quinta-feira, dezembro 31, 2009

Uma alvorada interior



Estou lendo Buda, de Karen Armstrong. Era um dos incontáveis e pacientes livros que aguardavam por minha atenção, no caso, há mais de um ano. Mas eis que um amigo oculto natalino e um pequeno achado numa banca de jornal me levaram à curiosidade de conhecer melhor a vida dessa figura admirável, por muitos comparada a Jesus de Nazaré, e a sua sofisticada doutrina de iluminação. E também foi meu primeiro contato para valer com a prosa envolvente de Armstrong, autora de renome entre os divulgadores de estudos da religião, uma ex-freira que hoje leciona Judaísmo numa faculdade e escreve livros como estes.

Sempre simpatizei com Buda. As causas se perdem na memória. Talvez tenham sido os livros "esotéricos" que li ainda garoto -- descobri Lobsang Rampa com uns oito ou nove anos --, em que Buda parecia um detentor da chave de grandes mistérios; talvez fosse o fato de que, até onde eu sabia, o budismo não tem as pretensões exclusivistas da maioria dos cristãos ("Creia em nós ou você irá para o inferno!"). Não sei. Mais importante é o fato de que a doutrina budista reconhecia coisas em que eu acreditava, como a reencarnação (ainda que não como eu supunha), e propunha técnicas e conceitos muito mais interessantes à primeira vista do que a simples submissão dogmática a um deus tribal ciumento capaz de torturas suas próprias crias. Quando, poucos anos depois, adquiri um exemplar de O Pensamento Vivo de Buda, da Ediouro, fiquei espantado com alguns de seus ensinos, em particular com uma certa preleção poética que me levou às lágrimas na primeira leitura. Daí por diante ele sempre seria uma referência latente, uma montanha especialmente convidativa em meu horizonte, à espera de uma nova visita mais demorada e atenta. E agora finalmente ela chegou.

Para alguém minimamente familiarizado com as correntes espiritualistas ocidentais, como a Teosofia e o Espiritismo, vários conceitos budistas, para não dizer até hinduístas e de doutrinas aparentadas, são relativamente familiares: a reencarnação, a efemeridade das coisas materiais, o equívoco de nossas noções mundanas de felicidade e bem-estar... Entretanto, lendo Armstrong, que se baseia fortemente nos textos pális (língua, aliás, organizada pelo próprio Buda), o que vi emergir era mais do que essas ideias hoje tão difundidas e superficialmente conhecidas no Ocidente. Vi um pregador itinerante e determinado, que soube tirar o que havia de melhor nas ideias metafísicas de seu tempo, criar uma síntese própria, testar vários caminhos e passar os restantes 45 anos da sua vida traduzindo-a para a linguagem do povo. Ao contrário do que popularmente se pensa, Sidarta não criou uma ordem de monges meditadores isolados do mundo, mas uma ativa e crescente ordem de popularizadores, prontos a levar seu dhamma (ou "darma", isto é, seu "caminho") a todos os que quisessem ouvir. Nesse ponto, a semelhança com os apóstolos de Jesus são notáveis; porém, não havia ali nenhum ranço salvífico, nenhuma afirmação da divindade do Mestre, nenhuma imposição. O budismo é, acima de tudo, um método contra o sofrimento trazido pelo apego ao que é impermanente -- e não pretende ser mais do que isso, o que já é muito. Ele não se preocupa em dar respostas a tudo, não se preocupa em explicar o universo, nem em negar as divindades tradicionais ou afirmar uma superioridade exclusiva. É feito para todos, baseado em observações gerais sobre a natureza humana, sem discriminação ou anátema. A iluminação (Nirvana, Nibbana ou que outro nome tenha) não é uma concessão dos céus, mas uma conquista, uma descoberta pessoal que brota da jornada pessoal de cada um. É uma compreensão da natureza do mundo e de si mesmo, não apenas intelectual, mas também num nível que desafia descrições. Talvez se possa dizer que ele é como um insight de consequências permanentes, que remodela, a partir daí, toda a consciência do indivíduo.

