terça-feira, abril 26, 2011

Passagem


32 outonos: chuva, brisa fria e mil leituras, umas necessárias, outras só instigantes, por fazer. Aulas a dar, projetos a desenvolver, um mundo por desvendar, pessoas com quem compartilhar. Uma vida gentil.

segunda-feira, abril 18, 2011

Os 150 anos da Guerra Civil Americana


Às vezes penso que os EUA são um país estranho. Naturalmente, falo do ponto de vista de um brasileiro. E poucas coisas americanas me parecem mais estranhas do que as comemorações da Guerra Civil, ou Guerra de Secessão (1861-1865). Afinal, foi um conflito que matou 620.000 pessoas, mais do que todas as outras guerras de que os EUA participaram juntas; que arruinou o que era até então a região mais rica do país; e que foi o resultado da teimosia dessa mesma região em manter uma instituição já à época largamente reconhecida como desumana, a escravidão. Então, comemorar o quê? Até entenderia que houvesse comemorações por parte das força do Norte, que venceram a guerra e poderiam se gabar de o terem feito em nome da liberdade humana (embora a verdade seja mais complicada do que isso). Mas quem é muito lembrado por comemorar a guerra é surpreendentemente o Sul -- que perdeu não só a guerra em si, mas qualquer base moral para sua causa.

Felizmente, parece que as coisas estão começando a mudar, segundo este artigo da History News Network: http://hnn.us/articles/138512.html.

O testamento de Tony Judt

Resenha de 'O mal ronda a terra', de Tony Judt

O mal ronda a Terra, de Tony Judt. Tradução de Celso Nogueira. Editora Objetiva, 216 pgs. R$ 34,90

Por Francisco Carlos Teixeira

Algumas pessoas simplesmente não deveriam morrer. Tony Judt é uma delas. Tal reflexão emerge da leitura de seu último livro traduzido para o português. Já no título — “O mal ronda a Terra” — somos chamados para um combate: resgatar o pensamento crítico e abandonar o comodismo intelectual. Historiador inglês nascido em 1948, em Londres, Judt teve em sua vida uma parte da história da Europa e do Ocidente na segunda metade do século XX. Nascido numa família judia culta e laica, herdou uma educação típica dos judeus da Europa Central: conhecimento profundo de idiomas europeus, presença marcante da literatura, conhecedor do teatro experimental e de vanguarda e apreciador, quase viciado, do cinema. A capacidade de se mover no universo cultural mais amplo fez com que suas obras refletissem imensa erudição e capacidade de associar, num mosaico variado e rico, um amplo conjunto de experiências e criações para compor suas interpretações do século XX.

Suas obras iniciais, a partir de 1976, dedicadas ao socialismo e ao pensamento de esquerda francês no inicio do século XX, traduzem uma íntima familiaridade com o pensamento marxista e com as experiências socialdemocratas na Europa na antevéspera da emergência dos fascismos. Aos poucos, à luz da perda de criatividade e da crescente arrogância da esquerda — segura de que tinha em mãos o futuro, mesmo que nada fizesse para construí-lo —, Judt afastou-se, de forma crítica, das propostas socialistas. Talvez esta tenha sido uma segunda “queda”, perda da inocência, que seria acompanhada de outros e seguidos mergulhos numa realidade mais amarga do que o mundo construído pelas palavras de ordem esquerdistas. Antes de decepcionar-se com o marxismo dos intelectuais franceses, Judt já havia se decepcionado com o projeto sionista de Israel. Ele, que na juventude se declarara um judeu sionista-marxista (e em tal condição fora viver em Israel), ao final dos anos 70 já é um intelectual maduro, com uma visão crítica tanto do marxismo quanto do sionismo.

A concepção cada vez mais crítica de Judt sobre a vanguarda europeia culmina numa obra que une erudição e crítica mordaz: “Passado imperfeito: os intelectuais franceses”. Trata-se de um livro onde Judt questiona, de um lado, o silêncio constante dos intelectuais franceses — de Sartre até Foucault — sobre a questão colonial e a exploração do chamado Terceiro Mundo. De outro lado, Judt ironiza e desnuda uma típica faceta da inteligência francesa: sua tentação pelo espetáculo. A arrogância e o esnobismo intelectual francês são expostos, sem piedade, num livro onde grandes nomes da filosofia, da literatura e das ciências sociais francesas são apresentados no seu contexto etnocêntrico e vaidoso.

