quarta-feira, dezembro 31, 2008

Réveillon


Antes que eu me esqueça: um feliz Ano Novo a todos!

domingo, dezembro 21, 2008

Beleza(s)

Iniciei minhas férias mentalmente um pouco antes do que profissionalmente, dando-me ao luxo de enfim mergulhar em leituras que nada tinham a ver com trabalho. A lógica recomendaria revisitar minhas prateleiras e sacar livros que dormem ali há anos, aguardando sua vez, mas, como quase sempre acontece, rendi-me aos meus impulsos e acabei mergulhando em uma nova aquisição, O Coração Desvelado, do historiador Peter Gay. Ali, ao estudar a onda autobiográfica que marcou a cultura européia e norte-americana no século XIX, Gay traz à baila, entre tantos personagens fascinantes, os grandes escritores românticos. E ao ler a sua prosa inspirada a respeito de Byron, Coleridge, Shelley e cia., passei da história à literatura, resgatando de sua modorra um outro livro que sempre quis ler, mas ao qual nucna dera a devida atenção: Grandes Livros, de David Denby, a narrativa de um crítico de livros e de cinema que voltou aos bancos de faculdade para revisitar os grandes clássicos, do Antigo Testamento a Virgínia Woolf, aventurando-se por uma galáxia de idéias e formas que constitui um dos grandes tesouros da humanidade.


E como sempre acontece quando leio livros sobre livros, deu-me saudades dos volteios graciosos da boa prosa, dos comentários filosóficos travestidos de narrativa, dos diálogos mais elaborados, enfim,de toda aquela mágica peculiar dos beletristas. Nestes últimos dias, confesso, não tenho me interessado pela política americana, ou pelas crises no Oriente Médio ou mesmo pelos rame-rame cotidiano do noticiário. Análises acadêmicas estão fora de meu horizonte, e quem quer que me peça uma ponderação sobre o mundo de hoje, ou de ontem ou mesmo -- se algum louco tentar -- o de amanhã, terá como resposta muito provavelmente um bocejo. Por algum tempo, a realidade não tem tido mais atrativos que o mundo peculiar da fantasia, com seus heróis, intrigas e idealizações. E daí, quase por acaso, para ter o que ler no ônibus enquanto ia e voltava da formatura de uma turma de alunos, reencontrei o meu velho amigo Balzac, a quem não via desde Ilusões Perdidas -- o tipo de leitura que vale por uma epopéia, tanto que me impressionou há quatro ou cinco anos. Mas Estudos de Mulher, o livrinho que me serviu de companhia, é bem menos ambicioso que a citada aventura de Lucien de Rubempré na cidade grande. São pequenas histórias, ou antes, histórias dentro de histórias, tendo como foco damas das classes altas parisienses. E, contudo, o maior personagem nessas narrativas acaba sendo, para o leitor atento, o próprio autor. Sempre afiado, dono de um vocabulário que faria corar a maioria dos "imortais" de hoje, observador arguto dos caracteres de sua época, é impossível ler Balzac sem se sentir de alguma forma enriquecido pela experiência. E foi lendo-o, nesses contos pequeninos que o retratam tão bem, que acabei me lembrando de um file que só conhecia pelo trailler numa ida recente a um dos cinemas cult da cidade -- um trailler, contudo, que me deixou fascinado pela sua beleza plástica. Trata-se de Cashback, um filme de que você, meu bom leitor, provavelmente nunca ouviu falar e nem ouvirá novamente.

A origem do filme é curiosa. Originalmente era um curta-metragem que depois foi expandido para um filme inteiro, de forma que é possível assistir ao original dentro da versão expandida. E é justamente esse trecho que me chamou a atenção. Primeiro, a história: rapaz é abandonado pela namorada e passa a sofrer de insônia. A fim de melhor aproveitar seu tempo, ele arruma um emprego em um pequeno supermercado no turno da madrugada, onde conhece uma série de figuras pitorescas enquanto tenta se curar da dor de cotovelo: o clássico gerente idiota e prepotente, a jovem operadora de caixa igualmente entediada, a dupla de funcionários brincalhões etc. A monotonia do trabalho logo se torna um peso para ele, que então desenvolve uma nova forma de matar o tempo: desenhista, ele imagina que o tempo pára (o Acordo Ortográfico só vale a partir de amanhã, então me permitam manter o acento que me é tão caro), e se dedica a observar a realidade de uma maneira inusitada. Numa hora, ele livra a sua colega do caixa da presença iritante e assediadora do gerente, pondo-o, inerte que está, na mira de uma caixa de leite congelada no ar. (Pura catarse.) Mas o seu passatempo principal é muito menso trivial: artista que é, o rapaz põe-se a observar os clientes do supermercado, momentaneamente reduzidos a estátuas de carne e osso à sua disposição. E então ele realiza uma espécie de sonho: faz deles, ou melhor, delas, modelos para seus desenhos de nu artístico, o principal objeto de sua fascinação (a capa do filme mostra uma delas).

Dito assim, esta pode parecer a resenha de um filme erótico de terceira categoria, mas o fato é que Cashback, embora certamente lide com o desejo do espectador, é outra coisa. O lirismo desse trecho no mercado, e a própria delicadeza com que o protagonista-narrador, agora mais solitário do que nunca, põe-se a retratar a plástica das desconhecidas que lhe passam à frente todas as noites, tem algo de comovente. O filme, ou melhor, o curta dentro dele, é antes uma espécie de homenagem à beleza feminina do que um pretexto para excitação física. Em certa medida, ele mistura erotismo, arte e reflexão, uma mistura difícil de se obter com proveito e que vale muito a pena conhecer.

É uma pena que o filme não exista em DVD no Brasil. Tive de baixá-lo usando os torrents da vida virtual. Mas fica a recomendação.


O primeiro livro a gente nunca esquece...


...mesmo que só tenhamos colaborado com um singelo artigo sobre tema obscuro.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Para rir ou chorar?

Du Blue Bus:

22% das adolescentes já se mostraram nuas ou seminuas na web
09:30 22% das garotas adolescentes disseram que já enviaram pela internet ou publicaram na web imagens de si mesmas nuas ou seminuas. É o que diz uma pesquisa divulgada nos EUA esta semana pelo The National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy e pelo site CosmoGirl.com.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Livro de Hitler ganha versão em mangá no Japão


Mangá
Editora japonesa é especializada em adaptar clássicos da literatura
Dois polêmicos e famosos livros ganharam os traços do mangá no Japão. Mein Kampf (em português, Minha Luta), escrito na prisão por Adolf Hitler, chegou às livrarias japonesas em novembro. Agora, em dezembro, é a vez de O Capital, de Karl Marx.

A iniciativa foi da editora japonesa East Press, que resolveu incluir estas duas obras na sua coleção Clássicos da Literatura em Mangá.

“A idéia é oferecer ao leitor a possibilidade de ler um clássico e entender os conceitos em apenas uma hora”, explicou o editor-chefe Kosuke Maruo à BBC Brasil.

Mein Kampf é um livro polêmico, pois contém as sementes da ideologia anti-semita e nacionalista que marcou o nazismo. “A idéia não é apresentar Hitler como vilão ou herói, mas apenas mostrar quem era e o que ele pensava. Não estamos preocupados com polêmicas”, disse Maruo.

O editor lembra também que o livro, cuja publicação e venda são proibidas em alguns países, já foi editado no Japão. “Além disso, todo mundo já conhece a história inteira e como os nazistas pensavam”, reforça ele, que diz não ter recebido até agora nenhuma reclamação de leitor.

O mangá conta a história do líder nazista, desde a infância, até culminar na Segunda Guerra Mundial. Fala também do ódio que ele sentia pelos judeus. “Vendo a história de vida dele, não dá para achar que era uma pessoa totalmente ruim. Ele era apenas uma pessoa triste”, defendeu o editor-chefe.

Entre as obras conhecidas da literatura e da filosofia que viraram mangá pela East Press estão Crime e Castigo, de Dostoiévski, Fausto, de Goethe, Rei Lear, de Shakespeare, e Guerra e Paz, de Tólstoi.

No total são 27 títulos lançados até agora, sendo 13 de autores estrangeiros.

Outros dois – Os Miseráveis, de Victor Hugo, e O Desespero Humano -
Doença até a Morte
, do teólogo e filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard – já estão no forno e devem chegar às livrarias no começo de 2009.

Kosuke Maruo
Para o editor-chefe Kosuke Maruo, livros dão oportunidade para se ler clássicos e entender conceitos

O campeão de vendas é Kanikousen, inspirado na obra do escritor japonês Takiji Kobayashi. Na seqüência vem Os Irmãos Karamasov, de Dostoiévski. “Os títulos da série são obras que as pessoas conhecem, mas não têm muita paciência para ler até o fim”, justificou o editor-chefe. Daí o sucesso de vendas.

Ao todo, segundo Maruo, já foram impressos 1,2 milhão de exemplares da série toda. Marx e o recém lançado mangá de Hitler chegam ao mercado com 30 mil cópias cada.

Teorias complexas

O lançamento de O Capital em mangá não poderia vir em um momento mais apropriado.