A história de Sidarta Gautama, o homem que se tornaria célebre pelo título de Buda ("O Desperto" ou "O Iluminado"), é suficientemente conhecida para que eu não precise repeti-la aqui. Mas há uma passagem dela que eu nunca havia conhecido e que me impressionou, e que Armstrong narra com a habitual habilidade: um dia, menino ainda, Sidarta fora levado pelo seu pai, o rei da "república" de Sakka, para ver uma aradura cerimonial dos campos, um preparativo para a semeadura do ano seguinte. Entregue aos cuidados de algumas amas, que acabaram deixando-o sozinho, o menino sentou-se sob uma macieira e

quando ele olhou para o campo que era arado, notou que a relva nova fora arrancada, destruindo-se os insetos e os ovos que eles haviam depositado nos novos rebentos. O menino olhou a carnificina e sentiu um estranho pesar, como se houvessem sido os seus próprios parentes os assassinados. Mas era um belo dia, e uma sensação de pura alegria brotou espontaneamente em seu coração. Todos experimentamos tais momentos, que nos vêm inesperados e sem qualquer esforço de nossa parte. Na verdade, tão logo começamos a refletir sobre nossa felicidade, a perguntar por que estamos tão alegres, e tomamos consciência de nós mesmos, a experiência desfaz-se. Quando levamos o eu a ela, essa alegria não premeditada não pode durar; é essencialmente um momento de êxtase, um arrebatamento que nos tira do corpo para além do nosso egotismo. Esse exstasis, palavra que significa literalmente "estar fora do eu", nada tem a ver com o anseio e a cobiça que caracterizam parte tão grande da nossa vida desperta. Como Gautama refletiu depois, aquilo "existia separado dos objetos que despertam tanha [desejo, apego às coisas impermanentes]". A criança fora retirada de si por um momento de compaixão espontânea, quando deixara que o sofrimento de criaturas que nada tinham a ver com ela pessoalmente lhe varasse o coração. Essa onda de desprendida empatia trouxera-lhe um momento de liberação espiritual. (P.93-4)

Em outras palavras, o primeiro lampejo do Nirvana não veio pelo niilismo que tantos erroneamente atribuem ao budismo, mas pelo amor. Um momento de desinteresse na infância foi uma das principais pistas para que o futuro homem Sidarta Gautama chegasse ao mais elevado nível de consciência. Enquanto iogues e mestres variados na Índia da época se embrenhavam em exercícios psíquicos variados em busca de um Eu divino, e outros ainda em transes ritualísticos, o caminho de Sidarta era bem outro. Não se tratava, como os faquires e ascetas, de violentar a sua própria natureza, castigando corpo e mente, "esmagando" emoções e impulsos considerados impuros. Se uma criança havia tido um momento de iluminação, ainda que só um momento, a partir da compaixão espontânea, então o caminho já fazia parte da natureza de cada um. E foi assim, observando-se, e não reprimindo-se, que Sidarta foi desenvolvendo seu dhamma: quando sentia algo, digamos irritação, por que o sentia? Como sentia? Como reagia? Por que em tais situações e não noutras? E então, paulatinamente, foi desbravando o burburinho da própria mente, percebendo que também ela, em grande parte, era passageira, efêmera, caprichosa -- mas que era possível haver uma desidentificação, um distanciamento em relação a ela. Em suma, deixar de ser governado por impulsos que muitas vezes brotavam em seu ser, mas não eram o seu próprio ser. Se não eram, então o que era?