Contudo, é em “Pós-Guerra” que a face de historiador de Judt emerge em toda a sua plenitude. Numa obra exemplar da moderna história do tempo presente, Judt compõe um amplo afresco — a imagem pictórica se adequa perfeitamente à sua obra — do mundo que emerge da Segunda Guerra Mundial. O livro, paradigmático, deve ser lido em várias chaves simultâneas: a descrição de uma Europa que vai se tornando menor e provinciana; a construção de uma narrativa múltipla e comparativa e, em fim, a busca de fontes alternativas — para além do material dos arquivos clássicos, que aliás Judt usa abundantemente —, tais como o cinema, o teatro, os esportes, a canção e até mesmo o vestuário. Em seu conjunto, é uma obra modelar e que rompe com os cânones da escrita pesada e dura da academia buscando faixas cada vez mais amplas de leitores.


Críticas ao mercado e defesa da socialdemocracia

No alvorecer do século XXI Judt enfrenta forte lobby de neossionistas, em especial dos novos políticos e publicistas de Israel, eivados de uma visão messiânica e instrumental da História. É um debate duro, ácido e no limite do cruel. Para Judt, a única solução para o sofrimento de ambos os povos na Palestina seria a criação de um estado binacional em ambas as margens do Jordão. O debate, longo de anos, opõe Judt a várias associações judaicas americanas, culminando no cancelamento de palestras e na retirada de convites. Mas no auge da crise Judt já se voltava para um novo tema: a ditadura do mercado e a religião do enriquecimento.

Este último livro de Judt, agora apresentado em português pela Objetiva (que ainda este ano lança a coletânea póstuma de ensaios pessoais de Judt, “The memory chalet”), remete diretamente para estas novas preocupações. Seu subtítulo — “Um tratado sobre as insatisfações do presente” — o situa ao lado do vasto legado de pensadores como Freud, Adorno, Marcuse ou Bauman. As interrelações entre desigualdade — a palavra mais repetida em todo o livro — e a imensa gama de manifestações de mal-estar moderno (desde a morte precoce até a perda da individualidade) são o tema central do livro. Nele, Judt explicita com tintas fortes — a raiva que uma amiga mencionada no livro identifica em suas análises — o profundo dano que a ideologia dominante desde os anos 80 até a crise mundial de 2008 impinge às pessoas. As dezenas de filmes, comerciais, talk shows e reality shows onde o mundo é dividido entre “perdedores” e “celebridades” seriam a marca insuperável da banalização do mal-estar. A explicitação e o culto pornográfico da riqueza (em face da fome, da doença e da violência que atingem milhões de pessoas) expressa em horas de TV sobre “a casa”, “a roupa” ou “o animal de estimação” das celebridades atestaria a desumanização de valores. A concepção, quase antropomórfica, do “mercado” — ao qual aplicam-se atributos pessoais do tipo “o mercado pensa”, “o mercado está preocupado” — é, lado a lado, acompanhado da coisificação da pessoa. Para Judt a única forma de romper com esta opacidade é a critica intensa, com raiva, da inação de políticos e intelectuais incapazes de reinventar as possibilidades de um futuro diferente.

Algumas pessoas não deveriam morrer. A morte de Judt, em agosto de 2010, deixou o mundo com um pouco menos da ira santa pela mudança.

FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA é professor titular de história contemporânea do Laboratório de Estudos do Tempo Presente/UFRJ

domingo, abril 03, 2011

Escolas norte-americanas estão sob pressão para proibir castigo corporal



03/04/2011 -

The New York Times

Dan Frosch
  • O estudante Tyler Anastopoulos dá seu depoimento em comitê contra o castigo físico nos EUA

    O estudante Tyler Anastopoulos dá seu depoimento em comitê contra o castigo físico nos EUA

Quando Tyler Anastopoulos escapou da sala de detenção de sua escola de segundo grau, onde tinha sido deixado por indisciplina, recebeu a mesma punição que alunos do Texas rural têm recebido há gerações.

Tyler, aluno do 11º ano de Wichita Falls, foi enviado para o diretor assistente e recebeu três golpes rápidos de palmatória na parte de trás do corpo, lembra-se Angie Herring, sua mãe. Os golpes foram tão fortes que deixaram vermelhões profundos e o menino foi parar no hospital, disse Herring.

Embora a imagem de um diretor de colegial patrulhando os corredores com uma palmatória nas mãos seja em grande parte uma coisa do passado, a punição corporal continua existindo em 20 estados norte-americanos, de acordo com o Centro para Disciplina Efetiva, um grupo que acompanha o uso da palmatória em escolas de todo o país e defende o seu fim. A maioria dos Estados são do sul dos EUA, onde a palmatória está enraizada na vida social e familiar de algumas comunidades.

Todos os anos, denunciados por defensores da segurança das crianças, os Legislativos estaduais debatem se a punição corporal é uma forma arcaica de violência contra a criança ou um meio eficaz de disciplina.

Este mês, Tyler, que frequenta a Escola City View, contou sua história para os legisladores do Texas, Estado que está considerando proibir a punição corporal. Na mesma semana, os legisladores do Novo México votaram para acabar com a prática lá.

