segunda-feira, dezembro 31, 2007

As convicções invisíveis


Estudo História. Existe muita coisa que se poderia dizer sobre esse ramo do conhecimento, mas existe uma, em particular, que me interessa mais. Não se trata apenas de ter uma profissão ou um acervo de informações especializadas que garantem certo reconhecimento social. Apesar de todos os seus acessórios acadêmicos, todas as teorias e cansativas notas de rodapé, a História é também um meio de autoconhecimento. Quanto mais não seja pelo simples fato de que estudá-la significa apreender as muitas e diferentes idéias que indivíduos e sociedades adotaram ao longo dos séculos, e apreender também o caráter transitório de quase todas elas. Noções sagradas de uma época nada significam para uma outra; tabus pelos quais multidões morreram de bom-grado reduzem-se a uma mera circunstância quando observados da distância segura da posteridade.

Abusa-se dessa posição privilegiada de analista de várias formas. A mais comum é julgar-se no topo da escala de valores da humanidade, e olhar a paisagem das civilizações com a convicção de quem chegou ao patamar perfeito. É julgar homens e mulheres de épocas remotas com os parâmetros implacáveis do agora, "exigir" deles, por assim dizer, o olhar que temos hoje. A isso se costuma chamar anacronismo, ou, em alguns meios, cronocentrismo. Uma segunda forma de abuso, um componente da primeira, é na verdade uma negligência: ao olhar para as culturas passadas, para sua freqüente falta de consciência em relação às limitações filosóficas e mesmo geográficas de sua visão de mundo, esquecermos que também sofremos do mesmo mal. Assim como os antigos não podiam ser recriminados por manterem idéias que, de tão "óbvias" e tradicionais, nem mesmo chegavam a ser problematizadas, permanecendo numa espécie de nível inconsciente, nós também temos inúmeras concepções de que nem mesmo nos damos conta. E, no entanto, convivem conosco, ditam nossa conduta, enraízam-se na nossa vsão do mundo. Enquanto não forem percebidas plenamente, o que em geral se dá pelo constraste com quem as nega ou ignora, não poderão ser mudadas e continuarão sendo uma parte "invisível" de nós mesmos, um desafio à compreensão da base mais elementar de nossa vida como seres humanos -- nossa mente.

Nada disso é novidade para quem costuma se auto-analisar e possui um mínimo de informação. Mas saber algo não quer dizer compreendê-lo em todas as suas conseqüências, ou mesmo experimentá-lo na prática. Daí haver pessoas cultas, eruditas até, que, tendo todos os recursos para se valer dos conhecimentos disponíveis para uma análise de si e da sua atuação no mundo, não o fazem. Gastam tempo e energia em inúmeras atividades que, embora socialmente úteis, podem bem não sê-lo para a alma -- a velha questão entre conhecimento e sabedoria, só que no plano individual. Dessa forma, até aqueles que pareceriam os mais capazes de entender o mundo e demonstrar como esse entendimento poderia ajudar na construção do aperfeiçoamento de si mesmos e de seus semelhantes , na conquista da tão buscada "felicidade" -- mesmo eles não o conseguem, simplesmente porque não se dão ao trabalho de investigar as idéias que carregam e as suas conseqüências. Pois eles, tal como o mais medíocre dos homens, também vivem sob o jugo de uma gama de convicções invisíveis, despercebidas, que, para o bem e para o mal, determinam seus caminhos.

Em mais de uma ocasião tive a oportunidade de constatar o quão perigosa uma idéia não-analisada pode ser. Mas não é preciso recorrer a nenhuma experiência individual para demonstrar isso. Todos nós estamos embutidos de valores, prioridades e modelos mentais, e não poderia ser de outra forma; mas quem saberia dizer exatamente quais são e onde vieram? Quem pode garantir que esses mapas da vida que carregamos dentro de nós são tão bons ou proveitosos quanto poderiam ser? E, uma vez que não os conhecemos de fato, ou pelo menos não em sua totalidade, como será possível afirmar que eles são apropriados? Pode-se julgar uma convicção que não se enxerga?

Vivendo em sociedade, temos sempre o espelho do outro. É ele a nossa referência, o nosso parâmetro, nosso feedback. Mas de pouco serve a sua existência se o que ele nos traz não é complementado por um olhar para si. Isso de modo algum significa a contemplação de Narciso, mas a percepção de que temos padrões, e é necessário saber enunciá-los e compará-los com a nossa auto-imagem. Muitas e muitas vezes, ver-se-á que eles são díspares em alguns pontos -- que não somos quem pensamos ser, que nossa conduta não está sempre à altura de nossas idéias, ou vice-versa. O choque que advém disso, o "vazio" interior decorrente desse espelho íntimo que se parte, é uma oportunidade privilegiada de recomeço, de ajustar a imagem, os valores que a colorem ou a conduta que os concretiza no mundo. Em inúmeras variedades de "exercícios espirituais" desenvolvidos nos quatro cantos do mundo, em todas as épocas, essa desconstrução de si em busca de um "eu" mais verdadeiro ou mais elevado é considerada uma meta preciosa, quando não o próprio objetivo da vida. É o "véu" que se rasga, os olhos de finalmente se abrem depois de um sono profundo e cheio de sonhos envolventes ao ponto de se passarem pela realidade.

Poucos chegam a esse ponto. Quem já passou por um dificilmente o terá deixado de notar, de uma forma ou de outra. Mas todos eles, ou a grande maioria, tiveram o seu momento de terror diante de si mesmos, quando tiveram de confrontar suas certezas e se permitir, por um momento que fosse, caminhar em terreno desconhecido. Foram desvendar suas convicções invisíveis, seus "óbvios", tudo o que não era questionado mas apenas seguido. Nesse momento, foram verdadeiro indivíduos. Ali, tornaram-se algo que estava apenas latente dentro de si, e que ainda está dentro de todos os outros. Para o bem ou para o mal, encontraram o autoconhecimento.

---------------

Thomas Merton (1915-1968), monge trapista e escritor prolífico, desenvolve uma breve análise de uma dessas idéias invisíveis, ainda hoje extremamente presente na vida de quase todos nós. Lendo-o num dos artigos desta coletânea, encontrei enunciada uma reflexão que andava não tão despercebida nos porões de minha mente, fruto de um desafio que, longe de ser característico apenas da minha geração, tem sido muitas vezes mais intuído que analisado. É curioso que venha de um monge o seu autor, mas talvez por isso mesmo ela tenha surgido. Para Merton, quem sabe, as convicções invísiveis dos outros tenham sido claras até demais.

Deixo-vos com ele.

Amor e necessidade: o amor é um pacote ou uma mensagem?

"Nossa filosofia de vida não é algo que criamos por nós mesmos do nada. Nossas maneiras de pensar, até nossas atitudes em relação a nós mesmos, são cada vez mais determinadas de fora. Até mesmo nosso amor tende a se encaixar em formas pré-fabricadas. Consciente ou inconscientemente, talhamos nossas noções de amor de acordo com os modelos aos quais estamos expostos dia após dia na propaganda, nos filmes, na TV e em nossas leituras. Uma dessas atitudes pré-fabricadas e predominantes em relação à vida e ao amor precisa ser discutida aqui. É uma atitude raras vezes declarada conscientemente (...). Essa idéia de amor é um corolário do pensamento que mantém nossa sociedade mercadológica unida. É o que poderíamos chamar de conceito de amor como pacote.

O amor é considerado uma transação. A transação pressupõe que todos nós tenhamos necessidades que devem ser satisfeitas por meio de trocas. Para fazer tal transação, você tem de aparecer no mercado com um produto de valor ou, se o produto não tem valor, você pode dar um jeito embrulhando-o num pacote bonito. Inconscientemente pensamos em nós mesmos como objetos para venda no mercado. Desejamos ser desejados. Queremos atrair fregueses. Queremos ter a aparência do tipo de produto que dá dinheiro. Por isso, gastamos boa parte do nosso tempo modelando-nos segundo as imagens que nos são apresentadas por uma próspera sociedade mercadológica.

Ao fazer isso, passamos a considerar a nós mesmos e aos outros não como pessoas mas como produtos -- como "mercadorias" ou, em outras palavras, comp pacotes. Aquilatamos uns aos outros comercialmente. Avaliamos uns aos outros de alto a baixo e fazemos transações visando o nosso próprio lucro. Não nos entregamos no amor, fazemos uma transação que valoriza nosso produto e, portanto, nossa transação não é definitiva. Já estamos voltados para a nossa próxima transação -- e a próxima transação não precisa ser necessariamente com o mesmo freguês. A vida é mais interessante quando você faz uma porção de transações com uma porção de novos fregueses.

