domingo, julho 23, 2006

Expressão

Um bom poema nada tem a ver, em essência, com belas rimas ou uma métrica perfeita. É simplesmente aquele que, em determinado momento, diz tudo aquilo que nos vai pela alma e resiste às palavras -- a sensação nítida, clara, intensa, que, muito embora até nos leve a lágrimas ou gestos impensados, nos faz calar, perplexos, incapazes de fala. O bom poema, portanto, é o que se torna nosso intérprete, que dá voz ao indizível e, ao fazê-lo, de algum modo nos consola e alivia. Ele oferece, pelas palavras de um estranho, o ponto em que nossa individualidade e a experiência comum da humanidade se tocam. E recorda, malgrado nosso, o quão parecidos todos somos.

Hoje, como tantas vezes antes, este é o meu bom poema. Versos que jamais compus, e no entanto são mais meus, hoje, do que de seu próprio autor.

Poemas de Amor - XX

Pablo Neruda


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: ‘A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros à distância’.

Gira o vento da noite pelo céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.

Eu a tive em meus braços em noites como esta.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E descer o verso à alma como ao campo do rocio.

Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Como para cercá-la meu olhar a procura.
Meu coração a busca, ela não está comigo.

A mesma noite faz branquear as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos, nós os de outros dias.

Já não a quero, é certo, quanto a quis, no entanto.
Minha voz ia no vento para alcançar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, os olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ai, é tão breve o amor e é tão extenso o olvido.

Porque em noites como esta eu a tive em meus braços,
minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Mesmo sendo esta a última dor que ela me cause
e estes os últimos versos que eu lhe tenha escrito.

Da "IstoÉ": Falando com o Além

26/07/2006

Ciência e médiuns aprimoram a
tecnologia e os métodos de contato
com os que morreram. Com isso,
milhões encontram conforto e
respostas para suas inquietações
Por Celso Fonseca, Eliane Lobato
e Ricardo Miranda
Colaborou Eduardo Marini

A morte, para o católico São Paulo, era a “passagem para a vida definitiva”. O poeta grego Eurípedes escreveu que “morrer deve ser como não haver nascido”, enquanto o português Fernando Pessoa a considerava o grande “enigma”. Filósofos, pensadores, mestres como Goethe, Platão, Rimbaud, Byron, Mário Quintana, todos deixaram registrado algum tipo de entendimento sobre a única travessia supostamente sem volta. Mas e se pudéssemos mandar mensagens do lado de lá para cá? Muita gente acredita que falar com os mortos é possível – e alguns afirmam fazer isso cotidianamente. São os médiuns, os intermediários entre os espíritos e os homens. Há estudiosos, como a paulista Sonia Rinaldi, que empregam física, fonética, biometria e tecnologia digital para asfaltar a estrada que parecia interditada entre esses dois planos, o dos vivos e o dos mortos. A ferramenta, nesse caso, é a ciência e não a fé. Uma das maiores especialistas em Transcomunicação Instrumental (TCI), nome dado à gravação de vozes e até filmagem de pessoas que já morreram, Sonia comemora um marco em sua cruzada: o primeiro caso autenticado por um laboratório internacional de um contato com um espírito. O fato mais positivo de tudo isso é que, pelo caminho da ciência ou da espiritualidade, essas comunicações geram um conforto imensurável nas pessoas que buscam contato com os seus entes queridos. E dão respostas para muitas de suas inquietações.

Luis Adolfo
Discípulo: Afonso, que conviveu com Chico Xavier, diz ter psicografado mais de 15 mil mensagens

O caso estudado cientificamente por Sonia é
o de Cleusa Julio, uma mãe como outra qualquer:
não suportava a dor pela perda da filha adolescente, Edna, que morreu há três anos, atropelada por um carro enquanto andava de bicicleta. Dilacerada, procurou a Associação Nacional de Transcomunicadores, presidida por Sonia, e
conseguiu estabelecer comunicação com a menina. Uma das conversas gravadas entre mãe e filha foi enviada há seis meses a um centro de pesquisas em Bolonha, na Itália, o Laboratório Interdisciplinar de Biopsicocibernética, único na Europa totalmente dedicado ao exame e análise científicos de fenômenos paranormais. Junto, foi encaminhada outra fita com um recado deixado por Edna, antes de morrer, numa secretária eletrônica. O resultado, que acaba de chegar, é um surpreendente laudo técnico de 52 páginas, cuja conclusão diz: a voz gravada por meio da transcomunicação é a mesma guardada na secretária eletrônica.

Álbum de família
A mulher do jornalista
Tim Lopes (foto) diz tê-lo encontrado incorporado
em um médium

O chamado Caso Edna, revelado com exclusividade a ISTOÉ, tem o aval do físico Claudio Brasil, mestre pela Universidade de São Paulo que se dedicou nos últimos anos a analisar centenas de vozes paranormais. “Temos que abrir a mente e aceitar que a ciência não tem explicação para tudo”, diz ele. “É um trabalho puramente matemático, à prova de fraudes”, afirma Sonia, autora de sete livros, entre eles Gravando vozes do além, que detalha técnicas para contatos em outras dimensões. Em 18 anos de pesquisas, ela guarda 50 mil gravações em áudio com mortos. No início, usava um gravador. Hoje, as conversas são gravadas por telefone ou microfone conectados ao computador e, no caso de gravação e filmagem simultâneas, com o auxílio de uma câmera digital. Acostumada a trazer conforto aos outros, Sonia perdeu seu marido, Fernando, há um ano, vítima de câncer. Segundo ela, Fernando continua sendo seu mais ativo colaborador, agora do outro lado. “A dor se transforma em esperança”, emociona-se.

