sábado, dezembro 31, 2005

Mais um "fim"

O ano está em seus estertores. Tão gentil ele foi — e queiram os céus não mudar isso nas derradeiras onze horas que ainda lhe restam —, que me recusei a deixá-lo partir sem algum tipo de registro. Nada de significativo ou inspirado, apenas uma homenagem simbólica, um marco para eu dizer a mim que me despedi. Mais tarde, em meio a fogos e champanhe, a euforia da passagem não permitiria fazê-lo adequadamente.

Eu disse que foi um ano gentil. Naturalmente, refiro-me ao plano puramente pessoal, pois no âmbito coletivo este foi um ano repleto de catástrofes e decepções. Não é necessário fazer nenhuma retrospectiva, já que todos podemos enumerar pelo menos uma dúzia delas, algumas mencionadas em posts aqui mesmo no Divagações. Destaco apenas que 2005 abalou minhas já vagas preferências eleitorais, no que certamente estou muito bem acompanhado. Fora isso, felizmente, não fui atingido nem por terremotos, furacões, erupções vulcânicas, guerras civis, atentados, escândalos, abusos de poder — essas coisas de todos os anos, que de tão repetidas já pouco nos comovem, à distância segura das câmeras de TV. Por outro lado, mergulhei no mundo da Academia, para descobrir, ou antes confirmar, que ela não é isso tudo que dizem, que do título ao saber consolidado vai certa distância e que, finalmente, nosso modelo educacional fabricante de especialistas pode não ser o mais enriquecedor de uma perspectiva humanista — embora a maioria dos seus usuários pareça pouco se importar com isso.

Se serviu para me confirmar a tese crítica, o ano também me proporcionou suas surpresas. Algumas amizades, recentes mas preciosas, praticamente me caíram ao colo — nunca mais se subestime o potencial socializador de um modem. Outras, de certo modo ressuscitaram e só posso ser grato por terem voltado a fazer parte do meu horizonte. Houve também, não nego, aquelas que por alguma razão parecem ter submergido na distância e no silêncio, mas mesmo estas poderão muito bem voltar a qualquer hora. As pessoas que nos atravessam o caminho são o maior patrimônio da vida, com suas lições, legados e exemplos; e se há uma coisa que este ano agonizante deixou como ensinamento é que elas não se perdem de todo. Mais cedo ou mais tarde, elas bem podem reaparecer e, surpresa, podem mostrar que o tempo não corroeu a velha estima.

Há mais, porém. Descobri na prática que não é tão difícil tentar fazer a diferença para alguém, mesmo não que não o conheça. Por toda parte há indivíduos e grupos que, nas correrias e obrigações do dia-a-dia comum a todos nós, encontra tempo para exercitar o altruísmo, e não falo apenas do círculo mais próximo, familiar, onde é mais comum a solidariedade. Eles não estão longe, basta saber onde procurá-los, e um pouco de boa-vontade é o único pré-requisito para unir-se a seus quadros. Não é preciso ser uma ONG, nem uma instituição formal, ou um departamento governamental; podem ser associações informais, centros espíritas, igrejas ou mesmo iniciativas particulares... Sejam o que forem, mais que um edificante exemplo moral, significam uma oportunidade de aplicar as energias sem o véu da indiferença auto-centrada em que o cotidiano pode nos afundar sem nos darmos conta. Embora eu mesmo tenha apenas tangenciado esse mundo novo de possibilidades, vi em 2005 é que ele está mais à mão do que a maioria de nós se dá ao trabalho de pensar. Basta querer.

De resto, é lugar-comum dizer que anos correm céleres, ainda mais se os contemplamos do ponto privilegiado de suas últimas horas. Uma percepção muito relativa, porém. Há coisas que hoje me parecem ter acontecido há séculos, e contudo estão longe apenas alguns meses. Outras, mais distantes, parecem se confundir com as memórias do mês passado. O recordar é uma das funções mais caprichosas da mente humana... Talvez amanhã, passada a fronteira psicológica do reveillon, eu já comece a esmaecer e abandonar memórias que hoje me parecem tão vívidas quanto se as tivesse vivido agora. Será assim todos os anos? Um tópico para reflexão, ou divagação, posterior.

Vejo que me alongo. Poderia ficar horas dando livre fluxo aos pensamentos que a data sugere, mas o tempo — esse tirano — não permite. Talvez as horas realmente se acelerem quando se pressente que rumam para algum tipo de fim, e o de 2005 logo virá. Então, concluo este post sem nostalgia, apenas ciente de que sou grato ao ano que se esgota. Quanto ao que vem, será o que fizermos dele.

Feliz Ano Novo!

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Em busca de um amor erudito

De http://www.timesonline.co.uk/printFriendly/0,,1-7-1937189-1461,00.html

Off the shelf
Nick Angel

Lonely-hearts ads in the London Review of Books have a cult following. So when the journal advertised its singles night, the author felt compelled to attend


It’s not your typical lonely-hearts ad. “I’ll see you at the singles night. I’ll be the one breathing heavily and stroking my thighs by the ‘art’ books. Asthmatic, varicosed F (93) seeks M to 30 with enough puff in him to push me uphill to the post office. This is not a euphemism.” But then, the London Review of Books, where this appeared, is not your usual place to find a lonely-hearts column.

In the seven years since it was introduced, it has become a cult phenomenon: there’s even an anthology in the pipeline. So when, a few issues back, there was an advert for a London Review of Books Personal Ads Singles Night, I had to go along.

The London Review of Books is beyond doubt the loftiest literary journal in Britain. While the rest of the world cheerfully dumbs down, the LRB adopts a stance of unabashed intellectualism. In the current issue we find Julian Barnes discoursing on Georges Braque, a critique of the work of the Polish poet Adam Zagajewski and an unfeasibly long and learned review of Plat du Jour, “an album of dance tracks on the theme of food”.

To be honest, it’s all a bit intimidating.

Which makes the personal ads, tucked away at the back, all the more incongruous. After so much high-minded prose it’s a bit like peeking under high table and seeing that the dean and dons are wearing suspenders. Instead of dreary, acronym-filled attempts to impress with physical perfection or accommodating personalities, the ads are a riot of exuberant wit, messy emotion, lacerating self-knowledge and thwarted lust. Some plump for self-pity: “Monocled, plaid-festooned gadabout, out of place in any relationship, or century. Please help me . . . ”, writes a man who is “possibly your embarrassing uncle, 51”. Some choose whimsy: “Unemployable choreographer and amateur harpist (M, 62) seeks recovering alcoholic with feeble mind. Own tap shoes an advantage.”

Others shamelessly tickle academic fancies: “Beneath this hostile museum curator’s exterior,” one lady writes, “lurks a hostile museum curator’s interior . . . ”

What makes the column such a joy is that it conjures up a vivid sense of the paper’s readership ­ or at least that part of it looking for love. Facial hair is a recurring theme (“must enjoy beards and harbour contempt for any music that isn’t Belgian jazz,” reads one, while another concludes, simply: “Man, 45, beard.”) As are mothers. Indeed, mothers are everywhere, alternately as disturbing oedipal figures or infuriating nuisances. “I want mummy,” declares one 37-year-old “with far too many issues to go into detail about in this column.” “It’s not that I don’t like living with my mother,” writes a 42-year-old, “but it would be nice to meet a woman who doesn’t think that subtext is what you get when you press 888 on the TV remote control.”

From time to time we get tantalising glimpses of how previous dates have gone. “Despite listing 34 French erotic novels as your favourite reads, I liked you,” writes F, 35. “Then you went and ruined everything by spending an hour ordering continental ales in the voice of Yoda.”

Possibly the same woman (“once bitten, twice bitten, three strikes and you’re all out”) reports back from another evening: “Drawing little faces on your thumbs, getting them to order meals, then shouting at them for not being able to pay is no way to win a woman. You know who you are.”

