domingo, outubro 31, 2010

Após a eleição

Dia de eleição. Em poucas horas, o Brasil conhecerá seu futuro presidente, ou, mais provavelmente, confirmará o de sua primeira presidenta. Haverá festa, como sempre, mas de minha parte só haverá, no máximo, alívio pelo término de uma eleição decepcionante. Votei nulo, mas não com a consciência realmente tranquila. Mas não poderia ser de outra desta vez; racionalmente falando, não quis recompensar nenhuma das duas campanhas presidenciais com meu modesto e precioso voto. Desta vez, não aceitei a lógica do "menos ruim" e me recuso, por princípio, a tomar parte no discurso cretino que deu a uma disputa política de baixo nível, recheada de mentiras marqueteiras e incitação a paixões tribais, a aparência de uma luta épica entre o "Bem" e o "Mal".

Entendo quem optou pelas escolhas dadas. Como diz um colega, "É uma escolha estratégica". Que seja. Eu mesmo pendi de um lado para outro nos últimos dias, seguindo esse mesmo raciocínio. No fim, dei-me conta de que talvez acabasse optando com base em critérios não dos mais racionais, e de qualquer forma estaria recompensando campanhas condenáveis, fosse a do PSDB ou a do PT. Não quis fazer isso, e me sinto incomodado pela minhas abstenção. Ainda assim, acho que foi o melhor dadas as circunstâncias.

Posso prever as próximas horas. Receberei emails de amigos e conhecidos, ou verei suas mensagens no Orkut e no Facebook, celebrando a vitória previsível de sua candidata. Verei uma vez mais o discurso primitivo de que uma esquerda "que faz pelo social" derrotou uma "direita" malvada. Verei de novo comparações entre dados brutos descontextualizados sendo bradados como verdade absoluta. Verei gente louvando o passado de "luta" (armada e de extrema-esquerda) da agora ex-candidata -- como se ela fosse uma grande heroína desde sempre, e não somente uma burocrata escolhida a dedo pelo atual presidente para fazer o papel do proverbial "poste" que um bom caudilho deve ser capaz de eleger até poder se recandidatar. Pode ser que ela faça um bom governo -- torçamos para que sim -- mas isso é algo que ela terá de provar com o tempo. Por ora, a meu ver, seus méritos ainda estão por definir.

Haverá quem comemore o simbolismo de uma mulher sendo eleita. De fato, é uma novidade, como foi a eleição do ex-operário e sindicalista em 2002, que eu também comemorei. Mas isso não é justificativa, em si mesma, para votar em alguém. Eu abriria mão desse ganho simbólico pela vitória de um candidado que me parecesse mais confiável. Mas é minha opinião, apenas.

Talvez haja um lado bom nisso, afinal: a perda das ilusões. Em 2014, já não fará sentido -- a rigor, nem faz muito hoje, mas vá lá... -- comparar o governo que hoje se elege com o antecessor de seu antecessor. O PT só poderá se comparar consigo mesmo, sem poder abrir mão das responsabilidades de 12 anos de presidência, sem poder apelar a heranças malditas e que tais. Talvez seja a hora em que seus muitos adeptos, pelo menos entre formadores de opinião (e eu, como professor universitário, bem sei do que falo), poderão crescer para uma visão política um pouco mais humildade e menos maniqueísta. E, quem sabe, até lá, os próprios marqueteiros que ganham milhões para subestimar nossas inteligências (e o pior, com frequente sucesso ) percebam que propaganda negativa não é um meio eficiente de eleger candidatos ao cargo máximo do país.

Mas esperemos. Quem sabe não haverá novidades? Uma reforma política, talvez, do que eu duvido. Uma Lei da Ficha Limpa que não seja mais passível de celeuma, ou possa ser aprimorada. Partidos tendo mais cuidado com a alfabetização de seus candidatos a cargo público.
Não custa ser otimista, embora eu saiba que, na verdade, isso pode ser esperar demais. Ainda somos um pouco pouco instruído, no qual mesmo pessoas de nível universitário podem ter diplomas sem saber o que é o bem pensar; simpático ao estatismo sem nem bem saber por quê; em que ser funcionário público -- de qualquer área, de qualquer função -- é sonho de vida de muita gente, e onde é preciso uma intervenção judicial para impedir os Jáderes e os Malufs de se elegerem (e mesmo assim, com comentários como este vindos de um ministro do Supremo Tribunal).