Max G Pinto
Prova: a pesquisadora Sonia obteve
o primeiro laudo internacional confirmando a voz de um espírito

Sem a intervenção de médiuns ou videntes, mas apenas de tecnologia, a transcomunicação está, segundo seus praticantes, ao alcance de todos que queiram falar com algum familiar ou amigo que se foi. Em comum com o espiritismo, a certeza de que mortos podem se comunicar com vivos. A diferença está no meio para chegar ao outro mundo. Foi através do médium mais conhecido do País, Chico Xavier (1910-2002), que a família do ortopedista David Muszkat, 70 anos, encontrou conforto para sobreviver à perda do primogênito, Roberto. O jovem, então com 19 anos, foi vítima de uma fatalidade: sofria de bronquite asmática e teve um choque anafilático após pingar um remédio no nariz. Morreu em 1979. Desde então, foram 63 mensagens psicografadas por Chico. Judeu praticante, David só procurou o médium aconselhado pela amiga, a atriz Nair Bello, por causa de sua mulher, que sofria muito. Quando encontrou-se com Chico, ouviu: “David, a morte não existe, seu filho está bem.” Foi o começo de uma longa amizade entre o judeu cético e uma das figuras mais importantes do espiritismo. A primeira mensagem, em 1979, chegou na véspera do Dia dos Pais. A assinatura era muito semelhante à de Roberto. “Se foi uma mentira, foi a mais gostosa que ouvi. Se foi um teatro, foi o mais bonito que assisti. Ninguém trará meu filho de volta, mas as mensagens mudaram nossa vida”, diz David, que a partir das cartas do filho morto lançou um livro, Quando se pretende falar da vida, traduzido até para o italiano.

Renato Velasco
Revolução: o ex-marxista Lima
reviu posições depois de
presenciar “mortos falando”

O banqueiro e médium carioca Luiz Augusto Queiroz, 49 anos, conta ter feito contato com vários espíritos. Mas um foi especial: seu próprio pai, Wellman, assassinado num assalto em 1989 no Rio de Janeiro. “Meu pai surgiu na minha frente e falou comigo”, afirma. O reencontro aconteceu três anos após a morte. Wellman foi o fundador do banco BRJ, hoje presidido por Luiz Augusto. Desde sua morte a família se angustiava. Ao vê-lo, o filho perguntou quem o matou. “Meu pai disse que isso não era importante. Era um carma se cumprindo.” Para os familiares, a mensagem foi um alívio. “Um dos mais significativos pontos dessa comunicação com o mundo espiritual é a confirmação da continuidade da vida”, explica Luiz Augusto, que preside o centro espírita Associação Padre Pio, no Rio de Janeiro.

Max G Pinto
“Antena”: Sérgio de Oliveira pesquisa
a glândula pineal, que seria o “órgão sensorial” dos médiuns

O depoimento de Luiz Augusto
confronta um mundo invisível, habitado por espíritos, à exatidão da ciência com suas idéias cartesianas. Esses dois universos sempre mantiveram uma enorme e irreversível distância. Mas
hoje o que parecia inconciliável se
mostra complementar. “Cientistas de renome, como Stephen Hawking, reconhecem que é pouco inteligente supor que a nossa realidade é a única expressão do universo”, diz a antropóloga Nara de Oliveira, professora e pesquisadora do Centro de Altos Estudos da Conscienciologia, em Foz do Iguaçu, Paraná. “A ciência física que conhecemos, dentro do paradigma materialista, não tem instrumental para estudar mecanismos subjetivos, como o espírito. Como trabalhar fenômenos extrafísicos com parâmetros físicos?” Nara trabalha na Enciclopédia da Conscienciologia, sob a coordenação do médico Waldo Vieira. “Temos no Centro a maior biblioteca do mundo sobre experiências fora do corpo.” O médico Sérgio Felipe de Oliveira, neurocientista com mestrado em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) é idealizador do Projeto Uniespírito (Universidade Internacional de Ciências do Espírito) e estuda a mediunidade e os estados de transe. Defende em suas pesquisas que a glândula pineal – localizada no cérebro e que regula o ciclo do sono – seria o órgão sensorial da mediunidade. Segundo Sérgio, a pineal captaria informações do mundo espiritual por ondas eletromagnéticas, como “um telefone celular”, e as transformaria em estímulos neuroquímicos.

Helcio Nagamine
Queiroz diz ter conversado com espíritos, entre eles o do pai assassinado. “Ele surgiu na
minha frente e falou comigo”

O ambiente social hoje é mais favorável à diversidade em todos os sentidos. Nesse contexto, declarar que “qualquer pessoa pode sair do corpo físico e interagir com alguém que já morreu” não choca pelo inusitado. Ex-marxista, Ronie Lima, 48 anos, reviu suas convicções a partir das experiências que viveu no centro espírita Lar de Frei Luiz e tornou-se um pesquisador da espiritualidade. Nos livros Médicos do espaço e A vida além da vida, relata os fenômenos que testemunhou. “Presenciei mortos falando de três formas: através de incorporação em médiuns, de materialização ou de vozes.” Segundo o estudioso, a pessoa materializada volta “com o mesmo corpo, rosto e voz que tinha quando era vivo.”

Para a estilista carioca e médium Alessandra Wagner, viúva do jornalista Tim Lopes, executado e queimado por traficantes quando trabalhava numa reportagem na favela da Vila Cruzeiro, em 2002, para a Rede Globo, não há necessidade de prova científica para que tenha certeza do reencontro com o marido. Ela estava com o filho Diogo, então com 15 anos, quando, segundo conta, o espírito de Tim se incorporou num médium. “Era ele que estava ali. Tive uma sensação real, física. Senti a presença dele”, afirma Alessandra, que começou a freqüentar o Lar de Frei Luiz um ano antes da tragédia. “A doutrina espírita me deu capacidade de entender. A dor aprimora a gente. Foi nesse pior momento da minha vida que eu mais senti a presença de Deus.” Ela afirma desconhecer a revolta ou desejo de vingança. O encontro pós-morte que diz ter tido com o marido fortaleceu seus sentimentos. “Me senti amparada. E mostra que a gente está aqui de passagem”, reflete.