Small wonder that she is “seriously considering going gay unless the standard of replies from this column improves”. Elsewhere an exasperated lady admonishes male LRB readers that “Greetings, Earthling ­ I have come to infest your puny body with legions of my spawn” is unlikely to win her heart. “Don’t send me any poems,” writes another, glumly. “Fed up of [sic] getting poems.”

All of which made the prospect of the LRB Personal Ads Singles Night a mind-boggling and frankly unmissable prospect ­ whether you’re single or not. I forked out £8 for a ticket (an absolute bargain, as it turned out), donned a brown corduroy suit gathering dust at the back of my wardrobe and made my way to the LRB bookshop in Bloomsbury.

There are many advantages to holding a singles night in the company of books, not least that if there’s a lull in the conversation, or you’re too shy to make approaches, then there’s no shame in browsing the shelves. But books are also an erotic shortcut, and can create instant bonds. As one ad put it, “We brushed hands in the British Library, then again in the London Review Bookshop, reaching for Musil . . . ”

Indeed, the instant affinity provided by literature is perhaps the secret of the column’s matchmaking success: there have been at least two weddings through its pages ­ although one, unfortunately, has already ended in divorce.

I arrived on the dot of seven ­ the event lasted only two hours ­ and was presented with a glass of fizzy wine at the door. Somewhere in the distance a beautiful Chinese lady was making marvellous, mystical noises on an instrument called a zheng. Delicious oriental nibbles were being ferried around on large trays. But at this early hour the place was empty save for a couple of middle-aged men engaged in purposeful browsing and a woman who looked strangely like Camilla Parker Bowles. So I made my way into the basement and hovered by the Poetry section.

Over by the Classical Studies shelves I overheard an Oxford librarian expressing astonishment that a rival university’s library did not automatically stock all the books on course reading lists. By the Psychology section there was a lady I later decided must have been the “nice, slim, dark-haired damaged Laingian seeking fun with sincere man 58+”.

We struck up a conversation. “I suppose that’s what you do at these things ­ go up and talk to people,” she said with a nervous laugh. Recently abandoned by an “eminent academic” who had run off with a younger colleague, she’d placed a couple of ads in the LRB, so far with no promising results, and had decided to try her luck here. We ventured upstairs, which was starting to fill out. “Anyone take your fancy? ” I asked. She picked out a Professor Brainstorm type in a red jumper. We approached him, and he eyed me suspiciously when I made the introduction: “Are you paid to do this?” A few moments’ agonising small talk ensued, during which time Professor Brainstorm rocked from foot to foot with his eyes darting round the room, before he scampered off. “Oh dear, that didn’t go very well,” said my new friend. We agreed to split. I was clearly cramping her style.

Part of the fun of the evening was trying to guess who was who from the ads. Others seemed to be playing the game too: one woman was even clutching a copy of the current issue with various entries circled. I suspected a man wearing Elvis Presley glasses of being the “deracinated Yank, ex-academic” after “paint, polyphony, alliteration, and auto-eroticism” (he denied it); a wild-haired foppish fellow could well have been the “ ex-superhero, now librarian (M, 31)” seeking “solvent woman to 35 for Scrabble, real ale and spontaneous morphing” ­ although he would not reveal his secret. I am almost certain that I located the “computer geek and amateur bio-mechanic (M, 32)” looking for a woman “with knowledge of advanced humanoid circuit systems”, and if I am correct then his dating techniques were as disastrous as his advert suggested they would be. “What part of ‘no’ don’t you understand?” I heard an artist from Finsbury Park plead. The varicose-veined 93-year-old eluded me.

While the overwhelming number of people I chatted to had some sort of literary or academic connection, I also spoke to a hedge fund manager, a lawyer and a management consultant. Some were coy about their reasons for attending the evening ­ professing to be accompanying a friend.

Others were brazen. “I’m here for a shag, of course!” guffawed a middle-aged psychotherapist who had divorced her husband the previous week. In case I didn’t get the message she slipped a card with her telephone number and e-mail address in my coat pocket. Some people’s nerves were clearly on edge. One elderly man recoiled when I attempted to engage him in innocent conversation, his eyebrows darting up in affronted horror as though I were a gigolo making inappropriate advances. And near the end of the evening a desperate woman tugged at her friend’s sleeve: “I’ve had enough, I just want to go!”

My Laingian friend departed empty-handed. But in a nearby pub afterwards I discovered a literary editor in a clinch with a Balkanologist she had met at the party. It’s too early to say whether the evening will result in further marriages ­ or for that matter precipitate any divorces. Either way, I eagerly await the next issue of the LRB, when, I am sure, all will be revealed.

NICHE PUBLICATION: MATCHING LIKE WITH LIKE

From Country Singles, a US midwest newspaper for single rural adults:

“Youthful, attractive, intelligent, 50-year-old male seeks sexy, passionate lady for romance, adventure, long-term relationship. I love cooking, baking, fishing, light rock music, walks, bird watching, crafts. Let’s find out if we are a match. Please write, Roger.”

From the Mensa Bulletin, the national magazine for members of American Mensa:

Assured in the knowledge that their ads reach only those who reach the top 2 per cent in IQ tests, members don’t mess about with flowery language, but get straight to the point.

“Male Mensan, PhD, seeks female Mensan, to start family.”

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Conservando livros

1 – Tente pensar no papel como um ser vivo: ele respira! Estantes fechadas devem ser abertas uma vez por dia.


2 – Nunca guarde documentos e negativos de fotos em saco plástico. Álbuns com películas auto-adesivas costumam deteriorar as fotografias.


3 – O sanduíche de vidro para pôsteres, fotografias e obras de arte é um crime: o papel não pode ficar “sufocado”.


4 – Cola branca, durex, fita crepe, contact, barbante e plástico são grandes vilões. Se precisar amarrar um livro despencado, use cadarço de algodão.


5 – Luz natural e artificial (a fluorescente é a pior) prejudicam o papel. Como nos seres humanos, causam envelhecimento precoce. Portanto, bibliotecas com janelões e uma bela vista são condenadas.


6 – Nunca use pano úmido para limpar livros nem espanador para limpar bibliotecas, preferindo o aspirador de pó com filtro.


7 – Nunca abra um livro que molhou, evitando que o líquido escorra para as partes secas. E na seque com calor intenso (sol, secador de cabelo), pois a secagem rápida esturrica o papel.


8 – Por fim: itens de segunda mão devem ser bem limpos (com uma flanela seca na capa e um pincel de cerdas macias nas partes internas, para retirar resíduos) antes de ir para a estante, pois se tiverem fungo vão contaminar os vizinhos de prateleira.


De Tânia Neves, com base em dicas da técnica da Biblioteca Nacional Maria Aparecida de Vries Mársico. Publicado em O Globo de 18/9/2005.

terça-feira, dezembro 20, 2005

somewhere i have never travelled... (LVII)

e.e. cummings

somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience, your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully, misteriously) her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the colour of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Colin Wilson: otimismo e transcendência

Uma erudição tremenda, uma verve invejável e uma visão ampla dos potenciais humanos. Os admiráveis talentos de Colin Wilson infelizmente ainda são pouco conhecidos no Brasil. Fica aqui um pequeno tributo ao filho de operários autodidata que se tornou um dos grandes pensadores ingleses do século XX.


The New York Times
August 17, 2005
Philosopher of Optimism Endures Negative Deluge
By BRAD SPURGEON

GORRAN HAVEN, Britain - Any intellectual who divides opinion as much as Colin Wilson has for almost 50 years must be onto something, even if it is only whether humans should be pessimistic or optimistic.

