sábado, dezembro 30, 2006

Os últimos passos de um condenado

Mataram Saddam. Na forca, nesta madrugada, o que deve ter correspondido mais ou menos ao amanhecer no Iraque. Ao homem que governou um país com uma mão de ferro mergulhada em sangue, deram a "morte suja" medieval -- considerada particularmente humilhante porque o condenado muitas vezes liberava todo tipo de fluido enquanto agonizava, de fezes a sêmen. Uma morte assustadora também: quando se usava uma corda curta, o pescoço não quebrava, e o infeliz podia levar até três minutos para deixar de sentir os terrores do sufocamento.


Leio a notícia com melancolia. Naturalmente, sei bem os motivos que levaram Saddam a essa situação; conheço também os precedentes, como os dos altos oficiais nazistas enforcados depois dos julgamentos de Nuremberg. Mas também não esqueço que se tratava de um homem preso e subjugado, tornado inofensivo, posto na exasperante situação de uma contagem regressiva para a execução. Não importa o que ele tenha feito, é impossível evitar a empatia e, particularmente, a idéia de que ninguém merece isso. Mesmo Saddam.

Bem posso imaginar o que sentem suas vítimas, que talvez estejam se regozijando. Entendo a posição delas, o senso de que "justiça foi feita" -- muitas vezes, um eufemismo para o prazer da desforra. Mas quem disse que as pessoas emocionalmente envolvidas são as melhores para julgar? Se o fossem, não haveria necessidade de tribunais e leis, e viveríamos num mundo (ainda mais) hobbesiano de luta de todos contra todos. Não, definitivamente não são elas, infectadas a seu malgrado com o ódio provocado pela perversidade de um tirano, quem deve julgar o direito de seu algoz continuar vivendo. Mas alguém deve? É admissível que um prisioneiro subjugado, neutralizado em sua ameaça, seja ainda assim morto? Há justiça quando a satisfação só vem com a visão de um cadáver?

Muita gente sensata dirá que sim. Porém, boa parte delas tratá no tom da resposta a mesma ânsia de desforra que as vítimas, o mesmo desejo de ver a "retribuição" do mal àquele que primeiro o perpetrou. Dirão sim não porque tenham pensado a respeito, mas porque, por inteligentes e sensatas que sejam, naquele momento estarão falando com o coração. Querem vingança, tanto quanto as vítimas, e matar alguém para se sentir bem não me parece um motivo suficiente.

Claro, nem todos serão tão primários, e é perfeitamente admissível que haja argumentos racionais a favor da pena de morte. Ainda estou por vê-los, na verdade. Certamente não se encontram na imprensa, onde vez por outra algum leitor indignado, e mais raramente um militante qualquer, a apresenta como solução para horrores como o dos últimos atentados no Rio de Janeiro -- ou seja, a pena capital como forma de remediar um sistema carcerário ineficaz, o que significa não julgá-la por seus próprios méritos. Também não estão nas melhores tradições espirituais, ao menos na parte menos contaminada com costumes de época e conveniências mundanas. Então, onde?

Seja como for, para Saddam, a questão perdeu qualquer importância prática. Ele se foi. Lamento por ele -- por tudo que fez pelo poder, e por sua aparente incapacidade de mudar de idéia depois que o perdeu. Por outro lado, fico pensando também no que poderia ter sido sua vida se continuasse apenas preso. Teria reconsiderado alguma coisa? A humilhação diária de se ver como prisioneiro teria abatido seu enorme ego? Seria possível que, talvez, adotasse valores diferentes? Impossível saber. Se havia alguma probabilidade de reforma em Saddam, ela lhe foi tirada às primeiras horas da manhã. E onde muitos viram a derrubada final de um tirano, eu vi também uma oportunidade perdida.

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Pesquisando um pouco sobre o tema, encontrei uma mensagem do Dalai Lama sobre a pena de morte. Transcrevo na íntegra:


His Holiness, Tenzin Gyatso, The Fourteenth Dalai Lama: Message Supporting the Moratorium on the Death Penalty

In general, death is something none of us wants, in fact it is something we don't even like to think about. When death takes place naturally, it is a process beyond our control to stop, but where death is wilfully and deliberately brought about, it is very unfortunate. Of course, within our legal systems there are said to be certain reasons and purposes for employing the death penalty. It is used to punish offenders, to prevent them ever repeating their misdeed and to deter others.

However, if we examine the situation more carefully, we will find that these are not real solutions.

Harmful actions and their tragic consequences all have their origin in disturbing emotions and negative thoughts, and these are a state of mind, whose potential we find within all human beings. From this point of view, every one of us has the potential to commit crimes, because we are all subject to negative disturbing emotions and negative mental qualities. And we will not overcome these by executing other people.

What is deemed criminal can vary greatly from country to country. In some countries, for example, speaking out for human rights is considered criminal, whereas in other countries preventing free speech is a crime. The punishments for crimes are also very different, but usually include various forms of imprisonment or hardship, financial penalties and, in a number of countries, physical pain. In some countries, crimes that the government considers very serious are punished by executing the person who committed the crime.

The death penalty fulfills a preventive function, but it is also very clearly a form of revenge. It is an especially severe form of punishment because it is so final. The human life is ended and the executed person is deprived of the opportunity to change, to restore the harm done or compensate for it. Before advocating execution we should consider whether criminals are intrinsically negative and harmful people or whether they will remain perpetually in the same state of mind in which the committed their crime or not. The answer, i believe, is definitely not.

However horrible the act they have committed, I believe that everyone has the potential to improve and correct themselves. Therefore, i am optimistic that it remains possible to deter criminal activity, and prevent such harmful consequences of such acts in society, without having to resort to the death penalty.

My overriding belief is that is is always possible for criminals to improve and that by its very finality the death penalty contradicts this. therefore, I support those organizations and individuals who are trying to bring an end to the use of the death penalty.

Today, in many societies very little importance is placed on education or the development of human values through social programs and entertainment. In fact, if we take television programming as an example, violence, including killing, is regarded as having a high entertainment value. This is indicative of how misguided we have become.

I believe human beings are not violent by nature. Unlike lions and tigers, we are not naturally equipped to kill with sharp teeth and claws. From a Buddhist viewpoint, I believe that the basic nature of every sentient being is pure, that the deeper nature of mind is something pure. Human beings become violent because of negative thoughts which arise as a result of their environment and circumstance.

I wholeheartedly support an appeal to those countries who at present employ the death penalty to observe an unconditional moratorium. At the same time we should give more support to education and encourage a greater sense of universal responsibility. We need to explain the importance of the practice of love and compassion for our own survival and to try to minimize those conditions which foster murderous tendencies, such as the proliferation of weapons in our societies. These are things even private individual can work towards.

This statement was read by Kobutsu Malone, Zenji at the "Creating a Legacy" event on Friday night, April 9, 1999 at Laurie Auditorium


Source: http://www.engaged-zen.org/HHDLMSG.html

A morte das línguas

Dying Languages

BY JOHN McWHORTER
December 28, 2006
URL: http://www.nysun.com/article/45847


In the rush of the holiday season you may have missed that a white buffalo was born at a small zoo in Pennsylvania. Only one in 10 million buffalo is born white, and local Native Americans gave him a name in the Lenape language: kenahkihinen, which means "watch over us."

They found that in a book, however. No one has actually spoken Lenape for a very long time. It was once the language of what is now known as the tristate area, but its speakers gradually switched to English, as happened to the vast majority of the hundreds of languages Native Americans once spoke in North America.

The death of languages is typically described in a rueful tone. There are a number of books treating the death of languages as a crisis equal to endangered species and global warming. However, I'm not sure it's the crisis we are taught that it is.

There is a part of me, as a linguist, that does see something sad in the death of so many languages. It is happening faster than ever: It has been said that a hundred years from now 90% of the current 6,000 languages will be gone.

Each extinction means that a fascinating way of putting words together is no longer alive. In, for example, Inuktitut Eskimo, which, by the way, is not dying, "I should try not to become an alcoholic" is one word: Iminngernaveersaartunngortussaavunga.

Yet the extinctions cannot be stopped, for the most part. Trying to teach people to speak their ancestral languages, for example, will almost never get far beyond the starting gate. Some years ago, I spent some weeks teaching Native Americans their ancestral language. To the extent that the exercise helped give them a feeling of connection to their ancestors, it was time well spent.

However, it was clear that there was no way that they would learn more than some words and expressions. Languages are hard to learn for adults, especially ones as different from English as Native American ones. In Pomo, the verb goes at the end of the sentence. There are sounds it's hard to make when you're not born to them. For busy people with jobs and families, how far were they ever going to be able to get mastering a language whose word for eye is ‘uyqh abe?

Yes, there was Hebrew. But that was because of an unusual combination: religion, a new nation, and the superhuman dedication of Eliezer Ben-Yehuda, who settled in Palestine and insisted on speaking only Hebrew to all Jews, including his infant son. But this extended to reducing his wife to tears when he caught her singing a lullaby to the child in her native Russian. Clearly Ben-Yehuda's was one of those once-in-a-lifetime personalities.

Yet the conventional wisdom is that we must strive to have as many future Hebrews as possible, since supposedly one's language determines one's cultural outlook. But a simple question shows how implausible that notion is. To wit, precisely what "cultural outlook" does English lend its speakers?

