quinta-feira, agosto 31, 2006

Beleza?

Um choque de realidade aos que se iludem com padrões cinematográficos de estética está disponível aqui.

O retorno do desespero


Atormentados e niilistas de todo o mundo, alegrai-vos! O Grito foi reencontrado!

Notícias do dia

A mente humana, me perdoem o clichê, é uma caixa de surpresas. Aqui vão duas notícias que não são exatamente revolucionárias, mas que dão o que pensar. Por exemplo, o que se convencionou chamar de experiência mística será uma mera questão química? Haverá diferença entre uma experiência dessas obtida por alucinógenos num experimento científico, destituída de qualquer contexto religioso, e aquelas obtidas espontaneamente ou no âmbito de uma busca espiritual? E quanto aos videogames, o texto não responde a algo muito importante: por quanto tempo duraria a dessensibilização? E haveria diferença qualitativa entre os efeitos de um jogo violento e uma sessão de, digamos, Comando para Matar, aquele clássico do exército-de-um-homem-só que hoje governa a Califórnia?

Da revista Viver Mente & Cérebro:
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Cientistas reproduzem experiência "mística"
usando alucinógeno presente em cogumelo


Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, comprovou que um alcalóide vegetal chamado psilocibina, presente em cogumelos usados em experiências religiosas pode, de fato, induzir o consumidor a experiências místicas. A substância ativa do cogumelo sagrado para populações mexicanas reproduz os efeitos que a serotonina nos receptores cerebrais, assim como outros alucinógenos.

Segundo artigo publicado na revista Psycopharmacology, as experiências realizadas sob condições rigorosamente controladas provocaram alterações de comportamento que se estenderam por vários meses. No entanto, ainda não foram identificadas as regiões exatas do cérebro onde ela funciona, nem o modo como age.

"A consciência humana é uma função do fluxo de impulsos neurais em diversas regiões do cérebro, o substrato no qual agem substâncias como a psilocibina", comentou o ex-diretor do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (Nida, em inglês), dos Estados Unidos, Charles Schuster. "Compreender o que media esses efeitos merece investigação", diz. O pesquisador acredita que o estudo representa um marco na investigação de compostos alucinógenos. "A abordagem pode retomar com maior valor científico as pesquisas iniciadas nos anos 50, que abriram caminho para a compreensão mecanismos da consciência e da percepção sensorial e também do potencial terapêutico de algumas substâncias."
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Videogames e violência
Jogos eletrônicos de conteúdo agressivo diminuem sensibilidade à violência real

O temor de tantos pais e educadores acaba de ganhar um argumento científico a favor: videogames violentos realmente tornam os jovens menos sensíveis à violência real. É o que mostra um estudo publicado no Journal of Experimental Social Psychology.

Os pesquisadores trabalharam com o conceito de dessensibilização, isto é, a diminuição da resposta emocional, medida fisiologicamente, a cenas reais de violência. As variáveis avaliadas foram freqüência cardíaca e resposta galvânica da pele (alterações da resistência elétrica da pele, muito sensível à variação dos estados emocionais).

Participaram do estudo 257 alunos do ensino médio divididos em dois grupos. Para um deles foram selecionados quatro jogos classificados como violentos: Carmageddon, Duke Nukem, Mortal Kombat e Future Cop. No outro grupo, os jovens podiam jogar outros quatro considerados não-violentos: Glider Pro, 3D Pinball, 3D Munch Man e Tetra Madness. Cada indivíduo passou por uma sessão de jogo de 20 minutos.

Em seguida, eles assistiram a um vídeo de dez minutos com cenas de violência extraídas de filmes e de programas de televisão. Os participantes expostos aos jogos violentos apresentaram resposta galvânica e freqüência cardíaca bem mais baixas que as do outro grupo.

"As imagens de pessoas apanhando ou sendo baleadas causaram reações mais brandas nos que tiveram contato com games violentos durante apenas 20 minutos", disse Nicholas Carnagey, da Universidade do Estado de Iowa, um dos autores do estudo. A resposta galvânica e os batimentos cardíacos não diferiram entre os grupos antes da sessão de jogos, nem imediatamente depois dela.

Pesquisas anteriores já haviam mostrado a relação entre videogames, pensamentos agressivos e comportamentos menos solidários. Segundo os autores, cerca de metade dos títulos disponíveis é considerada extremamente violenta.


segunda-feira, agosto 28, 2006

Fome

Há dias em que tudo que se quer é um poema, se não próprio, de outrem; se não escrito, pensado; se não composto, sentido. É uma fome pungente, ansiosa como todos os apetites, mas que vem do peito que carece, dos olhos que querem ver além da luz, do ouvido que exige ritmo, da mente que clama por uma metáfora e um trocadilho. Fome ingrata, que não se contenta com qualquer coisa mas também não diz bem o que quer; só sabe o que a satisfaz quando o vê diante de si. Até lá, que procura! Compulsam-se versos, correm-se estrofes, palavras sem fim em busca do mistério de uma harmonia!