Talvez a última frase de Alessandra resuma o crescente interesse pela doutrina espírita: afinal, a vida não acaba aqui? A dúvida aflige mais as pessoas que têm maior escolaridade e renda, segundo os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000. Esse é o extrato predominante dos três milhões de espíritas registrados pelo censo no País. Mas, para além dos números oficiais, outros milhões de adeptos de outras religiões, no Brasil e no mundo, buscam caminhos científicos ou espíritas de comunicação com os mortos e sustentam um mercado literário próspero. São quase 200 milhões de livros vendidos sobre as possibilidades de vida e a interligação entre elas. O jornalista carioca Marcel Souto Maior escreveu três livros sobre Chico Xavier, que venderam 350 mil exemplares. Na última obra, As lições de Chico Xavier, conta histórias e questiona até que ponto é possível provar os fenômenos. “São muitas as suspeitas de fraude e de charlatanismo. É necessário checar tudo. A ciência é empírica, mas pode ser contaminada pela fé”, alerta. As dúvidas começam quando a atividade vira uma caixa registradora. Não é o caso de Chico, que psicografou 412 livros, vendeu mais de 20 milhões de exemplares e reverteu tudo para instituições de caridade.

Com 81 anos e quase cega, a carioca conhecida apenas por Dona Célia também poderia estar rica se cobrasse um real de cada pessoa que faz fila para participar das sessões trimestrais nas quais transmite as mensagens que recebe de pessoas mortas. Ela não cobra nada. Dona Célia reúne ciência e espiritualismo: é uma sensitiva que fundamenta o fenômeno de sua comunicação com pessoas “desencarnadas” através da física e da mecânica quânticas. Ao ser perguntada como seria isso, respondeu com novas perguntas: “Desejo ocupa lugar? Tempo ocupa lugar?” Diante da resposta negativa para as duas questões, afirmou que “desejo e tempo são campos quânticos” que os médiuns conseguem captar. Ela recebe pedaços de papel com nomes de pessoas. Leva-os para a casa e, à noite, vai para um quartinho escuro. À medida que toca os papéis, se conecta com o espírito que quer mandar uma mensagem. É apontada com uma possível sucessora de Chico Xavier. Assim como o médium Celso de Almeida Afonso, 66 anos, que atua em Uberaba, mesma cidade mineira onde nasceu Xavier. Ao psicografar recados do “além”, Afonso diz sentir cansaço físico. “Receber seis cartas de filhos mortos é como parir seis filhos.” Ele diz ter psicografado cerca de 15 mil cartas, 90% delas de filhos para pais. “O espírito escreve com alegria, emoção. Serve para apaziguar o coração da mãe, do pai”, diz ele. E assim os mortos confortam os vivos.

Variedades

Uma olhada quase diária pelo Arts & Letters Daily é uma das mais agradáveis e baratas maneiras de expandir a cultura geral e fazer boas leituras. Composto de resenhas, artigos e ensaios atualizados seis vezes por semana, o site é gratuito e oferece uma respeitável seleção de temas. Hoje, por exemplo, deparei-me com a revelação de que Albert Einstein, de quem uma universidade israelense divulgou milhares de cartas, era um mulherengo que sofreu com perdas em Wall Street, deu um filho para adoção e sofria com outro que era esquizofrênico. Certamente nada disso torna a Teoria da Relatividade mais compreensível para o leigo, mas não deixa de ser interessante conhecer um pouco mais a vida de um cientista que, mais do qualquer outro, tornou-se um ícone pop.

Mas não foi só. Um jornalista escreveu para a Harper's Magazine, uma das mais tradicionais revistas dos Estados Unidos, um relato de primeira mão sobre americanos solitários e bem-sucedidos que pagam para participar de uma excursão de "caça à noiva" na Ucrânia. "Aqui você é a mercadoria, você é o pedaço de carne", anuncia o guia da "caçada", encarregado de ajudar os seus clientes a encontrar uma alma gêmea eslava. Aparentemente decepcionados com a dureza no trato com as exigentes mulheres ocidentais, deve ser consolador para essa turma ouvirem que eles é que são o objeto de desejo. A julgar pelo estado das ex-repúblicas soviéticas, fica difícil dizer quem estará realmente fazendo um melhor negócio nessa história: se os americanos, as ucranianas ou a firma que promove as excursões, que incluem em seu roteiro lugares empobrecidos o bastante para potencializar o desespero da nativas por um marido estrangeiro e endinheirado. Ao que parece, as virtudes e os males da globalização já alcançaram os domínios do romance.

E, já que fui parar no site da Harper's, nada como encerrar o passeio pelo circuito de informações-não-tão-úteis com um trecho deste inacreditável "livro de etiqueta" escrito pelo Aiatolá Khomeini. Entre outras coisas, o autor determina quais os lugares onde o fiel não deve defecar e estabelece que a descida das regras de uma mulher no momento de uma oração anula o valor desta. O mundo é mesmo um lugar fascinante...

Enquanto isso, as pilhas de livros à minha frente lembram que não posso perder muito tempo com essas interessantíssimas distrações...

quinta-feira, julho 20, 2006

Vidro, explosões misteriosas e nosso futuro em risco

BBCBrasil.com

20 de julho, 2006 - 19h25 GMT (16h25 Brasília)

Jóia de Tutancâmon 'pode ser resultado de meteorito'

Em 1996, no Museu Egípcio na capital do País, Cairo, o mineralogista italiano Vincenzo de Michele viu uma pedra verde e amarela incomum no meio de um dos medalhões do antigo faraó Tutancâmon.

A jóia foi examinada e constatou-se que se tratava de vidro, mas que, surpreendentemente, era mais velho do que a mais antiga civilização no Egito.

Trabalhando com o geólogo egípcio Aly Barakat, eles descobriram que ele era parte de inexplicáveis fragmentos de vidro espalhados na areia em uma remota região do deserto do Saara.

Mas a presença de vidro, em si, já é um enigma para a ciência. Como ele foi parar lá e quem o produziu?

O programa sobre assuntos científicos Horizon, exibido pela BBC, noticia a existência de uma nova teoria ligando a jóia de Tutancâmon à queda de um meteoro.

Sem cratera

Aly Barakat (BBC)
Aly Barakat com um dos pedaços de vidro do deserto.

Segundo um químico austríaco, Christian Koeberl, o vidro tinha sido formado por uma temperatura tão elevada que só pode haver uma causa conhecida: o impacto de um meteorito na Terra. Mesmo assim, não há sinal da formação de uma cratera, mesmo depois de examinadas imagens feitas por satélites.

O geofísico americano John Wasson é um outro cientista interessado na origem do vidro. Para explicar o fenômeno, ele sugeriu uma teoria que remete diretamente às florestas da Sibéria.