Thinking about the broad heterogeneity of people using this language, it is obvious that the answer is none, and the academic literature on the topic yields little but queer little shards of faint support for the "language is culture" idea. Which brings us back to languages as, simply, languages.

The language revivalists yearn for — surprise — diversity. What they miss is that language death is a healthy outcome of diversity.

If people truly come together, then they speak a common language. We can muse upon a "salad bowl" ideal in which people go home and use their nice "diverse" language with "their own." But in reality, almost always the survival of that "diverse" language means that the people are segregated in some way, which in turn is almost always due to an unequal power relationship — i.e., precisely what "diversity" fans otherwise consider such a scourge.

Jews in shtetls, for example, spoke Yiddish at home and Russian elsewhere because they lived under an apartheid system, not because they delighted in being bilingual. The Amish still speak German only because they live in isolation from modern life, which few of us would consider an ideal for indigenous groups to strive for.

In the end, the proliferation of languages is an accident: a single original language morphed into 6,000 when different groups of people emerged. I hope that dying languages can be recorded and described. I hope that many persist as hobbies, taught in schools and given space in the press, as Irish, Welsh, and Hawaiian have.

However, the prospect we are taught to dread — that one day all the world's people will speak one language — is one I would welcome. Surely easier communication, while no cure-all, would be a good thing worldwide. There's a reason the Tower of Babel story is one of havoc rather than creation.

For those still uncomfortable given that this single language would be big bad English, then notice how that discomfort eases when you imagine the language being, say, Lenape.

Mr. McWhorter is a senior fellow at the Manhattan Institute.

domingo, dezembro 24, 2006

Feliz Aniversário


Homem ou ideal, divindade ou iniciado, mito ou realidade... Não importa tanto o que ele foi ou gostaríamos que fosse. Mas algo paira no ar nesta época, e a generosidade, por mínima que seja, flui mais fácil, as confraternizações ganham outro sabor. Sim, é Natal, e para muita gente isso é sinônimo apenas de lautas refeições e corridas às lojas; mas este nem de longe é o único significado da data, e nem precisa ser. Mais do que qualquer outra data, esta nos convida à reflexão sobre o nosso papel no mundo e, principalmente, a nossa existência em relação aos outros, sobretudo aos nossos semelhantes. E mais do que em qualquer outra época do ano, palavras como "amor" e "solidariedade" adquirem maior significado.

Hoje é o dia do Nascimento. Do que ou de quem, resta a cada um de nós, em seu íntimo, decidir.

Paz na Terra aos homens de boa-vontade. E aos demais também.

Mais legumes, menos senilidade

Prato mais verde
Dezembro
http://www2.uol.com.br/vivermente/conteudo/noticia/noticia_102.html

Verduras e legumes ajudam a prevenir a perda cognitiva associada ao envelhecimento, segundo estudo publicado na Neurology. Já as frutas não garantem o mesmo efeito. Foi o que mostrou estudo realizado por pesquisadores da Universidade Rush, em Chicago. Eles investigaram durante seis anos os hábitos alimentares de quase 4 mil pessoas acima dos 65 anos. "Comparados com quem comeu menos de uma porção diária de vegetais, os idosos que ingeriram em média de 2,8 porções por dia tiveram um declínio cognitivo até 40% mais lento", afirma a neurologista Martha Clare Morris. Entre os diferentes tipos vegetais consumidos pelo participantes, as folhas verdes parecem ser as principais responsáveis pela manutenção das funções cognitivas. Surpreendentemente, o consumo de frutas não exerceu nenhum efeito. "Sabemos que a vitamina E, encontrada em maior quantidade nas folhas, retarda o declínio mental e o fato de serem geralmente consumidas com óleo ou azeite facilita a absorção dos nutrientes pelo organismo. Ainda assim não entendemos por que as frutas não se associaram aos resultados positivos", afirma a autora.

sábado, dezembro 23, 2006

Pregando no deserto

O Washington Post de hoje traz uma matéria interessantíssima sobre um advogado saudita que tem a audácia de desafiar os tribunais religiosos de seu país, uma "terra de ninguém'" em se tratando de direitos humanos, onde uma mulher estuprada pode receber um castigo quase tão grande quanto o de seus agressores pelo simples fato de estar acompanhada de um homem na hora do ataque. Como usar um sistema legal absolutamente retrógrado em prol de uma boa causa, é o que você descobre clicando aqui.

Particularmente fascinante é como o advogado, que era graduado na sharia, a tradicional lei islâmica, descobriu o quão injusta ela poderia ser: ao estudar Direito na capital saudita, conta que pela primeira vez teve de raciocinar sobre os princípios legais, em vez de apenas decorá-los. Ao fazê-lo, descobriu toda uma forma de ver o mundo que não mais passava pelo dogmatismo limitado em que militara.

Acenda-se um pouco da luz adormecida no interior de um homem, e as trevas jamais terão o mesmo poder sobre ele.

Uma relíquia


Quem diria, o bom e velho Pato Donald também esteve na Alemanha Nazista...

Para não dizerem que este é um post com más vibrações, uma outra raridade direto dos arquivos da Disney. Agradecimentos ao autor do Omedi, que colaborou nesse trabalho de arqueologia cinematográfica diariamente feito por milhares de pessoas no You Tube.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Morre Joseph Barbera, criador dos Flintstones

O americano Joseph Barbera, um dos criadores de personagens clássicos do mundo da animação, como Os Flintstones, Scooby-Doo, Os Jetsons e Tom e Jerry, morreu nesta segunda-feira.

Barbera tinha 95 anos e morreu de causas naturais em sua casa, em Los Angeles, onde vivia com a mulher, Sheila.

Na década de 1950, Barbera formou com William Hanna a empresa de desenhos animados Hanna-Barbera, que se tornaria uma das mais famosas de Hollywood, responsável por inúmeros clássicos dos desenhos animados.

Antes, a dupla já havia criado seu primeiro grande sucesso, Tom e Jerry, nos estúdios MGM. As aventuras de Tom e Jerry renderam sete Oscars a seus criadores.

Barbera e Hanna (que morreu em 2001) produziram mais de 300 séries de desenhos animados.

Depois da morte de Hanna, Barbera continuou na ativa como produtor para a Warner Brothers Animation.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Humanos farejadores

Unleash your inner bloodhound – start sniffing
Matéria do New Scientist.

Human subject’s path following a scent trail scent trail of chocolate essential oil through a field (right), as compared to a dog’s scent path of a pheasant dragged through a field (Image: Jess Porter, UC Berkeley)

Human subject’s path following a scent trail scent trail of chocolate essential oil through a field (right), as compared to a dog’s scent path of a pheasant dragged through a field (Image: Jess Porter, UC Berkeley)


Humans can follow scent trails across a field in the same way that dogs can – and they improve with practice – a intriguing new field study has revealed.

Jess Porter and Noam Sobel at the University of California in Berkeley, US, and colleagues tested whether 32 people were able to follow a 10-metre-long scent trail of chocolate essence through open grass using only their noses. Two-thirds of them could.

They then trained four of the subjects three times a day for three days over a two week period to see whether they improved with practice. After training the subjects followed the trail more accurately and at more than double the speed. Watch a human sniffer dog in action (2.1MB, requires QuickTime player).

“Once people realised that they could do this, they seemed to develop a good sense of how to zig-zag their noses back and forth across the odour plume in order to pick up the scent most effectively,” says Porter.

Stereo smells

The findings also shed new insight into how mammals smell. Sensory biologists have long-argued about whether mammals compare the scent inputs coming into each nostril in order to localise where a smell is coming from, in the same way they use their left and right ears.

Other animals, such as lobsters, do this by waving their sensor-studded antennae across a scent plume in order to study it, but some had thought that mammalian nostrils were too close together for this to work.

Porter’s team used an imaging technique to establish that the two nostrils do indeed inhale air from distinct, non-overlapping areas of space.

Pick a nostril

Volunteers performed worse at the scent-tracking task when one nostril was blocked, and when they wore a device that conjoined the air input from two separate nostrils into a single “virtual” nostril as it entered the nose.

“It now seems that there’s a common mechanism of scent localization from insects to humans,” says Matthias Laska, a sensory physiologist at Linköping University in Sweden.

As for whether humans could ever get as good as dogs at tracking a scent, Sobel says the biggest problems seems to be getting our noses close to the ground while still being able to move quickly. “Crawling seems to be the rate limiting step,” he says.

The team now plans to study the ability of humans to track scents while standing up.

Journal reference: Nature Neuroscience (DOI: 10.1038/nn1819)

sexta-feira, dezembro 15, 2006

O poder de uma boa tirada

Uma das funções deste blog é divulgar boas leituras, virtuais ou não. Assim, é no pleno cumprimento do dever que apresento a vocês o Sr. Ambrose Bierce, muito conhecido em terras anglófonas como autor de histórias de terror -- o que já lhe rende o crédito pela audácia --, mas também um satirista de primeira linha. O Dicionário do Diabo, sua obra máxima nesse campo, já foi lançado em português, para delícia dos ironistas e dos apreciadores de um humor ferino. Quem lê inglês poderá encontrar a versão original gratuitamente aqui.


