar do que havia esquecido. Ainda que não consiga se lembrar da informação, é pouco provável que alguém se manifeste pedindo que volte a falar daquele tópico.

Você também poderá contar com o auxílio de um ponto eletrônico. Com esse aparelho imperceptível no ouvido e com a ajuda de uma pessoa bem treinada para passar informações, você estará ainda mais protegido contra o branco.

SUPERDICAS DA SEMANA
  • Prepare-se e ensaie o máximo que puder
  • Recorra a um roteiro de apoio
  • Não insista
  • Repita a última frase como se quisesse dar ênfase à mensagem
  • Use a expressão mágica - na verdade o que eu quero dizer é...
  • Informe que retornará ao assunto mais à frente
  • → Livro de minha autoria que trata desse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicado pela Editora Saraiva


    Reinaldo Polito

    Reinaldo Polito

    é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal. Escreveu 15 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares

    quinta-feira, junho 21, 2007

    Um holocausto sifilítico

    Já vi teoria parecida quanto a Nietzsche. Estou curioso para saber como alguém pode conviver décadas com uma doença tão grave quanto a sífilis. Infelizmente, os manuais sobre DSTs que li na escola não falavam desses detalhes. Em todo caso, é uma perspectiva bastante interessante, ainda mais considerando o espaço que Hitler deu à doença em seu Mein Kampf.

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    Hitler pode ter lançado holocausto 'por ter pegado sífilis de prostituta judia'
    Adolf Hitler discursando
    Para psiquiatra, sífilis marcou personalidade de Hitler desde cedo
    Uma teoria apresentada em um congresso de psiquiatras na Escócia sustenta que Adolf Hitler pode ter se tornado um homem de comportamento violento após ser contaminado pela sífilis transmitida por uma prostituta judia.



    A possibilidade foi apontada pelo psiquiatra Bassem Habeeb, em um artigo acadêmico que circulou entre o público de especialistas no encontro mundial do Royal College of Psychiatrists, em Edimburgo.

    Segundo Habeeb, a doença teria sido transmitida a Hitler depois que ele manteve relações sexuais com uma prostituta judia, em 1908.

    À época uma doença incurável, a enfermidade pode levar à loucura, mudanças bruscas de humor e paranóia.

    "Se a vida de Hitler for analisada pelas lentes de um diagnóstico de sífilis, uma pista leva a outra, até emergir um padrão de infecção progressiva de uma doença que pode ter definido Hitler desde sua juventude", disse o psiquiatra.

    'Doença de judeu'

    Habeeb acrescentou que, embora não se possa afirmar com certeza, existem "amplas evidências" de que o líder nazista, que procurou eliminar a raça judia através do Holocausto, era portador de sífilis.

    Anotações do diário do médico de Hitler, Theo Morrell, indicaram que o paciente sofria de crises gástricas (de estômago), lesões de pele, mal de Parkinson e mudanças bruscas de humor - sintomas de sífilis, observou o Dr. Habeeb.

    O líder alemão dedicou páginas à doença em seu livro 'Mein Kampf'

    Ele disse que Hitler tinha ainda "sintomas de comportamento criminoso, paranóia e mania de grandeza", que poderiam ser interpretados como indicadores de neurosífilis, ou seja, da doença em seu estado avançado.

    Em seu livro, Mein Kampf (Minha Luta), Hitler dedica uma dezena de páginas à sífilis, afirmando que a eliminação da "doença de judeus" deveria ser "uma tarefa de toda a nação alemã".

    Historiadores e médicos já haviam apontado a possibilidade de que o líder alemão tivesse sífilis.

    Mas, segundo o Dr. Habeeb, ninguém tinha ainda percorrido os sintomas até encontrar uma ligação entre o estágio avançado da doença e os traços da personalidade de Hitler que acabaram influindo no desenvolvimento do Holocausto.

    O Dr. Habeeb, do Hollins Park Hospital, em Warrington, no norte da Inglaterra, já conduziu outras pesquisas semelhantes a respeito de líderes mundiais.