Essa visão, que iguala a arte de amar à arte de vender, e o amor a um pacote atraente, baseia-se na idéia do amor como um mecanismo de necessidades instintivas. Somos máquinas biológicas dotadas de certos impulsos que exigem serem satisfeitos. Se formos espertos, podemos explorar e manipular esses impulsos em nós mesmos e nos outros. Podemos tirar deles algumas vantagens. Podemos ganhar com eles, usando-os para satisfazer e enriquecer o nosso próprio ego mediante lucrativas transações com outros egos. Se o parceiro não for suficientemente esperto, uma trapaçazinha não fará mal agum, especialmente se tornar tudo mais lucrativo e satisfatório para mim!

Se esse processo de fazer transações e satisfazer necessidades começa a se acelerar, a vida torna-se um excitante jogo de apostas. Encontramos muitos outros com as mesmas necessidades. Somos todos jogados atabalhoadamente numa roleta, com a esperança de parar num número propício. Isso acontece repetidas vezes. "Cair no amor" [To fall in love] é um golpe de sorte divertido que ocorre quando você acaba encontrando uma outra pessoa cujas necessidades se ajustam mais ou menos às suas. De alguma forma vocês estão aptos a satisfazer um ao outro, a se completarem mutuamente. Você ganhou na loteria. O prêmio, é claro, vale só por alguns anos. Você tem de voltar ao jogo. Mas ocasionalmente você ganha. Outros não têm tanta sorte. Nunca encontram ninguém com o tipo certo de necessidade que combina com a deles. Nunca encontram ninguém com a combinação certa de qualidades, segredos e frsquezas. Parece que nunca compram o pacote certo. Nunca param no número certo....

Esse conceito de amor pressupõe que o mecanismo de compra e venda de necessidades e satisfações é o que faz tudo funcionar. Considera a vida como um mercado, e o amor como uma variante da livre empresa. Você compra e vende, e ter sucesso no amor é fazer uma boa transação com qualquer um que estiver disponível. (...) A relação de amor é uma transação à qual se chega para a satisfação de necessidades mútuas. Se for um sucesso, rende, não necessariamente dinheiro, mas gratificação, paz de espírito, realização. Todavia, visto que para nós a idéia de felicidade é inseparável da idéia de prosperidade, devemos encarar o fato de que um amor que não for coroado de todos os benefícios materiais e sociais nos parece um tanto quanto suspeito. É realmente abençoado? Foi realmente uma transação?

O problema dessa idéia comercializada de amor é que ela desvia, cada vez mais, a atenção do essencial para os acessórios do amor. Você não é mais capaz de amar realmente a outra pessoa, porque se torna obcecado pela eficácia de seu próprio pacote, do seu próprio produto, do seu próprio valor de mercado.

Ao mesmo tempo, a própria transação adquire uma importância exagerada. Para muitas pessoas o que importa é o momento delicioso e fugidio em que a transação é fechada. Elas nem pensam no que a própria transação representa. Talvez seja por isso que tantos casamentos não duram e porque tantas pessoas tenham de se casar de novo. Não se sentem reais se fazem apenas um contrato e deixam tudo como está!

No passado, numa sociedade em que as pessoas viviam no campo, onde a posse da terra representava a permanência e a segurança da família, não havia problemas com o casamento para a vida toda: ele era perfeitamente natural e aceito sem nem mesmo uma resistência inconsciente. Hoje, a segurança e a identidade das pessoas têm de ser constantemente reafirmadas: nada é permanente, tudo está em movimento. Você tem de se mover junto. Tem de aparecer com algo novo a cada dia. Toda manhã tem que provar que ainda está aí. Tem que continuar fazendo transações.

Cada transação deve ter o frescor, a singularidade, a inocência paradisíaca de fechar um negócio com um freguês totalmente novo. Quer gostemos, quer não, somos dominados por uma "ética", ou talvez melhor, uma "superstição" de quantidade. Não acreditemos em um único valor duradouro estabelecido de uma vez por todas -- uma qualidade essencial e permanente que nunca se torna obsoleta ou se deteriora. Somos obcecados por aquilo que é repetível. A realidade não se entrega de uma só vez; tem de ser agarrada em pedacinhos, sempre de novo, num bruxuleio dinâmico como cenas sucessivas de um filme. Esta é a nossa atitude.

(...)

Todos que consideram o amor uma transação com base nas "necessidades" correm o risco de cair numa ética puramente quantitativa. Se o amor é uma transação, então quem dirá que você não deveria fazer tantas transações quanto possível?

A partir do momento em que se aborda o amor em termos de "necessidade" e "satisfação", ele tem de ser uma transação. E o que é pior, como nossos sentidos e nossa imaginação estão constantemente sujeitos ao bombardeio de sugestões de satisfações ideais impossíveis, não podemos evitar a reavaliação da transação que fizemos. Não podemos evitar desfazê-la, para fazer uma transação "melhor", com outra pessoa que nos satisfaça mais.

A situação, então, é a seguinte: apaixonamo-nos com uma sensação de uma imensa necessidade, com uma exigência ingênua de satisfação perfeita. Afinal de contas, é isso que diariamente e a toda hora nos dizem que devemos esperar. O efeito do excesso de estímulos pela publicidade e por outras mídias nos mantém no mais alto grau possível de insatisfação com o desempenho de segunda classe que estamos tendo e com a transação que fizemos. Nossas necessidades são exacerbadas. Os desejos sexuais de muitas pessoas mantém-se em estado de grande excitação, não por uma paixão autêntica, mas por sua necessidade de provar a elas mesmas que são amantes atraentes e bem-sucedidos. Elas buscam segurança na certeza repetida de que são ainda comerciáveis, que ainda são um produto que vale a pena. A palavra técnica para isso é narcisismo. Ele tem efeitos desastrosos, pois leva as pessoas a se manipularem umas às outras por motivos egoístas."

Thomas Merton

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Repressão de memória

A história é freqüente em filmes e livros: alguém, geralmente uma pessoa muito jovem, passa por trauma terrível e o esquece, "bloqueia" na memória, apenas para, anos depois, em meio a algum evento também dramático, rememorar aquilo que sua mente considerara terrível demais para recordar. Sem dúvida, um recurso ficcional poderoso... Mas acontecerá mesmo na vida real? Há quem diga que não nesta matéria da Harvard Magazine.

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Para um amigo

Nós te cobrimos, rosto amado,
Não por estarmos de ti fatigados,
Mas porque cansaste de nós;
Lembra, enquanto partes,

Que te seguimos
Até que nos percebas - não mais -
E retornaremos então, relutantes,
Para sempre relembrar-te.

E denunciar o insuficiente amor
Que nos bastava demonstrar-te -
Amor tão mais imenso, agora,
Se quiseras aceitá-lo.


Emily Dickinson

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Deuses obscuros

Uma das coisas que me dão profunda satisfação é descobrir autores novos. Não, não me refiro a nenhum talento que haja conquistado o Nobel antes dos 30 anos, nem a algum novo favorito dos críticos. Refiro-me simplesmente à considerável tribo dos negligenciados, se não pela mídia, certamente pelo grande público: a massa de talentos, às vezes até bastante prolíficos, sobre os quais é quase impossível ver algum comentário, seja na Academia ou nos bate-papos entre amigos letrados. Comumente escondem-se em edições esgotadas, títulos encalhados nas prateleiras dos sebos, em publicações eventualmente financiadas por eles mesmos e que vão parar nalguma banca de jornal do Centro da cidade. Às vezes, um deles, obscuro no Brasil mas renomado no exterior, é lançado aqui com certo estardalhaço — mas em uma edição tão cara que ele acaba por se manter um sub-celebridade, um notável entre os desconhecidos, como os nobilíssimos duques russos que foram trabalhar como porteiros e motoristas após a Revolução de Outubro. São esses tipos peculiares, aristocratas no mérito e plebeus no reconhecimento, que costumo procurar nas minhas patrulhas pelas prateleiras das livrarias. Em meio a títulos curiosos, capas esmaecidas e editoras naufragadas, estou sempre atrás da frase bem cunhada, da tese instigante, do tema incomum, que farão com que aquele nome inexpressivo na capa se torne minha mais nova referência mental.


Naturalmente, é sempre pequeno o número de autores assim. A mera ausência de fama não constitui mérito algum. É preciso o singular contraste entre a inexistência de celebridade e o impacto das palavras e idéias para que alguém entre nesse rol. Agora, de improviso, posso citar pelo menos três casos exemplares.