O Estado do Paraná / Data:18/9/2005
Vamos rir um pouco com o “amargo” Bierce?

João Manuel Simões
O norte-americano Ambrose Bierce (1842-1914), jornalista famoso pela sua irreverência viperina, e escritor que se notabilizou como autor de contos de horror algo satânicos, da linhagem de Edgar Allan Poe, foi sobretudo um satirista implacável, cuja metralhadora giratória não poupava ninguém.

Cultivando permanentemente a ironia ácida e o sarcasmo contundente, cético e cínico, com uma tendência irresistível para um pessimismo algo mórbido, mas também capaz de exercitar o humor negro (ou branco), apolíneo ou dionisíaco, Bierce pertence a uma família ilustre que tem entre seus antepassados Swift e Voltaire. Isso para não falar dos quase irmãos que se chamaram Oscar Wilde, Bernard Shaw e H. L. Mencken.

Conhecido em vida como the bitter Bierce, o amargo Bierce, esbanjou talento na atividade jornalística, em cuja província fez de tudo, da reportagem ao editorial, da crônica do quotidiano à exegese política, da análise social à crítica literária.

Foi sobretudo um iconoclasta militante, sempre empenhado em demolir ou fustigar com o seu látego verbal acerbo políticos corruptos ou demagogos, administradores incompetentes na administração e competentíssimos nas suas falcatruas rapinantes, empresários desonestos, artistas medíocres, camelôs e charlatães da fé e, last but not least, poetastros.

A síntese do seu pensamento e da sua cosmovisão crítica encontra-se no livro famoso, The devil’s dictionary (O dicionário do diabo). É desse dicionário que eu irei reproduzir alguns verbetes extremamente saborosos, que fui colecionando ao longo dos anos, extraídos de jornais, revistas e livros. (Curiosamente, nunca tive nas mãos o original ou a tradução do dicionário ambrosiano).

Aí vai, pois, uma série de verbetes em cuja textualidade se patenteia de modo claro a verve e o espírito cintilante do autor. Escolhi naturalmente aqueles que se me afiguram mais hilariantes ou significativos.

Como define Bierce o cérebro? Assim: “Trata-se de um aparelho fisiológico com o qual nós pensamos...que pensamos”.

E o que vem a ser, na sua concepção, um infiel? Bierce explica: “Em Nova York, aquele que não crê na religião cristã. Em Bagdá, aquele que crê”.

E o que é, pela peculiaríssima ótica de Ambrose, um aborígene? Ele responde, curto e grosso: “Sujeito de valor reduzido que atravanca as terras recém-descobertas, mas que logo deixa de atravancá-las e passa a fertilizar o solo”. Jonathan Swift não diria melhor.

E como concebe ele a amizade? Com língua afiada e sabendo a fel, Bierce dá a sua definição cáustica: “É um bote suficientemente grande para levar dois passageiros, quando faz bom tempo, mas só um, quando o tempo fica ruim”. Monsieur de Arouet assinaria em baixo.

Continuemos rindo com a leitura de outro verbete – canibal: “Gastrônomo da velha escola, que conserva os gostos simples e adere à dieta natural da época préporcina”.

Vejamos agora o verbete cultura: “Aquela espécie de ignorância que distingue os estudiosos e intelectuais”.

Um conhecido, na opinião desassombrada do dicionarista e prestidigitador conceitual, nada mais é do que “uma pessoa que nós conhecemos suficientemente bem para pedir-lhe dinheiro emprestado, mas não o suficiente para emprestar-lhe”. Shaw e Wilde endossariam a “boutade”.

Já a meninice, vista pelos seus óculos de lentes escuras e irreverentes, é simplesmente “aquele período intermediário entre a idiotia da infância e a loucura da juventude”. Flaubert adoraria.

E o que é verdadeiramente um connaisseur? “Especialista que sabe tudo sobre algo e nada sobre o resto”. É fogo, o amargo Bierce...

Agora, vejamos uma das mais pungentes definições do norte-americano. Ela está consubstanciada no verbete nascimento: “A primeira e a maior de todas as desgraças que podem acontecer ao pobre ser humano”. Existe aí um eco nítido do verso de Camões: “E sempre o mal maior é ter nascido”. Será que Bierce o conhecia? “May be, may be not”.

Outra definição famosa é a que ele dá de patriotismo: “No célebre dicionário do dr. Johnson, o patriotismo aparece definido como o último refúgio dos patifes. Permito-me fazer uma correção indispensável: não é o último, mas o primeiro”.Um verbete digno de La Rochefoucauld ou Chamfort.

Finalmente, a super-hilariante definição de regaço: “Um dos órgãos mais importantes do corpo feminino, providência admirável da natureza para o repouso das crianças, mas útil sobretudo em festas campestres, para suportar bandejas com frangos frios ou cabeças de marmanjos”.

Será preciso acrescentar algo mais? Penso que não. Temos aí o quantum satis. O bastante para o justo deleite do prezado leitor que me deu a honra da sua leitura.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ilusões

Olhe atentamente para esta imagem. (Clique para melhor efeito).





Ainda Pinochet

Existem ocasiões em que o "óbvio", infelizmente, tem de ser enunciado. Todas as discussões em torno da legitimidade do golpe de 11 de setembro de 1973, que elevou a ditadura pinochetista ao poder, sugerem que esta é uma delas. O presente artigo do jornal britânico The Economist demonstra aqui que, para nossa vergonha como seres humanos, muitos jovens de outra forma promissores, que se declaram "liberais" e "defensores da liberdade", ainda não conseguiram entender que esses belos rótulos não fazem sentido se não vêm acompanhados de uma valor muito mais básico; o respeito à vida humana. Sem isso, "liberdade" é um conceito vazio, mais um eufemismo para justificar quaisquer horrores que algum ideólogo hábil possa propor a título de uma boa causa. A morte, a tortura e o "desaparecimento" não podem ser aceitos como políticas oficiais sob qualquer circunstância, por mais dividendos materiais que se possam alegar em seu favor. Isso deveria ser auto-evidente, mas parece que, em pleno século XXI, ainda tem de ser dito e relembrado várias vezes.

Assim, nem Fidel, nem Pinochet, nem George Bush ou quem quer que tenha recorrido a esse tipo de expediente brutal como método e sistema. Aos que vierem relativizar isso, que denunciam, indignados, tais atos nos outros mas abrem sempre uma exceção para o regime de sua preferência -- a estes aplica-se o dito bíblico de "lobos em pele de cordeiro". O bem que estejam dispostos a fazer, e muitos têm lá sua cota de boas intenções genuínas, está ainda manchado pela brutalidade e pelo ódio. Ele jamais será completo, portanto, não importa quão belos sejam seus discursos, e quão imponentes os vultos dos intelectuais que citem. Não percebem que é justamente esse potencial para a destruição que fez ruírem tantos sistemas e movimentos promissores, em todos os tempos, e se não foram capazes de se dar conta disso ao lerem os livros de História, não merecem, hoje, o crédito e a superioridade moral que reclamam. São iludidos, dispostos a romper com formas externas e facções políticas, mas não com a maior praga que infecta qualquer sistema político ou social: o desumanização do outro, seja ele estrangeiro, adversário político, dissidente ou tirano. Ninguém -- ninguém -- tem o direito ao assassinato, e não se pode alegar "legítima defesa" em relação a pessoas já presas, sejam de direita ou de esquerda, terroristas ou guerrilheiras, ou o que forem.
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Augusto Pinochet

The passing of a tyrant

Dec 13th 2006
From The Economist print edition

No ifs or buts. Whatever the general did for the economy, he was a bad man


AP

HIS was not the bloodiest of the military dictatorships that afflicted South America in the 1970s. That accolade belonged to the Argentine junta. Nor was it the longest-lasting: Alfredo Stroessner misgoverned Paraguay for 35 years and Brazil's collegial military regime lasted for 21. But General Augusto Pinochet, who ruled Chile from 1973 to 1990 and who died last weekend, was the most brutally successful of the dictators. He presided over a viciously effective police state and came to personify a whole era of bloody despotism during the latter stages of the cold war (see article).

The left abhorred him not only because of his brutality but because he overthrew the elected Marxist government of Salvador Allende. The coup in 1973, which had the backing of the United States, ended a democratic tradition in Chile that stretched back to the 1930s. For his defenders both at home and abroad—who not long ago were numerous—he was the saviour of his country. They argue that he rescued Chile from communism and went on to turn it into the fastest-growing economy in Latin America by applying free-market policies that would be imitated in eastern Europe and Asia. General Pinochet hoped that a record of economic success, not just intimidation, would enable him to win a referendum in 1988 and remain in power. Chileans voted instead to restore democracy, by 56% to 43%. The general stayed on as army commander, casting an overbearing shadow. He was finally brought to book, if not quite to trial, thanks to a Spanish judge, Britain's House of Lords and the courts in Chile.

The Pinochet story raises two uncomfortable questions for liberals. If the coup did indeed rescue Chile from an elected government that was Marxist-dominated—and thus anti-democratic—was it justified? The answer is no. The Allende government generated economic chaos and extreme political tension and would probably have imploded. But the intention of the junta was to crush democracy, not just communism.