    Em uma delas, ele especulou sobre o grau de influência que possíveis demências avançadas haveriam tido em personalidades políticas mundiais, como o líder soviético Stálin, o ex-presidente americano Woodrow Wilson, e o ex-primeiro-ministro britânico Ramsay MacDonald.

    quarta-feira, junho 20, 2007

    Uma excelente notícia

    Portal Roda Viva traz entrevistas dos 21 anos de programa na TV Cultura
    http://www.comunique-se.com.br/

    Da Redação

    Todo o conteúdo do Roda Viva estará disponível num site em menos de um ano. A TV Cultura, junto com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), começou a disponibilizar os conteúdos dos 21 anos de entrevistas do programa no seguinte endereço: http://www2.fapesp.br/rodaviva/

    Embora a assessoria da Fapesp tenha afirmado que o endereço ainda não é definitivo, o editor do Roda Viva, Hélio Soares, confirmou que o acesso nesta "URL está sendo liberada aos poucos. O site já está no ar e em breve funcionará 100%", contou o editor. Por enquanto, há 16 entrevistas postadas. Em cada semana, serão acrescentadas 20 e, em menos de um ano, todas as entrevistas de quase mil personalidades poderão ser acessadas por pesquisadores, estudantes e o público em geral.

    "Hoje tem muito telespectador que manda e-mail pedindo as entrevistas e o que podemos fazer é apenas sugerir que comprem os DVDs da Cultura. Mas, por ser uma TV pública, em breve poderemos oferecer todo o conteúdo, gratuitamente, através do site" diz Soares.

    Ainda segundo ele, a iniciativa partiu de Paulo Markun, diretor-presidente da emissora, quando ele estava organizando a série de livros "O Melhor do Roda Viva" em comemoração ao aniversário de 18 anos do programa. Além das entrevistas transcritas, no "Portal Roda Viva" haverá também alguns trechos em vídeo das entrevistas de maior destaque.

    "Pelo Roda Viva passaram grandes personalidades do país e internacionais. Boa parte do pensamento intelectual estará disponível para todo mundo. Se alguém quiser saber o que um entrevistado disse sobre aquecimento global em 1986, por exemplo, ele poderá digitar isso na busca e ler tudo. Será um serviço muito importante", concluiu Soares.

    domingo, junho 17, 2007

    Festa!


    Hoje é o Dia da Independência da Islândia. Vamos todos comemorar!

    sexta-feira, junho 15, 2007

    Meditação para uma linda tarde solitária

    Sozinhas como possam estar boa parte de seu tempo, [as pessoas educadas] não merecem tanta pena quanto aquelas criaturas sociáveis que precisam ter "gente em volta" ou um filme a que assistir. Pois a pessoa educada se apropriou tanto da mente de outros homens que ela pode viver do seu armazém como o camelo de seu reservatório. Tudo pode se tornar grão para o seu moinho, inclusive a sua própria miséria -- se ela é miserável -, já que, por associação com o que ela sabe, tudo que ela desfruta ou suporta tem ecos e sugestões ao infinito. Este é, de fato, o teste e a utilidade da educação de um ser humano, que ele descubra prazer no exercício de sua mente.

    Jacques Barzun

    quinta-feira, junho 14, 2007

    Uma quinta-feira no Brasil




    É quase proverbial a sensação deprimente que às vezes se tem ao ler as principais notícias do dia. Não me recordo de já tê-la experimentado antes, mas hoje aconteceu. Uma folheada por O GLOBO bastou para que me acometesse aquela aflitiva idéia de que o Brasil "não tem mais jeito": o STF sempre criando jurisprudência para minar boas leis, políticos sempre conquistando facilidades até para quando são processados, um presidente do Senado inocentado a priori sem qualquer investigação. Isso para não falar de mais um atentado no Líbano contra um parlamentar contrário à perniciosa ascendência síria, ou ainda dos eternos tiroteios entre gangues políticas nos territórios palestinos. A única notícia boa de que me recordo é que a idéia de eleições com listas fechadas foi rejeitada -- e nem tenho certeza de que isso é tão bom assim.