Diz-me uma dedicatória no frontispício que já se passaram quase 11 anos desde que Colin Wilson entrou no meu horizonte. Apareceu por obra e graça de um amigo que então fazia pesquisas extensas a respeito das manifestações da sexualidade na história e na cultura, e havia se interessado particularmente pelo campo das chamadas ciências ocultas. Lembro-me de que ele sempre falava que eu iria gostar de Colin, por se tratar de um cético explorando um assunto costumeiramente abordado apenas por adeptos. Eu concordava educadamente, mas sem qualquer intenção de adquirir um exemplar — aos 18 anos incompletos, meus recursos para livros eram limitados. Até que acabei ganhando o primeiro volume de O Oculto, uma história do ocultismo e da paranormalidade no Ocidente. Combinando história, literatura, antropologia, filosofia e seus próprios insights, tratava-se de uma investigação em que Wilson procurava, em meio às inúmeras histórias e lendas dessa área nebulosa da atividade humana, o que poderia haver de verdadeiro. Autor conhecido por obras de filosofia, crítica literária e — detalhe saboroso — ficção-científica, ele não partia da premissa freqüente de que tudo o que essas narrativas tinham de incomum era fruto da imaginação de alguém. Na verdade, como ele mesmo diz, ao longo de seus estudos ele foi percebendo notáveis convergências entre místicos, poetas, pensadores e casos comuns da imprensa — e ao mesmo tempo, foi apontando os absurdos e distorções em torno de mitos consagrados, como o do fabuloso e ainda reverenciado Conde de Saint-Germain. E tudo isso num texto agradável, repleto de referências eruditas e idéias profundas, que deram respeitabilidade a uma série de informações que até então eu vira, ainda garoto, apenas de forma fragmentada e sensacionalista em autores como este.

A partir daí, Wilson tinha um novo fã, que não tardou em comprar o segundo volume e vários outros livros seus de não-ficção. De poltergeist a Goethe, de experiências de quase-morte aos versos de William Blake, de assassinos seriais à ironia de Anatole France, lá estava eu encantado com esse autodidata, filho de pais trabalhadores, que só freqüentou a universidade como zelador, mas conseguiu ser reconhecido por uma obra-prima aos 24 anos e acumular cultura suficiente para envergonhar mais de um acadêmico de ofício — e mesmo assim sem se deixar infectar pela atitude blasé tão comum nestes últimos.


O segundo... Bem, não me recordo bem se ele foi mesmo o segundo ou o terceiro. Não é sempre que dato os livros que adquiro, e a memória, deixada sozinha, nem sempre merece confiança. Então, contentemo-nos com a afirmação de que achei Antônio Bulhões em pleno rush das seis da tarde na Av. Rio Branco, no Centro do Rio. A Livraria Brasileira, hoje extinta, havia posto um “saldão” de livros a um real na porta, e lá fui eu garimpar alguma coisa no meio de paginas amarelas e capas periclitantes. Achei um livro de contos, Estudos para a Mão Direita, de um autor de quem nunca ouvira falar. A vantagem do livro de contos é que ele permite passear rapidamente pelos diferentes “sabores” de um autor, avaliar, mesmo que de forma impressionista e apressada, seu estilo, como a um cantor a quem se pede para mostrar trechos de várias canções de gêneros diversos. E foi então que abri o primeiro, “Valsa”, e li:


Traje dos rapazes, branco a rigor. Para quem não viu, ou não se lembra, constituía-se de, alvos como a neve, jaquetão e caça de linho fosco ou esmaltado brim, camisa de cambraia ou tricolina, meia de fio de Escócia, engomado colarinho de ponta virada, e, negro como a asa da graúna, sapatos de verniz refletindo as lâmpadas do teto, e gravata borboleta de rebrilhante cetim. Traje das moças, vestido comprido. O que hoje se chamaria de longo, em seda chamalotada, musselina, organdi, tafetá, rendas valencianas, e em cores suaves, que estas faziam a moda: rosa, azul-pálido, verde-água, no máximo amarelo canário, de esquecidos feitios: evasée, godê-soleil, Império, Diretório, Jean Harlow (para as realmente ousadas) e, à falta de novos lançamentos e das revistas femininas que o conflito europeu colocara em recesso, um certo vale-tudo, com profusão de laços e bordados, mas nada de ultrapassadas melindrosas, que as forma se queriam, conquanto protegidas, roliças e prometedoras.


Por alguma razão, fosse a dosagem dos adjetivos, a alongar da descrição, ou a nítida impressão de que se tratava antes de uma memória afetuosa que de uma criação ficcional, esse primeiro parágrafo me agradou. Já por natureza dado a nostalgias, em particular daquilo que jamais vivi nem presenciei, eis que me vi num Rio de Janeiro idealizado, distante, que o saudosismo dos velhos, a distância dos costumes e a modéstia das estatísticas sociais costumam glorificar como mais inocente. Como se vê, era qualquer coisa de romântico o que me manteve com o livro na mão. Como o próprio autor diria, mais adiante:


Nesses idos, o teatro era ruim, era precária a vida noturna ao nosso alcance, e não existia a televisão. Nosso ócio pesava, bem custava preenchê-lo. Durante o ano, não nos restava, para vencer o tédio, senão o recurso ao esporte amador, que praticávamos canhestros com afinco, às comédias ingênuas e aos musicais da Metro Goldwyn Mayer, à desapoderada torcida pelos times de estimação de cada um: Fluminense, flamengo, Botafogo, Vasco, América... O escrete nacional não nos sensibilizava tanto quanto a paixão clubística. O Brasil era tão municipal!...


Desconhecíamos a luta de classes e nos uníamos, do cimo ao fundo das hierarquias coletivas, nas peladas de rua, de areia ou de terrenos baldios, nos carambolados torneios de sinuca ou bilhar francês, nas ingênuas tardes chuvosas gastas em disputas ferrenhas de sete-e-meio ou de xadrez. Líamos, líamos bastante: Rafael Sabattini, Edgar Wallace, Robert Louis Stevenson, Júlio Verne, e os metidos a intelectuais traçavam Eça de Queirós, Paulo Setúbal, José de Alencar, Anatole France,Victor Hugo.


E assim seguem os contos, num tom afetuoso, em divagações repletas de memória e delicadeza, ora para descrever uma paixão juvenil pela professora de natação, ora a descoberta do próprio corpo púbere, uma noite melancólica, a contemplação sedenta de um corpo atraente — momentos que poderiam fazer parte da vida de tantos de nós, e de fato terão feito mais de uma vez. Comprei o livro e, quando pude enfim lê-lo depois dos sufocos do metrô lotado, fiquei me perguntando quem era esse homem, esse tal Bulhões de quem nunca ouvira falar, mas que me fizera sentir como se o tivesse procurado a vida toda. Por que nunca soubera dele? Que prêmios ganhou, que outros livros escreveu? Estaria ainda vindo? Produzindo?


Passou-se um tempo que não consigo mais determinar, e eis que o Destino me respondeu. No suplemento literário de O GLOBO, vejo uma matéria sobre uma nova obra em três volumes sobre o Rio de Janeiro, mais precisamente sobre o que a cidade era em 1922. Tratava-se de uma “história afetiva” da cidade, extensa e deliciosa, escrita em forma de diário por um advogado de 84 anos residente em Copacabana. Bastava olhar para o tamanho dos volumes, vendidos numa caixa, para entender que se tratava da obra de uma vida. E não foi sem um sorriso que vi ali o mesmo autor descoberto no sebo, o que tanto prazer me dera por apenas um real.


Ainda sei pouco sobre o Sr. Bulhões. Comprei outro livro dele, mais recente (Estudos... era de 1976), de contos mais curtos, mas ainda assim deliciosos. E confesso ainda estar aguardando pela trilogia sobre o Rio — cara demais para comprar por impulso, preciosa demais para deixar abandonada na estante. Mas eu o admiro como a um modelo, dono de um estilo que, talvez pretensiosamente, eu julgo de alguma forma parecido com o meu. Não, o mais correto (e modesto) seria dizer que gostaria de ter o estilo mais parecido com o dele. Pouco importa. Por um desses caprichos da vida, eu o incorporei ao meu panteão particular, e o tenho como uma referência valiosa.


Enfim, há Jacques Barzun. Não me recordo mais como foi que o descobri, exatamente. Talvez tenha sido numa matéria de jornal, quando uma editora brasileira traduziu From Dawn to Decadence – From 1500 to the Present: 500 Years of Western Cultural Life. O fato é que, avesso ao preço absurdo da versão brasileira, logo achei o original em capa dura por míseros 12 dólares na Amazon.com. Devo ter lido as resenhas dos leitores, quase todas elogiosas, e certamente achei que um livro de tão grande escopo seria uma aquisição útil. Quando finalmente o recebi, um ou dois meses depois, e li o primeiro capítulo, que tratava da Reforma Protestante, tive a certeza de fiz a escolha certa: ainda não tinha visto o movimento luterano ser apresentado daquela forma, cheia de detalhes deliciosos, mas sem perder a análise geral, auxiliada por citações na margem das páginas. Porém, não preciso discorrer aqui sobre os méritos de meu centenário colega (sim, completou 100 anos em plena forma, ao que tudo indica). Barzun é justamente o caso de alguém cujos méritos são desconhecidos apenas aqui, abaixo da linha do Equador, o que eu mesmo pude apurar (mas de forma pouco científica, admito) ao dar uma busca por seu nome no Orkut e só ter achado uma usuária que o mencionava.