The second uncomfortable question is whether Chile's subsequent economic success was possible only because of dictatorship. Like most Latin American dictators, General Pinochet was instinctively an economic nationalist. But he saw the “Chicago Boys”, a group of free-market economists, as a means to consolidate his personal dictatorship. The radical shrinking of Allende's bloated state was a way to avoid sharing patronage, and thus power, with the armed forces.

With Chileans cowed, the Chicago Boys could work as if in a laboratory, with no regard for social costs. They made mistakes: a fixed exchange rate and unregulated bank privatisations triggered a massive recession and financial collapse in 1982-83. More pragmatic policies and a renewal of growth followed. But it took the return of democracy in 1990, with its ability to bestow legitimacy, to create an investment-led boom and a large fall in poverty. Elsewhere in Latin America, free-market reforms were enacted by democracies.


When economic and political liberty are divorced

Most dictators are economic bunglers. A few get the economy right, as Spain's Franco did after 1958. But in the long run (as China is likely to discover) economic liberty seldom thrives in the absence of political liberty. And General Pinochet's claim to have stood selflessly for the former was tarnished when it emerged that he had amassed a fortune incommensurate with his salary. Even if history bothers to remember that he privatised the pension system, that should not wipe away the memory of the torture, the “disappeared” and the bodies dumped at sea. His defenders—who include Britain's Lady Thatcher—really should know better.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Histórias (reais?) de fantasmas

H-NET BOOK REVIEW
Published by H-Albion@h-net.msu.edu (November, 2006)

Edmund Jones. The Appearance of Evil: Apparitions of Spirits in Wales.
Edited with an introduction by John Harvey. Cardiff: University of Wales
Press, 2004. xii + 164 pp. Color plates, illustrations, notes,
bibliography, index. $49.95 (cloth), ISBN 0-7083-1855-X; $24.95 (paper),
ISBN 0-7083-1854-1.

Reviewed for H-Albion by Kathryn Brammall, Department of
History, Truman State University.

A Preacher's Demons

This short work is editor John Harvey's tribute to a local hero, Edmund
Jones, a "shadowy prophetlike chronicler" of Welsh preternatural
history. The Welsh countryside is rich with legend and mystery, thick
with stories of fairies, ghosts, apparitions, and bodiless voices and
Harvey claims that the nonconformist preacher, who tirelessly
crisscrossed Wales from the 1730s until shortly before his death in
1793, is responsible for the survival of much of this tradition.
Harvey's intention is somewhat to rehabilitate Jones's reputation by
explaining why an intelligent, self-taught, eighteenth-century "great
Lover of Books" would unhesitatingly accept the existence of spirits and
demons.

Over the course of his career, Jones published a number of works, under
both his own name and a pseudonym, Solomon Owen Caradoc, including
several sermons, an autobiography, a geography and history of
Aberystruth, and two on the occult (the first in 1767--now lost--and the
second in 1780). Harvey suggests that though it might seem incongruous
for a religious, enlightened scholar to believe in ghosts, in fact it
was precisely Jones's religious convictions that convinced the preacher
that the spirit world was real and ubiquitous. For Jones, the appearance
of spirits was akin to the occurrence of miracles and demonstrated the
reality of the afterlife, an issue that was central to his religion. At
a time when the popularity of Deism, "Sadducism," and atheism was on the
rise, when more and more people demanded proof of God's existence as the
price of their "faith," when materialism was fast becoming the new
prophet, many Christians felt pressured to help reinvigorate a
"spiritually dark age" (p. 6). This mission was not a simple one and it
was fraught on all sides by dangers. So, as a devout, albeit
independent, nonconforming British Protestant, one wanted to avoid the
specter of Roman Catholic superstition. In addition, an educated mind
could not escape the requirements for proof demanded in an increasingly
scientifically enlightened age.

Harvey claims that in response to these imperatives, Anglicans and
Dissenters who argued for the existence of apparitions "developed
criteria to distinguish between authentic sightings and those that were
inventions of deceit or mania" (p. 6). They wanted to identify what
precisely such creatures were, what they could and would do, and how
these elements reflected the will and glory of God. The accounts Jones
reproduces fall squarely in this tradition and he is careful never to
include what might be considered naïve, unsupported rantings of a
disturbed mind. He is also careful to provide evidence in the form of
eyewitness testimony whenever possible. This testimony, according to
Harvey, is one of the most valuable features of Jones's work because his
sources span the social scale in a way unusual for premodern texts. In
part this is true, though Harvey both overstates and contradicts himself
when he claims that the majority of Jones's witnesses come from the
"servile and labouring classes" (p. 2). Jones's inclusion of testimony
from women, tailors, a turner, and other such artisans is virtually
unique, and therefore valuable, but the majority of his eyewitnesses (58
references over 134 stories) come from worthy, frequently gentry, or
clerical sources and Jones frequently states that he personally can
verify the morality and honesty of his sources. Furthermore, there are
no stories from the criminal or permanently itinerant ranks that
dominate the absolute lowest levels of society.

This and other elements of Harvey's analysis as laid out in the
introduction need to be read cautiously, but they bear consideration,
even though the reader might ultimately reach different conclusions.
Harvey makes claims regarding the book's value for the study of popular
culture, intellectual and religious antagonisms resulting from the
spread of Enlightenment ideals, as well as Jones's antiquarian agenda
and didactic, prophetic approach, and even highlights how Jones reveals
the connectivity between the visual and literary in the common mind.
More problematic, at least for this reader, are some of the editorial
choices Harvey makes. He himself admits that the extent to which he
modernized the wording, spelling, and sentence structure results in an
"edition that constitutes something approaching a translation rather
more than a direct transcription of the source texts." This can be
justified, however, since his aim was to "allow the general reader
immediate and uninterrupted access to the accounts" (p. 40).

What is less understandable and, ultimately more troublesome for the
historian, is Harvey's decisions on what to include in this edition and
his overall organization. Harvey chose to include not only the text of
the surviving "sequel" published in 1780; he inserts what he claims
(without sufficient supporting evidence) are the now lost tales from
1767. He further adds several accounts from Jones's 1779 _A
Geographical, Historical, and Religious Account of the Parish of
Aberystruth_. But the editor's manipulation of the text does not stop
there. Once he has increased the total number of stories by about a
third, he then groups the tales alphabetically by county and parish and
according to type. Though one might be sympathetic to a desire to
include as many "illuminating testimonies" as possible, from whatever
source, in an organization that flows in a pattern easily grasped by the
modern reader, doing so can undermine precisely the value of the
historical voice that Harvey claims is so unique and valuable. By making
such choices it is difficult to imagine how Jones's "charmingly
idiosyncratic" approach survives; surely part of his agenda, and what he
considered most convincing within his arguments is communicated in his
own organization structure and what he chose to publish when and where.
Moreover, we lose the sense of geographic meandering and the resultant
cultural interaction that was so much a part of Jones's exploration of
his Wales.

The above is not meant to suggest that Harvey's editorial choices have
created a book lacking historical rigor and merit; rather it is a
reminder, once again, to read this text carefully, keeping in mind what
it can communicate and what it cannot. It is a lovely book to read
because the editor's writing is clear and its production values are high
(thick glossy paper, vibrant color plates), it provides a picture of
Welsh culture that reinforces the notion that popular beliefs might not
always be at odds with those of social and intellectual elites (even at
the end of the eighteenth century), and it reminds us that religious
devotion was as widespread during the Enlightenment as skepticism and
rational inquiry.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Reforma

Além do You Tube, o Google parece ter adquirido também o Blogger (se é que não já o possuía), motivo pelo qual tive de fazer um "upgrade" por aqui. Com isso, o antigo sistema de comentários do Haloscan teve de ser aposentado. As mensagens ainda estão lá, mas já não mais acessíveis aos visitantes. Em compensação, ficou muito mais fácil criar uma lista de links e adicionar mais alguns acessórios ao layout.

Então, sejam todos bem-vindos ao Divagações 2.1!

domingo, dezembro 10, 2006

Sem deixar saudades

Curioso é que o ditador, aparentemente ainda tão querido no Chile -- apesar dos 3.000 mortos oficiais e das dezenas de milhares de torturados --, morreu no dia dedicado aos direitos humanos.


Outra curiosidade, agora triste, é ver os malabarismos morais que um grupo de jovens ditos "de direita" tem feito para justificar a brutalidade do regime pinochetista. Como não poderia deixar de ser, trata-se de mais uma discussão da comunidade de Olavo de Carvalho no Orkut. Um sinal de que o colunista que um dia admirei anda realmente disseminando o ódio político entre as mentes mais influenciáveis. Uma pena.



10/12/2006 - 15h50

Ditador chileno Augusto Pinochet morre aos 91 anos

da Folha Online

O ditador chileno entre 1973 e 1990 Augusto Pinochet morreu neste domingo, às 14h15 (15h15 pelo horário de Brasília), aos 91 anos, no Hospital Militar de Santiago. Pinochet havia sido internado às pressas na madrugada de domingo (3), após sofrer um ataque cardíaco.

Pinochet morreu no mesmo dia do aniversário de sua esposa, Lucía Hiriart Rodríguez, que completa 84 anos. Grupos peruanos defensores dos direitos humanos ressaltaram a ironia de que o ditador chileno Augusto Pinochet tenha ocorrido no Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado neste domingo.