    Por senso de dever e força da profissão, tenho de me manter atualizado quanto ao mundo em que vivemos. Devo confessar, contudo, que, depois de algum tempo fazendo isso, é tentador identificar certos padrões no noticiário, e então ele começa a perder o interesse. Num oceano de informações cambiantes, efêmeras, vêm-me à cabeça as doutrinas que falam no Absoluto, no Imutável, raiz de todas as coisas e consolo de todos os seres e eras. Penso em Buda, placidamente meditando sob uma árvore, imune às conturbações deste mundo de dor e ilusão. Existem ocasiões em que é justamente sobre isso que fantasio -- um santuário interior dedicado ao que realmente importa, no qual a instabilidade permanente do mundo silenciasse e o tempo cessasse sua trajetória, ao menos por um breve período. Uma pausa cósmica para me dedicar às coisas verdadeiramente essenciais.

    Devo estar precisando de férias.

    quarta-feira, junho 13, 2007

    A busca masculina

    Um belo texto de Joaquim Ferreira dos Santos, colunista de O Globo, publicado anteontem. Nesta época em que a mídia fala tanto de namorados e os religiosos, de casamento (S. Antônio ainda é popular, não?), é uma reflexão interessante sobre as aflições contemporâneas de ambos os sexos. Não costumo ler o Joaquim, embora já tenha o suficiente dele para saber que é um virtuoso da crônica e da língua; mas, com esse texto, ele ganhou meu respeito.

    Aos namorados, maridos, pretendentes e solteiros, satisfeitos ou não, deixo a divagação do nobre jornalista .
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    Mulher, procura-se.

    Joaquim Ferreira dos Santos, O GLOBO de 11/6/2007.