E para quê? Como se sacia essa fome? Sei apenas que ela dá e passa, mas quando passa, que falta me faz...

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Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos
Frente a frente...
...Sempre...
...A se olharem...
Pensar talvez:
“Paralelos que se encontram no infinito...”
No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.

Pablo Neruda

Uma questão crucial em nosso tempo

Após a aventura americana no Oriente Médio, ao que tudo indica concebida antes mesmo do 11 de setembro, uma velha questão voltou à baila: o modelo democrático americano, baseado em grupos de interesse e associações formadas espontaneamente pelos cidadãos, a chamada sociedade civil, é exportável para outros países e culturas? É o que Howard Wiarda se propõe responder aqui.

sábado, agosto 19, 2006

Emoções e decisões morais

Dilema 1: cinco pessoas estão num vagão descontrolado, que ruma para a destruição. Porém, próximo aos trilhos, numa passarela, está um indivíduo corpulento que, se posto no caminho do veículo, fatalmente o fará parar. Claro, nosso rechonchudo herói pagaria com a vida o salvamento de cinco pessoas. Você está na passarela no momento em que o cenário acima se apresenta. Não há muito tempo para pensar. O desfecho da história está em suas mãos: sacrificar cinco vidas ou uma.

Pergunta: Você empurra o sujeito da passarela para os trilhos?


Dilema 2: O mesmo vagão, as mesmas cinco prováveis vítimas. Mas há uma opção para elas: se você, o operador dos trilhos, puxar uma alavanca, o trajeto do vagão mudará para uma via alternativa na qual o vagão poderá ser parado. Contudo, há uma pessoa parada no meio dessa outra via, e o desvio certamente a matará.

Pergunta: Você puxa a alavanca?


Pense um pouco. Digamos que por 15 segundos.


Você respondeu "Não" à primeira pergunta e "Sim" à segunda? Se foi o caso, saiba que boa parte das pessoas interrogadas a respeito em uma experiência concordam com você. O problema é que, quando assistiam a um programa humorístico antes, elas se sentiam bem mais dispostas a empurrar o nosso heróico transeunte desavisado passarela abaixo. Apenas uma das pistas para o quanto as emoções influenciam nosso julgamento moral. Cortesia do Boston Globe.

O quê? Você respondeu "Não" às duas perguntas? Hmmm... Neste caso, sugiro ler isto. Só por precaução.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Dilema

A sociedade brasileira acaba de ser ver às voltas com mais um dilema. Porém, um que não parece permitir o adiamento, o "longo prazo" implícito no discurso de sociólogos, planejadores e outros especialistas que quase sempre repetem os mesmos apelos vagos na mídia, entremeados de jargões e títulos acadêmicos. Podemos ter chegado ao ponto em que o conceito de "bem maior" se constituirá de um conjunto de "males menores" que certamente serão marcados pela brutalidade e o derramamento excessivo de sangue. Outros países já alcançaram essa encruzilhada, talvez tenhamos atravessado o limiar que conduz a ela.

Vale a pena ler o artigo de Guilherme Fiúza e os comentários que despertou: http://politicaecia.nominimo.com.br/?p=339.

As perguntas que me vêm no momento é: teremos fibra para evitar a via da brutalidade como resposta imediata a uma onda de terror que só tende a crescer? Teremos, como coletividade, a serenidade de aguardar mudanças institucionais? Ou simplesmente reagiremos com dúzias de Carandirus, pagando na mesma moeda a ousadia de um crime que parece ter deixado sua natureza de busca inescrupulosa e sub-reptícia de lucro em prol de uma confrontação direta com o Estado?

Leio nas manchetes que os candidatos à presidência evitaram o tema da segurança em seus programas eleitorais. Duvido que possam fazê-lo por muito tempo. Mas também duvido que tenham idéia de como administrar a situação que ora se apresenta. É bem possível que a repetição do cenário paulista, e seu previsível alastramento por outros estados à medida que a eficiência do terrorismo ficar demonstrada, force-os a uma tomada de posição. Contudo, dado o histórico recente de promessas não cumpridas e falta de persistência em medidas já aprovadas, além da notória capacidade de alguns juristas em declarar inconstitucionalidades em horas impróprias, é difícil que haja propostas concretas. Teremos mais jargão, mais promessas, mais vacuidade --tudo temperado com ônibus queimados, execuções de familiares de agentes policiais, boatos aterrorizantes e, agora, jornalistas seqüestrados. E uma vez que aceitemos oficialmente a noção muito difundida de que estamos em guerra, quanto tempo vai levar para nos tornarmos tão sedentos de sangue quanto os inimigos que pretendemos vencer? Aliás, quanto tempo vai levar, se ainda precisaremos de algum, para igualar a vitória à mera eliminação física do maior número possível de presidiários? Afinal, se se reconhece que a punição máxima prevista em lei -- o envio do criminoso à prisão -- é ineficaz, o que mais resta senão a pena de morte, de preferência imediata e sem julgamento? Se não se pode confinar aquele que nos ameaça...