O Exército afirmou que o corpo de Pinochet seria levado na noite deste domingo (por volta das 21h de Brasília) à Escola Militar. Amanhã, no salão central da instituição acontecerão os atos e a missa fúnebre.

O Exército chileno também informou que o funeral o ditador Augusto Pinochet será na próxima terça-feira.

O governo chileno confirmou que não haverá honras de Estado. A ministra da Defesa chilena, Vivianne Blanlot, representará o Executivo na missa do funeral.

O médico Juan Ignacio Vergara, chefe da equipe médica que atendia Augusto Pinochet, disse que o ditador sofreu um problema cardíaco que não pôde ser superado, apesar de uma série de manobras de reanimação.

Um relatório emitido pelo Hospital Militar de Santiago (às 11h de Brasília de hoje) falava sobre a estabilidade e chances de recuperação de Pinochet. Quatro horas depois, Pinochet sofreu uma "brusca recaída", morrendo às 14h15 (15h15 de Brasília).

Segundo relatório oficial da morte, o chefe militar sofreu uma inesperada e grave falência cardíaca, obrigando sua transferência em estado crítico da Unidade de Cuidados Intermediários para a Unidade de Cuidados Intensivos --onde foram feitas todas as medidas médicas de reanimação, sem resposta positiva.

Últimos anos

Pinochet passou os últimos anos de sua vida morando em Santiago e enfrentando acusações de abusos aos direitos humanos e fraudes cometidos durante os 17 anos em que esteve no poder. Sob seu regime, mais de 3.000 pessoas foram mortas por sua polícia secreta.

Apesar das acusações, o general não chegou a ir a julgamento, já que sua equipe de defesa sempre alegou que sua saúde era muito frágil para que ele enfrente o processo judicial.

Recentemente, quando completou 91 anos, Pinochet divulgou um comunicado afirmando que assumiu a "responsabilidade política" pelos atos cometidos durante seu regime, mas que a única razão para suas medidas era "fazer do Chile um grande país e evitar a desintegração".

"Perto do final dos meus dias, quero manifestar que não guardo rancor de ninguém, que amo a minha pátria acima de tudo, que assumo a responsabilidade política de tudo que aconteceu", afirmou o ex-ditador em mensagem lida por sua mulher, Lucía Hiriart.

A nota foi lida diante de 60 partidários que foram cumprimentá-lo por seu aniversário em sua mansão, situada no bairro de La Dehesa, em Santiago.

Pinochet enfrentava processos por crimes de violações dos direitos humanos, fraude ao fisco e uso de passaportes falsos no chamado Caso Riggs --aberto após a descoberta de contas secretas no exterior, nas quais ele acumulou fortuna de US$ 27 milhões, cuja origem não foi determinada.

Direitos humanos

Entre os processos relacionados a direitos humanos, figuram o desaparecimento de dissidentes em 1975, na chamada Operação Colombo, na qual Pinochet foi acusado de envolvimento no seqüestro de ao menos três dissidentes por serviços de segurança de seu governo.

O ex-ditador chegou a ser preso em diversas ocasiões em conexão com os crimes. Na segunda-feira passada (27), o juiz Víctor Montiglio ordenou a prisão domiciliar o ex-ditador como suposto responsável pelo seqüestro e homicídio de dois presos políticos em 1973, dentro do caso chamado "Caravana da Morte".

As duas vítimas da "Caravana", Wagner Salinas e Francisco Lara, eram membros da segurança do presidente socialista Salvador Allende, que se suicidou no palácio de La Moneda durante o golpe liderado por Pinochet em 11 de setembro de 1973.

Em 2006, o general Manuel Contreras, que chefiava a Dina [polícia secreta chilena] sob o regime de Pinochet, testemunhou ao juiz Claudio Pavez que Pinochet e seu filho, Marco Antonio, estariam envolvidos na produção clandestina de armas químicas e biológicas e no tráfico de cocaína. As acusações estão sendo investigadas pela Justiça chilena.

Com agências internacionais

sábado, dezembro 02, 2006

A arte da desmotivação

Uma visita casual ao excelente blog do Hermenauta, ex-nuance esperta de azul , levou-me a mais um representante do que talvez seja a maior delícia da Internet: a paródia criativa. No caso, àquelas técnicas de motivação que fazem a fortuna de tantos psicólogos e consultores cujo único trabalho consiste em reciclar as velhas idéias de pensamento positivo. Para que ser igual aos outros quando se pode fazer a mesma fortuna e ainda dar umas boas risadas? Essa é a idéia por trás de Despair.com, uma grande fornecedora de produtos desmotivadores, pessimista e cínicos, mas tremendamente bem pensados.

Eis uma amostra das pérolas do site:

Os verdadeiros líderes inspiram pelo exemplo. Quando isso não é uma opção, a intimidação brutal também funciona maravilhosamente.

Concordemos em respeitar as opiniões uns dos outros, não importam o quão errada a sua esteja.

Há uma hora em que todas as equipes aprendem a fazer sacrifícios individuais.

O único elemento consistente em todas as suas relação insatisfatórias é você.

Sempre se lembre de que você é único. Exatamente como todos os outros.

O ruim de ser melhor que todo o mundo é que as pessoas começam a dizer que você é pretensioso.

Sorte não dura a vida inteira a menos que você morra cedo.

Só porque você é necessário não quer dizer que é importante.



sexta-feira, dezembro 01, 2006

"Luke, eu sou seu tio!"


Sem dúvida, uma das coisas mais engraçadas que já apareceram na internet em muito tempo é a triste história do "irmão menos bem-sucedido" de Darth Vader, Lord Chad Vader. Enquanto seu irmão tenta conquistar a galáxia em nome do Lado Negro da Força, o pobre Chad usa exatamente o mesmo traje, as mesmas habilidades e, acima de tudo, a mesma linguagem supervilânica no gerenciamento de um mercadinho. Absolutamente imperdível, a começar pelo tema de abertura.

O link do primeiro capítulo no You Tube é este.

domingo, novembro 26, 2006

A separação segundo Marguerite Yourcenar

Há alguns textos que procuramos uma vida inteira e não achamos. Sem o talento de escrevermos nós mesmos um equivalente, muitas vezes optamos por simplesmente calar, curtindo em silêncio as várias marés da alma. E eis que, um dia, quando a turbulência que nos fez buscá-los em primeiro lugar encontra-se sanada, deparamo-nos com tudo que gostaríamos de ter expressado antes, nos momentos cruciais que pontuam nossa vida com a intensidade incomum dos grandes marcos.

Este encontrei por puro acaso no scrapbook de uma pessoa com quem não mantinha contato há muito tempo. E acabou que uma visita casual para dar um singelo alô se tornou uma descoberta feliz. Assim, tenho uma dívida de gratidão com ela, e outra com Yourcenar por ser, nestes versos, o que Neruda e Gibran foram em outros tantos, também reproduzidos aqui de quando em vez. E como certa vez já disse de um dos poemas do grande poeta chileno, gostaria muito de ter tido o privilégio de ser autor das linhas que seguem -- mas aí já não seriam como são, e eu já não as quereria.

Mas chega de paradoxos. Deles já bastam aqueles inevitáveis a cada despedida.




Gherardo Perini

Não irei mais longe, Gherardo.
Não te acompanho mais porque o trabalho urge
e eu sou um homem velho. Sou um homem velho, Gherardo.
Às vezes, quando te entregas mais à ternura,
chegas a chamar-me teu pai. Mas eu não tenho filhos.
Nunca encontrei mulher tão bela como as minhas figuras de pedra,
mulher que ficasse horas imóvel sem falar,
como coisa necessária que não precisa de agir para ser,
e nos faz esquecer que o tempo passa porque está sempre presente.



Mulher que se deixe olhar sem sorrir nem corar
porque compreendeu que a beleza é qualquer coisa de grave.
As mulheres de pedra são mais castas que as outras,
e mais fiéis, porém, são estéreis.
Não há fenda por onde se possa introduzir nelas o prazer,
a morte, ou a semente de uma criança,
e por isso elas são menos frágeis.
Por vezes quebram-se e em cada pedaço de mármore
fica contida a sua beleza inteira, como Deus
que está em todas as coisas,
mas nada de estranho entra nelas que dilate o seu coração.
Os seres imperfeitos agitam-se e acasalam-se para se completarem,
mas as coisas só belas são solitárias como a dor humana.


Gherardo, não tenho filhos.
Eu bem sei que a maioria dos homens não tem propriamente um filho:
têm Tito, ou Caio, ou Pedro, e não é a mesma alegria.
Se eu tivesse um filho,
ele não se havia de parecer com a imagem que eu dele formara
antes de existir. Assim também as estátuas que faço
são diferentes daquelas que comecei por sonhar.
Mas Deus permite-se ser conscientemente criador.
Se fosses meu filho, Gherardo, eu não te amaria mais,
mas não teria que perguntar-me porquê.
Toda a minha vida procurei respostas a perguntas
que talvez não tenham resposta e perscrutei o mármore
como se a verdade se encontrasse no coração das pedras,
e espalhei as cores para pintar muralhas
como se se tratasse de fixar acordes sobre um enorme silêncio.
Tudo se cala, sabes, até a nossa alma —
ou então somos nós que não ouvimos.