Enfim, a vida segue.

sexta-feira, outubro 29, 2010

Amor de plenitude

"A sua essência sutil [do amor] comanda o pensamento dos heróis, a conduta dos santos, a beleza dos artistas, a inspiração dos gênios e dos sábios, a dedicação dos mártires, colocando beleza e cor nas paisagens mais ermas e sombrias que, por acaso, existam." (Joanna de Ângelis, Amor, imbatível amor. Psicografia de Divaldo P. Franco.)

Agora o conceito, usualmente tão restrito ou tido como autoevidente, faz sentido...

quinta-feira, outubro 28, 2010

O remorso de Orestes


Uma imagem poderosa de William Adolphe Bouguereau (1825-1905), um dos maiores pintores oitocentistas. Um mestre em imagens impactantes, poucos retrataram tão bem o significado da perseguição das Fúrias.

sábado, outubro 23, 2010

Credo


Creio no Bom, no Belo e no Justo.
E também que há um Bom, um Belo e um Justo.
Creio na vontade humana de se melhorar e se elevar.
Creio também na mediocridade fácil que a consome.
Creio na justiça que vem sem aviso, mas vem.
Creio na generosidade de estranhos.
Creio no egoísmo de conhecidos.
(E vice-versa.)
Creio na vida futura, e nas passadas.
Creio, cheio de esperança juvenil, na presente.
Creio na vida como uma sucessão de encontros.
Creio que só há partidas porque houve chegadas.
Creio no Amor acima dos amores...
Pois Ágape supera Eros, e Philos é imortal.
Creio na dádiva, e no mérito.
Creio na descoberta.
Creio no arrependimento.
Creio na regeneração.
Creio na dúvida, bendita seja ela.
Creio na relutância, sinal de consciência.
Creio na decisão, sinal de vida.
Creio na efemeridade dos louros da vitória.
Creio que há triunfos sutis na derrota.
Creio na saudade, aperto de um coração.
Creio também no reencontro, quando deve ser.
Creio que não estamos sós, mas gostamos de pensar que sim.
Creio nos solitários em meio à multidão.
Creio na esperança, mesmo a esquecida.
Creio no ensino, no aprender e sobretudo na curiosidade.
Creio no sonhar acordado, e no despertar das ilusões.
Creio na tristeza que interioriza, e na alegria que expande.
Creio na indignação que enfrenta, e também na fraternidade que reconcilia.
Creio nas cinzas das paixões que se foram.
Creio na febre das que ainda podem vir.
Creio nas que nunca vieram, mas com as quais sonhei.
Creio no carinho que fica.
Creio na dor que se dissipa.
Creio no perdão ao algoz, e à vítima.
Creio no Tempo, que muda.
Creio na Providência, que guia.
Creio na liberdade, mesmo quando se põe em grilhões.
Creio na inocência, que não vê o que é, mas o que deve ser.
Creio no desejo que arde... e na prudência que o contém.
Creio em afinidades entre almas irmãs, que se buscam sem perceber...
E creio no sorriso íntimo de quando se reconhecem.
Creio na admiração, que fascina.
Creio no intelecto, que desvenda.
Creio na fé, que sustenta.
Creio na alma, que é.
Creio que descreio do que antes já cri.
Creio que crerei no que hoje descreio.
Creio sempre, e muito.
Creio.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Jornalista denuncia censura oficial ao vivo em Goiás

Pelo menos algumas coisas boas têm aparecido neste segundo turno... Ou melhor, algumas boas reações a coisas ruins: http://www1.folha.uol.com.br/poder/817993-jornalista-de-goias-denuncia-censura-em-tv-publica.shtml

sábado, outubro 16, 2010

A "busca da felicidade" nos torna infelizes?


At this year's meeting of the Society for Personality and Social Psychology, Tamir, along with Iris Mauss of the University of Denver, presented a paper entitled, "Come On, Get Happy: The Ironic Effects of the Pursuit of Happiness." The two did not specifically study introverts or extraverts. What they discovered is that, for all people, the pressure to be happy actually reduces happiness.