Muitos no Japão culpam o capitalismo - principal alvo de crítica na obra de Marx - pela atual crise financeira global.

Entre os principais conceitos da obra de Marx levados para a história do mangá estão a exploração do trabalhador, as diferenças de classes sociais e o surgimento da moeda geradora do lucro. “Com a recessão econômica que o país enfrenta agora, esperamos uma boa saída de O Capital”, disse Maruo.

Mangá
A editora East Press tem uma série de mangá baseada em clássicos da literatura e filosofia

O editor-chefe garante, porém, que não foi proposital o lançamento da obra neste atual momento de crise. “Já estava nos planos da editora”, disse ele, ao lembrar que um mangá, para ficar pronto, demora até cinco meses.

Diversidade de temas

Apesar da East Press ser uma das poucas no mercado a trabalhar com clássicos da literatura mundial, o segmento de mangás no Japão já vem usando há anos os traços orientais dos desenhos para explicar diversos temas.

Relações diplomáticas com a China, degustação avançada de vinhos, epidemia da gripe aviária, parábolas da Bíblia e até a nossa capoeira já viraram mangá no país. O formato compacto, o baixo custo e a linguagem popular ajudam a transformar este tipo de publicação em sucesso de vendas.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Preciosidade

Coisas que se acham quando se está à toa na Internet...


sábado, novembro 22, 2008

Pequena inovação técnica

Pus umas novidades na barra lateral. Dêem uma olhada e vejam se valem a pena.

O advogado do diabo

Após ler uma entrevista tão longa e com um tema tão provocante, não pude deixar de perceber algumas coisas: primeiro, que os repórteres da Der Spiegel são dois idiotas que não estavam à altura da pauta que pegaram; segundo, que o entrevistado percebeu logo isso e brincou com o pobre diabo. Ainda assim, dado o tema em pauta e a frequente (que saudade da trema...) demonização de certas figuras históricas, o desafio proposto por Vergès é válido e deve ser encarado. De minha parte, como leigo na área, sempre me perguntei isso: como um advogado lida com clientes acusados, e por vezes comprovadamente culpados, de atrocidades? Eis algo que ainda pretendo compreender.

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22/11/2008
'Não existe essa coisa de mal absoluto', diz Jacques Vergès, o 'advogado do diabo'

Brita Sandberg e Eric Follath
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2008/11/22/ult2682u998.jhtm

Ele se encontrou com Mao Tsé-tung, Pol Pot e Che Guevara. Ele defendeu 'Carlos, o Chacal' e o criminoso de guerra nazista Klaus Barbie. Jacques Vergès, 83 anos, provavelmente é o advogado mais famoso do mundo. Seu mais recente cliente é Khieu Samphan, o ex-chefe de Estado do Camboja sob o Khmer Vermelho, que está sendo julgado por crimes de guerra.

Spiegel: Sr. Vergès, o senhor é atraído pelo mal?

Jacques Vergès:
A natureza é selvagem, imprevisível e terrivelmente sem sentido. O que distingue os seres humanos dos animais é sua capacidade de falar em prol do mal. O crime é um símbolo de nossa liberdade.

Spiegel: Esta é uma visão de mundo cínica.

Vergès:
Uma realista.

Spiegel: O senhor defendeu alguns dos piores assassinos em massa na história recente e foi chamado de "o advogado do diabo". Por que se sente atraído por clientes como Carlos e Klaus Barbie?

Vergès:
Eu acredito que qualquer um, independente do que possa ter feito, tem direito a um julgamento justo. O público é sempre rápido a atribuir o rótulo de "monstro". Mas monstros não existem, não existe essa coisa de mal absoluto. Meus clientes são seres humanos, pessoas com dois olhos, duas mãos, um gênero e emoções. Isso é o que os torna tão sinistros.

Spiegel: O que quer dizer?

Vergès:
O que era tão chocante a respeito de Hitler, o "monstro", é que ele amava muito a sua cadela e beijava as mãos de suas secretárias - como sabemos a partir da literatura do Terceiro Reich e do filme "Der Untergang" ("A Queda"). O interessante a respeito dos meus clientes é descobrir o que os leva a cometer estas coisas horríveis. Minha ambição é iluminar o caminho que os levou a cometer esses atos. Um bom julgamento é como uma peça de Shakespeare, uma obra de arte.

Spiegel: O senhor está atualmente no palco no Teatro Madeleine, em Paris, como o principal personagem de um monólogo que você escreveu.

Vergès:
É a respeito de mim, é claro, sobre a profissão de advogado e a natureza dos julgamentos. Em cada julgamento, um drama se desdobra diante do público, um duelo entre a defesa e a acusação. Ambas contam histórias que não são necessariamente verdadeiras, mas possíveis. No final uma é declarada a vitoriosa, mas isso não necessariamente tem algo a ver com justiça.

Spiegel: Existe alguém que o senhor não defenderia por princípio?

Vergès:
Um dos meus princípios é não ter princípios. Este é o motivo para eu não recusar ninguém.

Spiegel: Digamos, Adolf Hitler...

Vergès:
Eu teria defendido Hitler. Eu também aceitaria Osama Bin Laden como cliente, até mesmo (o presidente dos Estados Unidos) George W. Bush - desde que se declarasse culpado.

Spiegel: O senhor não pode mencionar seriamente Hitler, Bin Laden e Bush, e seus erros, na mesma frase.

Vergès:
Todo crime é único, assim como cada criminoso. Isso por si só torna as comparações impossíveis.

Spiegel: Seu mais recente cliente é Khieu Samphan, o ex-chefe de Estado do infame reino do Khmer Vermelho, um homem com o qual o senhor está ligado por um passado espantoso. O senhor o conheceu em Paris há mais de 55 anos, onde ambos pertenciam a um grupo comunista. Khieu Samphan deverá ser julgado em breve em Phnom Penh, onde enfrentará acusações de genocídio.

Vergès:
Não ocorreu genocídio no Camboja.

Spiegel: Sério? Cerca de 1,7 milhão de pessoas morreram em menos de quatro anos em conseqüência do reinado de terror do Khmer Vermelho.

Vergès:
Esses números são exagerados. Ocorreram muitos homicídios, e alguns deles são imperdoáveis, o que é algo que meu cliente também diz. E também ocorreu tortura, o que é indesculpável. Todavia, é errado definir isso como genocídio deliberado. A maioria das pessoas morreu em conseqüência de fome e doença.

Spiegel: Mas o regime é o único responsável por essas dificuldades.

Vergès:
Isto precisamente não é o caso. Foi conseqüência da política de embargo dos Estados Unidos. A história do Camboja não começou quando o Khmer Vermelho chegou ao poder em 1975. Houve um prólogo sangrento para este processo: os americanos, sob o presidente Richard Nixon e o conselheiro de segurança nacional, Henry Kissinger, sujeitaram a população civil do Camboja a um bombardeio brutal no início dos anos 70.

Spiegel: O senhor poderia convocar Henry Kissinger como testemunha no julgamento do Khmer Vermelho.

Vergès:
E me reservo o direito de fazê-lo, mas duvido que ele apareceria. Além disso, nem sei ao certo se o julgamento em Phnom Penh ocorrerá.

Spiegel: Como o senhor pode dizer isso? A ONU e o governo do Camboja já gastaram mais de US$ 50 milhões nos preparativos para o julgamento. O julgamento de Kaing Guek Eav, também conhecido como camarada Duch, que comandou a pior prisão de tortura do Khmer Vermelho, deverá começar em breve.

Vergès:
Pode ser que o julgamento do Duch comece em breve, mas não os julgamentos contra os outros quatro prisioneiros: o ex-segundo em comando do Khmer Vermelho, Nuon Chea, os ex-ministros Ieng Sary e Ieng Thirith, e o ex-chefe de Estado, Khieu Samphan. O caso nem chegará a julgamento, porque o tribunal em Phnom Penh já perdeu sua credibilidade e legitimidade.

Spiegel: Por quê?

Vergès:
Aqui estão dois exemplos do diletantismo dos promotores: Ieng Sary já foi sentenciado por um tribunal cambojano e perdoado por decreto real em 1996. Colocá-lo em julgamento uma segunda vez, pelos mesmos crimes, contradiz todos os padrões legais. E meu cliente deve ser solto, porque o tribunal ignorou regras básicas de defesa. Apesar de o tribunal reconhecer as três línguas do processo como sendo equivalentes, ele não considerou necessário traduzir para o francês mais que um fragmento dos documentos escritos em khmer. É impossível para mim defender meu cliente sem conhecimento desta evidência...

Spiegel: ...o que o senhor expressou de forma estridente no tribunal de Phnom Penh, antes de abandonar a audiência e bater a porta atrás de você.

Vergès:
E até mesmo tive que ouvir um juiz recomendar que meu cliente considerasse a contratação de um novo advogado. Um ultraje!

Spiegel: O senhor é fundamentalmente contrário a políticos serem julgados por assassinato em massa ou violação da lei internacional?

Vergès:
Este não é o problema principal. O julgamento, perante o Tribunal de Crimes de Guerra em Haia, de (Slobodan) Milosevic (o ex-presidente sérvio)...

Spiegel: ...criminoso de guerra sérvio, ao qual o senhor também prestou consultoria legal...