Assim, tu partes.
Na minha idade já não se dá importância a uma separação,
mesmo que definitiva. Eu bem sei que os seres que amamos e que nos amam mais
se vão separando insensivelmente de nós a cada momento que passa.
É também deste modo que se vão separando de si próprios.
Estás sentado sobre essa pedra e julgas-te ainda aí,
mas o teu ser, voltado para o futuro, não adere mais ao que foi a tua vida,
e a tua ausência já começou. É certo que compreendo
que tudo isto é ilusão, como o resto, e que o futuro não existe.
Os homens que inventaram o tempo,
inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo
é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro
mas apenas uma série de presentes sucessivos,
um caminho perpetuamente destruído e continuado
onde todos vamos avançando.


Estás sentado, Gherardo,
mas os teus pés estão assentes no solo
com a inquietação de quem experimenta o caminho.
Estás vestido com trajes do nosso século,
que hão-de parecer feios ou simplesmente estranhos quando o século
tiver passado pois as vestes não são mais que a caricatura do corpo.
Vejo-te nu. Tenho o dom de ver através das roupas o irradiar do corpo,
que é como os santos vêem as almas, segundo penso.
É um suplício quando são feios,
mas é um outro suplício quando são belos,
dessa beleza frágil que a vida e o tempo atacam por todos os lados
e acabarão por tomar-te,
mas neste momento és dono dela e tua será na abóbada da igreja
onde pintei a tua imagem. Mesmo que um dia
o teu espelho te não mostre mais que um retrato deformado
onde não ouses reconhecer-te, existirá sempre noutro sítio
o reflexo imóvel de ti.
E desse modo imobilizarei a tua alma também.


Tu já não me amas.
Se consentes em ouvir-me durante uma hora
é porque somos sempre indulgentes com aqueles que vamos deixar.
Ligaste-me e agora desligas-me.
Não te censuro, Gherardo.
O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido
que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo.
Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces,
ao encontro de quem vais e que porventura te esperam:
aquele que eles vão conhecer será diferente daquele
que eu julguei conhecer e creio amar.
Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e,
sendo a arte a única forma de posse verdadeira,
o que importa é recriar um ser e não prendê-lo.


Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas:
vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los.
Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe,
enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela.
Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo,
assim tu também não és mais para mim
do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver.


Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo.
Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.


Marguerite Yourcenar, O tempo esse grande escultor

sábado, novembro 25, 2006

Músicas para uma noite quente de primavera

Já nostálgico do Video Games Live, um pouco de efervescente música "noturna" ao melhor estilo de uma das mais clássicas e duradouras séries dos jogos eletrônicos:

http://d2.ffshrine.org/soundtracks/Castlevania%20Curse%20of%20Darkness/17_-_a_toccata_into_blood_soaked_darkness.mp3

(Para ouvir, clique no link com o botão direito do mouse e escolha "Salvar destino como...".)

E para variar, uma viagem musical pelas diferentes civilizações da História, na trilha sonora de Civilization IV:

http://gh.ffshrine.org/soundtracks/3145

quinta-feira, novembro 23, 2006

Meditações do dia

"Um intelectual é alguém que achou algo mais interessante do que sexo."

Aldous Huxley



"Não pense que o amor, para ser genuíno, tem de ser extraordinário. O que precisamos é amar sem nos cansarmos."

Madre Teresa de Calcutá



"Vamos sempre ao encontro um do outro com um sorriso, pois o sorriso é o princípio do amor."

Madre Teresa de Calcutá

segunda-feira, novembro 20, 2006

Paz


"Quando o amor vos chamar, segui-o.
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados.
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como o vento devasta o jardim.

Pois, da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica. E da mesma forma que contribui para vosso crescimento, trabalha para vossa poda.
E da mesma forma que alcança vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes e as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete sagrado de Deus.

Todas essas coisas, o amor operará em vós para que conheçais os segredos de vossos corações e, com esse conhecimento, vos convertais num fragmento do coração da Vida."


Gibran Khalil Gibran, O Profeta

sexta-feira, novembro 17, 2006

Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

Cecília Meireles

Uma (gen)ética egoísta


A Sociobiologia, uma interessante abordagem do comportamento humano a partir do que seria a seleção natural, tem se tornado cada vez mais popular entre as pessoas informadas. Entretanto, não é preciso muito esforço para ver a facilidade com que seus postulados podem levar a uma repetição do que aconteceu, no século XIX, com o darwinismo: seu uso como justificativa para normas sociais e diretrizes éticas injustas e exclusivistas, o chamado darwinismo social cujo preceito básico era "Só os mais fortes sobrevivem", significando que "é natural e desejável que os mais fracos (fossem os pobres, os menos inteligentes, os de cor de pele diferente) pereçam". Este texto, colhido a partir dos Arts & Letters Daily, trata do assunto.
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The Chronicle of Higher Education
The Chronicle Review
November 17, 2006

The Social Responsibility in Teaching Sociobiology


By DAVID P. BARASH

Socrates was made to drink hemlock for having "corrupted the youth of Athens." Is sociobiology or — as it is more commonly called these days — "evolutionary psychology" similarly corrupting? Although the study of evolution is, in my opinion, one of the most exciting and illuminating of all intellectual enterprises, there is at the same time, and not just in my opinion, something dark about the implications of natural selection for our own behavior.

Should we revise Pink Floyd's anthem "Another Brick in the Wall" — with its chorus "No dark sarcasm in the classroom/Teachers leave them kids alone" — to "No dark sociobiology in the classroom"? To answer this, we need first to examine that purported darkness.

Basically, it's a matter of selfishness. For a long time, evolution was thought to operate "for the good of the species," a conception that had a number of pro-social implications; that may be one reason why "species benefit" was so widely accepted, and why its overthrow took so long and was so vigorously resisted. Thus, if evolution somehow cares about the benefit enjoyed by a species, or by any other group larger than the individual, then it makes sense for natural selection to favor actions that contribute positively to that larger whole, even at the expense of the individual in question. Doing good therefore becomes doubly right: not just ethically correct but also biologically appropriate. In a world motivated by concern for the group rather than the individual, altruism is to be expected, since it would be "only natural" for an individual to suffer costs — and to do so willingly — so long as other species members come out ahead as a result.

Then came the revolution. Beginning in the 1960s with a series of paradigm-shifting papers by William D. Hamilton, a notable book by George C. Williams (Adaptation and Natural Selection), and with further clarifications in the early 1970s, especially by Robert L. Trivers and John Maynard Smith, and magisterially summarized in Edward O. Wilson's Sociobiology, the conceptual structure of modern evolutionary biology was changed — maybe not forever (it's a bit premature to conclude that), but into the foreseeable future. Sociobiology was born on the wings of this scientific paradigm shift, whose underlying manifesto holds that the evolutionary process works most effectively at the smallest unit: that of individuals and genes, rather than groups and species.

At first glance, none of this seems especially threatening. Moreover it has been liberating in the extreme, shedding new light on a wide range of animal and human social behavior. But at the same time, the individual- and gene-centered view of life offers, in a sense, a perspective that is profoundly selfish; hence Richard Dawkins's immensely influential book, The Selfish Gene. The basic idea has been so productive that it has rapidly become dogma: Living things compete with each other (more precisely, their constituent genes struggle with alternative copies) in a never-ending process of differential reproduction, using their bodies as vehicles, or tools, for achieving success. The result has been to validate a view of human motivations that seems to approve of personal selfishness while casting doubt on any self-abnegating actions, seeing a self-serving component behind any act, no matter how altruistic it might appear. Sociobiologists have thus become modern-day descendants of the cynical King Gama, from Gilbert and Sullivan's Princess Ida, who proudly announces his cynicism: "A charitable action I can skillfully dissect; And interested motives I'm delighted to detect."

Scientifically, such "detection" works. Ethically, however, it stinks: If the fundamental nature of living things — human beings included — is to joust endlessly with each other, each seeking to get ahead, then we're all mired in selfishness — a dark vision indeed.

It might ease the blow by noting that such a vision of human nature is hardly unique to modern evolutionary science. Thus, in An Enquiry Concerning Human Understanding (1748), David Hume wrote that "should a traveller, returning from a far country, bring us an account of men wholly different from any with whom we were ever acquainted ... who were entirely divested of avarice, ambition, or revenge; who knew no pleasure but friendship, generosity, and public spirit; we should immediately, from these circumstances, detect the falsehood, and prove him a liar, with the same certainty as if he had stuffed his narration with stories of centaurs and dragons, miracles and prodigies." Hume also noted, albeit playfully, "It is not irrational for me to prefer the destruction of half the world to the pricking of my finger." More than 200 years ago, people were made uncomfortable by such sentiments, and they still are.

Just as nature is said to abhor a vacuum, it abhors true altruism. Society, on the other hand, adores it. Most ethical systems advocate undiscriminating altruism: "Virtue," we are advised, "is its own reward." Such sentiments are immensely attractive, not only because they are how we would like other people to behave, but probably because at some level, we wish that we could do the same. As Bertolt Brecht notes in The Threepenny Opera, "We crave to be more kindly than we are," so much so that purveyors of good news — those who proclaim the "better angels of our nature" — nearly always receive a more enthusiastic reception than do those whose message is more dour.