    Homens pedem a palavra: também estão sozinhos

    Perto de uma mulher eles são só garotos, e um dos mais sensíveis de sua geração, em torno dos 50 anos, começou a ter o coração aos solavancos, acordado de madrugada para preparar mentalmente o texto exato com que ia levar adiante a conversa que estava tendo, cada vez mais quente e sedutora, com a sua cliente no consultório de homeopatia na Gávea. Pensava em Drummond. O amor chega tarde. Estava apaixonado como o velho garoto que não lhe largava as vísceras trêmulas e agora, eufórico, estava certo. Jamais o largaria. Era o que precisava. Havia acabado de sair de um casamento de 20 anos, 50% mais pobre e 100% mais descrente. Achava que jamais começaria tudo outra vez. Todas iguais. Interesseiras. Simplórias. Estava disposto a se trancar num bunker de livros, no máximo convidar alguma amiga para um sushi, quando eis que. Ela, a cliente que salpicava de insônia suas madrugadas, marcou consulta de urgência para sábado de manhã, dia em que ele não costumava atender. Na hora agá, ela telefonou dizendo que já lhe sumira a dor de garganta - mas que tal um almoço? Toda a sinalização clássica de envolvimento. Um homem e uma mulher deslumbrados pela evidência do encontro. Ela, entrando na faixa dos 40, citou meia dúzia de versos do Los Hermanos ("Olha só que cara estranho que chegou/ Parece não achar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou"). Ele retrucou com outros tantos do Caetano ("Tudo em volta está deserto/ Tudo certo como dois e dois são cinco"). Riram. Passou uma mulher com uma dessas pulseiras enormes que estão usando agora, toda tingida de couro de vaca. Riram mais ainda. Não havia dúvida. Era Drummond. O amor havia batido na aorta, na carótida, e dado mó bobeira nos dois. Um dia, quando a moça chegou em casa, a sala estava cheia de orquídeas. Ela agradeceu com cartão fofo onde sublinhou a palavra "futuro", que conseguiu encaixar meio sem jeito no texto. Na semana seguinte jantaram num italiano do Leblon - e, ao final das três horas em torno da mesa, ele resolveu declarar que estava fisgado. Jogado aos seus pés. Que não dormia, que não resistia, que não queria misturar o pessoal com o profissional, mas fazer o quê? Era hora de mandar às favas as convenções. Apostar na felicidade de ver o mundo do jeito que se deve, outra vez de cabeça para baixo. Rendia-se. Ela, subitamente fria, pegou da palavra. Disse que não era bem assim. Estava com a vida complicada. Não queria piorar as coisas. Ele ainda mandou outra braçada de flores. Foi junto um cartão em que conseguiu sublinhar no meio do texto a palavra "compromisso", aquela que ecoa mais borboletas, brisas e bem-te-vis no ouvido de uma mulher. De brincadeira mandou também um sino, que poderia dizer "acorda, sou eu o Cara". Ou qualquer outra bobagem que ela juntasse ao objeto surreal, talvez mesmo associasse com aquele quadro do Magritte, e a fizesse rir. Ela não riu. Pediu que não insistisse - e nunca mais se viram, nem no consultório da Gávea nem no italiano do Leblon. Só nas insônias dele. Já não havia mais Drummond. O amor havia batido na trave e escorrido pela linha de fundo. Pista falsa? Apenas mais uma mulher bonita testando a força dos seus poderes de sedução? O homeopata, tentando sorrir, diz que preferiu botar o erro no excesso de flores. Soube mais tarde, tarde demais, que as mulheres de 2007 estariam se sentindo sufocadas com o que antes era a mais orgânica das poesias. Não devia mandar tantas flores, ele aprendeu, mas e o resto? "O que quer uma mulher moderna?", ele escreveu semana passada ao cronista que publicara dias antes, com o título de "Homem, procura-se", as dores de uma geração de abandonadas. O jornalista tinha feito o relato, meio verdade, meio romanceado, das mulheres que vão de festa em festa, de chat em chat, maldizendo o desencontro e bolando frases para camisetas. "As torres gêmeas caíram, mas será que as almas gêmeas vão pelo mesmo caminho?" O médico-leitor reclamava igual carência. Solidão. Pego no contrapé do que julgava ser a delícia de uma paixão correspondida, perguntava-se novamente drummondiano: e agora, José? "Uma mulher, procura-se", escreveu o médico, sem saber que no mesmo momento, como se uma onda magnética de ânsia amorosa cortasse a cidade, mais duas dúzias de e-mails masculinos com idêntico relato chegavam ao estupefato cronista. Ajude-nos. SOS. Fale da nossa dor. Os homens sofriam da mesma pororoca existencial, que é o desencontro das almas, do mesmo fracasso que elas nas buscas. Desiludidos. Também haviam sido atingidos pela nova artilharia que se move nos telhados, e jogados fora. Diziam-se descartados. Trocados por alguém mais jovem. Impedidos de ir adiante porque transam uma vez, transam duas, mas as palavras não gemem. Nada fixa. Nada cola. Todos sozinhos reclamando da mesma falta de cócega. Do mesmo desânimo em continuar a procura. "Tenho encontrado muitas mulheres fáceis, fúteis e interesseiras", escreveu um outro médico, quarentão, "mas essas bacanas descritas na crônica já estão acompanhadas". A esses homens não será dado nome algum porque parecem todos o mesmo. Dilaceram-se em silêncio, atormentados pelo orgulho masculino do bom cabrito. Sofrem calados. Nenhum reclama da falta de sexo, mas soletram palavras ainda há pouco difíceis em seu vocabulário. "Ausência de companhia", por exemplo. "Sou editor de livros de arte nesta cidade do Rio de Janeiro", escreveu um deles, "e só queria lhe fazer uma pergunta: qual o telefone desta senhora perfilada em sua coluna? Estando solteiro há mais de um ano, também encontro as mesmas dificuldades que a sua personagem". Eles, em uníssono, queriam que o cronista fizesse a autópsia do que havia por dentro dos cadáveres insepultos que se espalham por todos os telhados, todos ganindo baixinho seus últimos suspiros de persistência romântica. Que verificasse, e anunciasse no jornal, alguma pista nas vísceras dos infelizes. Por que eles são mortos no momento da aproximação? Por que elas, como se todas tivessem ao mesmo tempo desligado o transponder do painel de controle, não davam sinal de reconhecimento? Não mandar flores em excesso, OK, está copiado - mas quais os novos venenos, os novos calibres, as novas ondas malignas que fazem aviões de homens e mulheres se chocarem no ar, com tripas e corações queimados, despejados por todos os lados da selva? Eles reclamam o desejo de voar juntinho em céu de brigadeiro, de ver "O céu de Suely" no DVD da companheira e depois, ah depois!, dormir em paz. Dormir de conchinha, ronronando alguma doce safadezinha, longe das baladas, dos baixios das bestas, do Baixo Gávea e outras perdas de tempo. O cronista, com a simplicidade da espécie, anotou que homem e mulher queriam a mesma coisa. O amor. O encontro. Achou que tinha cumprido a função social de apresentar os dois e, sem mais, saiu de cena. Torce discreto para que amanhã os bons fluidos do Dia dos Namorados façam o resto - e escrevam o final feliz da história.