Vergès:
...era uma farsa. Este tipo de coisa sempre cheira a justiça do vitorioso. A mesma coisa se aplica aos Julgamentos de Nuremberg, mas pelo menos certas regras foram seguidas a risca lá. Por exemplo, Hjalmar Schacht, o ex-ministro da economia do Reich alemão, foi absolvido de todas as acusações. Meu cliente Khieu Samphan também era responsável pelos assuntos econômicos, mas em comparação a Nuremberg, nós nos vemos em um estado de total ilegalidade perante o tribunal em Phnom Penh. O que está acontecendo aqui beira um linchamento.

Spiegel: Sua grande simpatia visível pelo Khmer Vermelho teria algo a ver com sua história pessoal? O senhor conheceu (o líder do Khmer Vermelho) Pol Pot e Khieu Samphan em Paris, nos anos 50.

Vergès:
Eu fui um líder estudantil comunista na época, e estava em contato com muitos estudantes estrangeiros dentro do meio esquerdista. É verdade que também conheci Saloth Sar, que posteriormente passou a se chamar Pol Pot. Ele era um jovem que adorava Rimbaud e ficava profundamente comovido com seus poemas. Ele também tinha senso de humor.

Spiegel: Humor? Ele foi um assassino em massa. Fora Hitler, Mao e Stalin, provavelmente o pior do último século.

Vergès:
Uma coisa é clara, que Khieu Samphan era o mais intelectual dos estudantes khmer que estudavam em Paris com bolsas fornecidas pelo rei Sihanouk. Ele escreveu uma dissertação inteligente sobre o desenvolvimento econômico no Camboja. É verdade que eu contribuí, de certa forma, para sua politização. Saloth Sar e Khieu Samphan, como outros, estavam à procura de modelos para conduzir a luta anticolonial em seu país de origem. Khieu Samphan se tornou um marxista.

Spiegel: Quando o senhor o viu de novo?

Vergès:
Apenas após 2004. Ele me disse, na época, que esperava enfrentar as acusações. Então fui ao Camboja e nos sentamos por quatro dias em sua casa, próxima da fronteira tailandesa, para chegarmos a uma estratégia de defesa.

Spiegel: E que linha ela segue?

Vergès:
Simplesmente, meu cliente nunca ocupou uma posição de autoridade na polícia ou forças de segurança do país. Seu papel era meramente técnico. Como chefe de Estado, ele representava o país, mas não foi responsável pela repressão. Ele é uma pessoa gentil. Ele é inocente.

Spiegel: O senhor realmente acredita nisso?

Vergès:
Sim, é claro. Tudo o que ele queria fazer era abolir uma casta política, não os cidadãos que faziam parte dela. Ele era um idealista que buscava idéias revolucionárias. Você sabe, o Ocidente está constantemente tentando censurar a todos, mas deveria fazê-lo quando, como no caso dos Estados Unidos, matou milhares de civis em guerras com a suposta meta de disseminar a democracia, e quando é responsável por coisas como Guantánamo e Abu Ghraib? Ou quando um país como a França está envolvido em tamanha sujeira como na Argélia?

Spiegel: Em 1957, o senhor defendeu muitos membros da Frente Nacional de Libertação (FNL) argelina, ganhando renome como advogado. Seus clientes usavam métodos de terror e revolta contra seus mestres coloniais franceses. O senhor declarou sua solidariedade a eles.

Vergès:
Sim, eu lhes disse na época: eu entendo sua raiva, eu entendo sua luta, e apóio o que estão fazendo. Eu também endossei a violência que empregaram. Eu via a FNL como uma agente de resistência.

Spiegel: O senhor sofreu tanto em sua vida a ponto de demonstrar tamanho entendimento dos atos de violência?

Vergès:
Sabe, parece estar na moda usar a própria condição de vítima como justificativa para as ações de alguém. Eu abomino isso! É verdade que meu pai teve que renunciar ao seu posto de cônsul na Indochina colonial por ter se casado com uma mulher vietnamita. Ele então nos levou a Reunião, a um departamento de ultramar francês além da costa africana, onde trabalhou como médico. Eu sou uma criatura de origem dual, mas não tive uma existência torturada. Eu não nasci com raiva nas minhas entranhas. Eu apenas adquiri essa raiva sozinho.

Spiegel: Todavia, os filhos protegidos das famílias de Paris provavelmente tiveram experiências diferentes.

Vergès:
É claro. Eu conheço discriminação desde minha infância. Certa vez, em Madagascar, eu vi um casal europeu incrivelmente gordo sendo puxado em um riquixá por um homem esquelético local. Quando queriam parar, eles simplesmente chutavam o homem. Eles não tratariam uma mula daquela forma. Eu experimentei o significado do colonialismo desde a infância. E desprezo ele desde pequeno.

Spiegel: O senhor embarcou em um navio com destino à Europa em 1942 e se juntou à resistência francesa contra os nazistas. Por quê?

Vergès:
Aos 17 anos, em 1942, eu lutei com as Forças Francesas Livres de Charles de Gaulle contra a ocupação nazista. Porque eu queria defender a França que, fora a França que eu desprezo como potência colonial, eu passei a valorizar e amar: a França de Montaigne, Diderot, Robespierre e da Revolução. E gostei muito de servir sob De Gaulle, sob alguém que tinha sido sentenciado à morte pelo governo francês. Nós fomos treinados na Inglaterra e na Argélia, e lutamos na Itália e na França.

Spiegel: Não foi algo extremamente perigoso?

Vergès:
Sim, no princípio foi. Mas eu sofri apenas um único ferimento naquela época, um corte profundo na mão, bem aqui, que aconteceu enquanto eu estava abrindo ostras além da Ile d'Oléron.

Spiegel: O senhor aparentemente tinha um anjo da guarda.

Vergès:
Eu sou imune a balas, vamos colocar desta forma.

'Eu transfiro eventos para fora da sala do tribunal'
Spiegel: Em seu primeiro grande julgamento como advogado, o senhor assumiu um caso perdido em 1957: a defesa da combatente da resistência argelina Djamila Bouhired, que foi acusada de realizar atentados a bomba que também mataram civis.

Vergès:
Eu estava completamente do lado dela. Ela era uma patriota. Ela foi brutalmente torturada na prisão.

Spiegel: No julgamento, o senhor introduziu, pela primeira vez, sua agora famosa estratégia de ruptura, ou "defesa de ruptura", o princípio de lançar uma defesa com um contra-ataque político. Por quê?

Vergès:
Os outros advogados franceses que estavam encarregados da defesa em Argel tentaram abrir um diálogo com os juízes militares de lá. Os juízes viam a FNL como um grupo criminoso. Mas os réus argelinos viam seus ataques como um ato necessário de resistência. Em outras palavras, não havia consenso em torno dos princípios que deviam ser aplicados para se chegar a um veredicto. Para mim, significava que eu tinha que transferir os eventos para fora da sala do tribunal e conquistar a opinião pública para os réus.

Spiegel: Funcionou. Após uma campanha internacional que o senhor ajudou a organizar, Bouhired, que foi sentenciada à morte, foi solta, e posteriormente se tornou sua esposa. Em março de 1963, o senhor foi à China acompanhado dela para beber chá com Mao Tsé-tung. Como o senhor conseguiu uma audiência com o Grande Timoneiro?

Vergès:
Na época eu dirigia um jornal na Argélia, o "Révolution Africaine", que era apoiado pela FNL. Os chineses convidaram membros da equipe editorial para irem a Pequim. Nós tivemos muitas discussões políticas sérias. Mas o lado humano de Mao me surpreendeu. Havia algo tocando nele. Ele me perguntou, com toda a seriedade, se pretendia me casar com Djamila. Eu disse que sim, e ele respondeu: "Faça isso. Certamente será um relacionamento difícil, mas o amor é uma força subversiva".

Spiegel: O senhor ainda se sente tão positivo em relação a Mao, dado o conhecimento que temos hoje, o conhecimento das 30 milhões de mortes por fome pelas quais ele já era responsável na época, em conseqüência de seu "Grande Salto à Frente"?

Vergès:
Eu acredito que todo mundo tem qualidades e fraquezas. Eu tive a sorte de conhecer apenas o lado positivo de Mao.

Spiegel: O senhor também conheceu Che Guevara.

Vergès:
Sim, em Paris. Ele estava retornando de uma viagem à Suíça. A primeira esposa dele trabalhava em nossa redação. Ele era impressionante, um homem com um carisma incrível.

Spiegel: O senhor posteriormente foi suspeito de ter ajudado pessoalmente terroristas. Isso foi verdade? O senhor já pensou em se juntar às causas de seus clientes?

Vergès:
Eu tenho respeito pelo que muitos deles fizeram, mas não o faria pessoalmente.

Spiegel: Respeito por terroristas? Como é possível conciliar isso com sua consciência, com sua percepção da lei?

Vergès:
Magdalena Kopp, por exemplo, a parceira de vida de Carlos por muitos anos, era uma jovem alemã que estudou fotografia e queria se tornar jornalista. Então ela abandonou tudo e foi ao Oriente Médio lutar ao lado dos palestinos oprimidos. Aquele foi um ato extremamente abnegado, pelo qual só posso sentir simpatia.