"We found that when we prime people to value happiness more, they become more unhappy and depressed," reports Mauss. "Our findings offer an intriguing explanation for the vexing paradox that even in the face of objectively positive life circumstances, nations generally do not become happier."

quinta-feira, outubro 14, 2010

Indômito

Não te rendas jamais


Procura acrescentar um côvado

à tua altura. Que o mundo está

à míngua de valores

e um homem de estatura justifica

a existência de um milhão de pigmeus

a navegar na rota previsível

entre a impostura e a mesquinhez

dos filisteus. Ergue-te desse oceano

que dócil se derrama sobre a areia

e busca as profundezas, o tumulto

do sangue a irromper na veia

contra os diques do cinismo

e os rochedos de torpezas

que as nações antepõem a seus rebeldes.

Não te rendas jamais, nunca te entregues,

foge das redes, expande teu destino.

E caso fiques tão só que nem mesmo um cão

venha te lamber a mão,

atira-te contra as escarpas

de tua angústia e explode

em grito, em raiva, em pranto.

Porque desse teu gesto

há de nascer o Espanto.

Eduardo Alves da Costa

terça-feira, outubro 12, 2010

Angústia eleitoral

Tenho acompanhado as reações à eleição no mundo virtual. Manifestações espontâneas no Facebook, caixas de comentários de blogs, um ou outro email de conhecidos. Vi o último debate também e não deixo de prestar atenção no que tem saído na imprensa (ao menos, aquela que eu leio). O resultado não tem sido dos mais animadores, no que diz respeito à possível fé que eu poderia ter nos candidatos. Talvez o problema seja que o foco em estudos acadêmicos e religiosos, aliado a um temperamento menos confrontador, tenha me deixado mais sensível a certas coisas, mas o fato é que a paixão facciosa tem me causado certo mal-estar. São emails de "denúncia" -- umas aparentemente fundamentadas, muitas fruto da imaginação e da malícia --, são desenhos e textos atribuindo todo tipo de desgraça à eventual vitória de um dos dois candidatos, pessoas faltando bater no peito (quando não em cara alheia) por conta de seu partido... Isso sem falar no caráter maniqueísta do discurso, segundo a qual um candidato representa o "bem" e o outro, o 'mal". Não gosto disso.

Nenhum dos candidatos, que eu saiba, tem realmente um programa pronto. Os dois têm alianças pouco recomendáveis, política ou criminalmente. Os dois estão associados a governos que tiveram sua cota de escândalos. Os dois têm falhas e virtudes. E os dois prometem muito, e prometem coisas que eu, mero mortal, não sei bem avaliar o quão factíveis serão. Os dois são irritantemente "montados" por marqueteiros dispostos a vender a alma a qualquer capricho mais promissor do eleitorado.

O Governo Lula não é o paraíso da justiça social e idoneidade que seus adeptos lhe atribuem. O de FHC também não foi o cenário de pesadelo que alguns pretendem, mas lançou as diretrizes do que o seu sucessor fez. Em compensação, na minha área, a Educação, foi o segundo quem mais estimulou o ensino superior, enquanto o primeiro, ao que me parece, cometeu sérios deslizes nesse campo -- ao mesmo tempo que mexia numa casa de marimbondos ao instituir mecanismos de testagem dos cursos, apesar de muita resistência inclusive da oposição que hoje é situação. Dá para tratá-los como entidades radicalmente distintas?

Isso para citar apenas um exemplo. Eu tento me manter informado do que se passa, tenho curso superior, considero-me uma pessoa relativamente culta -- e certamente muito mais que a média brasileira. Mas neste momento não me senti capaz de realmente fazer uma escolha conscienciosa e informada. Optar por qualquer um dos dois seria apenas privilegiar um aspecto qualquer sobre todos os demais (Educação? Energia? Conduta política? Simpatia diante das câmeras? Alternância de poder?) e fazer o que mais me parece uma aposta. Não consigo acreditar na propaganda de ambos, identifico uma série de falácias em seus argumentos, e me sinto tratado como uma criança ao assisti-los falando na TV. Por outro lado, também não os odeio, e também desconstruo facilmente as críticas que lhes fazem no aspecto do caráter pessoal, pois quem ataca não está na melhor situação para atirar a primeira pedra.

Devo estar numa fase cética da democracia tal como é praticada. Como se resolve isso, não sei.

Com lento amor

Com lento amor olhava os dispersos

Tons da tarde. A ela comprazia

Perder-se na complexa melodia

Ou na curiosa vida dos versos.

Não o rubro elemental mas os cinzentos

Fiaram seu destino delicado,

Feito a discriminar e exercitado

Na vacilação e nos matizes.