Há muitas complexidades no pensamento oriental em geral e no budismo em particular, e não tenho a menor pretensão de dar conta da centésima parte delas mesmo se passasse uma vida tentando. No entanto, esse pedaço da vida de Sidarta, a meus olhos, tornou-o parente espiritual de Jesus, de Francisco de Assis e outros tantos. Métodos e tecnicalidades variadas divergem, mas, no âmago, há um núcleo comum, uma indicação de o que cultivar, o que buscar. Para Sidarta, em especial, a liberação é uma mudança radical de visão, uma forma de ver que não consiste apenas nas virtudes usuais, mas sobretudo na compreensão -- não apenas intelectual, é preciso dizer e repetir -- do que está por trás delas. É um convite para uma nova forma de ser, uma nova forma de viver, uma nova forma de sentir (ou, ao menos, de se perceber sentindo). Monge ou não, o seguidor do dhamma olha para o mundo e seus habitantes com uma consciência nova, e na base dessa consciência está não a indiferença do asceta, mas a compaixão, a empatia, a compreensão mais profunda. A iluminação não vai contra a natureza das coisas, ela é, isso sim, uma visão panorâmica delas, e uma apreciação profunda do que há em cada qual.

É muito o que processar, e este post já se alongou o bastante. Mas os fogos já estouram, e quase todos nós daqui a pouco estaremos fazendo mil planos e promessas. De minha parte, só posso desejar que, para além de trabalhos, estudos tantas coisas mais, possamos adicionar às nossas metas um novo item: uma nova forma de ver, um realmente novo sentir, quem sabe até um pequeno "Nirvana". Já que tudo passa -- coisas, pessoas, até tantas lembranças -- isso certamente fica. Então, que 2010 nos traga novos olhares, e isso por si só já o tornará um ano especial. Afinal, que meta há mais nobre que a de aumentar nossa percepção da Eternidade?
---------
P.S.: Para entender um pouco da visão budista das coisas, uma versão legendada em português de uma das famosas TEDTalks, em que um monge francês fala sobre a felicidade. Esta é só a primeira parte, as demais estão linkadas na página correspondente do YouTube.



Sexo e bilheteria

Já vi algo similar sobre publicidade também, contrariando o senso comum. Só gostaria que fizessem uma descoberta similar quanto à violência, pois, percorrendo os títulos de uma locadora, sempre me impressionam a quantidade deles que leva "Mortal", "Letal", "Vingança" e similares. Vivemos mesmo numa curiosa -- e custa-me crer que não também altamente perniciosa -- cultura de agressão.

----
31/12/2009 13h12

Cenas de sexo não garantem público
no cinema, afirma pesquisa

Da Redação

Cenas de sexo não dão garantia de que o público vai assistir a um filme. A afirmação é de um estudo coordenado pela atriz Anemone Cerridwen e pelo professor da Universidade da Califórnia Dean Keith Simonton.

Sex Doesn’t Sell – nor Impress! Content, Box Office, Critics, And Awards in Mainstream Cinema analisou cerca de 900 filmes lançados entre 2001 e 2005.

“O sexo não vende, seja nos Estados Unidos ou fora, mesmo depois dos controles da Motion Pictures Association”, afirmou Simonton à CNN.

Entre 2001 e 2005, filmes de aventura/ação com poucas cenas eróticas dominam a lista dos filmes mais assistidos de cada ano nos Estados Unidos: Harry Potter e a Pedra Filosofal,Homem-Aranha, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, Shrek 2 e Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith.

sexta-feira, dezembro 25, 2009

Darwin e a arte da propaganda

Um trailler que apela aos nossos mais profundos instintos para nos convencer a ver o filme. E o pior é que funciona...

quinta-feira, dezembro 24, 2009

O tamanho do universo

Às vezes é preciso pensar em perspectiva, com um certo distanciamento. Talvez isto ajude...

E, a propósito, feliz Natal!

terça-feira, dezembro 22, 2009

O que faz um homem ou uma mulher?

Uma das coisas mais interessantes é a naturalização: quando nos acostumamos tanto a uma determinada associação de ideias que não lembramos de que ela pode ser bastante arbitrária. No caso da identidade de gênero, embora haja espaço para se argumentar a "naturalidade" de alguns traços de comportamento, esse fenômeno de naturalização pode ser bem patente. Se formos analisar, por exemplo, as propagandas de brinquedos, isso é muito óbvio: para os meninos, aventura, ação, agressividade; para as meninas, jogos e brincadeiras que basicamente reproduzem situações familiares e cuidados associados a uma noção um tanto antiquada de feminilidade. Tudo muito "natural" para os publicitários, mas qual o efeito disso sobre o público infantil?

