sábado, fevereiro 26, 2005

Pílulas do dia

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"Seja sempre um poeta, mesmo em prosa."

Charles Baudelaire


Música para acompanhar: Barcarola, de "Os Contos de Hoffmann", de Offenbach.





quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Doce regresso

Adentrar novamente os muros que me abrigaram por 42 meses de felicidade não poderia deixar de ser um prazer. Rever a pequena multidão ambulante que a todo momento percorre prédios, corredores e jardins, no seu burburinho alegre e interminável; reencontrar velhas faces conhecidas, que, mesmo quando à distância, compuseram minha paisagem favorita por tanto tempo; ouvir mais uma vez o burburinho interminável do campus; sentir a revigorante eletricidade de aulas, debates e da produção de idéias. Talvez em nenhum outro lugar experimente um efeito igual ao da minha universidade-mãe: nela, uma energia misteriosa como que jorra de dentro do cérebro e aciona potências desconhecidas da personalidade. O agito do campus, com sua cornucópia de possibilidades e boas lembranças, é o melhor programa a que poderia aspirar numa noite de quarta-feira.

O motivo do retorno, uma solenidade inócua de premiação monográfica seguida de uma formatura de uma colega, é de pouca monta. Marcante mesmo foi a possibilidade de reencontros que ele ocasionou. Não dos amigos de sempre, dos que estão costumeiramente ao nosso lado, buscando-nos em alegrias e tristezas. Não é desses de que falo. Refiro-me, ao contrário, àquela outra espécie mais fugidia, dos encontros raros e espaçados, que nunca telefona espontaneamente, mas que, quando enfim achada, proporciona muita alegria. O tipo de amigo que é como as efemérides astrais, só aparece quando o cosmo conspira para isso, e nem por isso deixa de nos provocar um sorriso quando o faz. O amigo, enfim, que causa sempre um reencontro memorável, pela raridade com que o proporciona. Não é o amigo do peito, o irmão de todas as horas; tampouco o confidente, que vigia zeloso os nossos segredos e dilemas. Basta que ele faça parte aqui e ali de algumas alegrias comuns, de pequenos grandes momentos de conversas generosas. E assim, como quem nada quer, vai ganhando algum espaço em nossa memória e, se não chega a inspirar propriamente saudade como os outros, também não é esquecido.

Noites assim, todavia, guardam lá suas surpresas, mesmo aquelas, é bem verdade, não tão surpreendentes. Pode acontecer que algo mais do que efusividade marque presença e observar como isso acontece é sempre fascinante. É involuntário, a princípio, mas não tarda a ter uma agradável deliberação: sutil e insistentemente, os olhos começam a gravitar na mesma direção, correr sobre os mesmos traços, estudados com um cuidado que se poderia dizer digno de um artista. A tagarelice torrencial provocada pela familiaridade do ambiente e o “estar à vontade” libertador que ele proporciona logo deixam escapar, no meio de um argumento ou no fim de uma frase, entre cuidadosos parênteses ou como impulsiva interjeição, pequenos elogios irrefletidos, talvez sinceros demais, escorregando inconseqüentes de lábios quase famintos. Nada de arrependimentos, porém. Há aqui uma força em ação, antiga como a espécie, admirável pela astúcia com que contamina gestos, palavras, expressões — criando entrelinhas aqui e ali, quase alardeando a própria presença. Reprimi-la? Para quê? Não há temores na segurança do lar reencontrado. Só o prazer lúdico, a sensação de que naqueles minutos a vida parece mais intensa, com sensações mais vivas e marcantes.

Findas as cerimônias, prêmio entregue e colegas diplomados, a confusão das despedidas. Rever colegas há muito sumidos de vista, cumprimentar os antigos mestres, perder-se por instantes na multidão que dá parabéns, tira fotos, despe becas... Uma algazarra gostosa de se ver. O entusiasmo ainda impregna o rosto de todos.

Hora de partir. Os lábios ainda quase famintos, a alma sorridente. Fartou-se à sua moda, rejuvenescida por seus próprios apetites.

sábado, fevereiro 19, 2005

À musa ausente

"De tanto vigiar, meus olhos acabaram perdendo o sono. Contudo, mesmo que não te encontre, é doce ficar vigiando.

Meu coração se assenta na sombra das chuvas, esperando teu amor. Todavia, mesmo que ele se frustre, é doce ficar esperando.

Eles vão embora, cada um por seu diferente caminho, e me deixam para trás. Porém, mesmo que eu esteja sozinho, é doce ficar à escuta, esperando por teus passos.

A face nostálgica da terra tece as névoas de seu outono e desperta a saudade em meu coração. E, embora seja inútil, mesmo assim é doce para mim sentir a dor da saudade."



Rabindranath Tagore


sábado, fevereiro 12, 2005

Coletânea de terror é clássico das emoções


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Escritora Heloísa Seixas compilou os melhores contos do autor inglês Blackwood, um mestre do horror que é pouco divulgado até em seu país

por SCHNEIDER CARPEGGIANI

Aos 82 anos, o inglês Algernon Blackwood foi convidado para ler na TV uma história assombrada na noite de Halloween. Usando duas câmeras e dois cenários iguais, o diretor do programa conseguiu um feito extraordinário para aquele ano de 1947: fez Blackwood desaparecer, deixando para os telespectadores apenas sua voz em off e sua cadeira vazia ocupando a telinha. No dia seguinte, a repercussão na Inglaterra foi retumbante. E acabou marcando também um dos últimos momentos de glória da carreira desse que foi considerado um dos maiores autores de terror do começo do século 20, hoje em dia, praticamente esquecido. Até mesmo em sua terra natal, seus títulos são difíceis de ser encontrados.