Deixo aos leitores a oportunidade de conhecê-lo nos posts abaixo. Espero que apreciem.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Jacques Barzun, um intelecto elegante

VEJA, 10 de abril de 2002

Apagão na cultura

O historiador americano diagnostica
um mal-estar na civilização ocidental,
mas acha que a sua decadência
tem remédio

Carlos Graieb

"Gostaria de ter vivido no século XIX, a partir de 1830. Havia um sentimento de conquista no ar" Charles Ford


Publicado há dois anos nos Estados Unidos e agora lançado no Brasil, o livro Da Alvorada à Decadência (Editora Campus) é uma daquelas obras de deixar qualquer historiador com inveja. Cobre um período de 500 anos e defende a tese de que a cultura ocidental experimenta um processo de declínio. Suas páginas transpiram uma erudição impressionante e, como se não bastasse, estão recheadas de opiniões contundentes. A complacência, certamente, não faz parte do repertório de seu autor, o americano de origem francesa Jacques Barzun. Quando lhe perguntam quanto tempo levou para escrever um livro de tanto fôlego, ele responde: "A vida toda". Barzun tem 94 anos – e conserva intacta sua lucidez. Passou a infância na Paris dos modernistas. Mudou-se para os Estados Unidos na década de 20, para estudar na Universidade Colúmbia. Como professor, foi um dos fundadores da disciplina de história cultural. Ele concedeu esta entrevista a VEJA por telefone, de sua casa em San Antonio, no Texas.

Veja – O que o leva a pensar que a cultura ocidental está em decadência?
Barzun – A palavra decadência expressa uma perda de energia. Transmite a idéia de que as chaves mestras da cultura já não têm o poder de abrir novas portas, de inspirar avanços. No lugar das possibilidades há repetição, estagnação e tédio. Há sinais de sobra de que isso está acontecendo no Ocidente. As confissões de mal-estar são contínuas, o repúdio e a deturpação das instituições são uma constante. Tomemos o Estado-Nação, por exemplo. Ele foi uma das maiores invenções de nossa era. Mas está se desfazendo em toda parte, porque a idéia de pluralismo político, sobre a qual se assentava, foi substituída pela idéia de separatismo. Mais e mais os homens querem unir-se em grupos pequenos de pensamento homogêneo, que formem unidades políticas separadas. A região dos Bálcãs, claro, é o exemplo clássico. Mas o processo pode ser observado em qualquer lugar, da Catalunha à Escócia, que há pouco instituiu um Parlamento independente do Parlamento inglês. Outro indício está na busca de tantos ocidentais por seitas e religiões que vêm do Oriente e trabalham idéias como a do nirvana ou a do "não-ser". Isso não é um sinal de entusiasmo com a nossa cultura.

Veja – E no campo das artes?
Barzun – O esgotamento é ainda mais patente. Observe a agitação frenética, os esforços desesperados para criar novidades. Os rótulos se sucedem – da "antiarte" à "arte encontrada", à "arte descartável" e assim por diante. As belas idéias surgidas na Renascença, e com as quais lidamos por 500 anos, tiveram seu prazo de validade vencido. Tome uma obra escrita no auge da Renascença, o Pantagruel, do francês Rabelais, e um livro escrito no auge do modernismo, o Ulisses, do irlandês James Joyce. Joyce tomou muitos temas e procedimentos lingüísticos emprestados de Rabelais. Ambos expõem recantos sórdidos da sociedade, ambos exploram vigorosamente a carnalidade humana. Mas, enquanto a literatura do francês nos deixa estimulados e eufóricos, a de Joyce é depressiva. Basta ler os dois livros para perceber as diferenças de ânimo entre uma cultura em sua aurora e uma cultura em desencanto.

Veja – O senhor parece ter uma opinião ambígua sobre a arte moderna. Reconhece a força de certos artistas, mas lamenta de maneira geral o espírito com que fizeram suas obras.
Barzun – Nos primórdios, o modernismo foi uma batalha para livrar o artista de padrões ancestrais de educação e liberá-lo para desenvolver uma visão individual do mundo. Mas tudo que os artistas viram foi um mundo injusto, materialista, desprezível. Desde os anos 20, pelo menos, a arte ocidental tem sido de destruição deliberada da sua própria tradição e de hostilidade contra a sociedade, de maneira geral. O trabalho de destruição das pontes com o passado acontece até mesmo onde o repertório utilizado é antigo. Veja o caso das produções teatrais. Hoje ninguém mais encena Shakespeare. Encenam falsificações que nem sequer se preocupam em entender as intenções originais do artista.

Veja – O senhor criou um rótulo para o momento presente. Diz que vivemos em "tempos demóticos". O que quer dizer com isso?
Barzun – Fiz isso em nome do bom uso das palavras. As pessoas costumam referir-se a práticas "democráticas" não apenas no campo político, mas também no das artes e do comportamento. Eu preferiria manter a palavra democracia para designar apenas um sistema político – que, diga-se de passagem, não atingimos de maneira plena em lugar nenhum. Para designar coisas relativas a modo e estilo de vida – roupas, comidas, formas de expressão –, tomei emprestada do grego uma palavra de mesma raiz, "demótico", que significa simplesmente "do povo". A primeira moda demótica surgiu logo depois da Revolução Francesa, quando os calções da aristocracia foram abandonados em favor da calça do trabalhador. Hoje, não é preciso dizer, a calça jeans de vaqueiro tornou-se universal – com suas variantes desbotadas, rasgadas e mal-ajambradas. Mas a vestimenta é apenas o sinal mais óbvio do estilo demótico, que está em seu auge e é marcado pela displicência e pela crença de que nada deve interferir na realização de todo e qualquer desejo.

Veja – Nas últimas décadas, vários países que viviam sob regimes ditatoriais entraram em processo de democratização. Bens circulam pelo globo e a medicina ajuda a salvar vidas em países pobres. Esses eventos são regidos por idéias e técnicas surgidas no Ocidente. Não seriam um sinal de que a cultura ocidental ainda tem algo a oferecer?
Barzun – É como eu disse no começo da entrevista: o termo decadência expressa uma perda de energia, não um estado de ruína total. Ainda há idéias ocidentais capazes de inspirar e servir de guia para países jovens. E não há dúvida de que a ciência e a tecnologia do Ocidente continuarão a produzir avanços e benesses. É uma ressalva, aliás, que faço em meu livro: a ciência não passa pelo processo de declínio observado em outras áreas. Mas isso não invalida o diagnóstico geral. Digamos que o estado da alma ocidental não é feliz. Não encontramos ninguém dizendo a frase de Erasmo no começo da Renascença, e que os franceses repetiram depois da Revolução de 1789: "Que tempo maravilhoso para se viver!".

Veja – Supondo que o senhor esteja certo, o que vem depois da decadência?
Barzun – Ninguém sabe – e esse é o fato positivo. Meu livro procura descrever um estado presente, e não fazer profecias. Certos germes sempre podem se desenvolver numa cultura e causar uma fermentação que a leve a caminhos imprevistos. Foi o que aconteceu no fim do século XV, quando a descoberta do Novo Mundo balançou a Europa e abriu possibilidades antes inimagináveis.

Veja – Existe alguma época em que o senhor gostaria de ter vivido?
Barzun – No século XIX, a partir de 1830. Foi um tempo de grande inventividade em toda a Europa. A era se autonomeou Era do Progresso, e com razão. Foi um tempo de luta contra os resquícios da monarquia e do velho sistema de classes. Havia um sentimento de conquista, energia e desenvolvimento no ar. O ambiente mais adequado ao espírito humano.

Veja – Sua vida atravessa o século XX quase inteiro. Sua vivência pessoal influiu de alguma forma em sua visão de historiador?
Barzun – Sim, é claro. Eu nasci e passei os primeiros anos de vida na França, onde meu pai e minha mãe eram amigos e colaboradores da nova geração de artistas que surgia. Os pintores cubistas freqüentavam nossa casa, assim como muitos escritores, do romancista André Gide ao poeta Apollinaire, sobre cujos joelhos eu aprendi a ler as horas num relógio. Eu compartilhei da atmosfera de alegria e excitação criativa que envolvia essas pessoas. Olhando em retrospecto, sinto-me uma testemunha e digo como historiador que aquele foi um dos grandes períodos criativos de nossa cultura. Então veio a I Guerra Mundial, que estilhaçou de maneira brutal a idéia que todos fazíamos do que fosse a civilização. Quando entrei na adolescência, depois de atravessar quatro anos de conflitos, tinha desenvolvido um quadro de depressão profunda que me levou a tentar o suicídio. Esse fato, aliado à dizimação dos quadros de professores universitários da França e da Inglaterra, foi a causa de minha mudança para os Estados Unidos, onde completei os estudos. Minha sensação de viver num mundo em declínio não é recente, portanto. Nos anos 50, cheguei a ter a impressão de que nos encaminhávamos para uma reviravolta positiva, mas foi um engano de minha parte. Esse intervalo não durou quase nada. A trajetória descendente se acentuou no fim dos anos 60.