Although people are widely urged to be kind, moral, altruistic, and so forth, which suggests that they are basically less kind, moral, altruistic, etc., than is desired, it is also common to give at least lip service to the precept that people are fundamentally good. It appears that there is a payoff in claiming — if not acting — as though others are good at heart. "Each of us will be well advised, on some suitable occasion," wrote Freud, in Civilization and Its Discontents, "to make a low bow to the deeply moral nature of mankind; it will help us to be generally popular and much will be forgiven us for it." Why are people generally so unkind to those who criticize the human species as being, at heart, unkind? Maybe because of worry that such critics might be seeking to justify their own unpleasantness by pointing to a general unpleasantness on the part of others. And maybe also because most people like to think of themselves as benevolent and altruistic, or at least, to think that other people think of them that way. It seems likely that a cynic is harder to bamboozle.

In Civilization and Its Discontents, perhaps his most pessimistic book, Freud went on to lament that one of education's sins is that "it does not prepare [children] for the aggressiveness of which they are destined to become the objects. In sending the young into life with such a false psychological orientation, education is behaving as though one were to equip people starting on a Polar expedition with summer clothing and maps of the Italian Lakes. In this it becomes evident that a certain misuse is being made of ethical demands. The strictness of those demands would not do so much harm if education were to say: 'This is how men ought to be, in order to be happy and to make others happy; but you have to reckon on their not being like that.' Instead of this the young are made to believe that everyone else fulfills those ethical demands — that is, that everyone else is virtuous. It is on this that the demand is based that the young, too, shall become virtuous."

At the same time, we can expect that society will often call for real altruism, not because it is good for the altruist but because it benefits those who receive. (If it were clearly good for the altruist, then society wouldn't have to call for it! In fact, cynics point out that it is precisely because altruism is generally not good for the altruist that social pressures are so often focused on producing it.) Friedrich Nietzsche was probably the most articulate spokesman for the view that society encourages self-sacrifice because the unselfish sucker is an asset to others: "Virtues (such as industriousness, obedience, chastity, piety, justness) are mostly injurious to their possessors. ... If you possess a virtue, ... you are its victim! But that is precisely why your neighbor praises your virtue. Praise of the selfless, sacrificing, virtuous ... is in any event not a product of the spirit of selflessness! One's 'neighbor' praises selflessness because he derives advantage from it."

If Nietzsche is correct, then there is probably a distressingly manipulative quality to morals, to most religious teachings, to the newspaper headlines that celebrate the hero who leaps into a raging river to rescue a drowning child, to local Good Citizenship Awards and PTA prizes.

"That man is good who does good to others," wrote the 17th-century French moralist Jean de La Bruyère. Nothing objectionable so far; indeed, it makes sense (especially for the "others"). But La Bruyère goes on, revealing a wicked pre-Nietzschean cynicism: "If he suffers on account of the good he does, he is very good; if he suffers at the hands of those to whom he has done good, then his goodness is so great that it could be enhanced only by greater suffering; and if he should die at their hands, his virtue can go no further; it is heroic, it is perfect."

Such "perfect" heroism can only be wished on one's worst enemies.

Exhortations to extreme selflessness are easy to parody, as not only unrealistic but also paradoxically self-serving insofar as the exhorter is likely to benefit at the expense of the one exhorted. Yet the more we learn about biology, the more sensible becomes the basic thrust of social ethics, precisely because nearly everyone, left to his or her devices, is likely to be selfish, probably more than is good for the rest of us. The philosopher and mathematician Bertrand Russell pointed out that "by the cultivation of large and generous desires ... men can be brought to act more than they do at present in a manner that is consistent with the general happiness of mankind." Society is therefore left with the responsibility to do a lot of cultivating.

Seen this way, a biologically appropriate wisdom begins to emerge from the various commandments and moral injunctions, nearly all of which can at least be interpreted as trying to get people to behave "better," that is, to develop and then act upon large and generous desires, to strive to be more amiable, more altruistic, less competitive, and less selfish than they might otherwise be.

Enter sociobiology. With its increasingly clear demonstration that Hume, Freud, Brecht, and Nietzsche (also Machiavelli and Hobbes) are basically onto something, and that selfishness resides in our very genes, it would seem not only that evolution is a dispiriting guide to human behavior, but also that the teaching of sociobiology (or evolutionary psychology) should be undertaken only with great caution. The renowned primatologist Sarah Hrdy accordingly questioned "whether sociobiology should be taught at the high-school level ... because it can be very threatening to students still in the process of shaping their own priorities," adding: "The whole message of sociobiology is oriented toward the success of the individual. ... Unless a student has a moral framework already in place, we could be producing social monsters by teaching this."

What to do? One possibility — unacceptable, I would hope, to most educators — would be to refrain altogether from teaching such dangerous truths. Teacher, leave them kids alone! Preferable, I submit, is to structure the teaching of sociobiology along the lines of sex education: Teach what we know, but do so in age-appropriate stages. Just as we would not bombard kindergartners with the details of condom use, we probably ought not instruct preteens in the finer points of sociobiology, especially since many of those are hidden even to those expected to do the teaching. For one thing, a deeper grasp of the evolutionary biology of altruism reveals that even though selfishness may well underlie much of our behavior, it is often achieved, paradoxically, via acts of altruism, as when individuals behave in a manner that enhances the ultimate success of genetic relatives. Here, selfishness at the level of genes produces altruism at the level of bodies. Ditto for "reciprocity," which, as Robert Trivers elegantly demonstrated more than three decades ago, can produce seemingly altruistic exchanges and moral obligations even between nonrelatives. Yet genetic selfishness underlies it all. Alexander Pope concluded, with some satisfaction, "That Reason, Passion, answer one great aim; That true Self-love and Social are the same."

Sociobiologists understand that there is an altruistic as well as a selfish side to the evolutionary coin. A half-baked introduction to the discipline, which pointed only to the latter, would therefore do students a substantial disservice. Moreover, gene-centered evolutionary thinking can also expand the sense of self and emphasize interrelatedness: Altruism aside, just consider all those genes for cellular metabolism, for neurotransmitters and basic body plans, all of them shared with every living thing, competing and pushing and somehow working things out on a small and increasingly crowded planet. There, by the grace of evolution, go a large part of "ourselves."

"Gene-centered theories are often reviled," writes the gene theorist David Haig, "because of their perceived implications for human societies. But even though genes may cajole, deceive, cheat, swindle, or steal, all in pursuit of their own replication, this does not mean that people must be similarly self-interested. Organisms are collective entities (like firms, communes, unions, charities, teams) and the behaviors and decisions of collective bodies need not mirror those of their individual members." To some extent, in short, we may even possess — gulp! — free will.

Beyond the question of what our genes may be up to and the extent to which we are independent of them, those expected to ponder the biology of their own "natural" inclinations ought also to be warned (more than once) about the "naturalistic fallacy," the presumption that things natural are, ipso facto, good. I'd even suggest pushing this further, and that the real test of our humanity might be whether we are willing, at least on occasion, to say no to our "natural" inclinations, thereby refusing go along with our selfish genes. To my knowledge, no other animal species is capable of doing that. More than any other living things, we are characterized by an almost unlimited repertoire; human beings are of the wilderness, with beasts inside, but much of the beastliness involves gene-based altruism no less than selfishness. (Recall the paradox that genetic selfishness is often promoted via altruism toward other individuals insofar as these recipients are likely to carry identical copies of the genes in question.)

Moreover, as Carl Sandburg put it, each human being is "the keeper of his zoo." Even that is not evidence of a lack of evolutionary influence; rather, it is a result of selection for being a good zookeeper. Socrates, we are told, elected to drink the hemlock when he could have followed a different path. Human beings are capable not only of understanding what the evolutionary process hath wrought, but also of deciding, in the clear light of reason as well as ethics, whether to follow.

David P. Barash is a professor of psychology at the University of Washington.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças



Quanto você daria para esquecer? Eis a premissa desse filme tão original e interessante, delicado sem sombra de pieguice, cuja sinopse está aqui. Um filme para assistir e meditar.

Abaixo, o poema citado no filme e que o inspirou, com destaque para o trecho que lhe dá título.

From Eloisa to Abelard


"...Ah wretch! believ'd the spouse of God in vain,
Confess'd within the slave of love and man.
Assist me, Heav'n! but whence arose that pray'r?
Sprung it from piety, or from despair?
Ev'n here, where frozen chastity retires,
Love finds an altar for forbidden fires.
I ought to grieve, but cannot what I ought;
I mourn the lover, not lament the fault;
I view my crime, but kindle at the view,
Repent old pleasures, and solicit new;
Now turn'd to Heav'n, I weep my past offence,
Now think of thee, and curse my innocence.
Of all affliction taught a lover yet,
'Tis sure the hardest science to forget!
How shall I lose the sin, yet keep the sense,
And love th' offender, yet detest th' offence?
How the dear object from the crime remove,
Or how distinguish penitence from love?
Unequal task! a passion to resign,
For hearts so touch'd, so pierc'd, so lost as mine.
Ere such a soul regains its peaceful state,
How often must it love, how often hate!
How often hope, despair, resent, regret,
Conceal, disdain — do all things but forget.
But let Heav'n seize it, all at once 'tis fir'd;
Not touch'd, but rapt; not waken'd, but inspir'd!
Oh come! oh teach me nature to subdue,
Renounce my love, my life, myself — and you.
Fill my fond heart with God alone, for he
Alone can rival, can succeed to thee.