Mr. Wilson, who turned 74 in June and whose autobiography, "Dreaming to Some Purpose," recently appeared in paperback from Arrow, describes in the first chapter how he made his own choice. The son of working-class parents from Leicester - his father was in the boot and shoe trade - he was forced to quit school and go to work at 16, even though his ambition was to become "Einstein's successor." After a stint in a wool factory, he found a job as a laboratory assistant, but he was still in despair and decided to kill himself.

On the verge of swallowing hydrocyanic acid, he had an insight: there were two Colin Wilsons, one an idiotic, self-pitying teenager and the other a thinking man, his real self.

The idiot, he realized, would kill them both.

"In that moment," he wrote, "I glimpsed the marvelous, immense richness of reality, extending to distant horizons."

Achieving such moments of optimistic insight has been his goal and subject matter ever since, through more than 100 books, from his first success, "The Outsider," published in 1956, when he was declared a major existentialist thinker at 24, to the autobiography.

In an interview last month at his home of nearly 50 years on the Cornish coast, Mr. Wilson was as optimistic as ever, even though his autobiography and his life's work have come under strong attack in some quarters.

"What I wanted to do was to try to create a philosophy upon a completely new foundation," he said, sitting in his living room along with a parrot, two dogs and part of his collection of 30,000 books and as many records. "Whereas in the past optimism had been regarded as rather shallow - because 'oh well, it's just your temperament, you happen to be just a cheerful sort of person' - what I wanted to do was to establish that in fact it is the pessimists who are allowing all kinds of errors to creep into their work."

He includes in that category writers like Hemingway and philosophers like Sartre. In books on sex, crime, psychology and the occult, and in more than a dozen novels, Mr. Wilson has explored how pessimism can rob ordinary people of their powers.

"If you asked me what is the basis of all my work," he said, "it's the feeling there's something basically wrong with human beings. Human beings are like grandfather clocks driven by watch springs. Our powers appear to be taken away from us by something."

The critics, particularly in Britain, have alternately called him a genius and a fool. His autobiography, published in hardcover last year, has received mixed reviews. Though lauded by some, the attacks on it and Mr. Wilson have been as virulent as those he provoked in the 1950's after he became a popular culture name with the publication of "The Outsider."

That book dealt with alienation in thinkers, artists and men of action like T. E. Lawrence, van Gogh, Camus and Nietzsche, and caught the mood of the age. Critics, including Cyril Connolly and Philip Toynbee, hailed Mr. Wilson as a British version of the French existentialists.

His fans ranged from Muammar el-Qaddafi to Groucho Marx, who asked his British publisher to send a copy of his own autobiography to three people in Britain: Winston Churchill, Somerset Maugham and Colin Wilson.

"The Outsider" was translated into dozens of languages and sold millions of copies. It has never been out of print.

The Times of London called Mr. Wilson and John Osborne - another young working-class man, whose play "Look Back in Anger" opened about the same time "The Outsider" was published - "angry young men." That name was passed on to others of their generation, including Kingsley Amis, Alan Sillitoe and even Doris Lessing.

But fame brought its own problems for Wilson. His sometimes tumultuous early personal life became fodder for gossip columnists. He was still married to his first wife while living with his future second wife, Joy. His publisher, Victor Gollancz, urged him to leave the spotlight, and he and Joy moved to Cornwall.

But the publicity had done its damage. His second book, "Religion and the Rebel," was panned and his career looked dead.

Mr. Wilson said the episode had actually saved him as a writer, however. "Too much success gets you resting on your laurels and creates a kind of quicksand that you can't get out of," he said. "So I was relieved to get out of London."

He said his books were probably heading for condemnation in Britain anyway. "I'm basically a writer of ideas, and the English aren't interested in ideas," he said. "The English, I'm afraid, are totally brainless. If you're a writer of ideas like Sartre or Foucault or Derrida, then the general French public know your name, whereas here in England, their equivalent in the world of philosophy wouldn't be known."

He never lost belief in the importance of his work in trying to find out how to harness human beings' full powers and wipe out gloom.

"Sartre's 'man is a useless passion,' and Camus's feeling that life is absurd, and so on, basically meant that philosophy itself had turned really pretty dark," he said. "I could see that there was a basic fallacy in Sartre and Camus and all of these existentialists, Heidegger and so on. The basic fallacy lay in their failure to understand the actual foundation of the problem."

That foundation, he said, is that human perception is intentional; the pessimists themselves paint their world black.

Mr. Wilson has spent much of his life researching how to achieve those moments of well-being that bring insight, what the American psychologist Abraham Maslow called "peak experiences."

Those moments can come only through effort, concentration or focus, and refusing to lose one's vital energies through pessimism.

"What it means basically is that you're able to focus until you suddenly experience that sense that everything is good," Mr. Wilson said. "We go around leaking energy in the same way that someone who has slashed their wrists would go around leaking blood.

"Once you can actually get over that and recognize that this is not necessary, suddenly you begin to see the possibility of achieving a state of mind, a kind of steady focus, which means that you see things as extremely good." If harnessed by everyone, this could lead to the next step in human evolution, a kind of Superman.

"The problem with human beings so far is that they are met with so many setbacks that they are quite easily defeatable, particularly in the modern age when they've got too separated from their roots," he said.

Over the last year, he has been forced to test his own powers in this area. "When I was pretty sure that the autobiography was going to be a great success, and when it, on the contrary, got viciously attacked," Mr. Wilson said, "well, I know I'm not wrong. Obviously the times are out of joint."

Though "Dreaming to Some Purpose" was warmly received in The Independent on Sunday and The Spectator and was praised by the novelist Philip Pullman, the autobiography - and Mr. Wilson - received a barrage of negative profiles and reviews in The Sunday Times and The Observer. These made fun of the book's more eccentric parts, like his avowed fetish for women's panties.

As a measure of the passions that Mr. Wilson provokes, Robert Meadley, an essayist, wrote "The Odyssey of a Dogged Optimist" (Savoy, 2004), a 188-page book defending him.

"If you think a man's a fool and his books are a waste of time, how long does it take to say so?" Mr. Meadley wrote, questioning the space the newspapers gave to the attacks.

Part of Mr. Meadley's conclusion is that the British intellectual establishment still felt threatened by Mr. Wilson, a self-educated outsider from the working class.

"One of my main problems as far as the public is concerned is that I've always been interested in too many things," Mr. Wilson said, "and if they can't typecast you as a writer on this or that, then I'm afraid you tend not to be understood at all."

terça-feira, dezembro 06, 2005

Um exótico vilão

Ataques noturnos e inesperados. Olhos chamejantes. Um elmo. Uma extrema agilidade e saltos sobre-humanos. E, acima de tudo, aparições que espalharam o terror pela Inglaterra ao longo de quase 70 anos.

Quando se pensa em horrores vitorianos, a lembrança quase imediata da maioria das pessoas é o Estripador. Mas é um seu xará que se tornou um dos mais desconcertantes enigmas vitorianos: Spring Heeled Jack, ou Jack dos Saltos de Mola.


Maiores informações em http://en.wikipedia.org/wiki/Spring_Heeled_Jack.

sábado, novembro 26, 2005

Adeus a um mestre

Com ele, tive uma das primeiras noções, lá para os anos 80, do que seria lutar com honra, e de que a força, por si só, pode nada mais ser que fraqueza. Que um guerreiro habilidoso depende menos dos músculos que da paciência, da percepção acurada, da experiência, sobretudo da perseverança. Para toda uma geração de jovens ávidos de emoções, extasiados com os novos e agressivos heróis de Hollywood -- Rambo, Exterminador, e até Jason Voorhess e Freddy Krueger --, ele era um contraponto: pequeno, idoso, aparentemente frágil. Mas compensava bem isso encarnando o arquétipo da sabedoria, do homem que adquiriu o domínio de si e, por isso, podia fazer o mesmo com os outros -- e deixava de fazê-lo por sua livre escolha.