Em 1908, uma poderosa explosão destruiu 80 milhões de árvores em Tunguska, na Sibéria.

Embora não existam sinais do impacto de um meteorito, agora os cientistas acham que um objeto extraterrestre de algum tipo deve ter explodido sobre Tunguska. Wasson perguntou-se se uma explosão semelhante não poderia ter produzido calor suficiente para transformar o solo em vidro no deserto do Egito.

Júpiter

A detonação da primeira bomba atômica em Trinity, no Novo México, em 1945, criou uma fina camada de vidro na areia. Mas a área com fragmentos de vidro no deserto egípcio é muito maior.

O que quer que tenha acontecido no Egito deve ter sido muito mais forte do que uma bomba atômica.

Não se pensava na possibilidade da ocorrência de uma explosão natural desta magnitude até que, em 1994, cientistas observaram o cometa Shoemaker-Levy chocar-se com o planeta Júpiter.

Mark Boslough, especialista em fazer modelos de grandes impactos em supercomputadores, criou uma simulação de um impacto semelhante na Terra.

A simulação revelou que um impacto desse tipo poderia realmente gerar uma bola de fogo que produzisse temperaturas de até 1,8 mil graus centígrados, deixando para trás um campo de vidro.

Boslough enfatizou que seria algo muito maior em termos de energia do que testes atômicos. "Dez mil vezes mais poderoso", afirmou.

No Sudeste da Ásia, John Wasson descobriu vestígios de algo ocorrido há 800 mil anos muito mais forte e destruidor do que o evento no deserto do Egito; foram produzidas várias bolas de fogo e formou-se vidro em mais de centenas de milhares de quilômetros quadrados, sem sinais de uma cratera.

"Nesta região, certamente todos os seres humanos teriam morrido. Não haveria esperança de sobrevivência para nada", disse ele.

De acordo com Boslough e Wasson, eventos semelhantes ao de Tunguska poderiam acontecer com uma freqüência de até cem em cem anos, e o efeito de uma explosão, mesmo que pequena, seria comparável a várias bombas de Hiroshima.

Tentar explodir um asteróide a caminho da Terra, aos moldes do que se faz no cinema, pode piorar a situação ao aumentar o número de impactos devastadores.

"Há centenas de vezes mais asteróides pequenos do que grandes", disse Mark Boslough. "Haverá um outro impacto na Terra. É só uma questão de tempo."

terça-feira, julho 18, 2006

E um homem pode voar...


Por alguns momentos, pude voltar a ter seis anos. Não era um herói com que me identificar, com seus tormentos ou dissabores, mas apenas um ícone sublime e grandioso, a encarnação da superioridade e da grandeza em façanhas divinas.

Pude sentir, como os antigos ouvintes de Homero, o poder do mito. E devo dizer que é realmente emocionante.

segunda-feira, julho 17, 2006

Psicopatas: você já conheceu um

A extensão da tua consciência é limitada apenas por tua habilidade de amar e envolver com teu amor o espaço à tua volta e tudo o que ele contém.

Napoleão Bonaparte


A revista Superinteressante deste mês traz na capa um tema que quase todo o mundo só conhece de filmes de Hollywood: os psicopatas. Vulgarmente associados a assassinos em série, gênios canibais e donos de motéis com complexo de Édipo, o que pouca gente sabe é que as estatísticas indicam que 1 a 3% da população mundial apresenta traços desse distúrbio, o que, no caso brasileiro, representaria de 1,8 a 5,4 milhões de pessoas. Embora eu desconfie desse tipo de estatística -- já repararam como tudo quanto é doença atinge determinada porcentagem da população, de modo que ou somos todos doentes ou tem gente por aí com combinações de sífilis, psicopatia, caspa, verminose e câncer de panturrilha? --, ela dá o que pensar. Primeiro, elimina a idéia de que o psicopata é um indivíduo raro, que quando aparece logo chama a atenção das autoridades e da imprensa por causa das abominações que deixa pelo caminho. Não, longe disso. O que caracteriza esse tipo de pessoa não é a contagem de cadáveres, mas sim uma deficiência grave e muito instigante: o que define o psicopata é sua cegueira emocional, ou seja, a incapacidade de se pôr no lugar do outro (empatia). São pessoas que mentem, roubam, enganam, manipulam e, em casos mais raros, até matam sem aquele mal-estar característico que costuma nos acometer sempre que agimos contra os ditames da consciência. Imagine-se, caro leitor ou leitora, sem esse alerta emocional; pense como seria se, ao pegar aquele item cobiçado sem pagar numa loja, trair seu cônjuge, surrar quem lhe insultou, não lhe doesse a consciência, não houvesse qualquer aperto no coração, e tudo que lhe dissesse que o que fez foi "errado" fosse a compreensão meramente intelectual de que violou uma expectativa social, mas que pode ser, segundo as circunstância, facilmente burlada. Se você conseguir isso, terá começado a entender o que é o mundo de um psicopata.

Começado a entender porque, por mais criativos que sejamos, desde que nascemos somos criados dentro de estruturas morais, nas quais aprendemos que há o certo e o errado, e assimilamos essa distinção à orientação de nosso comportamento. Mas, para um psicopata, não existe isso, pelo menos não da mesma forma. Ele nunca experimentou o remorso quando criança, nunca associou uma sensação ruim ao fato de ser um mau menino. Mais do que isso, como é incapaz de ter empatia, ele também nunca sentiu pena de um animalzinho em perigo, nunca viu nada de especial em alguém que precisasse de ajuda, nunca compreendeu realmente o que significam palavras como amor e ternura. Seu mundo interior, no que tange a esses sentimentos que tanto peso adquirem na vida de uma pessoa normal, é seco. E uma vez que ele não tem esses sentimentos, o que lhe sobra? O que ele vê quando encontra um outro ser humano? Ora, ele o vê de forma instrumental, em termos de custo e benefício -- daí a facilidade com que prejudica os outros para atender aos seus próprios objetivos. Nas palavras de um garoto psicopata ao psicólogo Michael G. Conner, "As pessoas sabem quando fazem algo errado porque sentem que é errado. Eu tenho de lembrar ou ser lembrado de que roubar de alguém é errado. Eu não me sinto mal quando tomo alguma coisa."