Veja – Esse período de decadência descrito pelo senhor coincide com a expansão da influência da cultura americana pelo globo. Como cidadão de duas culturas, a francesa e a americana, o senhor deplora o que se convencionou chamar de americanização da cultura?
Barzun – Acho tolice culpar os Estados Unidos. Diria, antes, que o país está na vanguarda de seu tempo. Se esse tempo é de decadência, os efeitos se sentem primeiro aqui. Não há nada que obrigue países de sólida tradição cultural, como a França ou a Inglaterra, a imitar modas criadas pelos americanos. Mas eles o fazem, o que mostra que certas correntes de comportamento são inerentes à nossa época. Onde está escrito, por exemplo, que é imperativo "democratizar" a educação ao estilo dos Estados Unidos? No sentido que a palavra assumiu, ela não significa tornar a educação acessível a todos, mas simplesmente baixar sua qualidade, de modo a tornar possível que todo mundo deslize pelos anos de escola sem esforço. Vejo por isso com muito ceticismo e ironia certos discursos feitos na França, por exemplo, que falam em proteger a língua e a cultura nacionais. O que as últimas décadas fizeram à língua francesa realmente me deixa um pouco irritado. Palavras inglesas são adotadas de maneira indiscriminada, às vezes mesmo na presença de equivalentes perfeitamente utilizáveis. Essa adoção ignorante, sem nenhuma forma de filtragem e adaptação, é uma força destrutiva da cultura. Só que agora me parece um pouco tarde para reclamar.

Veja – A América Latina praticamente não é citada em seu livro. Não há contribuições do subcontinente à cultura ocidental?
Barzun – As sociedades latino-americanas são extensões da civilização européia. Politicamente, não contribuíram com nenhuma idéia original para o Ocidente. No campo das artes, é possível destacar nomes e movimentos importantes – mas não a ponto de ter mudado os rumos da cultura. O argentino Jorge Luis Borges, por exemplo, é um escritor que admiro imensamente. Mas não o cito de maneira específica no livro, porque se trata de uma estrela em uma vasta constelação. Em outras palavras, ele pertence ao universo da arte modernista tardia que discuto no livro. Citei outros nomes, de igual peso, em vez do dele.

Veja – Seu livro traz várias pequenas biografias de personagens da cultura ocidental. Algumas escolhas são óbvias, como as de Martinho Lutero e René Descartes. Outras podem ser consideradas excêntricas, como a da escritora de romances policiais Dorothy Sayers. Quais critérios o guiaram na escolha de nomes?
Barzun – Ao mencionar Dorothy Sayers, Walter Bagehot ou James Agate, para ficar apenas em alguns ingleses, não estou apenas dando espaço a preferências pessoais. Estou tentando indicar nomes cuja influência ainda não foi devidamente reconhecida. Bagehot, por exemplo, foi um dos pensadores mais originais do século XIX. Dirigiu a revista inglesa The Economist por dezessete anos e deixou doze volumes de comentários extremamente lúcidos sobre a política e a economia de seu tempo. Agate ajudou a formar o gosto artístico de seus compatriotas no começo do século XX – além de ter sido autor de um diário que ocupa nove tomos, cobre um período de quinze anos e é um retrato sem igual da Inglaterra do seu tempo. Sayers, finalmente, é uma das grandes teóricas dessa importante forma de ficção popular, o romance policial. É também uma pensadora original no campo da religião. As pessoas deveriam conhecer esses nomes, e algo sobre o que disseram.

Veja – Em contraste, o senhor dedica muito pouco espaço a figuras consideradas fundamentais: Darwin, Marx e Freud. Por quê?
Barzun – Creio que, ao fazer isso, estou em sintonia com o estado atual da reputação dessas pessoas. Em todo o mundo, o pensamento marxista está em refluxo. Marx sofreu uma perda enorme de influência como teórico político. Alguns de seus textos filosóficos ainda são valorizados – mas sobretudo aqueles escritos na juventude, antes de O Capital. A retração na influência de Freud também é visível. Seu legado está sob ataque e nem de longe se fala tanto nele quanto na primeira metade do século XX. O caso de Darwin talvez seja o mais polêmico. Creio, no entanto, que a importância dada a ele está em descompasso com suas conquistas reais. A idéia da evolução das espécies já circulava 100 anos antes dele. O que Darwin fez foi propor um mecanismo para a evolução, a célebre idéia da seleção natural. Ora, se esse mecanismo realmente funciona como ele descreveu, é algo que os biólogos discutem acaloradamente hoje em dia. Anos atrás, um biólogo do Instituto Pasteur, na França, me disse que ninguém mais lá dentro aceitava ser chamado de darwinista. Não quero dizer com isso que devemos retornar ao criacionismo, à idéia de que as espécies foram criadas por Deus da forma como são hoje. Quero dizer apenas que o desenvolvimento da ciência tem postona como ele descreveu, é algo que os biólogos discutem acaloradamente hoje em dia. Anos atrás, um biólogo do Instituto Pasteur, na França, me disse que ninguém mais lá dentro aceitava ser chamado de darwinista. Não quero dizer com isso que devemos retornar ao criacionismo, à idéia de que as espécies foram criadas por Deus da forma como são hoje. Quero dizer apenas que o desenvolvimento da ciência tem posto em questão vários postulados da cartilha darwinista, algo que passa despercebido por quem não está enfronhado nas discussões.

Veja – Se tivesse de escolher dois nomes representativos dos períodos de auge e declínio da civilização ocidental, quais seriam eles?
Barzun – No que se refere ao auge, eu hesitaria entre Shakespeare e Montaigne. Poderíamos dizer que ambos inventaram o indivíduo, por oposição ao tipo social. Hoje em dia, não somos apenas cidadãos ou trabalhadores, mas também indivíduos aos nossos próprios olhos, graças a esses dois escritores. Um deles é poeta e dramaturgo inglês, o outro prosador analítico francês: ambos inventaram modos de expressar a personalidade. O nascimento do indivíduo e do individualismo foi fundamental, porque encorajou a invenção nas artes, fomentou a diversidade e a diferença. Além disso, foi germe para que, na política, surgissem idéias como a de direitos humanos. No outro extremo, o do declínio, eu indicaria Pablo Picasso e Marcel Duchamp – cuja família, por sinal, era muito próxima da minha. A despeito da grandeza de ambos, eles formam um incomparável par de destruidores. Em Duchamp, sobretudo, é possível ver a imaginação trabalhando deliberadamente em favor da quebra, da paródia inclemente. Duchamp é um nome paradigmático. Está na origem da escola que impera atualmente, quando não existe diferença entre uma obra de arte e o produto que você encontra no armazém da esquina.

Veja – O que o futuro reserva aos clássicos?
Barzun – Os clássicos parecem estar afundando rapidamente no esquecimento. Mas isso já aconteceu antes. A Renascença trouxe de volta obras da Antiguidade que estavam completamente perdidas. Não há motivo para um pessimismo terminal. É preciso persistir no ensino dos clássicos. Não é fácil, já que uma quantidade básica de informação histórica se faz necessária, para que as obras não sejam vistas fora da perspectiva adequada e completamente distorcidas. Mas os benefícios são óbvios. Ler os clássicos é um maravilhoso exercício de raciocínio e imaginação.

domingo, dezembro 02, 2007

Jacques Barzun, um intelecto elegante - 2

Age of Reason

In his hundred years, Jacques Barzun has learned a thing or two.

by Arthur Krystal October 22, 2007


The secret to Barzun’s erudition is a delight in learning.

The secret to Barzun’s erudition is a delight in learning.

For the past few years, Jacques Barzun has been dreaming more and more in French. Sometimes two people are speaking—one in English, the other in French—as though nothing could be more natural than the cadences of one language summoning the other. If awakened by the chatter, Barzun isn’t sure whether he has dreamed in French and incorporated a native English speaker, or vice versa. He finds these conversations oddly soothing, but he recognizes that they’re a sign of aging, the tic of a mind seeking a moment when all the world spoke French.

These days, Barzun doesn’t have much occasion to speak the language of Flaubert, whose grammar and syntax, by the way, he considers slovenly. He lives with his wife, Marguerite, in her home town of San Antonio, Texas, where he retired after spending more than seventy years in New York, most of them on the faculty of Columbia University. Barzun is usually out of bed by 6 A.M. He brews coffee, reads the San Antonio Express-News, exercises for forty minutes, and heads down the hall to his study. After lunch, he dips into the manuscripts and books that people send him, answers letters, and takes calls from family members and friends. In the afternoon, he likes to read in the sunroom, whose white brick walls and black-and-white tiled floor accommodate without protest a mélange of armchairs and end tables of no particular style. But then all the furnishings in the house—including the art: Piranesi fortifications, Daumier scenes of Parisian life, Expressionist studies by Cleve Gray, and bright watercolors of flowers and plants by Marguerite—have an aesthetic compatibility that seems to issue more from accident than from design. Cocktails are at six-thirty (Barzun favors Manhattans); a light dinner follows, then a session with the New York Times. Barzun doesn’t watch TV and is usually in bed by nine-thirty. Not long afterward, someone starts speaking in French.