Quem nunca se identificou com o afobado Daniel-san? Quem prestava atenção em qualquer outro detalhe em tela quando o Sr. Miyagi entrava em cena? Sim, era só um filme, talvez nem dos melhores. Mas "Karate Kid" foi, para muitos de nós que vivemos os anos 80, uma fonte de inspiração , uma espécie de mito, e como tal um repositório de lições. Talvez para alguns hoje elas possam parecer óbvias -- mas, para mim, que as vi ainda criança, ver essa fábula do triunfo do fraco sobre o forte, ao som da inesquecível flauta oriental, conhecê-las foi uma parte da minha educação moral, envolta nas mais doces lembranças.

Agora, o mestre se foi. Que fique em paz.

Música do dia, em homenagem: A Thrust of the Hand - Spirit of Japan (E. Honda).


25/11/2005 18:19:11

Morre Pat Morita, o senhor Miyagi de ‘Karatê Kid’

LOS ANGELES (Reuters), 25 de novembro - Pat Morita, o ator nipo-americano que ganhou fama no papel do sábio sr. Miyagi nos filmes da série "Karatê Kid" e no programa de TV "Happy Days", morreu em Las Vegas, aos 73 anos.

O serviço funerário de Las Vegas disse que Morita morreu de causas naturais, na quinta-feira.

O ator, que nasceu na Califórnia e foi internado em um campo de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, ganhou uma indicação ao Oscar por sua perfeita caracterização do mestre de caratê em "Karate Kid", de 1984.

Morita interpretou o sábio faz-tudo sr. Miyagi, que fez amizade com um garoto recém-chegado na cidade, interpretado por Ralph Macchio, e o ajudou a enfrentar valentões ao ensiná-lo a filosofia oriental e as artes marciais.

O filme foi um sucesso de bilheteria e rendeu a Morita a honra de tornar-se o primeiro ator descendente de asiáticos a ser indicado ao Oscar. Ele perdeu naquele ano para Haing S. Ngor, de "Os Gritos do Silêncio".

Morita participou de três edições de "Karate Kid", o último dos quais "Karate Kid 4 -- A Nova Aventura", de 1994, que representou a primeira grande oportunidade no cinema para a atriz Hilary Swank, hoje vencedora de dois Oscars.

O espirituoso Morita trabalhava como programador de computadores, mas perto dos 30 anos entrou no mundo do entretenimento como comediante.

Sua primeira chance veio no início dos anos 1960, quando foi apresentado a Sally Marr, mãe do comediante Lenny Bruce, que começou a gerenciar sua carreira e a fazer turnês com ele ao redor dos EUA. Durante aquela década, ele apareceu em shows de TV como "Laugh-In" e "The Smothers Brothers Comedy Hour".

Em uma entrevista à Reuters, em 1994, para promover "Karate Kid 4", Morita disse ter vivido uma vida feliz.

"Eu aprendi o que é engraçado, e a palavra-chave de engraçado é graça", ele disse.

Depois de anos fazendo papéis secundários e aparições especiais na TV, Morita ganhou fama e um papel importante ao interpretar Arnold, dono de um restaurante no sucesso dos anos 1970 "Happy Days."

Por algum tempo, estrelou uma série de TV, no papel do detetive Ohara, e apareceu em muitos filmes, como "Linha de Fogo" e "Lua-de-Mel a Três". Morita ainda emprestou sua voz ao personagem do imperador na animação da Disney "Mulan", de 1998.

Ele recebeu uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, em 1994.

Morita deixa Evelyn, sua mulher há 12 anos, e três filhas do seu casamento anterior.

sexta-feira, novembro 25, 2005

A última testemunha de um Natal estranho

A Trégua de Natal foi um dos episódios mais marcantes da I Guerra Mundial, e que soa aberrante e comovente ao mesmo tempo comovente em uma era já acostumada ao conceito de guerra total e destruição em massa. Não tenho nada a acrescentar ao que o Rafael Galvão já disse a respeito, mas, como ele não reproduz a notícia que inspirou o post, transcrevo-a antes que ela desapareça no oceano virtual.


Capelão e oficiais franceses na I Guerra Mundial.

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Last allied witness of WWI Christmas truce dies

By Peter Graff Mon Nov 21,11:59 AM ET

LONDON (Reuters) - The last known surviving allied veteran of the Christmas Truce that saw German and British soldiers shake hands between the trenches in World War One died Monday at 109, his parish priest said.

Alfred Anderson was the oldest man in Scotland and the last known surviving Scottish veteran of the war.

"I remember the silence, the eerie sound of silence," he was quoted as saying in the Observer newspaper last year, describing the day-long Christmas Truce of 1914, which began spontaneously when German soldiers sang carols in the trenches, and British soldiers responded in English.

"All I'd heard for two months in the trenches was the hissing, cracking and whining of bullets in flight, machinegun fire and distant German voices. But there was a dead silence that morning across the land as far as you could see.

"We shouted 'Merry Christmas' even though nobody felt merry. The silence ended early in the afternoon and the killing started again."

Troops in the trenches swapped cigarettes, uniform buttons and addresses and even played football in one of the most extraordinary episodes of the war.

Parish priest Neil Gardner of Anderson's Alyth Parish Church in Scotland said he had died in his sleep and was survived by a large family, including 18 great grandchildren and two great great grandchildren.

"He was a wonderful old man: he was gracious, gentle, he had a great sense of humor and a fine sense of wisdom from his experience spanning three centuries," said Gardner, who also served as chaplain to Anderson's regiment, the Black Watch.

Anderson also served briefly as a member of the household staff of Queen Elizabeth's uncle, Fergus Bowes-Lyon.

With Anderson's death, fewer than 10 British veterans of the war remain alive, of whom only three or four were veterans of trench warfare on the Western Front.

Attention has turned to the last survivors in recent weeks, with filmmakers bringing out documentaries in time for this month's Armistice Day holiday, marking the day the guns fell silent on November 11, 1918.

domingo, novembro 20, 2005

Nuremberg, 60 anos

Há crimes para os quais toda justiça parece insuficiente. Ainda assim, é preciso encontrar uma forma de aplicá-la, senão por alguma compensação cósmica, ao menos como uma gesto em honra dos que foram vitimados e também como sinal para os pósteros de que a geração que os viu serem cometidos ainda tem senso de humanidade. Embora pessoalmente seja contra a pena capital, nem por isso Nuremberg deixa de ser um marco respeitável na história da civilização -- quando se fez patente que existem crimes diante dos quais nenhum poder ou razão de Estado podem ser aceitos como justificativa.

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O GLOBO
Rio, 20 de novembro de 2005



O julgamento que inspirou as cortes internacionais

Renato Galeno

Julius Streicher, editor do jornal anti-semita “Der Stürmer” e amigo pessoal de Hitler, comandava uma multidão agitada. Gritando, dizia a todos que o propósito da reunião, a destruição da sinagoga da cidade alemã de Nuremberg, era justo:

— Queremos assegurar que o sangue e a alma alemães permaneçam puros porque, se os judeus tomarem o poder na Alemanha, a nação estará condenada para sempre — bradou ele, em agosto de 1938. — A vocês, trabalhadores de Nuremberg, que um dia foram escravos dos judeus e que hoje ajudam na construção do novo Reich de Hitler, eu lhes dou agora uma ordem histórica: comecem!

Sete anos e mais de 50 milhões de mortes depois — cerca de seis milhões judeus mortos em campos de extermínio —, Streicher, ao lado de outras 20 autoridades do Terceiro Reich, estava sentado no banco dos réus no Palácio da Justiça da mesma cidade. Há exatamente 60 anos, em 20 de novembro de 1945, começava o Tribunal Militar Internacional, que entrou para a História como Tribunal de Nuremberg, cidade onde era realizado os encontros anuais do Partido Nazista. Nos 11 meses seguintes, os horrores nazistas foram apresentados a um planeta aturdido.