Spiegel: Mas, como advogado, o senhor não está cruzando uma linha vermelha com esses sentimentos?

Vergès:
O que exatamente essa linha vermelha significa? É minha obrigação, como advogado, defender qualquer um, especialmente aqueles com as acusações mais sérias contra eles. Segundo, eu não posso me identificar com esses atos. Se meu cliente Klaus Barbie me pedisse para defender a superioridade da raça ariana em meus argumentos finais, eu teria dito a ele: sinto muito, não posso fazer isso. Eu sou Maître Vergès, um advogado com licença para praticar em Paris, não um Obersturmführer.

Spiegel: O senhor hesitou bastante antes de aceitar a defesa de Klaus Barbie, o ex-chefe da Gestapo, o "Açougueiro de Lyon"?

Vergès:
Nem um segundo. No julgamento de Barbie em Lyon, em 1987, eu enfrentei 39 advogados no lado oposto e o juiz. Isso por si só era motivo suficiente para assumir a defesa de Barbie.

Spiegel: O senhor precisou de proteção policial após apontar um espelho para a França na sala do tribunal e acusar muitos franceses de terem colaborado com os nazistas.

Vergès:
A beleza de um julgamento pode ser medida pelo rastro que deixa para trás, muito após a sentença ter sido pronunciada.

Spiegel: E qual foi sua impressão de Barbie?

Vergès:
Ele era um homem surpreendentemente comum, sem personalidade notável. Mas, é claro, é preciso não esquecer que se passaram mais de 40 anos entre os crimes que ele cometeu e o julgamento. Ele não era mais o mesmo homem.

Spiegel: O senhor deve saber, já que também desapareceu sem deixar traço nos anos 70. Sem nem mesmo avisar sua família, o senhor sumiu por oito anos. Até hoje, ninguém sabe onde o senhor esteve naquela época.

Vergès:
André Malraux já disse que a verdade sobre um homem está principalmente naquilo que ele não diz...

Spiegel: ...em outras palavras, o senhor não tem intenção de algum dia esclarecer este mistério?

Vergès:
E por que deveria? É extremamente divertido o fato de ninguém, em nosso moderno Estado policial, não conseguir saber onde estive por quase 10 anos. Já foi conjeturado que passei algum tempo com o Khmer Vermelho no Camboja, na Palestina, na China e na França. Eu adorei ler meus obituários. Eles falavam de um jovem altamente dotado que tinha partido deste mundo.

Spiegel: O senhor assume muitos de seus casos sem pagamento. O senhor defendeu prostitutas e crianças pobres. Como o senhor financia seu escritório de advocacia?

Vergès:
Não se preocupe. Eu também represento algumas empresas industriais e elas me pagam muito bem, então certamente há algum dinheiro sobrando.

Spiegel: Também há rumores de que o senhor está na folha de pagamento de potentados africanos ou lhes prestando consultoria. O político congolês Moise Tshombé, que esteve envolvido no assassinato de (Patrice) Lumumba (o ex-primeiro-ministro congolês), seria um deles, e que o senhor teria processado a Anistia Internacional em nome do violento ex-presidente de Togo, Gnassingbé Eyadéma?

Vergès:
...porque ela alegou coisas que não eram verdadeiras. Mesmo boas organizações devem respeitar certos limites.

Spiegel: Eyadéma, Tschombé e sua laia... não são pessoas sobre as quais o senhor poderia dizer: eu não quero ter nada a ver com elas?

Vergès:
Sim, eu poderia fazer isso, mas seria a mesma coisa que um médico dizer ao seu paciente: "Sabe de uma coisa, você tem Aids, mas não gosto de negros. Eu acho que são criminosos e isso me enoja, então não vou tratar você".

Spiegel: Um médico deve fornecer ajuda, mas como advogado, o senhor não é obrigado a aceitar todo cliente.

Vergès:
Se você encontrar um médico que não consegue ver sangue, pus ou ferimentos abertos, ele está na profissão errada. Se você encontrar um advogado que não goste de criminosos ou ditadores, é a mesma coisa.

Spiegel: "Minha moral e estar contra toda moral, porque ela busca amarrar a vida", o senhor escreveu certa vez.

Vergès:
Sim, em um livro autobiográfico ao qual batizei como um jornalista certa vez me chamou, "Le Salaud lumineux", ou "O Bastardo Brilhante".

Spiegel: Pode ser que o senhor use sua profissão principalmente como uma permanente provocação intelectual.

Vergès:
Eu a uso principalmente para permanente enriquecimento intelectual. Nossa visão de mundo muda com o tempo, porque o vemos sob diferentes pontos de vista. Graças à minha profissão, eu agora estou familiarizado com a visão de mundo do ponto de vista do terrorista e do policial, do criminoso e do idiota, do virgem e do ninfomaníaco. E posso lhe dizer que isso aprimora a visão própria de uma pessoa.

Spiegel: Maître Vergès, obrigado por esta entrevista.

Tradução: George El Khouri Andolfato

sexta-feira, novembro 21, 2008

De flautas e ratos


Convenhamos que uma desratização que vale por mais de sete séculos é um serviço excelente. Mas como tudo tem um fim...

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De http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u469943.shtml
20/11/2008 - 19h08

725 anos depois do "flautista", Hamelin é infestada por ratos

da BBC Brasil

A cidade de Hamelin, no norte da Alemanha, poderá precisar novamente dos serviços do lendário flautista para afastar uma nova infestação de ratos.

O problema agora se concentra em um lote de terra abandonado nos limites da cidade que se transformou no foco da infestação, com ratos passeando por alimentos jogados fora e pelo lixo que está no local.

Ao invés de atrair os ratos para o rio da cidade com música, como o flautista teria feito segundo a lenda, as autoridades municipais pretendem colocar armadilhas em volta do lote abandonado.

Segundo a lenda, em 1284 a cidade de Hamelin foi invadida por ratos, mas um flautista os atraiu com sua música para o rio. O flautista também teria atraído para o rio as crianças da cidade, pois a cidade não pagou pelo serviço.

Em 2009 a cidade planeja marcar o 725º aniversário da lenda do flautista de Hamelin com vários eventos, incluindo um grande desfile de crianças pelas ruas da cidade.

Ameaça

Um porta-voz das autoridades municipais de Hamelin, Thomas Wahmes, afirmou que o problema ainda é restrito aos limites da cidade, mas existe a ameaça de que os ratos possam invadir um conjunto habitacional vizinho.

Segundo Wahmes a população de ratos "explodiu" no terreno, mas a prefeitura não pôde exterminar os roedores, pois ainda não se sabe quem é o dono do local e as autoridades não podem invadir uma propriedade particular.

"Precisamos enfrentar os ratos diretamente no local", disse Wahmes à BBC na quarta-feira. O porta-voz afirmou que a área infestada é do tamanho de um campo de futebol.

A história da "nova" infestação de ratos em Hamelin foi muito divulgada pela imprensa alemã e as ofertas de ajuda à cidade vieram de todo o país.

"Não existe um problema com ratos no centro da cidade e esperamos que dentro de algumas semanas tenhamos removido esta ameaça", afirmou Wahmes.

domingo, novembro 16, 2008

Nós e os clássicos

O que faz um clássico? Será sua qualidade, a originalidade de suas idéias, sua antiguidade ou o fato de haver um consenso das pessoas "certas" em torno do seu valor? Seja lá o que for, a idéia sempre nos acompanha. Nos meios educados ou acadêmicos, é bem possível que se torça o nariz quando dizemos algo como "Adorei o último livro de Stephen King/Paulo Coelho/Tom Clancy/Eduardo Bueno!", mas dificilmente o mesmo se dará se mencionarmos Tolstói, Balzac, Machado ou Shakespeare. Afinal, estes fazem parte do "cânone", aquele conjunto de livros venerados como portadores de uma carga dificilmente igualável de apuro de linguagem ou, pelo menos, de idéias.



Para mim, a idéia do cânone sempre pareceu natural. No colégio, tive a sorte de descobrir na biblioteca as coleções de clássicos da filosofia e da literatura da Abril Cultural, ainda hoje encontráveis nos sebos: "Os Pensadores", de capa dura azul, e "Grandes Nomes da Literatura Universal", de capa vermelha. Ali os nomes impressionantes que eu via nos catálogos da Ediouro (que eu recebia bimestralmente pelo correio) ou nos livros didáticos se materializavam, e muitas obras cujo título e autoria eu já sabia de cor finalmente ganhavam vida. Foi um momento crucial de minha educação, quando entei em contato direto e regular com idéias e estilos de linguagem que atravessaram séculos. Ao mesmo tempo que devorava a redação erudita e didática de um Allan Kardec, por exemplo, passava tardes divertidas com a ironia de Montaigne e os incontáveis aforismos clássicos que recheiam seus "Ensaios"; com a mordacidade de Voltaire; os diálogos por vezes difíceis, mas sempre impressionantes, de Diderot; a sensualidade revitalizante de Lawrence; os terrores e angústias de Poe, e tantos outros. Lembro-me de que muitas vezes era o único em décadas a pegar emprestado certos livros, um testemunho, pensava então, da mediocridade de meus colegas, para quem "clássico" fosse antes uma tendência particular para roupas do que qualquer outra coisa.