Next month, Barzun, the eminent historian and cultural critic, will turn one hundred. His idea of celebrating his centenary is to put the finishing touches on his thirty-eighth book (not counting translations). Among his areas of expertise are French and German literature, music, education, ghost stories, detective fiction, language, and etymology. Barzun has examined Poe as proofreader, Abraham Lincoln as stylist, Diderot as satirist, and Liszt as reader; he has burnished the reputations of Thomas Beddoes, James Agate, and John Jay Chapman; and he has written so many reviews and essays that his official biographer is loath to put a number on them. There’s nothing hasty or haphazard about these evaluations. Barzun’s breadth of erudition has been a byword among friends and colleagues for six decades. Yet, in spite of his degrees and awards (he was made a Chevalier de l’Ordre National de la Légion d’Honneur and has received the Presidential Medal of Freedom), Barzun regards himself in many respects as an “amateur” (the Latin root, amator, means “lover”), someone who takes genuine pleasure in what he learns about. More than any other historian of the past four generations, Barzun has stood for the seemingly contradictory ideas of scholarly rigor and unaffected enthusiasm.

One of those enthusiasms produced what may be his most frequently quoted sentence: “Whoever wants to know the heart and mind of America had better learn baseball.” The line, extracted from his book “God’s Country and Mine,” is inscribed on a plaque at the Baseball Hall of Fame and routinely trotted out by news anchors and NPR commentators. Sometimes, Barzun worries that after his books go out of print only those fourteen words will be remembered. Or so he said one evening not long ago, when I was visiting him in San Antonio. We had finished dinner and were sitting in the living room. When he saw me looking at a portrait of his mother by Albert Gleizes, Barzun remarked that it was the third Cubist portrait ever done. “Not the third Cubist picture,” he cautioned, “the third Cubist portrait.” He thinks the first may have been Picasso’s “Woman Seated in an Armchair,” and the second Gleizes’s “Portrait of Jacques Nayral.” Barzun’s taste and attitudes were formed at the beginning of the modernist movement—he played in Duchamp’s studio and attended the orchestral opening of Stravinsky’s “Le Sacre du Printemps”—and he has yet to come around to the cultural aftermath.

Barzun’s declinist views about Western civilization are no secret. One reason that “From Dawn to Decadence,” an eight-hundred-page history of Western civilization from 1500 to the present, which he published at the age of ninety-two, was such an improbable best-seller (“the damnedest story you’ll ever read,” David Gates called it in Newsweek) was its contention that Western civilization is winding down, that “the forms of art as of life seem exhausted.” But, when Barzun insists that he sees “the end of the high creative energies at work since the Renaissance,” his tone is less that of someone appalled by what’s happening than of someone simply recording the ocean currents.

Barzun began to appreciate the transience of civilization almost as soon as he learned what the word meant. Born outside Paris in 1907, he was six years old when the First World War broke out. Early on, he had a sense that, in Paul Valéry’s harsh aperçu, “a civilization has the same fragility as a life.” The war shattered the world that he knew and, as he later wrote, “visibly destroyed that nursery of living culture.” This isn’t entirely a figure of speech. On Saturdays before the war, his parents’ living room had been a raucous salon where many of Europe’s leading avant-garde artists and writers gathered: Varèse played the piano, Ozenfant and Delaunay debated, Cocteau told lies, and Apollinaire declaimed. Brancusi often stopped by, as did Léger, Kandinsky, Jules Romains, Duchamp, and Pound.

In 1914, when the shells began to fall, the visits gradually ceased; soon came the names of the dead. His parents tried to conceal the losses, but the boy became depressed and, as he learned later, began hinting at suicide. At the age of ten, his parents bundled him off to the seashore at Dinard, where he immersed himself in Shakespeare and James Fenimore Cooper.

It’s tempting to relate Barzun’s skepticism about recent cultural developments (he’s inclined to regard the provocations of later artists, from John Cage to Damien Hirst, as leaves from a tree that was planted before the First World War) to the intensity of his childhood milieu and its abrupt disappearance. Barzun readily acknowledges that the accident of birth is “bound to have irreversible consequences,” but he rejects the idea that his character or sense of the world derives from any loss that he might have suffered as a child. In fact, when I broached the possibility that his precise way of formulating ideas and strict attention to empirical evidence are distinctive qualities of the civilization that he saw disintegrate before his eyes, his response was gently quizzical. “Why must you find trauma where there is none?” he asked. “I grew up a child of a bourgeois family, with emancipated parents who surrounded themselves with people who talked about ideas. My views were formed by my parents, by the lycée, and by my reading. How else should I be?”

With the war over, Barzun’s father, the poet and diplomat Henri Martin Barzun, offered his only son a choice of completing his studies in England or in America. Barzun, with visions of Chingachgook dancing in his head, didn’t hesitate, and in 1920 the family settled in New Rochelle. Barzun, with the aid of tutors, entered Columbia at fifteen. His student life presaged his professional one. He majored in history, reviewed theatre for the daily Spectator, edited the monthly literary magazine, became the president of the Philolexian Society, and, together with his friend Wendell Hertig Taylor, kept a running tally of every mystery book that came along. Their brief descriptions, scribbled on three-by-five-inch index cards, eventually coalesced into “A Catalogue of Crime,” one of the foremost reference works in the mystery/suspense genre. He also managed to graduate as valedictorian of his class, a feat he considers less impressive than having written the 1928 Varsity Show, “Zuleika, or the Sultan Insulted.”

Barzun joined the history faculty a year after graduating, at a moment when British and American universities, despite a general dislike of things Teutonic, were in thrall to the ideal of Wissenschaft, or scientific knowledge. Philosophers such as Wilhelm Dilthey had argued that history was a succession of conceptual forms and styles, capable of being classified and studied methodically. (Another German, of course, had maintained that class struggle was actually the transformative force behind historical events.) History was now thought too serious to be left to biographers and storytellers; and even Lord Acton urged his students to “study problems in preference to periods.” Barzun, though hardly a practitioner of the old popes-and-princes school of history (his first books examined ideas about race and freedom), disapproved of attempts to refashion history as a social science. History wasn’t “a piece of crockery dredged up from the Titanic,” he wrote; it was, “first, the shipwreck, then a piece of writing.” He demanded, therefore, that historical narrative include “the range and wildness of individuality, the pivotal force of trifles, the manifestations of greatness, the failures of unquestioned talent.” His models were Burkhardt, Gibbon, Macaulay, and Michelet, authors of imperfect mosaics characterized by a strong narrative line. As for philosopher-historians like Vico, Herder, and Spengler, Barzun held that they did not, despite creating prodigious works of learning, write histories at all: “It is not a paradox to say that in seeking a law of history those passionate minds were giving up their interest in history.”

In Columbia, Barzun found a genial host for his far-flung interests. In addition to the broadly conceived Contemporary Civilization course, Columbia offered a General Honors class—later, the Colloquium on Important Books—that let a select group of upperclassmen read the Western classics with instructors from two fields. When Barzun was assigned to the Colloquium, in 1934, his teaching partner was the English instructor Lionel Trilling. Among the most influential literary critics to emerge from the academy, Trilling admitted late in life that he had once stood “puzzled, abashed, and a little queasy” before the “high artistic culture of the modern age,” a discomfort no doubt torqued by sitting at a table next to a man whose mind had been formed at first hand by that culture. The Colloquium, as the word implies, was a conversation, and in 1934 it became not merely a conversation between instructors and undergraduates but also a dialogue between the two men that lasted until Trilling’s death, in 1975.

Dissimilar in many respects, the urbane, Americanized Frenchman, with his easy manner, and the shy, intense, Jewish writer-aspirant from Queens, who had only recently renounced his Marxist views, soon shared their thoughts, showed each other drafts of their work, and gradually began to carve out a new discipline in American education. They broadened the critical spectrum to include the biographical and social conditions attending the creation of any cultural artifact, and rerouted the notion of individuality or genius toward a busy intersection where various historical forces converged.

Barzun and Trilling, it could be said, also broadened each other. One day in the mid-nineteen-thirties, they began talking about novelists, and Barzun mentioned his admiration for Henry James. Trilling, who had read only a few of James’s stories, replied that he thought him not much more than a “social twitterer.” Barzun pressed upon him “The Pupil” and, as he recalls, “The Spoils of Poynton.” Trilling was duly persuaded, and marched off to convince Phillip Rahv and William Phillips, the editors of Partisan Review, that James was a writer to be taken seriously—and within five or six years he was.