    segunda-feira, junho 11, 2007

    Sinto um abalo na Força...


    Nostálgicos dos anos 80 de todo o mundo, preparai-vos: foi anunciado um filme dos Thundercats!

    Hoooooooooooooooooooooooo!!!!!

    Lazeres outonais

    Dei um tempo em Sex and the City, o livro. Divertido a princípio, tem me parecido mais árido e até sombrio a cada novo capítulo. A série, por outro lado, é bem mais leve -- quando assistida com moderação. Fico com ela, e só com ela, por enquanto.

    ***

    Ainda encantado com Lost Girls, a produção mais recente do turbilhão criativo que é Alan Moore. Criador de clássicos dos quadrinhos como V de Vingança, Watchmen e alguns dos arcos mais líricos do Monstro do Pântano, entre outros, Moore, um artista excêntrico que parece realmente saído das histórias que cria, resolveu direcionar seu talento com palavras e imagens para um gênero literário largamente subestimado: o erótico. Como era de se esperar, ele o faz com uma habilidade consumada. Afinal, num gênero em que a sutileza parece ter saído de moda há quase um século, e a beleza narrativa perdeu espaço para descrições gráficas de corpos e perversões, Moore combina fantasia e realismo de uma forma que, finda a leitura, ainda reverbera agradavelmente pela mente do leitor, de uma forma que só a boa literatura consegue. Uma excelente pedida.

    ***

    Comprei Tripulação de Esqueletos, de Stephen King. Um livro de contos que eu tinha até esquecido que existia, e que ingenuamente não esperava encontrar em português. É estranho ler King em nossa língua pátria -- fico pensando na acurácia da tradução de todos aqueles coloquialismos típicos dele. Em compensação, é interessante ficar procurando que contos já vi em alguma adaptação televisiva. Lembro de pelo menos um, A balsa, que fez parte da série Contos da Cripta, e na época achei particularmente perturbador. No momento em que escrevo, ainda não o li realmente, mas fico me perguntando o efeito. Uma espécie de tira-teima com uns 15 anos de atraso.

    Gosto mais, confesso, do King contista do que do romancista. Não, estou sendo injusto com o autor: a questão é que o próprio formato do conto me agrada mais, especialmente no gênero sobrenatural ou fantástico. O bom e velho Stephen, que quase morreu há poucos anos ao ser atropelado, já concebeu maravilhas como Jersusalem's Lot, que provavelmente merece um lugar de honra na história do gênero de terror ao lado dos contos consagrados de Lovecraft e Poe. A narrativa confessional em primeira pessoa, o ritmo de diário... Coisas que poderiam ser cansativas em um romance se tornam o tempero principal no conto. Considerando que King gasta dezenas, até uma centena de páginas, em seus romances descrevendo o cotidiano dos personagens (boa parte deles, pessoas absolutamente convencionais), o conto o força a demonstrar uma agilidade muito eficiente. Para quem gosta de histórias sombrias (não necessariamente sobrenaturais), Tripulação de Esqueletos é uma boa sugestão.