Seja qual for o resultado dessa mudança na relação entre criminosos (terroristas?) e a sociedade em geral, parece-me que já sofremos ao menos uma grande derrota moral. Pois do medo à raiva, e desta à legitimação do vale-tudo contra a figura do inimigo, é preciso muito pouco.

Homens, mulheres: no fundo, apenas humanos

Ler sobre as diferenças neurológicas e psicológicas entre homens e mulheres, e, por extensão, sobre a relação disso com os seus papéis na sociedade, tem o peculiar efeito de confundir a sensação de obviedade a respeito do sexo oposto. Convivemos desde que nascemos e, no entanto, após tomar conhecimento de experimentos como o da Dra. Brizendine, é difícil evitar a sensação de que há algo na experiência do outro que sempre vai nos escapar. Não se trata apenas de papéis sociais, hoje até bastante fluidos tanto para homens quanto para mulheres (desde que se nasça na cultura certa); mas das "engrenagens internas" do cérebro. Claro, reencarnacionismo à parte, é uma curiosidade que jamais será satisfeita. Entretanto, esse tipo de indagaçãosem futuro ainda me rondava a cabeça quando deparei-me com este texto numa lista de discussão. O autor é o mesmo de "Mais Platão, Menos Prozac", obra icônica de um movimento que pretende resgatar o papel da reflexão filosófica na construção de uma vida plena e satisfatória, em contraposição à constante medicalização de problemas que antes eram considerados puramente morais.

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Transcender as Diferenças
Lou Marinoff (em "Pergunte a Platão" - Ed. Record)

"A cultura não só acentua, contraria ou distorce a diferença entre os sexos; também pode transcendê-la. Pense a respeito. As funções mais nobres, mais evoluídas e mais criativas do ser humano não têm sexo nem pertencem a determinado papel sexual. Se você tem alma, ela não tem sexo. Se compõe músicas, escreve poemas, pinta telas ou comprova teoremas, eles não têm sexo, e a vivência deles pelo público também não tem. Se realiza um ato de amor ou compaixão, isso não tem sexo. Se formula e aplica um princípio filosófico, seja estóico, platônico ou pragmático, nem a formulação nem a aplicação tem sexo. Se pratica meditação ou aumenta sua percepção de algum outro modo, a consciência assim exercida não tem sexo.

É neste nível que você começa a atingir todo o seu potenciall: não como macho ou fêmea, não como homem ou mulher, mas como ser humano. Se a socialização e a educação humanas não levam a pessoa a este nível, a sociedade consistirá de um conjunto de seres amarrados e muitas vezes atormentados, com considerável mal-estar. Com certeza se seguirá o conflito social. Serão travadas guerras entre os sexos. A coexistência pacífica é sempre melhor e é atingida com mais segurança pela transcendência.

O que significa transcendência em termos práticos? (...)

Se você começar a pensar assim sobre sua vida perceberá que parte dela é determinada (por exemplo, seu sexo e seu passado) e parte é aberta (por exemplo, seu papel sexual e seu futuro). A parte que pode ser determinada é como seu currículo; mas isso não define você inteiramente. Sua inteireza inclui seu futuro, que não pode ser controlado porque ainda não aconteceu. Eis uma notícia maravilhosa ! (...) E sua vida também pode ser assim. Os eventos que vão ocorrer na sua vida não são necessariamente determinados ou previsíveis pelos eventos que vieram antes. (...) Transcendência não é o mesmo que aleatoriedade.