Sem se atrever a andar neste perplexo

Labirinto, olhava lá de fora

As formas, o tumulto e a carreira,

Como aquela outra dama do espelho.

Deuses que habitam para lá do rogo

Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.

Jorge Luis Borges

quinta-feira, outubro 07, 2010

Os maniqueus e o 2º turno

Tenho visto a profusão de análises políticas pós-3 de outubro em blogs, Orkut e Facebook. Acho ótimo ler a opinião alheia -- afinal, eu mesmo me senti estimulado a escrever a respeito. Porém, espanta-me o maniqueísmo de parte dos discursos. É bem verdade que minha experiência é bem parcial, já que por alguma razão quase só tenho visto partidários de Dilma falando do assunto. Seja como for, na Internet e fora dela, espanta-me a percepção que certas pessoas têm tido da eleição. Para citar um exemplo não virtual, um amigo, classe média da Zona Sul do Rio, vê no PT uma potencial ditadura; e, num blog abertamente petista, detecto nas entrelinhas uma visão dos oponentes como inimigos que realmente me incomoda. De certa forma, parece que a velha polarização esquerda x direita ainda é a referência de muitos -- o problema é quando se atribui a essas posições também um caráter moral.

Isso é uma visão política mesquinha. Compreensível? Sim, muito. Aceitável? Não mais, pois limita. O bem comum -- objeto por excelência da política -- não será plenamente alcançado com a demonização de adversários. E, que me conste, nenhum dos partidos em disputa no segundo turno tem em seus quadros e propostas algo que legitime metade dos adjetivos e paixões que têm sido usados contra eles.

Enfim, sigo observando.

Vida obscura




Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Cruz e Souza

terça-feira, outubro 05, 2010

"Vale Tudo", 22 anos depois.


Acabo de assistir ao primeiro capítulo de Vale Tudo, a clássica novela de Gilberto Braga, em reprise no canal Viva. Vejo novelas desde criança, quando via com minha mãe à noite, e rever essa, em particular, foi emocionante. Primeiro, porque a cada cena fui recordando personagens, nomes, referências... E ver os anos 80 com olhos de adulto... É como voltar para casa. Reconhecia os modelos de carros, os estilos de roupa e penteados, quase tudo. Rapidamente notei que a transição entre as cenas é muito mais brusca que hoje em dia, o ritmo narrativo é um pouco diferente, mas o texto de Braga tem uma imensidão de nuances que eu não entendia aos 9 anos de idade. O debate ético nos conflitos entre a protagonista Raquel (Regina Duarte) e sua filha Maria de Fátima (Glória Pires), as constantes referências à crise econômica da época (lembro bem dos constantes aumentos das mensalidades escolares, citada em uma cena, para citar um exemplo entre muitos), o desabafo do personagem de Sebastião Vasconcelos a respeito da corrupção e do sistema penitenciário, o desespero do executivo Ivan (Antonio Fagundes) ao se ver desempregado no primeiro dia de trabalho em função de uma compra não anunciada por sua nova empresa... Ainda deve levar um tempo para ver a famigerada Odete Roitman, a vilã de todas as vilãs, personagem que se tornou proverbial no Brasil. Aliás, ninguém faz uma ricaça esnobe como Beatriz Segall -- ou é assim, ao menos, que me lembro dela. De qualquer forma, mesmo sem ela, a novela tem um cenário muito rico, possibilitando uma verdadeira arqueologia televisiva -- e também autobiográfica, no meu caso.

A novela originalmente teve mais de 200 capítulos e o horário atual (0h45) não ajuda nada, mas vou tentar acompanhar. O Brasil ali mostrado é medonho, quase desesperador, mas tem algo de fascinante revivê-lo depois de tanto tempo. Numa cena, por exemplo, Maria de Fátima, após vender secretamente a casa onde vivia com a mãe em Foz do Iguaçu e fugir com o dinheiro para o Rio, discute com o gerente sobre aplicá-lo no velho overnight. A malícia inescrupulosa da personagem combina bem com as aplicações financeiras de um Brasil assombrado pela inflação da Era Sarney.