At the Colloquium, books and ideas were thrown open to discussion; almost every approach was tolerated. “Cultural criticism” was Barzun and Trilling’s coinage for their lack of method, and it worked so well that, in the mid-fifties, Fred Friendly, an executive producer at CBS News, tried (and failed) to persuade the two men to offer a version of the Colloquium for television. “It was awe-inspiring,” the historian Fritz Stern, a 1946 alumnus of the Colloquium, recalled recently. “There I was, listening to two men very different, yet brilliantly attuned to each other, spinning and refining their thoughts in front of us. And when they spoke about Wordsworth, or Balzac, or Burke, it was as if they’d known him. I couldn’t imagine a better way to read the great masterpieces of modern European thought.”

The class met on Wednesday evenings, and, as the decades passed and more specialized approaches to literature emerged, Barzun and Trilling remained committed to the essential messiness of culture. Neither the self-isolating pieties of the New Critics, nor the technical proficiency of the Russian Formalists, nor the class-bound shibboleths of Marxist writers held sway in their classroom. As a result, they were condemned, as Barzun recalled, “for overlooking the autonomy of the work of art and its inherent indifference to meaning; for ignoring the dialectic of history,” not to mention “the ‘rigorous’ critical methods recently opened to those who could count metaphors, analyze themes, and trace myths.”

Basically, Barzun and Trilling cast themselves in the Arnoldian mold of relating culture to conduct. Matthew Arnold believed that judging books “as to the influence which they are calculated to have upon the general culture” would help realize man’s better nature and, thus, eventually improve society itself. Trilling and Barzun were less dreamy about the critic’s power, but, like Arnold, they saw no fissure between moral and aesthetic intelligence. They interpreted books liberally and wrote about them with a fluency and a precision befitting R. P. Blackmur’s definition of criticism as “the formal discourse of an amateur.”

For all that, Barzun was never a “New York intellectual.” He occasionally fraternized with the Partisan Review crowd, but he avoided the sectarian wars that seemed to fuel their lives and work; he appears only marginally in most accounts of the literary figures who rotated around the magazine. Yet, when a mid-century issue of Time came out with a lead article entitled “America and the Intellectual,” it wasn’t Edmund Wilson, or Lionel Trilling, or Sidney Hook, or Mark Van Doren whose likeness appeared on the cover (though all were mentioned inside); it was that of a man who hadn’t even been born here.

Around 1941, Barzun took on a larger classroom, becoming the moderator of the CBS radio program “Invitation to Learning,” which aired on Sunday mornings and featured four or five intellectual lights discussing books. From commenting on books, it was, apparently, a short step to selling them. In 1951, Barzun, Trilling, and W. H. Auden started up the Readers’ Subscription Book Club, writing monthly appreciations of books that they thought the public would benefit from reading. The club lasted for eleven years, partly on the strength of the recommended books, which ranged from Kenneth Grahame’s “The Wind in the Willows” to Hannah Arendt’s “The Human Condition,” and partly on the strength of the editors’ reputations.

Barzun’s public reputation had been made with the appearance of “Romanticism and the Modern Ego” (1943), which defied prevailing opinion by arguing that the difference between the ostensibly unruly Romantic movement and the ostensibly neoclassical Enlightenment was fundamentally social and political, not aesthetic. “The Romanticists’ point was in fact not an emotional point at all,” Barzun claimed, “but an intellectual point about the emotional life of man.” It was a bold statement to make at a time when Eliot’s condescensions to the early-nineteenth-century poets dominated literature departments, and perhaps it took a historian to recognize that Eliot’s distrust of personality and radicalism caused him to misjudge the Romantics’ debt to, among others, Rousseau and Kant. As Barzun laid it out, Romanticism was no aberrant aesthetic movement but reflected an intellectual sensibility perfectly suited to a hectic and idealistic age. In short, he helped make Romanticism respectable.

Although Barzun’s influence on literary studies is difficult to assess, there’s little doubt about his role in the revival of Hector Berlioz. Barzun had heard Berlioz’s “Rakoczy March” at a children’s concert in Paris when he was four or five, and, nearly forty years later, when putting the finishing touches on his biography of the composer, he noticed that the French and German scores of “Roméo et Juliette” contained a small discrepancy. (The placing of mutes on the strings at one point in the Love Scene was different.) He happened to mention this to Toscanini’s assistant, and a few days later he was having tea at Toscanini’s house in Riverdale, discussing music in general and Berlioz’s instrumentation and harmonics in particular.

Toscanini was one of a small number of musicians at mid-century who admired Berlioz. The rest of the music world, along with “conservatives, clerics, liberals and socialists,” Barzun wrote, “all joined in repudiating” the Romantic style. But, where others heard in Berlioz disorder and bombast, Barzun discerned exuberance, vividness, and dramatic flair. When he listened to Berlioz, Barzun heard “Gothic cathedrals, the festivals of the Revolution, the antique grandeur of classic tragedy, the comic force of Molière and Beaumarchais, and the special lyricism of his own Romantic period.” Barzun didn’t just like Berlioz’s music; he liked the mind that made the music, and his two-volume “Berlioz and the Romantic Century” (1950) not only spurred revisionist studies of Berlioz but also brought his music back into a general repertoire. “When I left school, I had to educate myself, and Jacques Barzun was part of my education,” the British conductor Sir Colin Davis told me. Davis had lobbied for Berlioz’s music in England and in 1969 he conducted a magnificent performance of “Les Troyens” in London that eventually led to his recording all Berlioz’s major works.

As much as he wrote about music and literature, Barzun was no unworldly aesthete, and his practical and political side was put to the test in 1958, when he assumed the inaugural post of provost and dean of faculties at Columbia. He remained provost for ten years and is generally credited with extricating the university from its financial and administrative woes. He also replaced the music played at graduation with the march from “Les Troyens.” Barzun returned to teaching the history of Western civilization just as it was coming under attack by various Continental theorists, whose repudiation of hierarchical structures and determinate meaning challenged everything that Barzun believed in. In the nineteen-seventies and eighties, Barzun became a symbol of the Old Guard, a mandarin scholar futilely defending the works of dead white males. Even as late as 1990, he had a walk-on in Henry Louis Gates, Jr.,’s smart, hardboiled spoof of the canon wars, dressed in evening clothes and packing a .38 Beretta, holding forth on standards and errors of usage.

In truth, Barzun looked the part of someone who embodied tradition. He stood a straight-up six feet two inches and wore clothes that, if not expensive, looked expensive on him. His hair was silver, his forehead high and broad, and his nose long and straight, with a slight dip at the end. He looked ambassadorial, and possessed an air of authority that had less to do with giving orders than with the expectation that he would be listened to. Carolyn Heilbrun, one of the first female professors in Columbia’s English and Comparative Literature Department, remembers that she felt patronized by Trilling and other male faculty, but she wrote about Barzun almost reverently:



No picture of him I have seen, whether rendered by a photographer or by an artist, captures either his physical or his inner qualities. Obvious to the mere observer or the frightened student were his aristocratic way of carrying himself, suggesting arrogance, his impeccable clothes, his neat hair, his studious, exact, but never hesitant speech, his formidable intelligence. I have known history students tempted for the first time in their lives to plagiarize a paper because they could not imagine themselves writing anything that would not affront his critical eye, let alone satisfy him.

When I first encountered Jacques Barzun, in January of 1970, he was sixty-two and I was twenty-two. He was the University Professor of History at Columbia; I was a first-year graduate student in the English and Comparative Literature Department. He lived on upper Fifth Avenue; I lived in the Bronx, near Kingsbridge Avenue. He attended the opera; I hung out at revival movie theatres. He wore bespoke suits; I didn’t own a suit. He said “potato”; I said “pot.” Perhaps because we didn’t really know each other (to me, he was just a name following the introduction to my Bantam edition of “Germinal”; to him, I was just another student in a green Army jacket who smoked filterless Camels), Barzun and I hit it off.

After I began to read his books, I noticed that the historian and the critic had distinctive voices. When Barzun is compressing great batches of information, his prose races across spatial and chronological vistas, delivering facts, their causes and implications, in a strictly utilitarian, almost rat-a-tat manner. When he’s addressing an artist’s work, however, the prose becomes redolent, more capacious, its syntactical flourishes a tacit reflection of real appreciation. Very few historians could so confidently gauge a writer’s mind:



Shaw knows at any moment, on any subject, what he thinks, what you will think, what others have thought, what all this thinking entails. . . . Shaw is perhaps the most consciously conscious mind that has ever thought—certainly the most conscious since Rousseau; which may be why both of them often create the same impression of insincerity amounting to charlatanism.