Você nasceu macho ou fêmea; assim, obteve uma experiência de vida masculina ou feminina. Deste modo, de início vê a si e ao outro pela lente bifocal de seu sexo e de seu papel sexual. Mas eles não transmitem imagem nenhuma do que pode realizar como ser humano transcendente. Assim, você pode se render às circunstâncias e sentir-se limitado por elas ou permitir a possibilidade de que seu futuro não tenha necessariamente de assemelhar-se ao seu passado. Esta permissão é um ato mental de transcendência. Sua anatomia e sua fisiologia não são o seu destino. Você pode escolher para si o futuro que visualiza. Escolher traz para você conseqüências reais. Transcender significa ir além de suas limitações da definição sexual e da previsibilidade dos papéis sexuais. Transcender costuma combinar a negação de alguma coisa (a condição limitante imposta) com a preservação de outra (a vontade e a capacidade natural de tornar real o resultado desejado)."

quinta-feira, agosto 10, 2006

O cérebro feminino

Primeiro, as diferenças entre os sexos eram explicadas como um fato da natureza: homens e mulheres tinham naturezas diferentes e ponto final. Mais tarde, à medida que as explicações da personalidade pela neurologia iam perdendo popularidade e o contato com diferentes culturas ia expandindo nosso conceito do que era a natureza humana, passou a ser politicamente correto pressupor-se que, embora os cérebros feminino e masculino tivessem diferenças catalogadas, isso não importante. Mulheres agiam de forma "feminina" porque haviam sido criadas assim, o mesmo valendo para os homens. Não haveria um substrato biológico para as diferenças de comportamento tão visíveis em tantas culturas; as diferenças entre os sexos eram uma questão histórico-antropológica, simplesmente.

Eis que, na alvorada do século XXI, essa teoria culturalista da guerra dos sexos se vê ameaçada. Fico me perguntando o que Shulamith Firestone diria desse estudo da Dra. Brizendine sobre o funcionamento do cérebro feminino, que, entre outras coisas, levantou uma propriedade muito interessante dos abraços prolongados.

Leitoras deste blog, nunca abracem por muito tempo alguém em quem não pretendam realmente confiar.
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FEMME MENTALE
San Francisco neuropsychiatrist says differences between women's and men's brains are very real, and the sooner we all understand it, the better

Joe Garofoli, Chronicle Staff Writer

Sunday, August 6, 2006

Louann Brizendine's feminist ideals were forged in the 1970s, so the UCSF neuropsychiatrist is aware that some parts of her new book, "The Female Brain," sound politically incorrect.

Such as the part about how a financially independent woman may talk about finding a soul mate, but when she meets a prospective mate her brain is subconsciously sizing up his portfolio. Or the part describing the withdrawal pains moms feel when they return to work and can no longer cop a hormonal high from breast-feeding their babies.

Women have come a long way toward equality over the past 50 years, but the Yale-trained Brizendine, 53, says her research indicates that human brains are still wired for Stone Age necessities.

Male and female brains are different in architecture and chemical composition, asserts Brizendine. The sooner women -- and those who love them -- accept and appreciate how those neurological differences shape female behavior, the better we can all get along.

Start with why women prefer to talk about their feelings, while men prefer to meditate on sex.

"Women have an eight-lane superhighway for processing emotion, while men have a small country road," she writes. Men, however, "have O'Hare Airport as a hub for processing thoughts about sex, where women have the airfield nearby that lands small and private planes."

Untangling the brain's biological instincts from the influences of everyday life has been the driving passion of Brizendine's life -- and forms the core of her book. "The Female Brain" weaves together more than 1,000 scientific studies from the fields of genetics, molecular neuroscience, fetal and pediatric endocrinology, and neurohormonal development. It is also significantly based on her own clinical work at the Women's and Teen Girls' Mood and Hormone Clinic, which she founded at UCSF 12 years ago. It is the only psychiatric facility in the country with such a comprehensive focus.

A man's brain may be bigger overall, she writes, but the main hub for emotion and memory formation is larger in a woman's brain, as is the wiring for language and "observing emotion in others." Also, a woman's "neurological reality" is much more deeply affected by hormonal surges that fluctuate throughout her life.

(O resto do texto pode ser lido aqui.)


Uma jovem arte

Logo os cinéfilos de todo o mundo terão de reconhecer, se já não o fazem em alguma medida, que ao lado do cinema surgiu uma arte gêmea, com um potencial estético tão forte quanto o de seu irmão mais velho: o videogame. Cada vez mais sofisticado e requerendo doses crescentes de capricho por parte de seus produtores -- em roteiro, música, qualidade de animação --, não deve demorar muito para que sejam vistos como obras artísticas tão meritórias quanto o desenho animado ou simplesmente o próprio filme convencional.

Um bom exemplo do nível de qualidade a que esses jogos podem chegar é esta abertura, uma aterrorizante obra-prima que introduz um dos títulos de uma série lançada em 1996 e que hoje é tida como clássica. George Romero, o seu inspirador, que me perdoe, mas nada do que ele produziu já chegou perto disso: http://www.youtube.com/watch?v=RwqTi1IExwk.