How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd;
Labour and rest, that equal periods keep;
"Obedient slumbers that can wake and weep;"
Desires compos'd, affections ever ev'n,
Tears that delight, and sighs that waft to Heav'n.
Grace shines around her with serenest beams,
And whisp'ring angels prompt her golden dreams.
For her th' unfading rose of Eden blooms,
And wings of seraphs shed divine perfumes,
For her the Spouse prepares the bridal ring,
For her white virgins hymeneals sing,
To sounds of heav'nly harps she dies away,
And melts in visions of eternal day.

Far other dreams my erring soul employ,
Far other raptures, of unholy joy:
When at the close of each sad, sorrowing day,
Fancy restores what vengeance snatch'd away,
Then conscience sleeps, and leaving nature free,
All my loose soul unbounded springs to thee."

segunda-feira, novembro 13, 2006

Amores e águas turvas

Bridge over troubled water, de Paul Simon e Art Garfunkel, é uma melodia muito conhecida, comum em inúmeras coletâneas baratas de orquestras obscuras. É daquele tipo de música que, se ouvida mais de uma vez, "gruda" no cérebro e nos arrasta para um replay mental que pode durar dias a fio. Tendo-a ensaiado para um coral improvisado há mais de uma semana, eu mesmo ainda estou pagando esse preço, ouvindo-a internamente nas mais diversas horas do dia. Apesar desse "incômodo" -- é uma bela canção, embora repassá-la 3600 vezes não estivesse no plano original --, há um outro motivo pelo qual ela é notável: sua letra.

Antes, uma explicação. Boa parte das canções pop pode ser resumida a uns poucos tópicos de apelo supostamente universal e que se repetem, repetem, repetem... Talvez os mais comuns sejam a paixão não correspondida, a "dor-de-cotovelo", o desejo de desforra, o ciúme a tristeza pela perda, enfim, uma infinidade de variações sobre o "amor". Algumas dessas obras são lindíssimas, um sem-número é de composições banais, mas o que chama a atenção é que versam quase sempre sobre apenas um tipo de amor, o chamado "amor romântico". Essa preferência até se justifica, pela intensidade que caracteriza esse sentimento e o lugar de destaque que ele tem em nossa cultura nos últimos séculos. Porém, em todos os tempos aqueles que procuram um sentido maior para a vida humana não deixaram de observar que esse tipo de amor, tal como é usualmente compreendido, está longe de ser o mais nobre dentre os sentimentos. As razões disso não precisam ser explicadas ao leitor atento, mas uma em particular diz respeito à música de Simon & Garfunkel: a posse.

Não me refiro ao ciúme, aquela vigília contra a concorrência que a Mãe Natureza nos legou e que tantas vezes obscurece o espírito e a alegria de viver. Falo, simplesmente, da condicionalidade, o bom e velho "toma-lá-dá-cá" implicado na paixão, mas que se oculta no auge dessa emoção, quando o apaixonado se sente capaz de mover céus e terras pelo outro sem esperar nada em troca. Ora, esse altruísmo é sincero, sem dúvida, mas costuma ser ilusório, já que toda essa afeição intensa, flamejante, precisa de reciprocidade, do contrário mingua e morre (muitas vezes de forma dolorosa); se correspondida, dá e passa, de modo que, por si mesma, não se sustenta.
Então, se é assim, o que resta? O que lhe falta? E como reconhecer a diferença?

Esse é tema para mentes melhores e corações mais experientes que o deste blogueiro. Mas ficam as perguntas, minhas e de bilhões, sobre como podemos passar da condicionalidade à verdadeira generosidade que constitui o amor genuíno, mesmo em sua forma conjugal. E enquanto esse mistério não se resolve, vamos tateando pela vida, tentando descobrir na prática que amor é esse que tantos trabalhos nos damos para oferecer e pelo qual eventualmente nos deixamos iludir. E se um dia conseguirmos realmente desvendá-lo, aí, quem sabe, teremos condição de descobrir algo que vá além dele, um amor que, afinal, seja Amor.

Ponte sobre as águas turvas
(Adaptação de Evê Sobral)

Se a solidão for demais e em teu coração
não sentires a paz, eu quero estar bem perto
Como alguém que torce por teu bem

Como ponte sobre as águas turvas
Hás de me encontrar


Se a luz que tens se apagar e a escuridão,
meu Pai, ofuscar teu olhar
Verei a luz nas trevas do coração
Com a mão na tua mão

Como ponte sobre as águas turvas
Hás de me encontrar


Vamos navegar, navegar
Em busca de um lugar para a gente sonhar
Somos iguais, eu já sonhei também
Com esta mesma paz, e se acaso precisares de alguém
Hás de me encontrar

Como ponte sobre as águas turvas
Hás de me encontrar

"O" show


sábado, novembro 11, 2006

Milhões de japoneses não podem estar errados...

Japoneses enfrentam longas filas para comprar PlayStation 3
A Sony diz que 400 mil aparelhos serão disponibilizados nos EUA
Centenas de pessoas enfrentaram longas filas neste sábado no Japão para comprar o mais recente lançamento da Sony, o aparelho de videogame PlayStation 3.

Cem mil aparelhos foram colocados à venda e todos já teriam sido vendidos, embora a Sony não tenha confirmado a informação.

Devido à grande demanda pelo produto, as lojas de eletrônicos organizaram uma loteria para decidir quem na fila poderia comprar o tão esperado videogame.

Vendedores usaram microfones para acalmar clientes impacientes e alertar que a venda seria cancelada caso houvesse algum incidente.

"Eu estava esperando por esse dia há muito tempo. Vou jogar todo o fim de semana. Não vou nem comer", disse Tomoake Nakamura, de 41 anos, que estava na fila da loja Bic Camera, em Tóquio, onde estavam cerca de mil pessoas.

Preços

O novo aparelho da Sony está sendo vendido em duas configurações: uma versão mais cara com 60GB e wi-fi (60.000 ienes, o equivalente a R$ 1.090) e uma versão mais barata com 20GB (49.980 ienes, o equivalente a R$ 909).

O lançamento na Europa é aguardado para março do ano que vem e os preços devem ser mais caros do que no Japão.

Originalmente, o lançamento do PlayStation 3 estava marcado para o início de 2006, mas problemas na produção resultaram no atraso.

A Sony diz que 400 mil aparelhos serão disponibilizados nos Estados Unidos no dia 17 de novembro.

A expectativa da empresa é que 6 milhões estejam nas prateleiras ao redor do mundo até o final de março do ano que vem.

segunda-feira, outubro 30, 2006

O caminho da vida



"Suponhamos uma estrada longa, em cuja extensão se encontram, de distância em distância, mas com intervalos desiguais, florestas que se tem de atravessar e, à entrada de cada uma, a estrada, larga e magnífica, se interrompe, para só continuar à saída. O viajor segue por essa estrada e penetra na primeira floresta. Aí, porém, não dá com caminho aberto; depara-se-lhe, ao contrário, um dédalo inextricável em que ele se perde. A claridade do Sol há desaparecido sob a espessa ramagem das árvores. Ele vagueia, sem saber para onde se dirige. Afinal, depois de inauditas fadigas, chega aos confins da floresta, mas extenuado, dilacerado pelos espinhos, machucado pelos pedrouços. Lá, descobre de novo a estrada e prossegue a sua jornada, procurando curar-se das feridas.

Mais adiante, segunda floresta se lhe antolha, onde o esperam as mesmas dificuldades. Mas, ele já possui um pouco de experiência e dela sai menos contundido. Noutra, topa com um lenhador que lhe indica a direção que deve seguir para se não transviar. A cada nova travessia, aumenta a sua habilidade, de maneira que transpõe cada vez mais facilmente os obstáculos. Certo de que à saída encontrará de novo a boa estrada, firma-se nessa certeza; depois, já sabe orientar-se para achá-la com mais facilidade. A estrada finaliza no cume de uma montanha altíssima, donde ele descortina todo o caminho que percorreu desde o ponto de partida. Vê também as diferentes florestas que atravessou e se lembra das vicissitudes por que passou, mas essa lembrança não lhe é penosa, porque chegou ao termo da caminhada. É qual velho soldado que, na calma do lar doméstico, recorda as batalhas a que assistiu. Aquelas florestas que pontilhavam a estrada lhe são como que pontos negros sobre uma fita branca e ele diz a si mesmo: “Quando eu estava naquelas florestas, nas primeiras, sobretudo, como me pareciam longas de atravessar! Figurava-se-me que nunca chegaria ao fim; tudo ao meu derredor me parecia gigantesco e intransponível. E quando penso que, sem aquele bondoso lenhador que me pôs no bom caminho, talvez eu ainda lá estivesse! Agora, que contemplo essas mesmas florestas do ponto onde me acho, como se me apresentam pequeninas! Afigura-se-me que de um passo teria podido transpô-las; ainda mais, a minha vista as penetra e lhes distingo os menores detalhes; percebo até os passos em falso que dei.”

Allan Kardec, Obras Póstumas.