As escolas do Texas, disse Herring indignada, parecem ter total liberdade para disciplinar seus alunos, “desde que não os matem”.

“Se eu fizesse isso com meu filho, iria para a cadeia”, disse a mãe.

Steve Harris, superintendente do Distrito Escolar Independente de City View em Wichita Falls, recusou-se a comentar o caso em detalhes, mas observou que sua investigação sobre a escola não revelou más práticas. A punição corporal há muito tempo vem sendo “uma das ferramentas que usamos para disciplinar os alunos”, disse Harris.

De fato, até 25 anos atrás, a punição corporal nas escolas públicas podia ser encontrada em muitos estados, disse Nadine Block, fundadora do Centro para Disciplina Efetiva.

Pressionados pela ameaça de processos judiciais e pesquisas que questionam a sua eficácia, os estados gradualmente começaram a proibir a prática.

De acordo com estimativas do Departamento de Educação federal, 223.190 crianças foram alvo de punição corporal nas escolas durante o ano escolar de 2005-2006. Esta foi uma queda de quase 20% em relação aos dados coletados em alguns anos anteriores, disse Block.

No Texas, pelo menos 27 dos cerca de mil distritos escolares ainda usam a punição corporal, disse Jimmy Dunne, fundador e presidente de outro grupo que é contra a prática, o Povo Contra a Palmatória.

Isso é suficiente para fazer com que defensores como Dunne pressionem pelo fim da prática. Um projeto de lei que está sendo considerado permite a punição corporal apenas se os pais consentirem que ela seja utilizada em seus filhos. Outro projeto, proibiria totalmente a punição corporal nas escolas.

“Bater nas crianças com tábuas nas escolas é uma violência contra a criança, e promove esse tipo de violência em casa”, disse Dunne, ex-professor de matemática em Houston. “Os pais veem que isso é legalizado nas escolas e acham que tudo bem fazer em casa.”

No Novo México, onde mais de um terço dos distritos escolares estaduais permitem a punição corporal, de acordo com um grupo de serviços legais para crianças, os legisladores aprovaram uma proibição à palmatória este mês. A governadora Susana Martinez não indicou se assinará o projeto de lei.

Oponentes da medida, como o senador estadual Vernon D. Asbill, temem que uma proibição deixe os professores de mãos atadas e faça com seja mais difícil controlar os alunos.

“Com a supervisão e a aprovação dos pais, acho que é apropriado”, disse Asbill, professor e administrador escolar há muito tempo no sul do Novo México. “A ameaça da punição mantém muitos de nossos alunos na linha para que possam aprender.”

Mas a senadora Cynthia Nava, superintendente escolar de Las Cruces e proponente da proibição, disse que as escolas não são um lugar para violência de nenhum tipo. “É chocante para mim que as pessoas venham à frente e argumentem fervorosamente para preservar a prática”, disse ela. “Deveríamos educar as crianças para que elas não resolvam os problemas com violência.”

As demandas para acabar com a punição corporal aumentaram ultimamente, mesmo nos estados onde é improvável que a proibição seja aprovada. No Mississipi, a família de um adolescente que apanhou na escola entrou com um processo no ano passado por conta do incidente. O processo, contra o Distrito Escolar de Tate County, alega que a punição corporal é inconstitucional porque é aplicada principalmente nos meninos.

O advogado do adolescente, Joe Murray, também está representando a família de outro aluno que apanhou na mesma escola este mês. Nesse caso, o menino apanhou tanto que desmaiou e quebrou o maxilar, disse Murray.

Um administrador que supervisiona o distrito escolar, James Malone, não comentou nenhum dos casos, mas disse que os meninos costumam criar mais problemas do que as meninas.

Na Louisiana, onde a punição corporal também é legalizada, a controvérsia surgiu este ano depois que o conselho da St. Augustine High School, a única escola católica de New Orleans, e talvez do país, que ainda aplica a palmatória a seus alunos, decidiu proibir a prática. A St. Augustine foi pressionada pelo arcebispo Gregory Aymond de New Orleans, que disse que a palmatória promove a violência.

Mas a administração escolar e os alunos, ambos de maioria negra, querem que a prática seja reinstaurada. Eles argumentam que a palmatória para pequenos delitos tem ajudado a St. Augustine a construir o caráter dos alunos e atingir notas mais altas.

Os alunos da escola também expressaram seu apoio, fazendo uma passeata em New Orleans para pedir que o arcebispo volte atrás em sua posição.

Jacob Washington, aluno veterano e presidente do centro acadêmico, ajudou a organizar a passeata.

“Esta é uma tradição na escola”, disse ele na véspera da manifestação. “É como a escola tem sido administrada há 60 anos. Até os alunos mais velhos podem ver a diferença entre nossa sala e as salas dos alunos mais novos que não receberam a mesma disciplina.”

Tradução: Eloise De Vylder