Para os que não estão familiarizados com a história recapitulada nessa abertura, sugiro uma olhada na introdução do segundo jogo, aqui e aqui, seguida deste vídeo, que é mencionado no link de que falei acima e contextualiza a abertura. Para quem quiser se aprofundar na trama, vale a pena conhecer este link.

Quem sabe, quando os críticos vetustos de hoje tiverem já se aposentado, e a minha geração já tiver galgado os degraus da reputação e da responsabilidade -- ainda guardando na memória afetiva os bons tempos com o SNES e o Playstation --, vejamos museus prestando a esse meio o respeito devido.

Tempos sombrios à vista

Acordo cedo e ainda pego o final do "Bom Dia, Rio", da Globo. E para quê? Para descobrir, simplesmente, que o candidato da atual governadora do estado e de seu primeiro-infante tem quase 50% das intenções de voto nas últimas pesquisas, e uma vantagem considerável nas projeções para um segundo turno. Depois de oito anos de peraltices no comando do Rio, a população fluminense não se dá por satisfeita, quer ainda mais quatro. E de quê, perguntarão os incautos de outras regiões do país? A resposta poderia ser dada por qualquer cidadão informado e minimamente isento de paixões partidárias: demagogia política temperada com versículos bíblicos, promessas messiânicas sem qualquer contrapartida na prática, de sub-remuneração na educação, de atraso no desenvolvimento econômico do estado, das "dez mil obras" que nunca o foram, entre outras coisas.

Este não é um blog político. A disputas políticas, ao menos tal como se apresentam no Brasil, têm um grau de vulgaridade que as tornam muito pouco convidativas. Entretanto, nem sempre podem ser evitadas. Como na manhã de hoje, há momentos em que é forte a tentação de mudança para um estado mais sério...

domingo, agosto 06, 2006

Arte e tecnologia

03 de agosto de 2006 - 19:07

Cientistas criam pinturas que mudam de acordo com humor


A tecnologia reconhece o estado emocional da pessoa que está vendo a pintura e provoca mudanças na obra


BBC Brasil
Se pessoa está feliz, a pintura ganha cores vivas e alegres

LONDRES - Cientistas americanos e britânicos criaram pinturas artísticas digitais que mudam de acordo com o humor das pessoas que as vêem. A tecnologia reconhece o estado emocional da pessoa que está vendo a pintura e provoca mudanças na obra. Quando o espectador está zangado, a pintura ganha cores escuras e pinceladas fortes. Se ele estiver alegre, o quadro ganha tons vibrantes, com pinceladas leves.

A equipe de cientistas responsável pelo projeto disse esperar que a tecnologia desenvolvida ofereça uma experiência interativa aos apreciadores de arte.

Uma câmera colocada acima da pintura captura a imagem do rosto do espectador. A expressão facial é analisada por um programa de computador.

O software detecta traços faciais marcantes, como a curvatura da boca, o enrugamento da testa e a amplitude da abertura dos olhos. A partir destes indícios, o programa calcula o estado emocional do espectador. Em tempo real, a imagem digital se adequa ao humor de quem a vê.

Psicologia da imagem

O pesquisador John Collomosse, do departamento de Ciência da Computação da Universidade de Bath, na Grã-Bretanha, disse que a equipe de cientistas estudou psicologia da imagem para entender como as variações de expressões faciais deveriam corresponder aos estados emocionais.

O humor do espectador pode alterar a intensidade das pinceladas, a imagem de fundo e as cores do retrato. "Isso resulta em uma tela digital cujas cores e estilos variam suavemente, produzindo uma experiência nova de interação artística", disse Collomosse.

Segundo ele, a vontade de fazer o projeto nasceu de uma pesquisa em arte sintetizada com fotos e vídeos. "Há muitas formas de arte que ainda não chegaram ao grande público, pois ainda são difíceis de se manipular. Há muitos parâmetros que precisam ser estudados."

"Com nossa obra, o espectador pode usar sua expressão facial para definir os parâmetros. Eu acho que é uma área interessante. A fotografia digital realmente decolou, e há um mercado emergente para ferramentas para manipular imagens digitais", afirmou.

A obra dos pesquisadores foi apresentada em uma conferência sobre animação não-realista na cidade de Annecy, na França.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Mesmice

Recebo na mesma tarde fria três exemplares da recém-assinada Newsweek (minha homenagem impressa à informação globalizada). Na primeira, uma foto do Aeroporto de Beirute em chamas; na segunda, um Bush preocupado enquanto ouve assessores sobre a crise no Líbano; na terceira, soldados israelenses levando um companheiro ferido em algum lugar desértico no sul do território libanês. Contemplo essas três imagens, cada uma delas trágica a seu modo, e sou tomado por um enorme tédio -- sensação muito similar à proporcionada pelos jornais repletos de CPIs e candidatos em campanha. Achava que, quando as revistas chegassem, eu as leria com gana. Ledo engano: folheio-as sem vontade, passeando pelas matérias ricamente ilustradas com o prazer de quem consulta a lista telefônica de uma cidade estranha onde não conhece ninguém. Quanto aos jornais, empilham-se sobre a mesa, quase como chegaram. O que trazem parece uma reprise de mau gosto: manchetes, matérias, colunas, seções de cartas, tudo parece ter se tornado um grande clichê. (À exceção honrosa do destaque dado à licença médica de Fidel Castro -- ao menos uma novidade em 47 anos.)