O mundo viu as imagens de campos de extermínio como Auschwitz e detalhes macabros do nazismo. A mulher do comandante do campo de Buechenwald, por exemplo, apreciava ter abajures com pele humana tatuada. O comandante Koch usava a cabeça decepada de um polonês como peso de papel. Rudolf Hoess, comandante de Auschwitz, disse não se sentir um sádico por nunca “ter pessoalmente batido num preso”, apesar de ter supervisionado um número, calculado por ele mesmo, de 2,5 milhões de assassinatos nas câmeras de gás.

Mais do que isso, porém, a corte representou um marco no direito internacional, por ter codificado o conceito de crime contra a Humanidade.

Hermann Goering criticou “tribunal dos vencedores”

Na verdade, o preâmbulo da Convenção de Haia de 1907 para leis de conflitos armados mencionou pela primeira vez o termo “leis da Humanidade”, mas sem defini-las. Uma comissão de 1919, criada pelo Tratado de Versalhes, considerou que autoridades turcas teriam cometido “crimes contra as leis da Humanidade” contra armênios, mas também não definia o crime.

O termo foi incluído no Tribunal de Nuremberg devido a esforços de pessoas como o jurista inglês Hersch Lauterpacht. Segundo a professora de direito internacional Monica Paraguassú, a corte foi um marco que não se limita ao direito.

— Sua importância se estende às relações internacionais e, mais ainda, à Humanidade enquanto uma representação da tomada de consciência pública sobre a perseguição e o extermínio, sistematizados, de um grupo religioso, uma nação, uma etnia. Nesse sentido, foi cristalizada, como moral e ética internacionais, a punição da perseguição para o extermínio de uma particularidade da Humanidade. Isto é, de um grupo portador de tradição, cultura, costumes como sendo, na verdade, a eliminação da própria Humanidade — disse Paraguassú, doutora em direito comparado pela Sorbonne.

O tribunal foi o modo encontrado pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial — EUA, URSS e Reino Unido, com a participação também da França — para punir os líderes nazistas. Hermann Goering, o mais alto funcionário nazista presente ao tribunal (Adolf Hitler, Heinrich Himmler e Joseph Goebbels tinham se matado antes de ser capturados e Martin Bormann — que também já estava morto — estava desaparecido), ironizou o tribunal dizendo que “os vencedores serão sempre o juiz e os derrotados, os réus.” A corte enfrentou muitas resistências e críticas à sua legitimidade.

Os réus eram acusados de conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. No caso dos crimes contra a paz, eram acusados por agressão, como no caso da invasão da Polônia. Mas não foi mencionado que a URSS tinha um tratado com a Alemanha para a divisão do país. Os bombardeios alemães contra Londres e Varsóvia também não foram citados, pois os bombardeios aliados de Dresden e Tóquio seriam lembrados.

Quanto aos crimes contra a Humanidade, os acusados estavam sendo responsabilizados por um crime que ainda não fora tipificado quando as ações foram cometidas. Os juízes, porém, ressaltaram que os crimes praticados pelos nazistas não tinham sido ainda registrados.

Exemplo para TPI e cortes de Ruanda e ex-Iugoslávia

No entanto, as questões de legitimidade levantadas pela defesa não alteraram grandemente o futuro dos acusados. Até porque a alternativa era pior, e por pouco não ocorreu: o simples fuzilamento dos réus, em números que variavam entre 50 (proposta do britânico Churchill) a 50 mil, como sugeriu Stalin na Conferência de Teerã (1943). No fim, com a morte do presidente Roosevelt (que defendia os fuzilamentos) em abril de 1945 e a discordância de seu sucessor, Harry Truman, além da mudança de idéia de Stalin (talvez para fazer propaganda), foi acertada a criação de um tribunal.

A importância de Nuremberg para os direitos humanos se mantém até hoje. Ele foi o marco que tornou possíveis as atuais cortes internacionais.

— Os tribunais posteriores (de ex-Iugoslávia, Ruanda e Penal Internacional) têm em Nuremberg a referência de uma linguagem comum de universalização dos direitos do homem e da sua proteção no campo supranacional que vêm sendo desenvolvidas. Nos campos moral e ético atua como referência da consciência mundial no campo político, no sentido da capacidade de articulação internacional em torno de valores comuns — disse Paraguassú.

Onze réus foram condenados à morte por enforcamento (entre eles Goering, Alfred Jodl, Joachin von Ribbentrop e Hans Frank), três, à prisão perpétua (como o líder do Partido Nazista Rudolf Hess), dois a 20 anos de prisão, um a 15 e outro a dez anos. Três réus foram inocentados.

Julius Streicher foi enforcado, ao lado de outros nove réus, em 16 de outubro de 1946. Frank, governador-geral da Polônia ocupada, sorria no momento de ser enforcado. Duas horas antes de ser enforcado, Goering matou-se por envenenamento.

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segunda-feira, novembro 14, 2005

Depois da Teoria

"Estruturalismo, marxismo, pós-estruturalismo já não são mais os assuntos sexy de antes. Em vez disso, o que é sexy é o sexo. Nas bases mais entusiasmadas da academia, um interesse pela filosofia francesa deu lugar a uma fascinação pelo french kiss. Em alguns círculos culturais, a política da masturbação exerce fascínio muito maior do que a política do Oriente Médio. O socialismo perdeu lugar para o sadomasoquismo. Entre estudantes da cultura, o corpo é um tópico imensamente chique, na moda, mas é, em geral, o corpo erótico, não o esfomeado. Há um profundo interesse por corpos acasalados, mas não pelos corpos trabalhadores. Estudantes de classe média e de fala mansa amontoam-se diligentemente nas bibliotecas para trabalhar com temas sensacionalistas como vampirismo e arranca-olho, seres biônicos e filmes pornôs.

Nada poderia ser mais compreensível. Trabalhar com a literatura sobre produtos eróticos de látex ou com as implicações políticas do piercing no umbigo é tomar literalmente o sábio e velho adágio segundo o qual estudar tem que ser divertido. É parecido com escrever sua dissertação de mestrado comparando diversos sabores dos uísques maltados ou sobre a fenomenologia de um dia passado na cama. Isso cria uma continuidade harmônica entre o intelecto e a vida cotidiana. Há vantagens em ser capaz de escrever uma tese de doutorado sem sair da frente da TV. Nos velhos tempos, o rock era uma distração que afastava você dos estudos; agora bem pode ser o que você esteja estudando. Questões intelectuais já não são mais um assunto tratado em torres de marfim, mas fazem parte do mundo da mídia e dos shopping centers, dos quartos de dormir e dos motéis. Como tal, elas retornam ao domínio da vida cotidiana — mas só sob a condição de correrem o risco de perder a habilidade de criticar essa mesma vida. Hoje os antiquados que trabalham com alusões clássicas encontradas em Milton olham atravessado para os Jovens Turcos profundamente mergulhados em incesto e cyberfeminismo. As brilhantes coisinhas jovens que compõem ensaios sobre o fetichismo dos pés ou sobre a história da braguilha olham com suspeita os velhos e esquálidos acadêmicos que ousam sustentar que Jane Austen é melhor que Jeffrey Archer. Enquanto, nos velhos tempos, você poderia ser expulso pelos colegas da roda de bebida se não conseguisse detectar uma metonímia em Robert Herrick, hoje pode ser visto como um indescritível nerd se, para começar, tiver ouvido falar de metonímias ou de Herrick.”

