sábado, novembro 17, 2007

Os coxos também dançam

Folha de s. Paulo, 31/10/2007.

JOÃO PEREIRA COUTINHO

House é uma reencarnação de Sherlock Holmes. O próprio criador da série não nega as influências

EU PRECISO de ajuda. Urgente. Três semanas fechado em casa, o telefone religiosamente desligado. Trabalho por fazer. Louça por lavar. Amigos que batem à porta, aguardam, desesperam e partem. E eu, com barba de profeta e cabelo de Tarzan, comendo Cheetos e fedendo como a Cheetah, de pijama e robe, e visionando todas as temporadas de "House". Terei cura? Pior: terei defesa? Sim, eu sei: não existe publicação, site ou mero blog que não diga o óbvio. House é uma reencarnação de Sherlock Holmes. O próprio criador da série, David Shore, não nega as influências e as evidências. Sherlock investigava crimes? House investiga doenças. Sherlock não precisava de recolhas empíricas, optando antes, na boa tradição idealista, por deduções científicas? House também não precisa: o doente é dispensável, a doença é tudo que interessa. Sherlock era um solitário e um celibatário? House solitário é.

Sherlock tinha pouco amigos -um único, na verdade? House tem Wilson e sua paciência de santo. Sherlock, nas horas de lazer, permitia-se a umas notas de violino? House prefere a guitarra e o piano. E se Sherlock não resistia ao ópio e à cocaína, House prefere os analgésicos para matar as dores da perna, ou da alma.

Mas isso não chega. É preciso mais. Eu preciso de mais. Porque o sucesso de Sherlock Holmes e de House também explica a época em que ambos viveram. E então recordo Londres, a capital do mundo no século 19, quando Jack, o Estripador andava à solta para a perdição das mulheres. Tirando os melhores bairros, como Belgravia ou Mayfair, Londres era um viveiro de crime e delinqüência. O sítio perfeito para o detetive perfeito. E o detetive apareceu: uma criação de Arthur Conan Doyle que depressa ganhou existência independente do criador. Ainda hoje o nº 221 B de Baker Street recebe correspondência para ele: novos casos, novas angústias, pedidos de horários e de honorários. A porta é sede de um banco, que tem departamento para responder às cartas.

Que, apesar de muitas, vão decrescendo com o tempo. Elementar, meu caro Watson: o crime foi recuando na vida cotidiana do homem ocidental. Tirando bolsas de pobreza e violência, na África ou na América Latina, é possível que um europeu ou um norte-americano atravesse a vida sem jamais conhecer um roubo, uma agressão, um homicídio. Exceto pela TV. O grande medo do século 21 para o Ocidente rico não é mais o crime, como na Inglaterra vitoriana. O grande medo é a saúde: vivemos mais, vivemos melhor; mas essa longevidade, aliada ao culto do corpo e da juventude, tornou-nos mais medrosos, atentos, hipocondríacos.

Foi assim que Sherlock Holmes deu lugar a Gregory House. E foi assim que eu, um amante de Sherlock, encontro House e vicio-me novamente. Amigos vários murmuram que a explicação para o fato não é histórica; é bem pessoal. E acrescentam que eu nunca resisti a coxos, na medida em que também sou um. Mentira. Coxo, House? Coxo, eu? Como Sherlock cem anos atrás, House relembra ao mundo que a única elegância que fica é a inteligência humana a dançar sapateado.

Histórias da Marvel online

Da BBC, 14/11/2007.

Marvel coloca parte de acervo para leitura na internet
Cena do filme 'Homem de Ferro', baseado em personagem da Marvel
Cena do filme 'Homem de Ferro', baseado em personagem da Marvel
A Marvel, gigante americana dos quadrinhos, está oferecendo parte de seu acervo para internautas.

A maioria dos 2,5 mil exemplares ficará disponível mediante assinatura mensal ou anual. Mas, para conquistar internautas que não estão acostumados a pagar por conteúdo, 250 exemplares estarão disponíveis de graça.

Os assinantes terão acesso a exemplares raros on-line, como os primeiros números de séries como Homem-Aranha, O Incrível Hulk e Quarteto Fantástico.

Segundo o jornal americano USA Today, os internautas poderão avançar pela história de várias formas, inclusive quadro a quadro. A página da Marvel informa que não é necessário baixar nenhum programa para ver os exemplares e que serão oferecidos também tutoriais, explicando como os quadrinhos poderão ser acessados.

"Nossos fãs já estão na internet. (Disponibilizar os quadrinhos na internet) Parecia o caminho natural a seguir", disse o presidente da Marvel Dan Buckley ao USA Today.

Para Buckley, não existe problema no fato de a maior parte do conteúdo da Marvel estar disponível apenas mediante pagamento enquanto a maioria dos sites de notícias oferece seu conteúdo de graça.

"Você consegue ver as notícias em qualquer lugar. Nós somos os únicos que têm o Homem-Aranha", afirmou.

Seis meses

Para proteger as vendas das revistas, novos exemplares da Marvel só serão colocados online seis meses depois de seu lançamento.

Os clientes também não poderão baixar os exemplares em seus computadores - apenas ver os quadrinhos enquanto navegam na internet.

Histórias em quadrinhos já são disponibilizadas on-line, mas, ao contrário de arquivos de música ou filmes, os fãs não encontraram um formato que facilita o compartilhamento. Mesmo assim, ele ocorre mais rapidamente do que em seis meses, segundo analistas.