Por isso, achei interessante esta matéria da Folha de S. Paulo:
--------

22/12/2009 - 11h51

Mães combatem "ditadura do rosa" imposta às meninas

PUBLICIDADE

da France Presse, em Londres

Especial Mães e FilhosDuas mães inglesas declararam guerra ao que chamam de "rosificação" --a onipresença da cor rosa no universo das meninas--, um fenômeno relativamente recente que vai além da cor e que, segundo elas, limita as aspirações das pequenas.

Emma e Abi Moore, duas irmãs gêmeas de 38 anos, lançaram a campanha no blog PinkStinks (Rosa é uma droga) em 2008 para desafiar a cultura do rosa baseada na beleza, em detrimento da inteligência, que é imposta às meninas praticamente desde o berço.

"Queremos abrir os olhos das pessoas para o que está se passando no marketing dirigido às crianças", explica Emma Moore, que critica duramente a tendência rósea que vai da moda até os brinquedos. "Queremos que as meninas saibam que podem ser tudo que quiserem ser, independente dos que os fabricantes queiram vender para elas."

As empresas investem 100 bilhões de libras (US$ 160 bilhões) anuais apenas no Reino Unido em publicidade para conquistar o lucrativo mercado das crianças, ávidos consumidores futuros, segundo um estudo governamental publicado na semana passada.

Basta entrar em qualquer loja de brinquedos para perceber a monocromia que reina nas seções para meninas. O rosa não é apenas a cor das bonecas e fantasias de princesa, mas também das bicicletas, telefones e até mesmo brinquedos até então unissex.

"Isso nem sempre foi assim. Nos anos 70, quando crescemos, o Lego era apenas o Lego, com todas as cores", afirma Emma. "Agora o Lego para as meninas é rosa e tudo gira em torno de cavalos alados e fadas. Isso não é natural."

Também existem versões cor de rosa do jogo de palavras Scrabble, com a palavra "fashion" (moda) formada na tampa da caixa, e do Monopoly (Banco Imobiliário), onde as casas e hotéis foram substituídos por lojas e shopping centers.

Segundo as militantes, até pelo menos a Primeira Guerra Mundial o rosa era a tonalidade dos meninos, enquanto o azul claro era considerado mais apropriado para as meninas. Para elas, a "rosificação" extrapola a cor.

Os brinquedos para as meninas reproduzem em sua maioria atividades consideradas femininas, como o cuidado de bebês, a limpeza da casa e cuidados com a beleza, o que incute nelas cada vez mais a atual "obsessão pela imagem".

"Muitos desses produtos parecem bastante inofensivos, mas se somam a essa cultura de celebridade, fama e riqueza, que está danificando as aspirações das meninas sobre o que podem ser", assinala Emma.

A campanha, que conta com milhares de seguidores no Facebook, gerou polêmica no Reino Unido, onde um jornal classificou as irmãs Moore de "feministas severas e sem senso de humor".


terça-feira, dezembro 15, 2009

Os 70 anos de "E o vento levou..."

Eu adoro esse filme. Assisti por inteiro uma duas vezes, a primeira ainda garoto, com minhas irmãs, e me recordo de como cada parte (era na TV aberta) durava uns 40 ou 50 minutos. O estilo literário da narrativa, o lado épico, o carisma dos personagens (bem, alguns...) e a trilha sonora quase sacra tornaram esse filme de 1939 uma experiência para uma vida inteira. Muito tempo depois, adulto, revi-o em vídeo, e, diferente do que costuma acontecer quando se revisita uma obra que nos impressionou muito, a admiração pela saga de Rhett e Scarlet em tempos apocalípticos não diminuiu. E é em homenagem a essa obra-prima que reproduzo aqui a resenha que saiu recentemente no Wall Street Journal.