“Outro ganho histórico da teoria cultural foi estabelecer que a cultura popular também merece ser estudada. Com algumas honrosas exceções, o pensamento acadêmico tradicional ignorou, durante séculos, a vida diária das pessoas comuns. Na verdade, ignorava mesmo era a própria vida, não apenas a diária. Não faz muito tempo, em algumas universidades tradicionalistas, ainda não era permitido pesquisar sobre autores que estivessem vivos. Isso resultava num grande incentivo para enfiar uma faca entre as costelas de alguém numa noite de neblina, ou num notável teste de paciência se seu romancista predileto tivesse uma saúde de ferro e apenas 34 anos de idade. Você certamente não poderia pesquisar qualquer coisa que visse à sua volta todos os dias, pois, por definição, isso não merecia ser estudado. Nas humanidades, a maior parte das coisas consideradas objetos de estudo adequados não era visível como são cortadores de unha ou Jack Nicholson, mas invisível, como Stendhal, o conceito de soberania ou a sinuosa elegância da noção leibniziana de mônada. Hoje reconhece-se em geral que a vida diária é quase tão intricada, incompreensível, obscura e ocasionalmente tediosa quanto Wagner, sendo, assim, eminentemente merecedora de ser investigada. Nos velhos tempos, o teste do que valia a pena estudar era, com freqüência, o quão fútil, monótono e esotérico fosse o tema. Em alguns círculos atuais, o teste é a medida em que se trata de algo que você e seus amigos fazem à noite. Houve um tempo em que os estudantes escreviam ensaios acríticos, reverentes, sobre Flaubert, mas tudo isso está mudado. Hoje escrevem ensaios acríticos, reverentes, sobre Friends.”

Esses são trechos de Terry Eagleton, professor de Teoria Cultural da Universidade de Manchester, no primeiro capítulo de Depois da Teoria: Um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo. Por sinal, um livro delicioso e muito informativo nestes tempos em que se escrevem, para ficar apenas na área que me é mais familiar, histórias sociais das nádegas, dos seios, das lágrimas, do pênis, do ménage à trois etc., etc., etc., ou em que estudantes fazem objeções ao estudo da Ilíada por se tratar de uma obra criada por e para homens brancos "ocidentais". Tempos interessantes estes, que requerem, sem dúvida, leituras interessantes.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Amores intelectuais

Uma novidade interessante na enevoada ilha de Shakespeare. Tomara que a moda pegue por aqui...


Londrinos buscam alma gêmea em programa-cabeça

Por Paul Majendie

LONDRES (Reuters) - Como encontros rápidos e danceterias já não parecem preencher o vazio de muitos corações solitários, a moda em Londres agora é o "romance inteligente".


Sociedades de debates, aulas de arte e saraus de poesia são eventos que proliferam na capital britânica nesta onda dos namoros-cabeça. A tendência já foi notada por diversos comentaristas sociais e levou até a prestigiosa revista The Economist a decretar que "a seriedade está em alta".


Sebastian Shakespeare escreveu no jornal Evening Standard que "os debates e saraus estão rapidamente se tornando as noitadas mais românticas de Londres".


Quem vem se dando bem com isso é Ginny Greenwood, criadora do clube Futures Squared, voltado para solteiros com muito dinheiro e pouco tempo. "Você não está se concentrando no que acontece entre o umbigo e o joelho -- está se conectando à massa cinzenta", disse ela à Reuters.


"Eles têm renda e inteligência. Só precisam de alguém para organizar suas agendas sociais. Acho que 'intellidating' (expressão que funde as palavras 'inteligência' e 'namoro') é uma grande frase. Tenho certeza de que acabará no dicionário. Se você é uma pessoa inteligente numa posição profissional importante, não vai ficar perambulando pelos bares nem recorrer a um encontro-relâmpago (organizado por agências especializadas)."


Se a música é o alimento do amor, a poesia enche a alma, como descobriu a escritora Josephine Hart ao organizar a sua concorrida Hora da Poesia na Biblioteca Britânica.


"Isso tem mesmo um efeito importante sobre as pessoas", disse Hart, em cujo evento Bob Geldof leu Yeats, Ralph Fiennes se debruçou sobre Auden e Roger Moore recitou Kipling.


"A mente fica expandida. Teve gente que chorou em algumas noites", contou ela. "Espero que o namoro inteligente entre na consciência das pessoas. Há uma enorme falta de qualquer coisa que seja profunda. Os jovens têm fome de algo que tenha profundidade e importância."


John Gordon e Jeremy O'Grady criaram a Intelligence Squared porque queriam tornar os debates mais atraentes. Até agora, todos os eventos que organizaram, na sede da Real Sociedade Geográfica, lotaram antecipadamente.


"Acho que há uma fome por essas coisas num mundo que está mais complexo ao mesmo tempo em que também fica mais bobo", disse O'Grady. "Há uma enorme lacuna nas necessidades emocionais das pessoas."


Nesse clima, os don juans intelectuais enfrentam debates desafiadores, com títulos como "Melhor a justiça bruta que outro 11 de setembro" ou "A ascensão da China prenuncia o declínio do Ocidente".


"É discutível se isso é namoro ou debate, mas representa uma oportunidade para as pessoas que querem o namoro inteligente", disse O'Grady. "Há uma enorme carência de fóruns institucionais além da pista de dança e dos clubes para que eles se encontrem."

quarta-feira, novembro 02, 2005

Apertando as mãos do demônio

Roméo Dallaire deve estar em seus sessenta anos, pela aparência. É um homem vigoroso, de belos traços, que, com seu bigode respeitável, fica muito bem no seu papel de general aposentado. Porém, quem o contemple hoje por mais alguns minutos logo nota que há um certa tristeza no seu semblante — um traço que ele carrega há quase doze anos. O motivo? Romeo Dallaire, militar canadense, serviu como comandante das tropas da ONU em Ruanda, no início de 1994. Para quem não ligou o país e a data ao evento, isso significa que ele testemunhou o último grande genocídio do século XX.



O saldo aproximado foi de 800.000 mortos, boa parte dos quais ainda vivia quando Dallaire chegou ao país, em janeiro. Em menos de quatro meses, porém, o que era mais um conflito étnico em um continente marcado por fronteiras arbitrárias e governos instáveis se transformou numa limpeza étnica de grandes proporções. A etnia hutu, fazendo uso de mercenários e forças paramilitares, além da colaboração de parte da própria população civil, resolveu exterminar a outra grande população do país, os tutsis. E o fez com uma diabólica eficiência: com armas de fogo ou machetes, homens, mulheres, crianças, e até religiosos entraram num conflito fratricida tão violento o próprio Dallaire, um homem educado no Ocidente, só pôde definir com uma metáfora: “O demônio entrou no Paraíso, e fez de tudo para destruí-lo”. O testemunho desse esforço luciferino está nos diversos monumentos erguidos sobre grandes covas coletivas espalhadas pelo país, e também em um grande depósito de crânios, de todos os tipos e tamanhos, trazendo ainda, em fraturas e orifícios, a lembrança do sofrimento de seus donos.

O que Dallaire podia fazer? Segundo ele próprio, a força que ele comandava não tinha ordens, nem recursos. Num país em que metade da população fugia do potencial assassino da outra metade, a ONU contava com 450 homens. Para se ter uma idéia, houve operações da Polícia Militar do Rio de Janeiro com um efetivo maior que esse. E, no entanto, era o que as Nações Unidas, àquela época mais preocupadas com os brancos “civilizados” da Iugoslávia, estavam dispostas a empregar. Dallaire sabia que sua presença seria inútil. Sua força bastava para assegurar o único prédio realmente seguro em Ruanda, o da própria ONU, e pouco mais do que isso. E, no entanto, ele tentou fazer alguma coisa. Para começar, chamou um repórter da BBC, deu-lhe todas as garantias possíveis e pediu-lhe uma matéria por dia sobre a guerra civil. Diante de superiores insensíveis, ele tentou usar a mídia como instrumento de pressão. Talvez se imagens diárias de multidões maltrapilhas e mal acomodadas, em condições precarísimas de alimentação e higiene, invadissem os jornais ocidentais, alguém resolvesse fazer a mesma coisa.