Isso não significa que um psicopata necessariamente vá torturar alguém com requintes de crueldade (muito embora, se o fizesse, seria com a mesma naturalidade com que iria cortar a grama ou preparar um café). Mas a educação moral de alguém assim certamente é muito mais difícil e, arrisco-me a dizer, precária. Isso não significa que ela seja inútil: como o próprio artigo da Superinteressante observa, é justamente a educação e o meio ambiente que podem evitar que uma criança com traços de psicopatia se torne uma matadora e se enverede, digamos, para o "mero" estelionato ou o faço-qualquer-coisa-para-subir-no-emprego. Possivelmente, com uma terapia bem feita e o cuidado por parte da família, poder-se-á criar uma pessoa que não esteja sempre envolvida em problemas.

Convém lembrar que o grande perigo dos psicopatas é que, vendo os outros em termos instrumentais e necessariamente sendo cegos às recompensas do altruísmo, eles costumam ser uma pessoas com uma inteligência acima da média. Charmosos, capazes de contar mentiras com grande naturalidade, imunes ao nervosismo que tantas vezes trai os trapaceiros e mesmo ao medo mais elementar em situações de risco, sabem manipular os outros como ninguém. (De fato, se pensarmos bem, conhecer as reações emocionais dos outros sem compartilhar delas nem ter nada parecido com um código de ética facilita muito a influência sobre eles.) No trabalho, são aqueles que passam por cima de todos, criam intrigas e tramam, não raro, a queda de seus próprios superiores para lhes tomar o lugar; na vida amorosa, são promíscuos e infiéis contumazes, vampiros capaz de afetar o mais extremo dos amores e agir de forma oposta em seguida (daí suas relações durarem pouco). São atraídos por profissões que lhes dão alguma forma de poder -- policiais, executivos --, nas quais podem atuar sem grandes entraves ou, conforme o caso, sua ambição e pouca consideração pelos outros podem ser até bem-vindas.

Infelizmente, não se conhece nenhum tratamento ou cura para o problema. Psicopatas são incapazes de corrigir seu modo de ser com punições, motivo pelo qual é comum que, quando enveredam pelo crime e chegam a ser presos, acabem reincidindo. A terapia convencional também é inútil, podendo até estimulá-los a esconderem melhor seu comportamento e, por extensão, a aperfeiçoarem suas habilidades manipuladoras.

O assunto é rico e merece ser mais conhecido pelo público em geral. Deixo aqui alguns links e indicações bibliográficas que podem ajudar os interessados:

Wikipédia
Em português: http://pt.wikipedia.org/wiki/Psicopatia (ainda muito pobre, mas deve ser expandido no futuro).

Em inglês: http://en.wikipedia.org/wiki/Psychopath (muito mais completo, com bibliografia em inglês)

Robert Hare
Site do maior especialista sobre o assunto, criador de um teste de aferição de traços de personalidade psicopática: http://www.hare.org. Autor de vários livros, o mais popular é Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us, disponível por menos de 12 dólares na Amazon.com.

Infelizmente não achei nenhuma publicação em português, exceto por um livro já esgotado. Se alguém souber de um, envie os dados que eu publicarei aqui.

quinta-feira, julho 13, 2006

Desabafo

Mesmo que apenas pro forma e estando ciente de que ainda tenho inúmeros aperfeiçoamentos e correções a fazer e uma banca severa pela frente, por hoje posso dizer a plenos pulmões:

LIVRE!

terça-feira, julho 11, 2006

O videogame como obra de arte

Ainda existem pessoas nos Estados Unidos que não levam videogames a sério. São as mesmas pessoas que questionam a relevância do hip hop e supõem que os jornais ainda irão existir daqui a 25 anos. É difícil encontrar uma estatística inegavelmente precisa sobre o valor econômico da indústria do game, mas as estimativas mais positivas chegam a US$ 28 bilhões. Assim, eu não vou gastar nenhum espaço tentando convencer as pessoas de que os games são importantes. Se você está lendo essa coluna, vou assumir que você acredita que os games em 2006 são o equivalente cultural ao rock em 1967, porque isso é (mais ou menos) realidade.

Ok!

Então todos nós concordamos que videogames são uma força importante? E todos assumimos que games têm um significado, que eles refletem visões de mundo e sensibilidades de seu público, certo? E qualquer um que já tenha jogado video games modernos (ou estado em um quarto com alguém jogando) com certeza percebeu que games como “Grand Theft Auto” e “Bad Day LA” são visualmente hipnóticos, porque as imagens são geralmente lindas e os movimentos dos personagens são estranhos e hiper-reais. Todos concordam que essas noções são verdadeiras. O que me leva a propor a seguinte questão: por que não existem críticos de videogames?

(Chuck Klosterman, da revista Esquire, citado no blog do Ricardo Calil)


Parece que não sou o único aspirante a intelectual que leva o mundo dos jogos eletrônicos a sério. Ainda hei de ver acadêmicos eruditos e dados a afetar aquela superioridade olímpica dando palestras sobre a contribuição de Castlevania ao imaginário do terror gótico na era pós-industrial e o valor de Metal Gear como introdução de conceitos de geopolítica na educação dos adolescentes.

Como é bom ter vivido na era do Super Nintendo e do Playstation. Obrigado, Senhor...

quinta-feira, julho 06, 2006

Constatação

A uma semana do fim do prazo de qualificação no mestrado, cheio de referências bibliográficas e lutando contra a entropia da inspiração autoral, a única coisa que me ocorre repetidamente é: precisa-se de escapismo desesperadamente!

segunda-feira, julho 03, 2006

Uma "física" para lá de meta...



Certo, o filme é tendencioso e no mínimo controverso -- senão errado -- no que diz acerca da Física Quântica; também é verdade que alguns dados expostos não estão corretos, como a percentagem de água em nosso corpo, e que o experimento com cristais d'água não tem lá muito crédito. Mas confessem, críticos, que outra iniciativa já foi feita de relacionar ciência e espiritualidade num filme divertido? E, como se não bastasse, não é intrigante a parte que relaciona neuroquímica, emoções e traumas?