O tempo foi passando, e muitos dos volumes que encantaram minha adolescência hoje repousam em minhas prateleiras. Posso vê-los daqui, imponentes, a me lembrarem com suas lombadas esmaecidas pelo tempo da primeira vez em que nos encontramos. Hoje é raro que os revisite como merecem, dividido que estou entre as muitas tarefas do presente. Mas não me culpo por isso, pois sinto que, de certa forma, eles vivem em mim. Nosso encontro nunca terminou de fato, e sei que posso encontrar neles um tesouro para todas as épocas da vida. Se há algo a lamentar, é que não tenhamos nos conhecido antes, ou que o número de autores não tenha sido maior. No entanto, a cada autor que acrescento a eles, reforça-se a intenção de um dia retornar às suas páginas, mergulhar uma vez mais nas suas reflexões, e deixar-me levar pela prosa nem sempre fácil das eras de que cada um é testemunha. Talvez um dia eu os deixe de herança para alguém, materialmente falando; no que diz respeito ao lado espiritual, porém, posso dizer sem medo que os lego a cada aula mais elaborada, a cada dissertação, e mesmo nas vezes em que sou convidado a falar em público. Esses "homens brancos mortos" que têm sido tão questionados por alguns militantes, às vezes com certa razão, são meus mestres mais queridos, e bem gostaria que fossem melhor conhecidos aqui no Brasil. Será sonhar demais?

Bem, a reportagem abaixo me inspirou essa divagação. Afinal, as duas coleções a que me referi nada mais são que derivações dos Great Books (alguns dos quais também posso ver daqui). Admito que fiquei surpreso ao ver o tom irreverente do autor -- nunca atribuí a esses tomos o adjetivo "ilegíveis", e tal soa um tanto herético aos meus ouvidos. Por outro lado, não há como negar que colecionar clássicos é muito mais fácil que lê-los, quanto mais de estudá-los. Inspirado pelo programa de um dos idealizadores dos Great Books, Mortimer Adler, cheguei a contactar o Saint John's College, cujo programa impresso eu tenho. Mas, de fato, mesmo para um diletante dedicado, o que infelizmente estou longe de poder ser, a digestão plena de todas essas obras consumiria mais do que o tempo de uma vida. Limitações de tempo e energia nos forçam a ser seletivos, e só posso sonhar com a idéia de passar os quatro anos de graduação do Saint John's dedicado ao cânone ocidental. Ainda assim, é um ideal que prezo e vale e pena cultivar. Embora seja inegável que nunca daremos conta de tudo que merece ser conhecido, a mera tentativa já nos enriquece.

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The New York Times
November 16, 2008

Heavy Reading

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A GREAT IDEA AT THE TIME

The Rise, Fall, and Curious Afterlife of the Great Books

By Alex Beam

Illustrated. 245 pp. PublicAffairs. $24.95

The humble book has survived many attacks on its integrity over the centuries, whether from tyrannical clerics or fearful governments or the new electronic wizard that promises a peculiarly modern “pleasure of the text” via limitless accessibility. Nevertheless, publishers continue to produce books, while countless numbers of people read them and — a word that crops up frequently in relation to books — love them.

In the middle of the last century, a committee of commercially minded academics came up with its own strategy to undermine the enjoyment of reading. With the backing of the University of Chicago, Robert Maynard Hutchins, Mortimer Adler and a few others whittled the literary, scientific and philosophical canon down to 443 exemplary works. They had them bound in 54 black leatherette volumes, with the overall designation Great Books of the Western World, then hired genial salesmen to knock on suburban doors and make promises of fulfilment through knowledge. In a postwar world in which educational self-improvement seemed within everyone’s reach, the Great Books could be presented as an item of intellectual furniture, rather like their prototype, the Encyclopedia Britannica (which also backed the project). Whereas the Britannica justified its hulking presence in the home as a reference tool, however, the Great Books made a more strident demand — they wanted to be read. Unfortunately, once opened, the volumes were forbidding. Each was a small library in its own right, with slabs of text arranged in monumental double columns. The Great Books of the Western World were what books should not be: an antidote to pleasure.

The great minds behind the Great Books were Hutchins and Adler. Hutchins was a precocious academic administrator — dean of Yale Law School at age 28, president of the University of Chicago at 30 — Adler a philosopher of ideas, author of works like “How to Read a Book” and a man who, in the words of Joseph Epstein, a colleague in the 1960s, “did not suffer subtlety gladly.” The Great Books project was many years in the making and was intertwined with Hutchins’s desire to reform the humanities curriculum at Chicago, but in 1952, after years of planning and bargaining with fellow members of the Great Books team — “If Dickens goes, Melville goes” (Dickens did; Melville didn’t) — he and Adler saw their dream become a well-upholstered reality.

In “A Great Idea at the Time,” Alex Beam presents Hutchins and Adler as a double act: Hutchins the tall, suave one with a gift for leadership; Adler “a troll next to the godlike Hutchins,” with a talent for putting students to sleep. Making the acquaintance of Hutchins through his works was, to Beam, “like falling in love.” By contrast, “to be reading Mortimer Adler’s two autobiographies and watching his endless, self-promotional television appearances was a nightmare from which I am still struggling to awake.” As an appendix to the Great Books, Adler insisted on compiling a two-volume index of essential ideas, the easily misspelled Syntopicon. A photograph in “A Great Idea at the Time” shows Adler surrounded by ­filing-cabinet drawers, each packed with index cards pertaining to a separate “idea”: Aristocracy, Chance, Cause, Form, Induction, Language, Life and so on. The cards registered the expression of those ideas — Adler arrived at the figure of 102 — in the Great Books of the Western World.

Hutchins and Adler’s Great Books were a mixture of books you wouldn’t dream of reading; books you think you ought to read but know you never will; and many books that, if you haven’t read them already, you would admire and possibly enjoy. The last category included the “Iliad,” works by Chaucer and Shakespeare, “The Decline and Fall of the Roman Empire,” a few novels — “Tom Jones,” “War and Peace” — and various works of philosophy. The commercial aspect played on the common desire to harbor all of knowledge — Euclid, Kepler, Bacon, Descartes, Hume, Adam Smith, to name but a few — under one roof.

The texts were presented, however, without annotation, which would prove a hindrance even in the case of relatively accessible works, like Shakespeare’s sonnets. The 54 volumes contained practically nothing written in English in the previous 100 years (two works by Charles Darwin, one by William James), but heaps of Plato and Aristotle, some alarming medical remedies of Hippocrates — “Make the irons red-hot, and burn the pile until it be dried up” — and column after column of ancient science, of little interest to anyone but specialists, who would have equipped themselves with more advanced texts anyway. When asked for his views on which classic works to include among the Great Books, the science historian George Sarton pronounced the exercise futile: “Newton’s achievement and personality are immortal; his book is dead except from the archaeological point of view.”

Hoping to offer the reader what many of the Great Books fail to provide — entertainment — Beam falls over himself in the effort to be breezy and upbeat. No Mortimer Adler, he. “It is hard to resist poking fun,” he writes, and resistance is easily overcome. “From the culture’s point of view, Adler was a dead white male who had the bad luck to still be alive.” When reporting that “War and Peace” was among the selections of Hutchins and Adler, Beam fails to resist adding “no ‘Anna Karenina’; too readable!” His plain-man slangy style, which will be appreciated by fans of his column in The Boston Globe, is just as likely to be off-putting to others. Hutchins and his colleagues, Beam writes, “signed a pact with the devil of commerce” and “hawked their books” the way their ad man, William Benton, sold Crest toothpaste. “Forget that it cleans your teeth; you’ll be popular! Wisdom of the ages, schmisdom of the ages. Forget about learning — your boss will be impressed, women will seek you out (‘Oh! You’re reading Fourier’s “Theory of Heat.” . . . How fascinating!’), your kids will get into college, and so on. . . . Soon enough the Great Books were synonymous with boosterism, Babbittry, and H. L. Mencken’s benighted boobocracy. They were everything that was wrong, unchic and middlebrow about middle America.”

If not a great book, “A Great Idea at the Time” acts as a good guide to the rise and fall of the project. For a brief period, the Great Books were at the heart of the curriculum at Chicago, and continue to feature strongly elsewhere. In one of the reportorial chapters toward the end of his account, Beam visits St. John’s College in Annapolis (it also has a campus in Santa Fe), which still operates a teaching program based on “all Great Books, all the time.” In 70 years, little has changed at St John’s. “If a boy or girl wants to attend medical school,” Beam writes, “that means an additional year . . . of memorizing facts in conventional biology and chemistry classes, not learning the ‘truth’ behind the science, Great Books-style.”

Hutchins and Adler foresaw many obstacles on the way to ushering the Great Books into classrooms and living rooms, overcoming them by persistence, financing — the compilation of the Syntopicon alone took eight years — and a not always likable self-belief. But not even the distilled wisdom of the 54 volumes could have helped them predict that by the 1980s students on campuses throughout the United States would be forming groups and chanting, “Hey, hey! Ho, ho! Western culture’s got to go!” sometimes with support of politicians. By then, the Great Books notion had fallen from its commercial and academic high point to being the focus of readings groups. Beam relates his own adventures in one of the “850 active chapters” of the Great Books Foundation, discussing Elizabeth Bishop, Robert Frost and other writers overlooked even in the updated edition of 1990. The Great Books of the Western World are not what they were. But the world’s great books, in some mysterious, muddled way, endure.