------------


    Why We Give a Damn About Scarlett

    As it turns 70, 'Gone With the Wind' still stirs complicated feelings, which is part of the movie's allure

No one denies that "Gone With the Wind" holds an honored—even sacred—place in the pantheon of beloved American movies. Adjusted for inflation, its domestic box-office gross is variously estimated at $1.3 billion to $1.5 billion—vastly more than the sum earned by "Titanic." Still more impressive are its initial ticket sales, which totaled more than 200 million at a time when the U.S. population was just 130 million. And then there are those eight Oscars, including best picture, in a year widely acknowledged as Hollywood's greatest. But affection and respect are different things, and it is perhaps only now—70 years after its initial release on Dec. 15, 1939—that this film is acquiring a patina of venerability.

In large part, this delay can be attributed to the complicated feelings the picture engenders. Unlike, say, "The Wizard of Oz," from that same year, or "Casablanca," from three years later, "Gone With the Wind" is not unobjectionable. How could it be? Its primary characters are rich white Southerners living through the Civil War and into Reconstruction—not material that goes down easy for many Americans then or now.

Yet part of the movie's allure is bound up with those conflicting emotions. As Molly Haskell has written in her recent book "Frankly, My Dear" (its title a tip of the hat to the picture's most famous line), "Gone With the Wind" "is both different things to different people and different things to the same person at different times in that person's life."

Certainly the film has long had detractors, and likely always will. Black Americans were from the outset concerned about, and sometimes uncomfortable with, the movie's depiction of slaves and slavery. But others have also objected. Stanley Kubrick told the writer Frederic Raphael that he thought it "really a terrible movie." The picture's flaws—its perceived racial insensitivity, mawkish fascination with plantation life, and melodrama—readily leap to mind. (They are also present, in exaggerated form, in the best-selling novel by Margaret Mitchell that inspired the movie.)

Yet closer examination suggests these "failings" are more nuanced than decriers would have it. Characters such as Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) and Melanie Hamilton (Olivia de Havilland)—the former scheming ceaselessly in her unrequited pursuit of the effete Ashley Wilkes (Leslie Howard); the latter, Ashley's impossibly saintly wife—are patently romantic figures. Naturalistic portrayal would betray their essence. As for the glorification of the South's "peculiar institution" and mode of life generally, the film fully acknowledges the Confederacy's hopelessness and portrays the haughty belligerence of its cavaliers as feckless at best and more often destructive.

The movie's portrayal of blacks is a touchier subject. Some appear to have dismissed the film merely for acknowledging Southern slavery—as if ignoring past injustices somehow erases them. Others have objected to the bowing and scraping of the household servants and the seeming contentment of the singing field hands. But with the possible exception of Scarlett, the feistiest, most resourceful character in this picture is Mammy, the story's rock—a role played with such pluck and dignity by Hattie McDaniel that she became the first African-American actor to earn an Oscar.

Nor is Mammy the only black character with whom the O'Haras bond. In one of the film's most touching scenes, Scarlett places the gold pocket watch of her just-deceased father (Thomas Mitchell) in the hands of Pork (Oscar Polk), the recently emancipated, long-serving manor-house butler. He at first refuses the keepsake, but Scarlett insists, asking who else—white or black—is more deserving.

Not everything about this picture is subject to disagreement. Among its unalloyed triumphs is its impeccable cast, starting with the central quartet: Leigh's Scarlett, Ms. de Havilland's Melanie, Howard's Ashley, and—perhaps most important of all—Clark Gable's inimitable Rhett Butler. To go on at length about their attributes, individually or in combination, seems unnecessary, for these portrayals are so familiar as to be archetypes now, textbook star-turns from Hollywood's golden age.