No seu relato a um documentarista canadense, Peter Raymond, a palavra mais usada por Dallaire é “mau-cheiro”: nos locais de execução coletiva, nas ruas, até mesmo no estádio de futebol transformado em campos de refugiados, onde Dallaire podia oferecer proteção armada, mas não os alimentos e os cuidados médicos necessário. Era um campo de concentração, reconheceu o general, acompanhado pelas imagens da época, e não havia um cemitério disponível. Para fugir das balas e facões hutus, os refugiados tutsis conviviam com a fome, a doença e o fedor permanente dos cadáveres que se amontoavam nem mesmo ao seu redor, mas em seu meio.

Depois de poucos meses em serviço, Dallaire começou a sentir os efeitos da impotência prolongada em meio ao caos. Passava longas horas sozinho, emitia ordens incoerentes, tinha o olhar vidrado Obviamente dera tudo que podia, e ainda era muito pouco. O velho militar estava fazendo o quê, afinal? Dar àqueles que podia proteger a chance de optar entre a degola e a disenteria não era um gesto exatamente recompensador. Assim, enquanto o Conselho de Segurança fazia-se de desentendido e Ruanda era olvidada como a terra de ninguém que boa parte da África sempre fora aos olhos do mundo, o velho general entrava em colapso. Era demais.

Desde então, quando voltou ao Canadá, Ruanda nunca mais saiu de dentro dele. O senso de fracasso ainda o incomoda, a culpa decorrente o atormenta. “Eu fracassei com Ruanda”, disse, em uma palestra em uma universidade local. Quem quer que tenha perdido um ente querido naquele loucura sabe que é verdade. No entanto, a questão da culpa é outra história. Quando se é largado numa guerra civil em uma terra estranha, sem orientação adequada, recursos logísticos ou tropas decentes, não se pode ser culpado por uma derrota. Provavelmente, Roméo Dallaire sabe disso; mas entre o que a razão aceita e o que o coração confirma vai grande distância — no caso, uma distância medida em cadáveres e mau cheiro.

O relato dos meses que Dallaire passou nesse inferno sangrento está em seu livro Shake Hands with the Devil, e no documentário homônimo de Peter Raymond exibido recentemente no canal Cinemax Prime. Os interessados no massacre ruandense podem obter maiores informações em http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/ghosts. Dados gerais sobre o país estão disponíveis no site do Departamento de Estado dos EUA: http://www.state.gov.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Os perigos da ficção "erudita"...

Extraído de http://revistaentrelivros.uol.com.br/Edicoes/6/Artigo10980-1.asp

O êxito do Código da Vinci


UMBERTO ECO

Última ceia, de Fra Angélico, séc. XV
Todos os dias vem parar em minhas mãos um novo comentário sobre O Código da Vinci, de Dan Brown. Se quiserem uma informação atualizada sobre todos os artigos a respeito do tema, basta visitar o site da Opus Dei. Podem confiar, mesmo se forem ateus. Quando muito - como veremos - a questão talvez seja por que o mundo católico se azafama tanto para arrasar o livro de Dan Brown; mas quando a parte católica explica que todas as informações que o livro contém são falsas, podem acreditar.

Que fique claro. O Código da Vinci é um romance, e como tal, teria direito de inventar o que quisesse. Além disso é escrito com habilidade e o lemos de um só fôlego. Nem é grave que o autor de início diga que o que nos conta é verdade histórica. Só faltava essa! O leitor profissional está acostumado a esses apelos narrativos à verdade, fazem parte do jogo ficcional. A encrenca começa quando percebemos que um grande número de leitores ocasionais acredita realmente nessa afirmação, da mesma forma que no teatro de marionetes siciliano os espectadores insultavam Gano de Maganza, o traidor.

Para desmontar a suposta veracidade histórica do livro, bastaria um artigo razoavelmente breve (e já andaram escrevendo uns ótimos) que diga duas coisas: a primeira é que todo o episódio de Jesus que se casa com Maria Madalena, de sua viagem à França, da fundação da dinastia merovíngia e do Priorado de Sion é tudo quinquilharia que já circulava há décadas numa pletora de livros e livrinhos para os devotos das ciências ocultas, desde aqueles de Gérard de Sède sobre Rennes- le-Chateau ao O Santo Graal e a linhagem sagrada de Baigent, Leigh e Lincoln.

Ora, que tudo isso contivesse uma longa série de lorotas já foi dito e demonstrado há um bom tempo. Além disso, parece que Baigent, Lincoln e Leigh ameaçaram (ou realmente iniciaram) uma ação judicial contra Brown, por plágio. Como assim? Se eu escrever uma biografia de Napoleão (narrando eventos reais), depois não posso processar por plágio alguém que tenha escrito outra biografia de Napoleão, ainda que romanceada, narrando os mesmos eventos históricos? Se eu fizer isso, então me queixo do roubo de uma originalíssima invenção minha (ou seja fantasia, ou lorota, como preferirem). Brown dissemina seu livro de inúmeros erros históricos, como aquele de ir buscar informações sobre Jesus (que a igreja teria censurado) nos pergaminhos do Mar Morto - os quais não falam nunca de Jesus, mas de assuntos hebraicos como os Essenes. É que Brown confunde os manuscritos do Mar Morto com aqueles de Nag Hammadi. Ora, acontece que a maioria dos livros que aparecem sobre o caso Brown, mesmo e especialmente aqueles bem feitos, para poder alcançar o número de páginas suficiente para fazer um livro, contam tudo o que Brown saqueou, tintim por tintim.

Esses livros, em alguma medida perversa, embora sejam escritos para denunciar falsidades, contribuem para fazer circular e recircular todo aquele material oculto. Assim (assumindo a interessante hipótese que O Código seja um complô satânico), toda refutação que se lhe faz reproduz as insinuações, e com isso acabam se tornando seu megafone.

Por que, mesmo quando é contestado, O Código se autoreproduz? Porque as pessoas têm sede de mistérios (e de complôs) e basta que se lhes ofereça a possibilidade de pensar sobre mais um mistério (e até no momento em que você lhe diz que era a invenção de alguns espertinhos) e pronto, todos começam a acreditar naquilo.

Acho que seja isso o que preocupa a igreja. A crença no Código (e em outro Jesus) é um sintoma de descristianização. Quando as pessoas não acreditam mais em Deus, dizia Chesterton, não é que não acreditem em mais nada, mas acreditam em tudo. Até nos meios de comunicação de massa.

Fiquei impressionado com a figura de um jovem imbecil que, na praça São Pedro, enquanto uma multidão imensa aguardava a notícia da morte do Papa, ele, de celular no ouvido, dava tchauzinho para a câmara de TV. Por que é que estava ali (e por que estavam ali tantos outros como ele, enquanto talvez milhões de verdadeiros crentes estavam em suas casas, e orando)? Em sua espera de um sobrenatural midiático, não estaria ele pronto a acreditar que Jesus tenha se casado com Madalena e estivesse mística e dinasticamente ligado pelo Priorado de Sion a Jean Cocteau?

quarta-feira, outubro 26, 2005

Rosa Parks

Determinadas lutas são de tal modo impressionantes e nobres que naturalmente se tornam míticas. E como não há mitos sem heróis, a campanha pelos direitos civis dos negros norte-americanos também teve os seus. Provavelmente o primeiro que nos vem à cabeça é Martin Luther King Jr., mas poucos lembram que para que o jovem pastor batista se tornasse o símbolo que ainda é, houve um outro que o precedeu: Rosa Parks.