James Campbell’s collection of essays, “Syncopations: Beats, New Yorkers and Writers in the Dark,” was recently published. He writes a weekly column in The Times Literary Supplement.


sábado, novembro 15, 2008

A canção perfeita para um funeral...




...na voz de Vincent Price, sob os auspícios da Disney.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Um dia para entrar na história...




The New York Times
November 5, 2008
Editorial

The Next President

This is one of those moments in history when it is worth pausing to reflect on the basic facts:

An American with the name Barack Hussein Obama, the son of a white woman and a black man he barely knew, raised by his grandparents far outside the stream of American power and wealth, has been elected the 44th president of the United States.

Showing extraordinary focus and quiet certainty, Mr. Obama swept away one political presumption after another to defeat first Hillary Clinton, who wanted to be president so badly that she lost her bearings, and then John McCain, who forsook his principles for a campaign built on anger and fear.

His triumph was decisive and sweeping, because he saw what is wrong with this country: the utter failure of government to protect its citizens. He offered a government that does not try to solve every problem but will do those things beyond the power of individual citizens: to regulate the economy fairly, keep the air clean and the food safe, ensure that the sick have access to health care, and educate children to compete in a globalized world.

Mr. Obama spoke candidly of the failure of Republican economic policies that promised to lift all Americans but left so many millions far behind. He committed himself to ending a bloody and pointless war. He promised to restore Americans’ civil liberties and their tattered reputation around the world.

With a message of hope and competence, he drew in legions of voters who had been disengaged and voiceless. The scenes Tuesday night of young men and women, black and white, weeping and cheering in Chicago and New York and in Atlanta’s storied Ebenezer Baptist Church were powerful and deeply moving.

Mr. Obama inherits a terrible legacy. The nation is embroiled in two wars — one of necessity in Afghanistan and one of folly in Iraq. Mr. Obama’s challenge will be to manage an orderly withdrawal from Iraq without igniting new conflicts so the Pentagon can focus its resources on the real front in the war on terror, Afghanistan.

The campaign began with the war as its central focus. By Election Day, Americans were deeply anguished about their futures and the government’s failure to prevent an economic collapse fed by greed and an orgy of deregulation. Mr. Obama will have to move quickly to impose control, coherence, transparency and fairness on the Bush administration’s jumbled bailout plan.

His administration will also have to identify all of the ways that Americans’ basic rights and fundamental values have been violated and rein that dark work back in. Climate change is a global threat, and after years of denial and inaction, this country must take the lead on addressing it. The nation must develop new, cleaner energy technologies, to reduce greenhouse gases and its dependence on foreign oil.

Mr. Obama also will have to rally sensible people to come up with immigration reform consistent with the values of a nation built by immigrants and refugees.

There are many other urgent problems that must be addressed. Tens of millions of Americans lack health insurance, including some of the country’s most vulnerable citizens — children of the working poor. Other Americans can barely pay for their insurance or are in danger of losing it along with their jobs. They must be protected.

Mr. Obama will now need the support of all Americans. Mr. McCain made an elegant concession speech Tuesday night in which he called on his followers not just to honor the vote, but to stand behind Mr. Obama. After a nasty, dispiriting campaign, he seemed on that stage to be the senator we long respected for his service to this country and his willingness to compromise.

That is a start. The nation’s many challenges are beyond the reach of any one man, or any one political party.

quinta-feira, outubro 23, 2008

O (super)poder da mídia e Orson Welles: dois mitos que caem

From the issue dated October 24, 2008
http://chronicle.com/temp/reprint.php?id=fwn6zpjwm6trlsgy8kjcr6lxrhxffm1w

The Hyped Panic Over 'War of the Worlds'

Frank Stanton sensed trouble. Sitting in his living room on the night of October 30, 1938, the young CBS executive tuned in to catch Orson Welles's adaptation of H.G. Wells's War of the Worlds. The program sounded crisp and engaging — but a bit too realistic. Stanton grabbed his coat and headed back to CBS' headquarters on Madison Avenue. Pushing his way through chaotic hallways jammed with reporters, police, and network employees, he reached his desk and telephoned his friend Paul Lazarsfeld.

Stanton and the sociologist Lazarsfeld set out to measure the panic as quickly and accurately as possible before it subsided. Their basic results would spur a remarkable conversation that reverberates 70 years later in social psychology, media theory, federal regulation, and other fields.

The "War of the Worlds" broadcast remains enshrined in collective memory as a vivid illustration of the madness of crowds and the deeply invasive nature of broadcasting. The program seemingly proved that radio could, in the memorable words of Marshall McLuhan, turn "psyche and society into a single echo chamber." The audience's reaction clearly illustrated the perils of modernity. At the time, it cemented a growing suspicion that skillful artists — or incendiary demagogues — could use communications technology to capture the consciousness of the nation. It remains the prime example used by media critics, journalists, and professors to prove the power of the media.

Yet the media are not as powerful as most think, and the real story behind "The War of the Worlds" is a bit more complex. The panic was neither as widespread nor as serious as many have believed at the time or since.

Nobody died of fright or was killed in the panic, nor could any suicides be traced to the broadcast. Hospital emergency-room visits did not spike, nor, surprisingly, did calls to the police outside of a select few jurisdictions. The streets were never flooded with a terrified citizenry. Ben Gross, the radio columnist of the New York Daily News, later remembered a "lack of turmoil in front of CBS" that contrasted notably with the crowded, chaotic scene inside the building. Telephone lines in New York City and a few other cities were jammed, as the primitive infrastructure of the era couldn't handle the load, but it appears that almost all the panic that evening was as ephemeral as the nationwide broadcast itself, and not nearly as widespread. That iconic image of the farmer with a gun, ready to shoot the aliens? It was staged for Life magazine.

So what accounts for the legend? First — and perhaps most important — the news media loved the story, and Welles loved the news media. The panic became a global story literally overnight. Even the Nazis could not resist commenting, noting the credulity of the American public. Americans certainly appeared gullible, but they were not alone. The news media, handed a sensational story of national scope, reported every detail (including fictional ones) about Welles, the program, and the reaction.

Welles's greatest performance that evening wasn't in the studio; it was in a hallway, at the improvised news conference, when he feigned a stunned, apologetic demeanor. In reality, as Paul Heyer notes in The Medium and the Magician, Welles carefully concealed his satisfaction with the hysteria while expressing concern over the rumors of deaths attributed to the program. The threats of investigation coming from the Federal Communications Commission bothered Welles, too, but they were primarily CBS's problem.

It was the government, and its relationship to CBS, that worried Stanton. While Welles spoke to reporters a few floors away, he and Lazarsfeld created a brief survey instrument to gauge the significance of the panic. Without consulting his bosses, who were occupied at the time, Stanton phoned a trusted survey organization to conduct nationwide interviews as soon as possible. Data were compiled over the following 24 hours and immediately forwarded to Stanton's CBS office.

Unfortunately, those data, if they still exist, are unavailable to scholars. CBS, unlike NBC, severely restricts access to its archives. But Stanton's survey has trickled down to us through a classic study in the emerging field of social psychology, Hadley Cantril's The Invasion From Mars: A Study in the Psychology of Panic (1940). Cantril, a Princeton social psychologist; Stanton; and Lazarsfeld had created the Office of Radio Research, a Rockefeller Foundation-supported project based at Princeton that can be considered the first significant attempt to empirically analyze the effects of mass media.

Cantril's study, which remains the most enduring source for what we know about that night, combined the CBS data, a second survey conducted six weeks later by the American Institute of Public Opinion, and a series of detailed interviews with 135 people, of which "over 100 were known to have been upset by the broadcast." Admitting that his interviews did not comprise an accurate sample of either the national population or the radio audience that evening, Cantril nevertheless filled his short volume with narratives of terror and fear. The interview subjects — all from New Jersey "for reasons of finance and supervision" — were found by the "personal inquiry and initiative of the interviewers" hired by Cantril. They were a self-reporting, self-selected cohort. Cantril did attempt to interview people identified in newspapers as frightened, but that effort proved almost entirely futile.

Such reliance on qualitative measures, while using an unrepresentative sample, only begins to hint at Cantril's methodological problems. Cantril's estimates of how many people actually heard the broadcast, and how many were frightened, are wildly imprecise. Because CBS's Mercury Theatre on the Air lacked sponsorship, the C.E. Hooper Company, the commercial ratings service used at the time, did not rate Welles's program. The American Institute of Public Opinion national survey (taken six weeks after the program, following an avalanche of publicity) found 12 percent of respondents claiming they had heard the broadcast. That represents an audience of almost 12 million Americans — a number that is certainly far too high. Slightly less than four million Americans had tuned into Welles's Mercury Theatre on the Air the week before "The War of the Worlds."