Pelo menos para os brasileiros, Blackwood acaba de receber os créditos merecidos. A escritora Heloísa Seixas compilou e traduziu alguns dos seus principais contos, na coletânea A Casa do Passado. "Eu, que me interesso muito por literatura de terror, jamais ouvira falar dele, até o dia em que comprei num sebo uma antologia de contos assombrados, da editora Modern Library", disse Heloísa, por telefone.

Os fãs de literatura de terror devem lembrar que essa não é a primeira contribuição de Heloísa ao gênero. Ela já organizou Depois - Sete Histórias de Horror e Terror, com textos de autores diversos, como Edgar Allan Poe e o próprio Blackwood; e Visões da Noite, centrado na obra de Ambroce Bierce, escritor que gostava de misturar lendas estranhas com psicopatas em seus escritos. Do seu próprio legado, Heloísa lançou ainda Pente de Vênus, excelente reunião de contos, que comunga os arrepios próprios de uma estória de terror, com outros segmentos, como o mistério e o erotismo.

No texto de apresentação que preparou para A Casa do Passado, Heloísa descreveu de forma magistral o que Blackwood faz com o leitor: "Comecei a ler uma das suas histórias, chamada Os Salgueiros. De repente, como ocorre com os personagens das histórias de fantasmas, lá estava eu, cenho franzido, lábios apertados, mãos úmidas segurando as bordas do livro, uma sensação de arrepio, uma inquietação. Eu estava com medo."

O melhor na literatura de Blackwood é que ela se distancia do clichê de sangue, fantasmas e vampiros. Nela, o medo surge aliado ao drama interno da personagem: ou seja, ele pode existir ou não. Seu texto é permeado por aquela sensação de se estar sozinho em casa e escutar algum barulho, como o som de janelas batendo. Sempre pode ser o vento ou não, tudo depende do seu estado de nervos.

O conto Os Salgueiros, que Heloísa afirmou ter sido o primeiro de Blackwood que teve contato, exemplifica bem o estilo do autor. Dois viajantes acampam em uma ilhota, até então, aparentemente virgem de presença humana. Por todos os lados, uma gigantesca extensão de salgueiros. De uma hora para outra, ambos começam a ter visões e a sentir que seus mantimentos estão sumindo. Está criado um cenário claustrofóbico que Blackwood descreve com calma e muita sutileza.

Outro ponto bem interessante no seu texto são pequenas pinceladas de ficção-científica, gênero ainda bem incipiente naquele começo do século 20.

SEM DENTADAS - Com as suas antologias, Heloísa Seixas está ajudando a divulgar a literatura de terror no Brasil, um gênero que nunca encontrou grande abertura em território nacional. "Não sei citar um grande autor ou obra de terror brasileira. Pode até existir, mas não tenho conhecimento", disse Heloísa.

Fã do gênero desde pequena, a autora afirmou que não tem muito interesse em histórias com monstrengos, como vampiros ou lobisomens. "Prefiro uma abordagem mais psicológica nesse caso, na qual o terror passe pelas emoções da personagens e também por algo que não consegue ser explicado."

Heloísa listou ainda as estórias que mais a arrepiaram na vida: Ruínas Circulares, de Borges; Os Salgueiros, de Blackwood; A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe; e O Túmulo, de Lovecraft.

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Tédio

Finalmente os dias do reinado de Momo ficaram para trás e a normalidade aos poucos está retornando. Por alguma razão, no que toca a este blog, os dias de folia foram extraordinariamente estéreis, mas de uma esterilidade perversa: as idéias vinham aos montes, o que faltava era o desenvolvimento. A insistência era inútil. A "fagulha" da inspiração ausentou-se sem aviso e não disse quando voltaria. Enquanto isso, meu cérebro, nem um pouco amigo de folias e desfiles, jazia como terra arrasada, sem erva nem fruto, seco e inerte. O meu mundo interior como que se transformara em um grande deserto, ermo e sem ventos, nem mesmo uma brisa que o movimentasse. E se nada ele produzia, tampouco absorvia qualquer coisa com que se tentasse semeá-lo: não havia leitura que se fixasse nele, idéia nova que ali estabelecesse raízes. Uma fase de absoluta abstinência criativa, em que, a bem da verdade, senti-me emburrecer.

Que inveja de Leopardi, que podia contemplar o infinito na paisagem e mergulhar na Fonte de todas as musas. Neste carnaval ela desertou de mim, e por momentos pude remotamente conceber a imensidão do castigo de Lúcifer quando a Deidade lhe desviou Sua face. Nenhuma solidão é mais absoluta que esta de ser deixado à própria sorte, apenas com os recursos do seu ego, desligado do fluxo incessante da transcendência. "O Inferno", disse uma vez um famoso beneditino brasileiro, "é a ausência de Deus". Ocorreu-me que a secura interna que impede o ato de criar deve ser um dos primeiros sintomas dessa ausência.

Mas fora com os queixumes! Dou a palavra ao bom poeta, para que ele dissipe os miasmas do tédio neste post e leve algum contentamento aos meus parcos e fiéis leitores. Ele será minha apologia por um tema tão insípido.

The Infinite

It was always dear to me, this solitary hill,
and this hedgerow here, that closes out my view,
from so much of the ultimate horizon.
But sitting here, and watching here, in thought,
I create interminable spaces,
greater than human silences, and deepest
quiet, where the heart barely fails to terrify.
When I hear the wind, blowing among these leaves,
I go on to compare that infinite silence
with this voice, and I remember the eternal
and the dead seasons, and the living present,
and its sound, so that in this immensity
my thoughts are drowned, and shipwreck seems sweet
to me in this sea.

Giacomo Leopardi