Not everything that Barzun wrote struck me with equal force, and some years later, when I edited a compilation of his essays, I made so bold as to tinker with his style. The editorial process led to a spate of letters, highlighting our asynchronous temperaments. During one exchange, I suggested that the importance of what he was saying warranted heightened language. His reply came so fast that I thought he’d bounded across Central Park and put the letter in my mailbox himself. “You are a sky-high highbrow,” he wrote. “Me, I suspect highbrows (and low- and middle-) as I do all specialists, suspect them of making things too easy for themselves; and like women with a good figure who can afford to go braless, I go about brow-less.” Undeterred, I offered to rewrite the passages in question. My changes were acknowledged with fitting tribute. “To put it in a nice, friendly, unprejudiced way,” he responded, “your aim as shown in your rewritings of the ‘objectionable’ sentences strikes me as patronizing, smarmy, emetic!” My heart swells when I contemplate that exclamation point, as he seldom resorts to one.

Barzun doesn’t often emote on paper and is even less inclined to do so in person. When you talk to people who know him, the same adjectives pop up: “composed,” “distant,” “removed,” “reserved.” It’s not that friends find him cold or unhelpful; it’s just that Barzun exudes a formality that inhibits the exchange of intimate confidences. He doesn’t jabber. He won’t gossip about his friends or discuss his marriages (there have been three) or family (he has three children). After all, what does any of this have to do with his work? When I raised the prospect of talking to him about his life, he sighed and said, “It’s not a subject I’m interested in.” Still, I thought, he must confide in some people. So I asked Shirley Hazzard, whose husband, the French scholar Francis Steegmuller, was in the same class as Barzun at Columbia, if Barzun had ever revealed anything about his private life to her. Her reply was almost a reprimand: “If you know Jacques, you know that he doesn’t talk about those things.”

And yet Barzun is not all genteel restraint, something that Sir Colin Davis touched on when we spoke about Barzun’s appreciation of Berlioz: “Such an interesting figure, Berlioz—so intelligent and self-conscious, but also volatile and passionate. I rather think Jacques is like that—his internal life, I mean, not his personal life.” Barzun’s prose may not give off much heat, but over and over one finds paeans to pure feeling, to the sensuous response to experience. Like William James (his favorite philosopher), Barzun believes that feeling is at the root of all philosophy and art. “The greatest artists have never been men of taste,” Barzun wrote, with Berlioz in mind. “By never sophisticating their instincts they have never lost the awareness of the great simplicities, which they relish both from appetite and from the challenge these offer to skill in competition with popular art.” Because Barzun is so coolly analytical in his own work, one might infer that he would be drawn to poets of fine discrimination, to ingenious symbolists like Mallarmé and Valéry, and yet it’s the rude vitality of Molière and Hugo that engages him.

Obvious emotionalism is not the point; it’s the courage to be emotional that matters. Barzun has observed that “the vulgarity of mankind,” in the sense of the common man’s intense awareness of life—life with all its brief pleasures and bruising shocks—“is not only a source of art but the ultimate one.” It’s easy enough to understand why people don’t immediately see this side of Barzun, and pass over, without notice, sentiments such as “And when will art cease to be something so exclusively for nice people?” or “Reading history remakes the mind by feeding primitive pleasure in story.”

Barzun always seemed to know everything you had ever read or thought about reading one day, and he seemed just as comfortable talking about German architecture as about Venetian politics. “He was terrifying,” Steven Marcus, a former dean of Columbia College, recalled about the experience of being his student. “He would disgorge an absolutely enormous amount of information during his lectures, more than anyone could possibly remember, and what you felt was—you felt you couldn’t compete. I mean, you could imagine maybe one day writing something on the order of Trilling—maybe. But how could you ever know as much as Barzun did?” The charge against Barzun, accordingly, was that he spread himself too thin. As Marcus explained, “I think his natural reserve and the variegated subject matter have caused him to be taken less seriously by the intellectual crowd that runs literature departments and literary quarterlies.”

Barzun, though, never intended to write for that crowd. Instead, as he put it in a letter to me, he wanted “to write for a quite different, less homogeneous group: academics in other departments than English, people with a non-professional interest in the arts (doctors who play music, lawyers who read philosophy) and a certain number of men and women in business and philanthropy, in foundations and newspapers or publishing houses.” In writing for a general audience, Barzun was taking sides in an old debate about the relationship between the intellectual writer and the reading public. It was a question not of how much the reading public could bear but of who constituted that public. When Dr. Johnson wrote, “I rejoice to concur with the common reader,” he could count on that reader to actually read or hear about his rejoicing. He was speaking, after all, about a relatively small number of educated Brits who owned businesses or property and could afford to buy books. When Barzun began writing, the size and diversity of the reading public discouraged such assumptions.

Barzun wanted to do on the page what he did in the classroom: help the reader “carry in his head something more than the unexamined history of his own life,” not because knowledge is inherently good or makes one a better person but because it fosters an independence of mind. The more one learns about the course of civilization, he believed, the more one can appreciate its achievements. After a while, if you learn enough, you can argue that, say, Shaw’s mind more closely resembles Rousseau’s than Voltaire’s—and you may actually enjoy doing it. Consequently, there’s nothing Hegelian, Heideggerian, or hermeneutic about his work; no nihilistic or existential angst livens things up. Nor does he proffer any grand theory or unifying design that would explain the past in the categorical manner of Spengler’s organic cycle of regional growth and decay, or Braudel’s emphasis on broad socioeconomic “structures.” For Barzun, these systematic models of cause and effect run counter to the temper of history, which is intuitive, concrete, beholden to time and evidence:



History, like a vast river, propels logs, vegetation, rafts, and debris; it is full of live and dead things, some destined for resurrection; it mingles many waters and holds in solution invisible substances stolen from distant soils. Anything may become part of it; that is why it can be an image of the continuity of mankind. And it is also why some of its freight turns up again in the social sciences: they were constructed out of the contents of history in the same way as houses in medieval Rome were made out of stones taken from the Coliseum. But the special sciences based on sorted facts cannot be mistaken for rivers flowing in time and full of persons and events. They are systems fashioned with concepts, numbers, and abstract relations. For history, the reward of eluding method is to escape abstraction.

Barzun’s approach to history is, in a word, pragmatic. He is temperamentally in tune with William James’s self-assessment: “I am no lover of disorder, but fear to lose truth by the pretension to possess it entirely.” Among the things that drew Barzun to James was James’s conviction that every request made in good faith incurs some moral obligation in the claimant. A few weeks shy of his hundredth birthday, Barzun is still pressed to read manuscripts, give talks, and attend affairs in his honor. He tries to accommodate everyone, but there is simply less of him to go around. He’s five inches shorter than he used to be, a decrease due to aging and spinal stenosis, which causes pain and numbness in the legs. He relies on a cane or a walker to get around, and, as one might expect, he is alert to the irony of aging: when time is short, old age takes up a lot of time. There are doctors’ visits, tests to be suffered, results to wait for, ailments and medications to be studied—all distractions from the work. “Old age is like learning a new profession,” he noted drily. “And not one of your own choosing.”

Before I left San Antonio, Barzun called my attention to what he slyly referred to as his “most notable accomplishment.” It was a book lying on a coffee table in the sunroom and titled “Introduction to Naval History: An Outline with Diagrams and Glossary.” I turned it over in my hands and looked inside: it was, as promised, a point-by-point synopsis of seafaring events, designed for the education of naval officers. It turns out that, during the Second World War, the U.S. Navy commissioned Barzun, an associate professor at the time, to write it. And why not? It was always risky to assume that any topic was beyond Barzun’s ken.

Shirley Hazzard learned this one evening, in the mid-nineteen-seventies, when she and Barzun found themselves standing in a storage room on East Seventy-ninth Street, up to their necks in books. They had been asked by the head librarian of the New York Society Library to help him weed out superfluous and out-of-date volumes. “There we were,” Hazzard told me, raising her arm, “books stacked this high, and I thought, We’re really in for it. We’ll never get through these. Then Jacques reached into a pile, glanced at the title—it didn’t matter which book it was—and said, ‘This one’s been superseded by another; this one is still valid; this one can stay until someone or somebody finishes his new study,’ and in a couple of hours we were done. It was a very impressive performance, because, you know, he wasn’t performing at all. It’s just Jacques.”

Sooner or later, all of Barzun’s acquaintances experience their own “just Jacques” moment. Two years ago, while working on a piece for this magazine, I called Barzun to find out whether Lord Edward Grey, the British Foreign Secretary during the First World War, had said that the lights were going out all over Europe before hostilities had actually begun. Barzun asked if I was referring to him in my article as “Lord Grey.” I said I was, since the attribution was always the same. Barzun cleared his throat. “Well, you know, he wasn’t a lord when he said it. He didn’t become Viscount of Fallodon until 1916.” For the first time in thirty-odd years of conversation, I exclaimed, “Why would you know that?” He replied, mildly, “It’s my business to know such things.”