Mas o mundo segue, e com ele as emoções, impermanentes por excelência, vão mudando. É curioso como parecem tão absolutas quando se manifestam -- a ponto de eventualmente esquecermos o quão são transitórias. Assim também os eventos que as originam -- tudo é rápido como o vento. Quisera as tragédias crônicas de nosso pequeno e explosivo mundo tivessem a mesma efemeridade que minhas oscilações de espectador distante.

Clichê por clichê, há um que me ocorre e ainda serve de consolo. Talvez seja a mais realista manifestação de esperança da linguagem humana, repetida à exaustão mas nem por isso menos eficaz. Pois, quer queiramos ou não, por mais profundo que seja o abatimento que nos acomete e por maioe que nos pareça a insensibilidade do Cosmo frente à desgraça de tantos, amanhã é outro dia.

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Para não infectar meus já poucos leitores com um estado de espírito pouco convidativo, uma reflexão: a força de vontade é um músculo, precisa ser fortalecida com o exercício regular, mas, se for exigida repetidamente, tende a se esgotar. Não entenderam? Então dêem uma olhada neste artigo de Cordelia Fine no The Australian.

Por ruas escuras e almas sujas...


Quem nunca ouviu falar do filme noir? A expressão remete aos recantos escuros e degradados de uma cidade grande, a boates enevoadas de fumo em ruas desertas e molhadas de chuva, e uma fauna humana composta por mulheres sedutoras e cheias de segredos, protagonistas (não raro detetives particulares) destilando cinismo, gângsteres apaixonados e violentos. Tudo isso, claro, com um blues tocando ao fundo. Pois bem, antes do filme noir, veio o romance noir.



Le Monde
03/08/2006
Como foi inventado o romance "noir"
Foi Dashiell Hammett (1894-1961) o grande estilista do gênero, com os seus romances ambientados nos bas-fonds, povoados de personagens torpes e de mulheres fatais, perseguidos por detetives desiludidos, e, sobretudo, com a sua narrativa revolucionária, que logo contaminaria o cinema

Jean-Luc Douin

Histórias sórdidas. Que começam em San Francisco, em 1915. Por 10 dólares por dia, Dashiell Hammett passa horas em emboscada debaixo de alpendres de prédios, espionando e seguindo suspeitos. Com o seu terno cimbrado, sua gravata, seu bigode de dândi, este cara alto e elegante esconde um entalhe no crânio, sob o seu impecável chapéu de feltro. Ele tem cicatrizes nas pernas, vota vermelho, cospe sangue. É um tuberculoso alcoólatra.

Oficialmente, ele é um detetive particular, da agência Pinkerton.
Visceralmente, um agente de atividades incertas e suspeitas. Ele assombra a cidade dos vícios e das corrupções, seus bares, suas docas, seus campos de corridas de cavalos e seus combates de boxe. Hammett não é um homem propenso a proteger a propriedade privada, nem a se tornar cúmplice das injustiças sociais. Desânimo, desgosto, demissão.

Hammett renasce no início dos anos 20. Como escritor. Inspirado nos personagens duvidosos que ele freqüentou, naqueles casos sórdidos que ele considera como "mijo de asno", ele redige novelas que são publicadas pela revista mensal "Black Mask" (Máscara Negra). Contratado como redator publicitário de meio-período por um joalheiro, ele enviou inicialmente seus primeiros textos para a revista "Smart Set" (a ancestral da "New Yorker").

Foi então que ele descobriu, assim como fariam depois dele William Burnett, Don Tracy, James Cain ou Horace Mc Coy, vindos do jornalismo desportivo ou criminal, que ele é o autor sonhado dos "pulp magazines", aquelas revistas que vendem tenebrosas sensações impressas em papel de má qualidade, e que inspirariam o título do filme "Pulp Fiction". Assim, "Black Mask" (cujo nome atiça a mitologia do lobo negro encampado pelos heróis da literatura popular) foi lançada para recuperar as finanças da "Smart Set". Aos poucos, ele vai evoluir em direção á literatura "hard-boiled", a narração "dura na queda".