From such disparate approximations Cantril offered the "conservative estimate" that six million Americans heard the broadcast. The public-opinion institute's survey found that 28 percent of the listeners believed the broadcast contained real news bulletins, and of that 28 percent about 70 percent were "frightened or disturbed." These numbers undercut several of Cantril's assertions about the scope of the panic; they reveal that about three out of four listeners knew the program was fiction. So Cantril did what many social scientists faced with disagreeable data do: He spun the numbers. The low numbers, he wrote, represent the "very minimum of the total number actually frightened" because "many persons were probably too ashamed of their gullibility to confess it in a cursory interview." He candidly admitted that "there is the possibility that some people heard so much about the broadcast that they reported actually hearing it."

In other words, Cantril concluded that many respondents probably lied.

Cantril's assertions about the data are largely forgotten. His book is cited far more for its tales of panic than for its faulty statistical analysis or sampling anomalies. His study survives because it supplies what many scholars and journalists need: academic proof for what they think they already know. It legitimized the myth of the night of terror as perhaps nothing else could.

Neither Stanton nor Lazarsfeld was satisfied with Cantril's work. On the personal level, Cantril and Lazarsfeld did not get along. One was a Harvard-trained WASP with the social connections needed to land a prestigious post at Princeton; the other was a thickly accented, chain-smoking, Jewish refugee from Vienna trained at the intersection of economics, mathematics, and applied psychology. Nor did it help that Lazarsfeld once made a pass at Cantril's wife, a piece of information Stanton relayed to me in an interview.

A few years after the publication of Cantril's book, Stanton and Lazarsfeld excoriated their colleague in confidential interviews with Rockefeller Foundation officials. Stanton told an interviewer that Cantril's original manuscript was "completely unsatisfactory," and he admitted he had "no respect for Cantril's scholarly standards." Lazarsfeld was even more brutal, telling the interviewer that some of Cantril's conclusions were "laughable." Because Cantril was "pathologically ambitious," according to Lazarsfeld, he was "a highly dangerous influence in the field." Stanton told the foundation officials that he and Lazarsfeld essentially rewrote the manuscript and allowed it to be published under Cantril's name.

That explains why some of the book's less-emphasized conclusions foreshadowed important findings about the power of the media. The hypodermic model of media effects, which prevailed at the time, posited that the media injected ideas, more or less directly, into the consciousness of the audience. The book's data seriously undermined that model, demonstrating empirically that each member of the mass audience filters the media's messages through a matrix of personal variables (education, critical ability, class, etc.). Those data complicated media theory tremendously and intensified the research focus on the complexities of audience reception.

Lazarsfeld surprised many by concluding in The People's Choice, his classic study of the 1940 election, that the media's effects are, in general, much more selective and limited than we assume. Other forms of communication, from those in the education system to religious communication to interpersonal communication, were apparently more powerful. The mass media were but one part of a larger web of influence, and as one factor, their actual influence was mediated by several other variables. Thus, the media's ability to control us was far less pronounced than assumed.

That is the ultimate irony behind "The War of the Worlds." The discovery that the media are not all-powerful, that they cannot dominate our political consciousness or even our consumer behavior as much as we suppose, was an important one. It may seem like a counterintuitive discovery (especially considering its provenance), but ask yourself this: If we really know how to control people through the media, then why isn't every advertising campaign a success? Why do advertisements sometimes backfire? If persuasive technique can be scientifically devised, then why do political campaigns pursue different strategies? Why does the candidate with the most media access sometimes lose?

The answer is that humans are not automatons. We might scare easily, we might, at different times and in different places, be susceptible to persuasion, but our behavior remains structured by a complex and dynamic series of interacting factors.

Later media theory, and empirical research, would complicate and refine those earliest findings. But the basic problem of audience reception remains stubbornly resistant, and as long as the mass media exist, we'll have empirical studies with dueling conclusions concerning effects. Many people, including scholars, will continue to believe something they intuitively suspect: that the media manipulate the great mass of the nation, transforming rational individuals into emotional mobs. But notice how those who believe this never include themselves in the mob. We are, as the Columbia University sociologist W. Phillips Davison once pointed out, very susceptible to the notion that others are more persuadable than ourselves.

Would you have fallen for Welles's broadcast? If not, why do you assume so many other people did?

Michael J. Socolow is an assistant professor in the department of communication and journalism at the University of Maine at Orono. He is completing a manuscript on regulation and competition in the first two decades of American network radio.


http://chronicle.com
Section: The Chronicle Review
Volume 55, Issue 9, Page B16

domingo, outubro 19, 2008

FAITH

Better trust all and be deceived,
And weep that trust and that deceiving,
Than doubt one heart that, if believed,
Had blessed one's life with true believing.

O, in this mocking world too fast
The doubting fiend o'ertakes our youth;
Better be cheated to the last
Than lose the blessed hope of truth.

Frances Anne Kemble-Butler

Pergunta do terceiro milênio

Que é a verdade?

quinta-feira, outubro 09, 2008

Círculo vicioso

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:

"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela

Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,

Que, da grega coluna à gótica janela,

Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela."

Mas a lua, fitando o sol com azedume:

"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela

Claridade imortal, que toda a luz resume!"

Mas o sol, inclinando a rútila capela:

"Pesa-me esta brilhante auréola de nume…

Enfara-me esta luz e desmedida umbela…

Por que não nasci eu um simples vagalume?"…

Machado de Assis

Sexo e inteligência

Nerds rejoice: Braininess boosts likelihood of sex



Lonely men ought to flaunt their copies of New Scientist. Women looking for both one-night stands and long-term relationships go for geniuses over dumb jocks, according to a new study of hundreds of university students.

"Women want the best of both worlds. Not only a physically attractive man, but somebody in the long term who can provide for them," says Mark Prokosch, an evolutionary psychologist at Elon University in North Carolina, who led the study.

To many women, a smart man will appeal because he is likely to be clever enough to keep his family afloat. But he may also pass on "good" genes to his children, say Prokosch and his colleagues at the University of California, Davis.

Rather than ask women to rate qualities they seek in men, as other studies had done, Prokosch's team asked 15 college men to perform a series of tasks on camera.

The volunteers read news reports, explained why they would be a good date, and what would be the ramifications of the discovery of life on Mars. They also threw and caught a Frisbee to parade their physical appeal. Each potential suitor also took a quantitative test of verbal intelligence.

Smart is sexy

More than 200 women watched a series of these videos before rating each man's intelligence, attractiveness, creativity and appeal for a short-term or long-term relationship.

While the difference between short- and long-term mates may amount to a boozy decision students face each weekend, it has some evolutionary significance, Prokosch says. In potential husbands, women look for signs that a man might be a good provider and father. In one-night stands, women are on the prowl for little more than good genes, not to mention a good time.

Women proved to be decent judges of intelligence, with their scores generally matching each man's intelligence test results.

As for picking a bed-mate, the men's actual smartness proved a reliable indicator of their appeal for both brief hook-ups and serious relationships – which came as something of a surprise. Other studies have suggested that, for women anticipating short-term relationships, a man's braininess isn't foremost in their minds.

The disparate results may be due to women's lack of awareness that intelligence also affects the attractiveness of candidates for quick flings – how intelligent women perceived a man to be influenced his desirability as a long-term mate much more than his appeal for a one-night stand.

Bright and beautiful

Martie Haselton, an evolutionary psychologist at the University of California in Los Angeles, also notes that although women were good judges of intelligence, they weren't perfect. In many cases, women rated good hook-ups as dunces, when their intelligence scores indicated otherwise.

"There could be aspects of intelligence that we pick up on when we interact with a person and that affect our assessment of them, even if we wouldn't label it as intelligence," she says.

But some things never change. Looks were still a much more powerful predictor of sex appeal than brains. "Women are still going for the hunk," Prokosch says. "If you had an option to pick from five different people, you would pick the most attractive one."

So in a perfect world, women want a Nobel prize winner with movie-star looks. Creativity also proved to be a sought-after trait, and Prokosch's team is currently working on an objective measure of creativity, similar to the intelligence test they used.

However, in a world of limited resources, not every woman gets what she wants, and some are bound to fall for ugly, unintelligent and uncreative men. "There's always other people out there that find everything attractive," Prokosch says.

Journal reference: Evolution and Human Behavior

quarta-feira, outubro 08, 2008

E agora, José?