"Cerca de 90% dos quadrinhos vendidos atualmente são escaneados e colocados na rede em 36 horas", afirmou ao USA Today o especialista em quadrinhos da Newsarama.com, Chris Arrant.

"Nossa qualidade é bem maior, o acervo é enorme e nunca ficará fora de moda. Esta é a forma legal de fazer as coisas", disse o editor-chefe da Marvel, Joe Quesada.

A grande adversária da Marvel, a DC Comics, já disponibilizou alguns de seus exemplares pelo site de relacionamento MySpace.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Honra entre criminosos

Da BBC

Polícia descobre dez mandamentos da máfia siciliana

Salvatore Lo Piccolo na delegacia central de Palermo
Polícia encontrou regras entre documentos de Salvatore Lo Piccolo
A polícia da Itália descobriu que, a exemplo da Igreja Católica, que tem seus Dez Mandamentos, a máfia siciliana também redigiu uma lista com dez regras que devem ser cumpridas por seus membros.

O decálogo do perfeito mafioso foi encontrado por policiais da cidade de Palermo, na Sicília, em meio à papelada no esconderijo de Salvatore Lo Piccolo – o chefe da organização criminosa Cosa Nostra, preso na última segunda-feira.

De acordo com o código de honra, cujo título é Direitos e Deveres, fica proibido aos membros da organização exagerar no vinho, jogar, mentir, trair a mulher, freqüentar bares, apresentar denúncias e se apropriar de dinheiro que pertence a outra família mafiosa.

As regras buscam preservar a segurança da Cosa Nostra, mas também nortear o comportamento de seus integrantes, impondo fidelidade e obediência, além de sobriedade e moderação.

Mulheres

Com relação às mulheres, o decálogo define com detalhes como os homens devem se comportar.

"As esposas dos nossos amigos não devem nem mesmo serem olhadas", diz. O mesmo vale para as filhas e irmãs dos integrantes.

Segundo o documento, "uma traição sentimental em família é uma tragédia".

O código também afirma que uma mulher basta. Ter duas é muito arriscado. O mandamento mafioso explica que isso pode colocar em perigo o interessado e, em conseqüência, todos os outros.

"Ou a mulher, ou a amante, porque mais cedo ou mais tarde, em um momento de raiva, com rancor, uma delas pode deixar escapar um palavra a mais. Isso pode ser uma ameaça a Cosa Nostra."

O decálogo assinala que um bom mafioso deverá estar sempre disponível à organização, até mesmo se a mulher dele está para dar à luz.

Prisão

Salvatore Lo Piccolo, de 64 anos, foi preso nesta semana depois de 25 anos como fugitivo. Junto com ele estava o filho Sandro, de 32 anos, procurado pela Justiça há seis anos.

Conforme a polícia italiana, ele assumiu a chefia da Cosa Nostra em abril do ano passado, depois da prisão de Bernardo Provenzano, que dirigiu por mais de quatro décadas as atividades do grupo na clandestinidade.

Lo Piccolo era considerado um dos criminosos mais procurados no país, acusado de tráfico de cocaína, homicídio e associação mafiosa.

“Eles não são meros fugitivos, mas chefes mafiosos que exerciam seu poder sobre o território”, disse o procurador de Palermo Francesco Messineo, logo após a prisão.

Pragmatismo

Na avaliação da polícia siciliana, o decálogo é útil ao pragmatismo mafioso.

O décimo mandamento é o melhor articulado e dá indicações precisas sobre aqueles que podem fazer parte da Cosa Nostra.

Ele diz que é proibido o ingresso de quem tem parente nas forças policiais italianas, de quem já traiu sentimentalmente em família e daqueles que têm um comportamento péssimo ou não respeitam os valores morais.

Junto com o código, os policiais apreenderam uma imagem sacra, junto com o juramento de filiação ao grupo. No juramento, o mafioso iniciante promete ser fiel à Cosa Nostra, e diz que, se trair a organização, sua carne “deve queimar”.

Os mandamentos

Os mandamentos foram encontrados pela polícia junto com explicações para cada um deles, separadas em capítulos. As explicações dão detalhes sobre as restrições que cada mandamento representa - como, por exemplo, a proibição do jogo e de se exagerar no vinho.

1 - Não pode se apresentar sozinho a um amigo nosso, senão um terceiro irá fazer isso. (Ou seja - nenhum membro da Cosa Nostra pode ir sozinho a um encontro)

2 - Não se deve olhar para as mulheres dos nossos amigos.

3 - Não deve se meter em confronto com os policiais.

4 - Não se deve frequëntar bares ou clubes.

5 - Deve estar disponível a qualquer momento à Cosa Nostra. Até mesmo se a mulher está por dar à luz.

6 - Os compromissos devem ser respeitados.

7 - Deve-se respeitar a esposa.

8 - Quando for chamado para esclarecer qualquer coisa, deverá dizer a verdade.

9 - Não pode se apropriar de dinheiro que pertence a outros ou a outras famílias.

10 - Não pode fazer parte da Cosa Nostra quem tem um parente nas diversas forças de ordem italianas, quem já traiu sentimentalmente dentro da família (mafiosa) e quem tem um péssimo comportamento e não respeita os valores.