Much the same can be said of William Cameron Menzies' production design, which distinguishes itself equally whether depicting the antebellum opulence of the O'Hara and Wilkes plantations (Tara and Twelve Oaks) or the grim deprivation of the war and its aftermath—though nothing rivals the spectacular burning of Atlanta, which still ranks among the greatest, and most terrifying, set pieces in cinema history.

And consider how elegantly the screenplay—credited to Sidney Howard, but with considerable uncredited assistance, including some work from F. Scott Fitzgerald—winnows Mitchell's 1,000-plus-page novel to its essence, without sacrificing scale or scope. Here, as with everything concerning this movie's production, the producer David O. Selznick proved the indispensable man. His stamp is all over the finished product, his contributions—from securing Mitchell's novel and selecting Leigh as Scarlett to elaborately storyboarding the production with Menzies before filming—even more significant than those of Victor Fleming (who directed most of the film) and George Cukor (who began it).

A word, too, about the indelible score. Save for the opening statement of Beethoven's Fifth Symphony, no four notes are as immediately recognizable as the ones Max Steiner wrote to begin Tara's theme. And let's not forget the amusing bazaar scene, where the Virginia reel and a subsequent waltz help suggest the growing sexual chemistry between Rhett and Scarlett.

Ms. Haskell makes the point that this movie is constantly shape-shifting, with some of its issues receding in relevance while others emerge with renewed topicality. I thought of that when viewing the scene in which Dr. and Mrs. Meade, gathered at the Atlanta depot among the multitudes awaiting casualty lists, learn of their son's death at Gettysburg. Watch it yourself to feel history reach across three centuries, and ponder how little some things have changed.

But first and foremost "Gone With the Wind" remains superb entertainment, its flaws (whatever they may be) notwithstanding. Indeed, in many ways it's those jagged edges that provoke us to such strong feelings toward this picture, which somehow matters more in every respect because it is not smooth and perfect. Its greatness—like that of so many other masterpieces—lies as much in its aspirations as in its considerable achievements.

—Mr. Mermelstein writes for the Journal on film and classical music.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Recordar é viver!

Já teve curiosidade de ler o que diziam as revistas de variedades brasileiras de 50 e tantos anos atrás? Se a resposta é "Sim", você precisa conhecer este blog:



Energia acumulada

Eu sempre soube...

-----------

Sexual Energy and the Single Woman

sábado, dezembro 12, 2009

As falácias dos historiadores

Não faz muito tempo, em minhas andanças pela Amazon.com, tropecei neste livro, que se tornou uma espécie de pedra de toque. Todos os que têm interesse em estudos históricos deveriam dar uma folheada de quando em vez, pois o autor demonstra várias e várias vezes que o renome e o prestígio de um pesquisador não são garantias da qualidade do que ele defende. Aliás, muitas vezes, a erudição e bem pensar não andam de mãos dadas.

Com vocês, via Google Books, Historians' fallacies: toward a logic of historical thought, de David Hackett Fischer.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Homens emburrecem diante de mulheres...


...ou ao menos é o que diz este estudo.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

A (i)moralidade da violência política



Os pontos de interseção entre moral e política me fascinam. Apesar de tudo o que o senso comum diz sobre o suposto pragmatismo, para não dizer amoralismo, necessário ao bom político -- aquela dose de flexibilidade que dá a ele a capacidade de "trocar" parte de seus princípios e desejos por uma eficiência que resultará no bem comum --, existem questões que exigem uma reflexão e uma tomada de posição que são sobretudo morais. Uma delas é a questão da violência: quando (e se) ela seria aceitável?


Já falei disso antes aqui. Mas gostaria de compartilhar um fato curioso que me trouxe o assunto à mente outra vez. Neste semestre eu fiz uma disciplina no IFCS, Instituto de Filosofia e Ciência Sociais da UFRJ, que tratava da questão da subjetividade e da memória nos estudos históricos. A professora, simpática ainda que um pouco desorganizada, especializou-se em memórias ligadas às ditaduras militares do Brasil e da Argentina. Em uma de nossas últimas aulas, quando se discutiu o filme Hércules 56, de Sílvio Da-Rin, levantou-se a questão da legitimidade ou não da luta armada, observando-se como, dos ex-militantes que depõem no filme, falava-se da (in)eficiência ou da (in)conveniência dessa prática como forma de luta política, sem se tocar em um ponto muito mais elementar e que há pouco tempo foi objeto de intensa discussão na Argentina: a moralidade do ato de matar.