    ***

    Para não ficar só em desilusões amorosas, erotismo e horror, comprei também Travessuras da Menina Má, de Mario Vargas Llosa. É um daqueles livros que ficam meses na lista dos mais vendidos, tornam-se assunto fácil em rodinhas elegantes e têm uma alta probabilidade de serem vistos no metrô, em cafés ou centros culturais. Em outras palavras, o tipo de obra que costumo ignorar. Mas a sugestão de dois amigos e uma oferta de livro usado na Livraria Cultura me fizeram abrir uma exceção. Já não bastasse a enorme lacuna de ficção em minha biblioteca, o número de autores hispânicos em suas prateleiras é próximo de zero e talvez o Sr. Llosa possa ser um primeiro passo para corrigir essa falha. Espero que ele saiba ser convincente ao longo do livro -- pois o primeiro parágrafo, aquele cartão de visitas de tantos autores, é absolutamente banal.

    ***

    Roma
    está acabando. O penúltimo episódio passou há pouco, e parecia haver ganhos para toda uma temporada adicional. Suspeito que seja mais uma série maravilhosa encerrada às pressas, mas vou manter a esperança até o "gran finale" do próximo domingo. Até agora, ela tem valido cada minuto.

    ***

    Ainda falando em seriados inteligentes, uma sugestão enfática: vejam House, toda quinta-feira no Universal Channel, às 23h, ou, com sorte, na sua locadora mais próxima. Nada como um protagonista memorável nas mãos de um ator brilhante.

    ***

    Uma tarde domingueira lendo O Paradoxo do Poder Americano, de Joseph Nye Jr. Fazia tempo que não gostava tanto de uma leitura compulsória. Da próxima vez que alguém vier me dizer que em vinte anos todos estaremos estudando chinês, já poderei retrucar com algumas projeções comparativas sobre o quanto a China teria de crescer para efetivamente se aproximar do que os Estados Unidos representam hoje. Não se preocupem, meus caros leitores, estaremos todos muito velhos quando e se isso acontecer.

    ***

    Bem, amanhã é dia 12, o para muitos fatídico Dia dos Namorados. Confesso que tinha esquecido, um efeito colateral de estar solteiro, raramente ir a shoppings e não ver muita TV. Mas eis que, na última sexta-feira, o suplemento de lazer de O Globo traz como matéria de capa uma lista de lugares onde o leitor não agraciado pelo Cupido poderia arranjar um par até a terça-feira fatal. Havia sugestões para todos os perfis, desde karaokês para os extrovertidos até uma curiosa adega onde só há mesas para seis pessoas -- uma forma de estimular a socialização entre os mais tímidos.

    Sei que esses toques humorísticos são deliberados em matérias de fim de semana, e sei também que esse é o tipo de assunto quase obrigatório nas pautas jornalísticas. Uma espécie de reconhecimento ritual de uma data importante. Ainda assim, não pude evitar o pensamento de que talvez algumas pessoas estejam levando Sex and the City a sério demais.

    sexta-feira, junho 08, 2007

    Verde até no sangue

    Da BBC Brasil de hoje:

    Homem tem sangramento esverdeado no Canadá
    Spock
    O sangue do personagem Spock era esverdeado devido ao cobre
    Uma equipe de cirurgiões canadenses ficou assustada quando o paciente que estavam operando sangrou numa cor escura e esverdeada, segundo relato da revista científica The Lancet.

    O homem de 42 anos estava passando por uma cirurgia na perna e a cor de seu sangue era semelhante à do personagem alienígena Spock da série Jornada nas Estrelas.

    A cor escura e esverdeada de seu sangue foi causada por medicamentos para enxaqueca que ele estava tomando.