Quem Somos Nós? é um filme singular, misto de documentário e comédia dramática (e pilantragem new age, dizem as más línguas com Ph.D.), que, muito mais do que respostas discutíveis, vale pelas perguntas que inspira.

Para se assistir e depois passear na Amazon.com com um cartão de crédito bem disposto. Ou, para quem preferir, pode-se começar por aqui, aqui e depois aqui. E, enquanto se espera os livros chegarem, nada como uma boa consulta à behemótica Wikipédia e a esta matéria da revista Galileu, pois a simpatia por uma iniciativa original e divertida não deve nos condenar à credulidade irresponsável.

domingo, julho 02, 2006

Capitalismo e filantropia

Desde sempre, as utopias reivindicaram a superioridade moral sobre o sistema vigente. Talvez não seja absurdo dizer que o milenarismo é uma das formas mais antigas de protesto social, seja na forma de reinos sobrenaturais, ilhas fantásticas ou projetos de engenharia social. Em nossa época, a força dos ataques socialistas ao capitalismo -- ataques, diga-se, muito convincentes quando se viam as condições de vida da grande maioria dos que viviam sob esse sistema -- ainda repercute, e mantém-se arraigada em muito da crítica social existente, para não falar dos clichês e raciocínios fáceis repetidos por 9 em cada 10 jovens "conscientes" e pretensamente "não-alienados". Entretanto, felizmente, hoje a difusão da informação mostra que a realidade não se pauta por dicotomias, por uma moralidade de 8 ou 80. No acalorado debate entre apologistas e inimigos mortais do capitalismo, em que realidade e preceitos ideológicos se confundem, ainda podemos encontrar pistas de que, bem gerenciado, ele ainda permite que muita coisa seja feita sem necessariamente ter-se de apelar a revoluções miraculosas. Um exemplo é a reportagem abaixo, da VEJA desta semana. Descontando-se o tom marcadamente liberalóide de certos trechos, os dados levantados dão o que pensar.

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Especial
Os santos do capitalismo

A doação do investidor Warren Buffett
à fundação de Bill Gates é o maior exemplo
de como o capitalismo americano consegue
não só gerar riquezas astronômicas como
também devolvê-las de forma solidária
e produtiva à sociedade


Marcio Aith e Giuliano Guandalini



NESTA REPORTAGEM
Quadro: Os maiores doadores
Quadro: Da caridade católica à eficiência empresarial
Quadro: Os incluídos do capitalismo
Quadro: Os grandes doadores brasileiros

É com certa dose de cinismo que os americanos reagem sempre que um bilionário doa sua fortuna à filantropia em vez de entregá-la aos descendentes. Nos Estados Unidos, como o imposto sobre a transmissão de grandes heranças pode atingir 70%, faz mais sentido criar fundações com objetivos sociais e colocar os filhos para comandá-las do que transferir o patrimônio diretamente a eles. Isso sem contar a possibilidade de abater do imposto de renda boa parte do dinheiro gasto com caridade. Em muitos casos, doações vultosas também se prestam a purgar pecados empresariais sobre os quais grandes fortunas se formaram, preservando um bom nome para as famílias que delas se beneficiaram em vida. Essa foi uma (não a única, vale lembrar) das motivações que fizeram os lendários empresários John D. Rockefeller, criador da Standard Oil, e Andrew Carnegie, o pioneiro da siderurgia americana, criar fundações filantrópicas, hoje centenárias. Esses fatores ajudam a entender por que os EUA tornaram-se pioneiros da moderna filantropia, com doações anuais que chegam a 260 bilhões de dólares. Mas são incapazes de explicar a dimensão histórica do gesto anunciado na semana passada pelo investidor Warren Buffett, o segundo homem mais rico do mundo.

Aos 75 anos, Buffett decidiu doar em vida 85% (o equivalente a 37,4 bilhões de dólares) de sua fortuna, construída ao longo de quatro décadas à frente do fundo de investimentos Berkshire Hathaway. A maior parte desse dinheiro, 30,7 bilhões de dólares, será transferida de forma escalonada para a fundação administrada por Bill Gates, o homem mais rico do mundo, e sua mulher – a Fundação Bill & Melinda Gates, que financia escolas públicas e pesquisas para a cura de doenças. O restante do dinheiro vai para a própria fundação de Buffett e para três outras geridas por seus filhos. É a maior doação da história. Mesmo em valores atualizados, ela equivale a todas as doações de Rockefeller e de Carnegie somadas. Antes do anúncio de Buffett, o recorde de filantropia estava com o próprio Gates, que destinara 28 bilhões de sua fortuna de 50 bilhões de dólares à fundação que leva seu nome. Somadas, as doações de Buffett e Gates compõem a mais formidável instituição jamais montada com o objetivo de ajudar pessoas e países necessitados – uma multinacional do bem do tamanho de uma montadora como a japonesa Honda ou uma fábrica de computadores como a Dell, a maior do mundo.

As ações filantrópicas de Gates e de Buffett jogam mais uma pá de cal sobre a balela marxista segundo a qual o objetivo do capitalismo é a concentração de renda e a exclusão do proletariado. Ao construírem sua fortuna, os dois ajudaram a elevar a eficiência da economia americana, enriqueceram acionistas e criaram empregos – para não falar da democratização da informação promovida pelos computadores pessoais difundidos por Gates. Depois, ainda em vida, decidiram devolver à sociedade grande parte do espetacular excedente de riqueza que acumularam em períodos curtos – Buffett tornou-se bilionário aos 55 anos; Gates fez seu primeiro bilhão aos 31 anos. O gesto filantrópico de ambos não só se insere na lógica do capitalismo moderno, como também coloca o regime de mercado num patamar moral superior. O filósofo alemão Karl Marx, arauto do comunismo, previa o fracasso do capitalismo porque o sistema dependia da exploração crescente e infinita do proletariado para gerar lucros e produtividade. Segundo ele, como existe um limite para a exploração do trabalho humano, os lucros parariam de crescer, assim como a produtividade. O socialismo triunfaria. Tudo errado. O capitalismo não precisa de pobres como imaginava Marx, uma mente de terceira categoria que conseguiu enorme legião de seguidores no século passado por sua pregação de natureza religiosa. Exige, isso sim, consumidores com dinheiro, boa formação educacional e vontade de ascender socialmente. O próprio sistema cria um círculo virtuoso de riqueza, como mostram os indicadores sociais dos países que liberalizaram sua economia (veja quadro).