Fica a dica para os saudosistas e curiosos.

domingo, outubro 03, 2010

Eleição


Uma linda manhã cinzenta e chuvosa deu boas-vindas aos eleitores cariocas. Marchei com minha irmã até o local de votação -- uns 2km -- esperando ver o mesmo de outros anos: toda aquela gente familiar, ainda que só de vista, reunida em torno do mesmo objetivo. Lembro-me de que, nas eleições anteriores, era uma experiência algo comovente sentir-se momentaneamente ligado a uma multidão anônima que vejo cotidianamente nas ruas de meu bairro, nas lojas, nos ônibus. Gostava disso. Hoje, contudo, com a chuva, a ênfase foi o pessoal violando a lei que proíbe propaganda na última hora, a imundície de "santinhos" molhados cobrindo o chão pelo caminho e a conversa com minha irmã sobre possíveis maneiras de coibir o triste espetáculo da falta de civismo dos candidatos. Nenhuma daquelas que consideramos seria aprovada pelo STF -- um tribunal incapaz de decidir com firmeza sobre questões graves e no qual tecnicalidades prevalecem sobre princípios.

Nunca fiquei tão pouco interessado em uma eleição. A coisa mais emocionante na disputa presidencial foi ver um candidato socialista sem nada a perder ironizar a performance robótica de seus concorrentes nos chatíssimos debates televisivos. Ele questionava princípios e premissas, ao menos, coisa que deveria ser mais importante em política, embora não a única coisa -- o que socialistas, comunistas e quejandos, por sua vez, se recusam a compreender. Gostei de sua atuação como entertainer e respeito sua coragem aos 80 anos... mas votei na ambientalista. Enquanto um falava em guerra de classes e estatização em pleno século XXI, ela tocava num problema absurdamente igonorado: o de que nosso modelo de crescimento pode ser inviável e suicida. Enquanto os outros se prendem a promessas pontuais, ela propõe uma visão de conjunto. Sei que não vai ganhar, nem mesmo irá a um segundo turno, mas espero, com meu modesto voto, lembrar ao chefes partidários que esse tipo de questão vale votos.

No mais, é quase certo que o títere com laquê vença. É surpreendente como, de uma hora para outra, ele deu um grande salto nas pesquisas -- e como as mesmas pesquisas parecem induzir à conformidade uma parte do eleitorado. Vota-se em quem está à frente, como se eleição fosse uma casa de apostas. No entanto, vendo os programas eleitorais, eu me pergunto se alguém verdadeiramente acredita que aquele mundo perfeito de gente sorridente e obras contínuas é real. Não que não haja obras ocorrendo e projetos em andamentos, mas os jornais não cansam de mostrar, por outro lado, "inaugurações" de pedras fundamentais e obras inacabadas. Claro, sempre com o ativismo de um presidente que perdeu a vergonha de se valer do cargo para favorecer sua candidata. Os fins justificam os meios, não?

Cada vez mais, sobretudo nas campanhas nacionais, sinto que os candidatos subestimam minha inteligência. Todo os elementos da propaganda massificada -- slogans, atores contratados, linguagem de cinema, a "humanização" sentimentalista do candidato -- me soam estranhos, como se vindos de um planeta distante. Isso é o que chamam de campanha política? Nem me refiro propriamente às eternas promessas impossíveis ou não explicadas, mas à maneira como são apresentadas. Um cenário de sonho para falar de coisas que são muito pouco oníricas.

Particularmente, preferiria uma campanha tecnocrata, como as antigas propagandas de carro. Quem promete X, que explique em detalhes como vai cumprir: de onde vem o dinheiro, em que grau dependerá do Congresso, que projetos já existem etc. Sei que é uma utopia, o tipo de coisa que mataria a maioria do eleitorado de tédio, mas pouco me importa. Não tenho fetiche pela democracia de massas; não soubesse o quanto elites instruídas podem ser arrogantes, insensíveis e autocentradas, eu provavelmente seria um liberal à moda da primeira metade do século XIX, certo de que o sufrágio deveria nas mãos apenas daqueles preparados para exercê-lo. O problema incontornável é que é impossível selecionar quem estaria ou não apto; o corte por classe social, censitário, é tão ruim quanto qualquer outro. Talvez o por nível de instrução fosse menos ruim, mas o problema da democracia de massas é que, uma vez estabelecida, ela só retrocede por meios autoritários -- e o autoritarismo por si mesmo já deteriora a consciência política da população, fora os muitos outros problemas extras que traz. Lógico que o nível intelectual da população tende a subir com o tempo, e que a melhoria do sistema de ensino é essencial nisso. Mas é uma solução de longo prazo, e não se pode condenar alguém por fantasiar com soluções extremistas rápidas, não é?