Homens melancólicos dentro de barzinhos sombrios, mulheres ruivas flamejantes trajando enlouquecedores vestidos tomara-que-caia, emboscadas dentro de becos sem saída, uma pin-up medindo de alto a baixo um canalha metediço enquanto ela fuma um cigarro ou o ameaça com uma arma, uma sombra inquietante sobre um muro, um carro que derrapa na noite ou o fantasma de um loira errando debaixo da chuva: foi lá, nas revistas "pulp", os livrinhos brochados baratinhos, que nasceu um gênero que, desde então, prosperou celebrando o crepitante casamento da metralhadora com a máquina de escrever, e mais tarde as bodas negras dos anjos de rostos sujos com o cinema.

Nada de pânico! O termo de "detective story" foi inventado por Edgar Allan Poe (escritor americano, 1809-1849, um dos primeiros mestres do conto de terror), o criador do primeiro detetive amador (Auguste Dupin). O Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle (1859-1930) será mesmo o primeiro detetive privado (criado em 1887), antes que nasçam um detetive-arrombador (o Arsène Lupin de Maurice Leblanc, em 1905), um detetive-repórter (o Rouletabille de Gaston Leroux, em 1907), um padre-detetive (o Padre Brown de Chesterton, em 1910).

Mas se hoje nós podemos falar de filme "noir", se Quentin Tarantino fez de Uma Thurman uma corrosiva sedutora em "Pulp Fiction" ("Tempo de Violência", 1994), isso se deve à glória dos "hard-boiled" de capas berrantes (capas essas que influenciarão os cartazes dos filmes tenebrosos), e à maneira com a qual Dashiell Hammett transcendeu essas histórias onde o detetive privado se preocupa menos em provar sua engenhosidade em manipular um passe-partout e gazuas do que em fumar toneladas de cigarros e esvaziar garrafas de whisky em miseráveis quartos de hotéis.

"Dashiell Hammett é o anjo tutelar", diz Jean-Bernard Pouy, o inventor, em 1995, do Polvo, um personagem que ganhou vida nas mãos de vários autores. "Em primeiro lugar, é o homem que exerce o fascínio. Mais do que os outros, ele se aproxima do ideal dos escritores da escola do novo romance policial francês: um cara para quem a escrita é importante, porém não necessária. Um cara que é capaz de desaparecer para beber, viver, amar, atuar como militante. Nós fomos acusados de ser filhotes de Maio de 68. Ledo engano! Tudo vem dele, um grande ator do seu tempo!"

"Hammett e o jazz: foi nesses dois elementos que nós estivemos mergulhados. É o emblema do thriller de motivações políticas", diz o cineasta Alain Corneau, autor do filme "Série Noire" (1979), enquanto um outro cineasta, Francis Girod, sublinha sua narrativa, "que respirava a cinema em cada frase", e que o escritor Michel Le Bris, criador do Festival internacional do livro de Saint-Malo (oeste da França), celebra "a sensação de uma inesgotável energia, de uma narrativa dedicada às margens, às vielas sórdidas, às partes contíguas de cozinhas de lanchonetes suspeitas, uma escrita finalmente liberada das formalidades hipócritas e das preciosidades de salão".

"Sou duro na queda e tenho a pele dura por cima do que restou da minha alma e, após vinte anos passados no mundo do crime, eu posso assistir a qualquer assassinato sem ver nele outra coisa que uma forma de ganhar meu pão, o meu trampo cotidiano": tal é a cínica profissão de fé de Continental Op, o detetive que Hammett vai transformar no herói de 26 novelas e dois romances, antes de imaginar Sam Spade, o narrador de "O Falcão de Malta" (editora Gallimard).

Raymond Chandler encontraria uma frase imortal para celebrar a revolução iniciada por Hammett: "Ele tirou o crime do vaso veneziano no qual ele estava metido para arremessá-lo na sarjeta. (...) Não era uma má idéia, essa de afastá-lo das concepções pequenas burguesas que se compraziam em descrever a maneira com que as garotas da alta sociedade mordiscam asas de frango".

Dashiell Hammett está pouco se lixando com as reações de repulsa da National Organization of Decent Literature (Organização nacional em prol da literatura decente), que pede de vez em quando à Brigada criminal para confiscar certos Pocket Books (livros de bolso), por demais afastados dos enigmas bem comportados de Agatha Christie. Ele é daqueles que acrescentam drágeas com sabores agressivos nos thrillers retóricos demais e que jogam pimenta-do-reino sobre "os discursos demagógicos dos políticos, dos pregadores, dos homens de lei".