Há, é claro, excluídos – e aqui entra a função dos filantropos bilionários (ou "bilhãotropos", como os batizou a revista inglesa The Economist). Com muito dinheiro, fruto de uma geração de excedentes financeiros sem paralelo na história, e não apenas trocados para a caridade eventual, eles são capazes de fazer diferença e fornecer um modelo para que ações filantrópicas se multipliquem mundo afora. Esses filantropos bilionários não querem apenas aliviar o sofrimento dos excluídos, mas promover sua ascensão e trazê-los, como consumidores e acionistas, ao sistema de mercado. Com o gesto espetacular de Buffett, a fundação de Gates terá 60 bilhões de dólares para projetos sociais. É de longe a maior entidade filantrópica que já existiu. Seu poder de fogo, o mesmo de companhias de grande porte, supera até orçamentos de entidades multilaterais ligadas à ONU e de programas sociais do próprio governo americano. Para se ter uma idéia, enquanto o programa antiaids das Nações Unidas liberou 172 milhões de dólares para portadores do HIV e filhos de vítimas da doença no ano passado, a fundação de Gates investiu 1 bilhão de dólares apenas para financiar pesquisadores que buscam a cura de doenças como a aids, a tuberculose e a malária.

Além disso, dado o fracasso dos governos e das entidades multilaterais no combate à pobreza e às endemias, os filantropos bilionários dispõem-se a transportar eficiência empresarial para a causa. Há muito que mudar na própria filantropia. Em 1999, em artigo publicado na Harvard Business Review, o professor Michael Porter apontou problemas sérios de administração dentro das maiores entidades americanas destinadas a causas sociais e culturais. De acordo com ele, gastos não eram fiscalizados e ninguém verificava se os investimentos sociais davam retorno. Recentemente, a própria fundação de Gates admitiu que piorou a qualidade de ensino em várias das pouco mais de 1.000 escolas públicas americanas nas quais investiu. A piora se deu por um motivo prosaico. Sob a supervisão de especialistas contratados pela Fundação Bill & Melinda, as escolas maiores foram divididas em dois ou até três novos estabelecimentos. Além disso, o número de alunos em cada classe foi reduzido. Imaginava-se que, assim, os alunos receberiam mais atenção. No entanto, como não havia professores de qualidade para suprir as vagas que se abriram por causa dessas mudanças, o ensino piorou. "Não me abalo com isso. Vamos aprender com os erros. Temos paciência, dinheiro e especialistas excelentes para nos ajudar", disse Gates. Outros jovens bilionários da filantropia também compartilham dessa visão, além do tempo necessário para perseguir seus objetivos. Larry Page e Sergey Brin (Google), Pierre Omidyar (fundador do site de leilões eBay), David Duffield (PeopleSoft) e David Geffen (DreamWorks) são alguns dos bilionários que trouxeram novos princípios para a filantropia. Suas ações são guiadas por critérios que vão da auto-suficiência dos projetos sociais ao foco dos investimentos.

Bill Gates é o maior inspirador dessa turma do bem. Homem mais rico do mundo, é co-fundador da maior fabricante de programas para computador, a Microsoft, criada em 1975. Foi o idealizador do sistema operacional mais popular que existe, o Windows, lançado no início dos anos 80. Estudou matemática da computação em Harvard, mas abandonou os estudos para se dedicar, juntamente com o colega Paul Allen, à criação de sua empresa, que nasceu como uma pequena firma de garagem. Durante a bolha de valorização das ações da internet, a fortuna de Gates chegou a ser avaliada em 100 bilhões de dólares (foi o primeiro americano a atingir a cifra). Sempre manifestou o interesse de trabalhar com filantropia e, em 2000, fundou com sua mulher, Melinda, a fundação que leva o nome de ambos. Recentemente, Gates anunciou que deixará o comando da Microsoft em 2008 e passará a dedicar seu tempo quase que exclusivamente à filantropia. Com a megadoação de Buffett, os recursos serão dobrados, e a fundação deverá investir 3 bilhões de dólares ao ano.

Nati Harnik/AP
TEMPLOS DO CAPITALISMO
Reunião anual dos acionistas da empresa de Buffett, em Omaha, e loja ocidental no Vietnã: a fase da democratização do capitalismo
AFP

Buffett, que vai orientar as aplicações financeiras da fundação de Gates, também é ícone de eficiência. Mas de uma geração anterior. Filho de um corretor de investimentos, ele começou a trabalhar na empresa do pai aos 11 anos, em Omaha (Nebraska), registrando numa lousa o preço das ações. Aos 13, já comprava e vendia ações. Estudou administração na Universidade de Nebraska e depois em Colúmbia, em Nova York, onde teve aulas com Benjamin Graham, pai da moderna teoria de investimento em ações. Trabalhou por algum tempo em Nova York, mas logo voltou para sua Omaha natal, onde se estabeleceu e até hoje mantém seu quartel-general – com instalações relativamente modestas. Ele abriu sua primeira empresa de investimentos em 1956, aos 25 anos de idade, com um capital de 100 dólares. O primeiro milhão veio aos 32 anos, e o primeiro bilhão, aos 55. Em 1993, já era o homem mais rico dos Estados Unidos, com uma fortuna estimada em 8,3 bilhões de dólares, mas nunca se enquadrou no perfil do especulador típico. Seu foco sempre foi o investimento de longo prazo e em empresas normalmente associadas ao setor produtivo. Comprou milhares de ações de gigantes do capitalismo americano, como a Coca-Cola e a Gillette, quando essas firmas estavam em baixa e seus papéis, desvalorizados.