Enfim, uma última palavra sobre a eleição para o Senado. Cá no Rio, os três candidatos favoritos são, respectivamente: um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, um conglomerado disfarçado de religião que lançou a versão religiosa da cobrança mafiosa por "proteção"; um ex-líder estudantil que, em plenos anos 90, tinha a cara de pau de ir à TV defender o regime stalinista albanês (!) e deixou dívidas na prefeitura que ocupou, segundo amiga minha que lá trabalha; e, finalmente, um ex-prefeito do Rio que deixou uma obra de mais de 500 milhões de reais incabada, um elefante branco horroroso na área que mais cresce da cidade, sem falar na omissão em tantas outras áreas. Existe ainda um quarto colocado, que por uma razão misteriosa não consegue sorrir em foto nenhuma e, nas cenas em que aparece falando, parece em permanente mal-humor. Desse nada tenho a falar, exceto que me parece tão vazio de conteúdo quando os pobres coitados que só têm 8 segundos para falar o nome e o número. Entre declarações de apoio de outros, nada vi a seu favor além de tentar levar os louros da vitória pela cassação de um notório deputado corrupto durante a gestão na presidência da ALERJ. Eu sempre pensei que investigar denúncias fosse obrigação do cargo, não mérito eleitoral.

Seja como for, no fim da noite teremos os resultados. Nenhuma grande mudança, exceto que nesta eleição finalmente o sistema absorveu minimamente a noção de que ficha policial deveria ser critério para aceitar ou não candidaturas. É bom ver um Roriz sair da campanha na décima-primeira hora, e saber que Maluf sofreu impugnação e o mesmo destino pode aguardar um Garotinho. É alguma coisa, mas ainda pouco. Torço para que seja o começo de uma maior racionalização desse festival de superficialidade circense que tem sido cada eleição.

A esperança é a última que morre, afinal.

P.S.: Tiririca foi eleito deputado com o previsível recorde de votos, e ao que parece rejeitaram a denúncia de que seria analfabeto. Com isso, ele, que é do partido da Igreja Universal do Reino de Deus e contratado da Rede Record (pretencente à IURD), deve ter levado mais uns 4 ou 5 deputados do seu partido ao Congresso. Realmente, esse é o retrato do Brasil -- saber ler para quê?

sábado, outubro 02, 2010

Indústria é acusada de criar doença para vender remédio

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0210201001.htm

Saiu no "British Medical Journal': laboratórios inventaram disfunção sexual feminina para lançar Viagra da mulher

Artigo em periódico científico diz que pesquisas em hospitais foram financiadas; empresas se defendem


GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Análise publicada na última edição do "British Medical Journal" acusa a indústria farmacêutica de ter financiado pesquisas para transformar falta de desejo feminino em doença. Objetivo: vender remédios.
O texto de Ray Moynihan, professor da Universidade de Newcastle, Austrália, e jornalista de saúde, diz que a Pfizer financiou cursos em hospitais dos EUA dizendo que 63% das mulheres têm alguma disfunção sexual - e que testosterona e sildenafila (componente do Viagra, medicamento produzido pelo laboratório) seriam úteis para tratar o problema.
No Brasil, em junho, a Boehringer apresentou o medicamento Flibanserina como promessa para a falta de desejo entre as mulheres. No mesmo mês, conselheiros da FDA (agência reguladora dos EUA) contestaram a eficácia do "Viagra feminino".
Para o psiquiatra Sérgio Campanella, do Hospital das Clínicas, congressos que apostem no sucesso definitivo dos remédios só contribuem para a desinformação.
"A libido não é resolvida a contento pelas substâncias químicas que a pessoa ingere, mas pela identificação dos fatores psíquicos que estão por trás dela."

OUTRO LADO
A Pfizer informou que "sempre se pauta em dados médicos para falar de doenças que afetam a população" e que já fez testes com Viagra para o tratamento de disfunções sexuais femininas, mas que os estudos da eficácia foram "inconclusivos".
Já a Boehringer disse que os medicamentos pesquisados e desenvolvidos por ela "são fundamentados em estudos clínicos precisos e de acordo com protocolos exigidos pelos órgãos reguladores nacionais e internacionais".