Esse silêncio é engraçado, para não dizer melancólico, pois dá a entender que esse era um ponto pacífico entre os guerrilheiros e aspirantes a guerrilheiros da época. Mas, vendo as origens de muitos deles, que eram estudantes universitários de classe média, eu duvido que seja algo tão simples assim. Mas por que então não se fala no assunto? Não sei. O que posso dizer, porém, é olhar para os nossos hermanos argentinos, que tiveram de enfrentar esse questionamento moral numa polêmica iniciada com o filósofo Oscar del Barco. Em resposta a uma entrevista de um ex-membro de um grupo guerrilheiro dos anos 1960, que falava da execução de dois jovens militantes que queriam abandonar a organização, del Barco assume uma posição não-violenta e diz, em síntese, que nenhuma causa, nenhum pretexto político justifica a violação de um preceito essencial de qualquer sociedade, que é o "Não matarás". E, ao fazê-lo, del Barco fez algo que até então praticamente ninguém ousava: chamar à responsabilidade não apenas os que cometeram crimes e barbaridades a mando do Estado argentino, mas também aqueles que cometeram crimes e barbaridades na oposição a esse mesmo Estado. Ou seja, ele rasga o cenário de mocinhos vs. bandidos em que as narrativas das ditaduras normalmente se apresentam, e com isso começou uma troca furiosa de artigos e cartas, parcialmente compilada na revista Políticas de la Memória nº 6/7, do verão de 2006/2007.

Ao comentar a posição corajosa de del Barco, minha professora, uma senhora falante que deve ter seus cinquenta e muitos anos, provavelmente incapaz de matar uma galinha para fazer o almoço, fez questão de enfatizar, como quem pede desculpas, que não estava dizendo que a violência revolucionária era condenável, ou um erro absoluto. Chamou-me menos a atenção do que ela disse do que a forma como disse. Ora, então, dizer que matar é errado seria algo incômodo, algum tipo de heresia que só pode ser enunciada com muitos rodeios e qualificações? Isso me incomodou. Pensei em fazer uma objeção, mas transformar os últimos minutos de uma aula de pós-graduação em um debate moral provavelmente não iria longe. Ainda assim, a questão continua comigo. Haverá muitos que ainda pensem assim? A não-violência vista como princípio, e não como mera tática utilitária, será ainda considerada tão absurda assim? Ou, por outro lado, a legitimidade do recurso às armas será algo tão tranquilamente aceito que soe estranho, quase blasfemo, pensar noutra possibilidade?

Minha professora é de uma geração em que a ideia de revolução ainda era abraçada por muita gente, especialmente na esquerda universitária. Isso explica a forma como tratou o assunto. Nenhum mistério aí. Mas que, décadas depois, o efeito disso na sua leitura moral ainda seja tão visível me dá o que pensar. Um simpatizante relutante da não-violência, espírita, mas que vê lógica e necessidade no princípio da legítima defesa, ainda tenho muito que refletir sobre o assunto. Mas gostaria muito que ele tivesse mais visibilidade por nossas plagas, especialmente numa época em que sabemos de coisas como esta. Afinal, como combater a violência que infecta o corpo social se não refletimos sobre ela? Assuntos dessa ordem, acredito, não podem ser deixados apenas para estatísticas policiais. Devem ser tratados também nas cátedras, nos estudos privados, nos púlpitos, nas escolas e, por que não, também em blogs modestos como este.
--------------
Atualização: Um artigo que trata do assunto das diferentes maneiras como a violência é encarada no caso da luta armada no Brasil e na Argentina pode ser lido aqui.