Lançados abertamente como paralelepípedos sobre a vidraça da América capitalista, os textos de Hammett combinam crítica social com violência documentária e lirismo brutal. Com ele, não se trata mais de valorizar as sutis deduções de um investigador invulnerável, e sim de mergulhar um incorruptível desiludido numa atmosfera turva, de fazer com que ele reaja com os seus nervos e suas tripas, de levá-lo a enfiar as mãos no meio do lixo, de conduzi-lo a se introduzir entre as crápulas. Não há mais crimes perfeitos, e sim apenas assassinatos odiosos. Não há mais um enigma pretexto para o divertimento cerebral, e sim a sensação sufocante de estar se imiscuindo no império do Mal. Tudo isso é contado por meio de um estilo eficaz, que "estala assim como uma chicotada", uma linguagem crua, uma multiplicação de seqüências rápidas e frenéticas.

É dessa forma que, até o ano de 1952 - data na qual a cruzada anti-comunista iria persegui-lo sem trégua -, Hammett foi constantemente reeditado e que a sua influência foi crescendo. Foi assim que os estúdios de Hollywood compraram os direitos de adaptação dos "pulps", e contrataram alguns dos seus autores como roteiristas. Foi assim que, transposto para o cinema por John Huston em 1941, "O Falcão Maltês" deu ao filme "noir" um estímulo radical. O cineasta impõe certos lugares (o escritório do detetive, o apartamento da sedutora, as vielas abandonadas), objetos (telefone, chapéu de feltro, cigarros), personagens (mulher fatal dos olhos de cobalto, levantino perfumado, querubim assassino, gângster epicurista de estertores asmáticos), e um ambiente mórbido no qual vagueiam medos e desejos.

O herói é um homem sem estado civil nem moral, que maneja o humor a frio e a ironia displicente. Ele pratica uma linguagem e adota uma conduta que chocam as velhas senhoras da aristocracia, e exibe uma fleuma misógina para com as suas amantes. Hammett sabia muito sobre os matadores profissionais e os maníacos sexuais, os políticos corruptos e as damas ninfomaníacas, os advogados desonestos e os gerentes de boates suspeitas e de antros de jogatina. Do assassinato que dá a largada dos seus mistérios, ele só deixa entrever um tiro de revólver em meio à neblina. Então, "os diálogos falam no lugar das armas", escreve Roger Tailleur na revista "Positif" (N.º 75, maio de 1966), "os personagens metralham uns aos outros com palavras", as quais se aplicam a "complicar os mal-entendidos, a engabelar o adversário".

Enquanto o filme "noir" vai se propagando em todo lugar, na Itália ("Ossessione", de Luchino Visconti, 1942), na Inglaterra ("O Terceiro Homem", de Carol Reed, 1947), no Japão ("Cão danado", de Akira Kurosawa, 1949), na França ("Bob le Flambeur - Lance de Sorte") de Jean-Pierre Melville, 1955), no Egito ("Estação Central", de Youssef Chahine, 1958), e que ele vampiriza todos os gêneros de Hollywood, os quais passam a ser contaminados pelos temas da lei e da desordem, da corrupção, do destino fatal, tratados por meio de estéticas tomadas pela neblinas, dedicadas às fantasias mórbidas e ao pesadelo, é lançada na França em 1945, por Marcel Duhamel, na editora Gallimard, a "Série Noire" (coleção dedicada a romances policiais), um nome que foi imaginado por Prévert (Jacques Prévert, 1900-1977, importante poeta francês).

Esta logo se veria na companhia de outras coleções, editadas pelos concorrentes, tais como "Le Bandeau Noir" (A venda preta), "La Veuve Noire" (A Viúva Negra), "Fleuve Noir" (Rio Negro)... A coleção "Série Noire" fascina os apreciadores de garotas fatais que trajam meias de náilon e de baladas em Chevrolet conversíveis. Além do mais, ela incentiva os intelectuais franceses a publicarem sob pseudônimos americanos. Louis Chavance torna-se Irving Ford, Louis Daquin assina como Lewis McDacking, Léo Malet diz se chamar Frank Harding ou Léo Latimer, Maurice Nadeau esconde-se por trás de Joe Christmas e Boris Vian inventa Vernon Sullivan.

Mergulhado na leitura de "Em Busca do tempo Perdido", Dashiell Hammett escreve para a sua companheira Lilian Hellman: "Se Proust não se resolver logo a dar um fim em Albertine, acho que ele corre o risco de perder um cliente!".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

quarta-feira, agosto 02, 2006

Um breve alívio




E o material da qualificação partiu, fibra ótica afora. Agora é só estudar como nunca e procurar uma boa defesa para as lacunas e opções heterodoxas de conteúdo que a falta de tempo e, reconheço, de maior disciplina impuseram.

A arte de ser um bom acadêmico é também a arte de criar bons pretextos .