    A cirurgia prosseguiu com sucesso e o sangue voltou à cor normal quando o homem diminuiu a quantidade de remédios.

    Hemoglobina

    O paciente estava tomando grandes doses de sumatriptan - 200 miligramas por dia.

    O consumo deste medicamento causou um problema raro chamado sulfahemoglobinemia, quando o enxofre é incorporado à hemoglobina - que leva o oxigênio - nas células vermelhas do sangue.

    Descrevendo o caso à revista The Lancet, a equipe liderada pela médica Alana Flexman, do Hospital St. Paul de Vancouver, escreveu que "o paciente se recuperou sem problemas e parou de tomar sumatriptan depois de ser liberado".

    "Quando consultado cinco semanas depois da última dose, descobrimos que ele não tinha sulfahemoglobina em seu sangue", acrescentou.

    O paciente precisou de uma cirurgia de urgência, pois tinha desenvolvido um problema sério nas pernas depois de adormecer sentado.

    Os médicos fizeram um procedimento para salvar os membros chamado fasciotomia, que envolve fazer incisões cirúrgicas para aliviar a pressão e inchaço causado pela condição apresentada pelo paciente - síndrome de compartimento.

    Na síndrome de compartimento, o inchaço e a pressão em um espaço restrito limitam o fluxo do sangue e causam danos localizados aos tecidos e nervos.

    Geralmente, o problema é causado por trauma, hemorragia interna ou por curativos ou gesso apertados demais.

    Uma analogia ociosa


    Há convites que são verdadeiras intimações das Parcas, puro destino; outros, caixas de Pandora; uns poucos, raros e heróicos, um trabalho de Héracles. Uma quarta classe, pouco digna de menção, não passa de banalidades sem conseqüência. Mas que dizer dos que se revelam uma tarefa de Sísifo, com seu sabor agridoce de eterno retorno?

    Mas a vantagem de não se estar preso no Hades é que sempre se pode largar a pedra de punição e comemorar o feriado consolador ao lado do bom e velho Dionísio.

    segunda-feira, junho 04, 2007

    Eles têm sentimentos?

    Da Época desta semana.

    Solidariedade entre elefantes e tristeza dos gorilas. Um novo consenso entre cientistas sugere que os bichos têm emoções como os humanos

    Por Luciana Vicária




    AMOR OU AMIZADE?
    Elefantes em riacho na África. Biólogos observaram sinais de solidariedade
    na manada

    Nas savanas da áfrica, a bióloga Joyce Poole, do Quênia, teve a certeza de que animais têm sentimentos. Ela observava uma manada de elefantes caminhar em direção a um riacho. O grupo estava mais lento por causa de Babyl, uma fêmea machucada. De tempos em tempos, o líder da manada parava, olhava para trás e procurava Babyl. Quando não a via, dava uma espécie de sinal com a tromba para que todos a esperassem. Já no riacho, um dos elefantes buscou comida e alimentou a amiga debilitada. Outro evento atípico foi relatado pela bióloga Elizabeth Webb. Ela presenciou a morte por velhice de uma fêmea de gorila chamada Ilana Boone, aos 27 anos. No mesmo dia, Bridger, o antigo e fiel companheiro de Ilana, deitou-se ao lado do corpo dela e morreu. A causa da morte de Bridger não foi detectada em exames de laboratório. Um grupo de gorilas rodeou os corpos e permaneceu ali durante dois dias, como se estivessem todos em vigília.

    Para os estudiosos do comportamento animal, não existe, aparentemente, vantagem imediata para o bando de elefantes que explique o cuidado com Babyl. A fêmea doente, em princípio, deixava a manada mais vulnerável aos predadores. Também não há razões instintivas que expliquem a atitude dos gorilas diante da morte. Na opinião dos biólogos que relatam as cenas, os gorilas simplesmente ficam tristes, e os elefantes sentem empatia por membros do grupo. Nos últimos dois anos, os principais centros de pesquisa em comportamento animal passaram a concordar que os animais não realizam tarefas cumprindo apenas um roteiro instintivo de preservação da espécie. De acordo com o etnólogo americano Jonathan Balcombe, autor de Reino do Prazer: os Animais e a Natureza de se Sentir bem, as emoções podem gerar vantagens evolutivas. Assim como o medo pode ajudar os animais a evitar o perigo, outras emoções também teriam utilidade.