De http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0810200808.htm

Alencar, o escravista

Cartas do autor a d. Pedro 2º, nas quais defendia o cativeiro no país, são pela 1ª vez publicadas em livro, 140 anos depois

Reprodução

Quadro "Loja de Rapé", aquarela inacabada em que o pintor Jean-Baptiste Debret retrata escravos urbanos no Brasil do século 19

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito."
Quem vinha a público, em 1867, desejoso de ser ouvido na defesa do cativeiro no país era o romancista José de Alencar (1829-1877). A memória histórica no Brasil, no entanto, silenciaria seus argumentos no século seguinte.
A frase aparece numa das sete cartas públicas em que, naquele ano, o autor de "Iracema" criticou o imperador d. Pedro 2º por propor que o país começasse a pôr fim gradual à escravidão. Só agora, 140 anos depois, elas ganham uma edição em livro, "Cartas a Favor da Escravidão" (ed. Hedra), que chega nesta semana às livrarias.
Embora diversos pesquisadores tivessem conhecimento de sua existência -que era citada em alguns trabalhos- e das posições políticas de Alencar, o conteúdo das cartas não chegou a ser reimpresso. O conjunto não aparece, por exemplo, nas obras completas do autor romântico, organizadas em 1959 pela editora José Aguilar (hoje Nova Aguilar).
No final dos anos 90, a historiadora Silvia Cristina Martins de Souza encontrou as cartas na Biblioteca Nacional, no Rio.
Republicou parte delas numa revista especializada da Unicamp. "Elas não haviam sido reproduzidas no século 20", diz a pesquisadora, que atribui o "esquecimento" do material ao "desconhecimento e desinteresse" sobre a obra de Alencar.
O organizador do livro que vem agora a público, Tâmis Parron, tem opinião diferente.
Ele escreve na introdução aos textos de Alencar que se trata de uma "provável tentativa de expurgar sua memória artística de uma posição moralmente insustentável para os padrões culturais hegemônicos desde o final do século 19".
"É um expurgo? Pode ser. É provável, mas não tenho acesso a documentos que provem essa hipótese", disse o historiador, em entrevista à Folha.
Procurada, a Nova Aguilar não respondeu aos questionamentos sobre a lacuna e sobre a possibilidade de inclusão das cartas em edições futuras (a última, esgotada, saiu em 1965).
As "Novas Cartas Políticas de Erasmo", como foram denominadas, numa referência ao pensador holandês, apareceram num momento de crise internacional da escravidão. Com o fim da Guerra Civil Americana (1861-1865) e da servidão nos EUA, aumentaram as pressões internacionais para que o Brasil, como último país independente da América a mantê-la, pusesse fim à instituição.
No princípio de 1867, o imperador pede que seu gabinete encaminhe ao Legislativo uma proposta de discussão que resulte num prazo para o fim da escravidão.

Instituição necessária
É em reação a essa movimentação de d. Pedro que Alencar argumenta, em suas cartas, contra a extinção por lei de uma instituição que, para ele, deveria acabar como resultado de um processo "natural" de maturação -processo que na Europa, ele diz, levou séculos.
O escritor e político -falava como integrante do Partido Conservador- reconhece que a escravidão já se apresentava "sob um aspecto repugnante", mas completava que "ainda mesmo extintas e derrogadas, as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração". "Nenhum utopista, seja ele um gênio, tem o direito de profaná-las. A razão social condena uma tal impiedade." As "razões sociais" do cativeiro no Brasil eram muitas, segundo o autor. Em primeiro lugar, de ordem econômica, já que era pelo trabalho escravo que se mantinha a produtividade das unidades agro-exportadoras do século 19. Depois, política, já que era daí que o Estado tirava recursos para existir.
Mas também "social", já que, segundo Alencar, a instituição no Brasil trazia a promessa de inserção, como cidadão (ainda que parcial), do escravo alforriado e de seus filhos.
Finalmente, num raciocínio pouco usual na época, Alencar, de certa forma prefigurando Gilberto Freyre, autor de "Casa Grande & Senzala", afirmava que a escravidão permitia a existência de uma cultura original no Brasil, fruto da "miscigenação" de costumes entre "brasileiros" e negros africanos.


CARTAS A FAVOR DA ESCRAVIDÃO
Autor: José de Alencar
Organizador: Tâmis Parron
Editora: Hedra
Quanto: preço a definir (160 págs.)

segunda-feira, outubro 06, 2008

O fetiche da teoria

Às vezes alguém ousa dizer o que somente se pensava até então. Considerando o quanto já sofri com essa questão em particular, e me preocupa uma certa tendência das Ciências Sociais e Humanas rumo à ininteligibilidade, penso que esse texto é um sopro de bom senso que merece divulgação. Embora, claro, a teoria tenha seu valor, não pode jamais se converter em um fetiche.

Vale a pena ler o artigo na íntegra. Abaixo reproduzo apenas o início.
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Tirado de http://www.espacoacademico.com.br/089/89pra.htm.

Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico

Paulo Roberto de Almeida

1. Tente entender...

Veja, caro leitor, se você consegue entender este filósofo francês, muito lido e muito citado em certos círculos acadêmicos:

“Assim, por um lado, a repetição é isso, sem o que não haveria verdade: a verdade do ente sob a forma inteligível da idealidade descobre no eîdos o que pode se repetir, sendo o mesmo, o claro, o estável, o identificável em sua igualdade a si. E apenas o eîdos pode dar lugar à repetição como anamnésia ou maêutica, dialética ou diática. Aqui a repetição se dá como repetição de vida. A tautologia é a vida, só saindo de si para voltar a entrar em si. Mantendo-se junto a si na mnéme, no lógos e na phoné. Mas, por outro lado, a repetição é o próprio movimento da não-verdade: a presença do ente perde-se nele, dispersa-se, multiplica-se por mimemas, ícones, fantasmas, simulacros etc.” (J. Derrida, A Farmácia de Platão. SP: Iluminuras, 2005, p. 122).

Entendeu, leitor? Provavelmente não, mas não se preocupe, eu também não entendi nada, mas não me preocupo mais com isto: há muito tempo desisti de tentar entender esses filósofos franceses, que converteram em hábito – praticamente uma profissão – os atos de escrever difícil e de falar complicado, apenas para épater la galerie e impressionar o distinto público, no que eles foram, aparentemente, bem sucedidos (alguns ficaram ricos e famosos com toda essa empulhação). Aliás, acredito que esse autor não estava querendo explicar absolutamente nada a ninguém: estava apenas gozando da cara de eventuais alunos e de leitores desprevenidos. No que me concerne, não me deixo impressionar por falcatruas intelectuais.

Agora, considere este outro filósofo francês, ainda mais lido e mais citado nos mesmos meios (provavelmente não pelas boas ou corretas razões), e que se converteu em verdadeiro paradigma das ditas ciências sociais, quando ele, na verdade, é apenas um comentarista filosófico da história (o que não o impediu de monopolizar várias áreas das ciências humanas, impregnando todo o discurso acadêmico durante mais de uma geração):

“Deveríamos fazer uma tentativa de estudar o poder não a partir dos termos primitivos da relação de poder, mas a partir da relação de poder em si, na medida que ela mesma determina os elementos sobre os quais se estabelece: em lugar de pensar em indivíduos ideais aos quais se pede que cedam algo de si mesmos ou de seus poderes para serem submetidos, deveríamos indagar como as relações de dominação podem por si mesmas construir os indivíduos. Da mesma forma, em vez de investigar a única forma, o ponto central ao qual todas as formas de poder derivam como conseqüência ou como desenvolvimento, deveríamos abordar sua multiplicidade, suas diferenças, suas especificidades, sua reversibilidade: estudá-las, portanto, como relações de força que se entrecruzam, se excluem mutuamente, convergem ou, ao contrário, se opõem e tendem a se anular. Em resumo, em lugar de considerar a lei uma manifestação do poder, nos seria talvez mais útil tentar descobrir as diferentes técnicas de coerção que coloca a lei em funcionamento.” (Michel Foucault, trecho do Résumé des Cours; Paris: Collège de France, 1989)

Bem mais compreensível, não é mesmo, caro leitor? Você acha que poderia “trabalhar” com ele, por exemplo, para sustentar a argumentação teórica de algum ensaio acadêmico, talvez “encomendado” ou sugerido pelo seu professor orientador?


sábado, setembro 27, 2008

Aromas

Não gosto de perfumes. Melhor dizendo, não gosto de usá-los, embora não me importe de senti-los em algumas ocasiões especiais -- as fragrâncias femininas quase sempre são bem mais agradáveis. No entanto, normalmente sigo a máxima de Montaigne que diz, "O melhor cheiro é não ter cheiro nenhum". Verdade que ele escreveu isso em fins do século XVI, quando as condições sanitárias e de higiene pessoal na Europa não eram muito exemplares. Porém, mesmo hoje, quando nos habituamos a sair limpinhos e cheirosos de nossos banhos diários (e como esquecemos o privilégio que é ter pelo menos um banho por dia!), a variedade de aromas artificiais usados para causar boa impressão é não raro impressionantemente limitada. Confesso, de minha parte, que nunca senti muita diferença entre os perfumes masculinos no mercado -- com sua notória carga de álcool, como se masculinidade e cheiro de nebulizador tivessem alguma relação. Penso até que uma parte deles, geralmente a mais popular e financeiramente acessível, deveria ser proibida em prol da saúde pública, pois os tipos que empesteiam ambientes fechados e inevitáveis, como ônibus e elevadores, são verdadeiro indutores de náusea. Quem não se contenta com o próprio aroma, que também não busque, para melhorá-lo, essas torturas engarrafadas que se passam por perfumes.

Dito isso, os meus poucos leitores podem imaginar o prazer que me adveio da descoberta de um perfumista que, se não é um montaigniano, o que arruinaria seu negócio, também entendeu um pouco o drama de pessoas nada encantadas com os perfumes comuns. Afinal, quem mais poderia conceber um perfume de "interior de biblioteca" ou de "pavimento molhado"? Será o início de uma revolução estética? Seja como for, três vivas para Christopher Brosius!