Sua estratégia é investigar as empresas a fundo, para saber se são bem administradas e se há potencial de crescimento. Sobre o motivo de investir na Gillette, afirmou: "Você vai dormir tranqüilamente só de pensar que a barba de 2 bilhões e meio de homens está crescendo enquanto você dorme. Ninguém da Gillette tem insônia". O desempenho de seus negócios espelha seu enorme talento para multiplicar dinheiro – dele e dos outros. Em 1965, quando assumiu o controle da Berkshire Hathaway, então uma firma de origem no setor têxtil mas que também vendia seguros, as ações da companhia eram negociadas a menos de 10 dólares cada uma. Hoje, uma única ação custa quase 100.000 dólares, uma assombrosa valorização de 1.000.000% em quarenta anos. Quem tivesse aplicado 100 dólares na firma de Buffett, em 1965, teria hoje 1 milhão de dólares. Os mesmos 100 dólares aplicados na média do Dow Jones equivaleriam a 1 500 dólares. Entre as companhias em que Buffett investe estão algumas das marcas mais poderosas dos Estados Unidos, como Nike, Gap, General Electric, Wal-Mart e Washington Post. O congresso anual dos acionistas da Berkshire, comandado pelo bilionário, leva uma multidão a Omaha. São pessoas que, muitas vezes, compram ações da empresa só para ter o direito de ver de perto o ídolo Buffett, na esperança de absorver um pouco da genialidade do mestre. É o Woodstock dos capitalistas. Sobre o destino de sua fortuna, Buffett costumava dizer que deixaria para os filhos apenas o suficiente para que eles fizessem o que quisessem – e não demais, senão eles não fariam coisa alguma. O resto doaria para a caridade. Foi o que fez.

Outros países podem adotar o exemplo dos filantropos americanos? Não é fácil, dado que a filantropia está entranhada na cultura dos Estados Unidos e, por lá, existe uma moldura fiscal que a incentiva fortemente. Além disso, a pujança econômica do país funciona como mola propulsora. Os Estados Unidos contam com o maior número de milionários no planeta. Existem 2,6 milhões de americanos com mais de 1 milhão de dólares em investimentos, segundo uma pesquisa das consultorias Merrill Lynch e Capgemini. Em dez anos houve o ingresso de 100.000 novos milionários na economia americana. De acordo com outro estudo, feito pela Universidade Johns Hopkins entre 1995 e 2002, as doações filantrópicas nos Estados Unidos chegaram a 2% do produto interno bruto (PIB). Para efeito de comparação, as doações na França não passaram de 0,3% e as da Itália ficaram em 0,1% do PIB.

No Brasil, quase não há facilidades fiscais para estimular as doações e ações de filantropia. Na verdade, sobram dificuldades. Segundo um estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), 20% da população economicamente ativa faz algum tipo de doação cujo valor médio é equivalente a um salário mínimo por ano. "É um milagre se considerarmos que não há quase nenhum incentivo para isso", diz Marcos Kisil, presidente do instituto. Como pessoa física, o brasileiro consegue abater no máximo 6% do que deve ao imposto de renda, se fizer doações para os conselhos municipais, estaduais e federais dos direitos da criança e do adolescente, que são os controladores dos fundos beneficiados pelas doações. A legislação para empresas e fundações é um pouco mais flexível – dependendo da área de atuação ou do tipo da doação pode até haver a isenção tributária total.

Sérgio Castro/AE
NO BERÇÁRIO
Fundação Bradesco: burocracia e falta de cultura emperram a filantropia no Brasil

Mas o problema brasileiro não é só fiscal. É mental, burrice mesmo. O empresário José Mindlin, dono de uma biblioteca com mais de 50.000 livros, levou oito anos para conseguir doar parte de sua biblioteca. Inicialmente, Mindlin descobriu que, para isso, precisaria atualizar o valor das obras pelo valor de mercado. Ele teria de pagar, assim, um imposto de 15% sobre a diferença entre os valores inicial e final. A quantia era altíssima. Mindlin, então, decidiu criar sua própria fundação, que serviria como receptora dos livros. Descobriu, no entanto, que, ao colocar as obras sob a propriedade de sua própria entidade, teria de pagar um imposto de transmissão de bens de 4%. Mindlin só conseguiu fazer a doação quando a lei foi alterada para deixar os livros isentos do pagamento de impostos em doações. As obras serão encaminhadas para a Universidade de São Paulo dentro de três anos. Diante das dificuldades enfrentadas por Mindlin no Brasil, a declaração de Buffett, na cerimônia em que anunciou a doação bilionária, ganha um sentido para além da piada patriótica: "Nasci nos Estados Unidos, em 1930. As chances de ter nascido neste país eram de uma em quarenta. Então, foi como ter ganhado na loteria".

AS REGRAS DA NOVA FILANTROPIA

Bill Gates lidera uma geração de jovens milionários que buscam a máxima eficiência e elevados retornos para investimentos sociais. Suas ações filantrópicas são guiadas pelos seguintes critérios empresariais:

AUTO-SUFICIÊNCIA
Projetos sociais não devem ser ralos de dinheiro. Sempre que possível, devem criar suas próprias fontes de renda e se tornar auto-suficientes financeiramente. Exemplo: programas de microcrédito que rendem juros

EFICIÊNCIA
Há metas para a obtenção de resultados efetivos e controles para impedir um inchaço da burocracia filantrópica. Fundações não devem gastar mais que 20% do que emprestam

FOCO
Não se doa dinheiro aleatoriamente. Os projetos são escolhidos com cuidado, de acordo com o retorno econômico ou social que podem gerar. As fundações trabalham com objetivos claros, como a descoberta da vacina contra a aids ou a malária

TRANSPARÊNCIA
As ações filantrópicas e sua administração financeira passam por auditoria e apresentam relatórios anuais de suas atividades e resultados

ENTRAVES À FILANTROPIA NO BRASIL

LEGISLAÇÃO
Nos EUA, onde doações individuais à filantropia geram créditos tributários, 89% das famílias dão dinheiro a programas sociais ou religiosos. Do total de recursos doados por lá, 75% vêm de cidadãos comuns. Pessoas físicas praticamente não gozam desse benefício fiscal no Brasil – apenas empresas e fundações

BUROCRACIA
Restrições legais quase intransponíveis dificultam a doação individual de dinheiro e equipamentos para universidades públicas. O brasileiro que quiser doar livros para uma universidade, por exemplo, é obrigado a pagar impostos

CORRUPÇÃO E CAIXA DOIS
Escândalos sucessivos com empresas de filantropia jogaram uma nuvem de suspeição sobre entidades do setor.