    Os cientistas que acreditam na emoção dos outros mamíferos (além dos s humanos) alegam que as pesquisas recentes apontam cada vez mais semelhanças entre a estrutura cerebral das diversas espécies. Um grupo de células do cérebro é associado à empatia e à emoção social. São chamadas de neurônios-espelhos. Elas também foram encontradas entre chimpanzés.

    O neurobiologista americano Jack Panksepp, da Universidade Estadual de Bowling Green, mostrou que pessoas que sofrem por se sentir socialmente excluídas têm seu sistema límbico estimulado. É a mesma região do cérebro ativada em porquinhos-da-índia separados da mãe após o nascimento. Outra descoberta recente mostra que algumas células especializadas do cérebro humano, aparentemente associadas à empatia e à intuição, chamadas fusiformes, também estão presentes em baleias.

    As emoções dos animais podem conferir vantagens evolutivas para as espécies, suspeitam os cientistas

    Não basta uma espécie ter as mesmas estruturas cerebrais que os humanos para sentir como nós. É o modo como as células e regiões do cérebro funcionam que provoca as emoções. Ainda falta verificar se essas células cerebrais agem da mesma forma na cabeça dos bichos. “Os estudos abriram uma nova janela de compreensão, mas nada é conclusivo até agora”, diz Panksepp, que estudou porquinhos-da-índia. “A polêmica se inicia justamente na interpretação da literatura científica.”

    Para começar, ainda não há consenso sobre o que é emoção e o que é sentimento. O neurocientista António Damásio, da Universidade de Iowa, é autor da teoria de comportamento animal mais aceita entre os cientistas. Na visão dele, os animais se emocionam, mas não têm sentimentos. Os animais teriam emoções primárias como medo, raiva, repulsa, alegria e tristeza. Essas emoções são respostas físicas quase instintivas do corpo a determinados estímulos. O segundo nível de emoções seriam as sociais, como simpatia, constrangimento, vergonha, orgulho e inveja. Essas emoções ajudariam os bichos a conviver em grupo. “Gorilas ficam arrogantes para ganhar o respeito do grupo e cães dão sinais de constrangimento quando levam bronca de seus donos”, afirma. O nível mais alto da emoção, para Damásio, seriam os sentimentos, que surgiriam a partir da reflexão e da consciência. “Não só ficamos alegres como temos a consciência de que estamos alegres. Isso não ocorre em animais.”

    CENA FAMILIAR
    Gorila brinca com o filhote. Pesquisadores relatam casos de forte ligação afetiva em alguns casais da espécie

    O primeiro cientista a propor que os animais se emocionam foi o naturalista britânico Charles Darwin. Em A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais (1872), ele relata as semelhanças entre atitudes humanas e de outros animais. No século passado, no entanto, consagrou-se a idéia de que os bichos têm padrões de comportamento instintivos rígidos e que, por isso, seriam desprovidos de emoção. O assunto só voltou ao debate recentemente com a apresentação de novos estudos científicos.

    Pessoas que atribuem características humanas a outros animais, sem provas científicas, são chamadas de antropomorfistas. “As pessoas me acusam desse palavrão quando eu digo que um animal está triste no zoológico”, diz o biólogo Marc Bekoff, da Universidade do Colorado. “No fundo, elas querem me convencer que o animal está feliz ali. Elas próprias usam argumentos antropomórficos.” Independentemente da motivação, enxergar sentimentos nos animais está estimulando a investigação científica. “Para mim, acreditar que os animais se emocionam é apenas uma motivação para minhas pesquisas, como outras tantas que movem os cientistas”, diz o psicólogo Marc Hauser, da Universidade Harvard.