Diz a lenda que ela retornava para casa ao fim de um dia de trabalho, uma senhora respeitável em seus quarenta e dois anos, quando o motorista do ônibus em que estava pediu-lhe que cedesse o lugar a um passageiro branco que acabara de embarcar. Esse tipo de deferência cumpulsória era comum nos Estados do sul dos EUA (Rosa vivia na capital do Alabama, no coração do sul), regidos por uma espécie de apartheid legal e informal que procurou compensar de várias formas a emancipação dos escravos após a Guerra Civil. Rosa, porém, teria se recusado, o que lhe rendeu voz de prisão. Em solidariedade à sua coragem, as lideranças negras locais, entre as quais o pastor King, teriam então convocado um boicote ao sistema municipal de ônibus que durou quase um ano, finalmente pondo abaixo as humilhantes regras discriminatórias no sistema de transporte público.


Na verdade, não foi bem assim. Rosa era uma veterana da National Association for the Advancement of the Colored People (NAACP), uma organização pela defesa dos direitos dos negros que há décadas vinha travando uma cruzada judicial contra a segregação racial nos Estados sulistas. Não sentou na parte de trás do ônibus, destinada aos negros, mas na do meio, normalmente ocupada por brancos, onde negros poderiam sentar desde que não houvesse brancos de pé. O motorista que a mandou levantar, portanto, cumpria regras já estabelecidas, ainda que revoltantes. Indícios, portanto, de que o que entrou para a história como um ato individual de coragem que despertou subitamente a indignação cívica de toda uma comunidade, nada mais foi que a ação provocadora de uma militante que sabia muito bem o que estava fazendo. Finalmente, a decisão da Suprema Corte que proibiu a segregação no transporte pública intra-estadual não foi derivada diretamente desse caso, mas de outro, julgado em 1956. Isso não tira, contudo, o mérito de Parks, a costureira que faleceu anteontem aos 92 anos, venerada como um ícone da luta contra a injustiça racial numa sociedade que, até então, se congratulava pela própria prosperidade enquanto ignorava solenemente a opressão de sua minoria racial mais expressiva, privada até mesmo do status de cidadão pleno. Um tema que, em tempos de furacões racialmente seletivos e teses freakonômicas ligando aborto de crianças negras a quedas na criminalidade urbana, a consciência americana ainda não conseguiu tirar de pauta.

Para Rosa, que deixou uma fundação de auxílio a estudantes, a luta terminou. Que o exemplo da brava costureira do Alabama continue inspirando os que ficaram, pois infelizmente ainda há muito a ser feito.

domingo, outubro 23, 2005

Sim, sim, não, não

23/10/2005 - 22h23
Proibição da venda de armas é rejeitada por dois terços

Ricardo Amaral
Da Reuters

BRASÍLIA (Reuters) - A proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil foi rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em referendo realizado neste domingo, de acordo com resultados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Às 21h55, apuradas mais de 90% das urnas, o "não" (contra a proibição) tinha recebido quase 57 milhões de votos (63,94%) e a opção "sim" (pela proibição), 32,1 milhões (36,06%) dos votos válidos, segundo o TSE. O resultado consolidado deve ser divulgado por volta da meia-noite.

Acompanhe a apuração dos votos do referendo sobre o comércio de armas

Com o resultado, continuam em vigor todas as demais disposições do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826), promulgado em 23 de dezembro de 2003, que já restringe a posse e uso de armas de fogo às corporações militares e policiais, empresas de segurança, desportistas, caçadores e pessoas autorizadas apenas pela Polícia Federal.

A derrota da proibição do comércio de armas e munições confirma reviravolta na opinião pública, apontada pelos institutos de pesquisa ao longo da campanha, que durou vinte dias em horário obrigatório na televisão e no rádio.

Em agosto, segundo o Datafolha, 80% dos entrevistados apoiavam a proibição. Na pesquisa divulgada sábado, o voto "não" já contava com 57%, estimativa superada pelo resultado final.

O "não" venceu em todos os Estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do "sim" foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.

Mesmo restrito ao aspecto do comércio legal de armas e munições, o primeiro referendo legislativo da história do Brasil mobilizou o eleitorado. De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados.

Esse número é semelhante ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando 20,45% dos eleitores deixaram de votar. No segundo turno de 1989, que teve comparecimento recorde, a abstenção foi de 14,09%.

Em 1993, no plebiscito sobre sistema e regime de governo, a abstenção chegou a 25,76%. Na escolha entre monarquia ou república, presidencialismo ou parlamentarismo, 15% dos que compareceram anularam ou deixaram o voto em branco. No referendo deste domingo, com a utilização de urnas eletrônicas, nulos e brancos foram cerca de 3%.

O presidente do TSE, ministro Carlos Velloso, comemorou a realização do referendo com tranqüilidade e defendeu que outras consultas populares podem acontecer. Como exemplo, ele citou a discussão sobre a legalização do aborto de fetos com anencefalia (sem cérebro).

"Essa é uma questão importantíssima agora, como tantas outras que o país tem", afirmou neste domingo Velloso durante entrevista coletiva.

Lula vota

Declarando sua opção pelo "sim", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva votou na manhã deste domingo em São Bernardo do Campo, na região da Grande São Paulo.

"Eu acho que uma pessoa comum ter armas não vai dar segurança, por isso eu votei no 'sim'. Agora, a vontade do povo é soberana", afirmou Lula a jornalistas. À noite, no parque de exposições do Anhembi, em São Paulo, voltou a defender a proibição, mas disse que cumpriria o resultado das urnas.

Embora tenha sido mínima a participação de dirigentes políticos na campanha sobre a proibição, a vitória do "não" será debitada como um fracasso do governo Lula, que se identificou com a proibição. A Igreja Católica e várias denominações evangélicas também se engajaram na campanha do "sim."

É também uma derrota do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que presidiu a frente parlamentar do "sim" e defende a proibição de armas de fogo desde quando foi ministro da Justiça, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Depois de votar à tarde em São Paulo, o atual ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos, já se preparava para reconhecer a derrota.

"O resultado 'sim' significaria apenas aprofundamento, ou seja, seria proibido vender armas e vender munição. Se der o 'não', nós vamos continuar da mesma maneira fiscalizando rigorosamente, e o controle de armas vai continuar sendo um bem para o Brasil", afirmou.

A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB) e pelo deputado Alberto Fraga (PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar. A frente do "não" centrou sua campanha no direito à autodefesa e na fragilidade da segurança pública.

"A discussão não é o desarmamento, é a proibição absoluta da venda de armas e munições para o cidadão de bem", disse Fleury Filho (PTB-SP). "Seria desarmamento se todo mundo, inclusive os bandidos, se desarmasse."

Estimativa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e do Small Arms Survey 2005 mostrou que existem mais de 17 milhões de armas no país. Os números, porém, são contestados por muitos outros organismos.

Segundo o Ministério da Saúde, 39.325 pessoas foram mortas por tiros em 2003 --média de 108 por dia. A Secretaria de Segurança de São Paulo informa que em 2004 apenas 5% das vítimas de homicídio morreram em casos de latrocínio (morte seguida de roubo).

(Com reportagem adicional de Marcos de Moura e Souza)

segunda-feira, outubro 10, 2005

No amor e na guerra

Quando se pensa em conflitos catastróficos, a Segunda Guerra Mundial talvez seja a primeira que nos vem à mente. Tem todos os elementos para isso: proximidade temporal, conseqüências geopolíticas ainda visíveis, um vilão megalomaníaco especialmente cruel com alguns milhões dentre suas vítimas e o início do terror atômico. Por conta disso, poucos dentre os não-especialistas atentam para o fato de que o grande choque de carnificina do século XX, que rompeu todos os limites da arte da guerra, na verdade começou em 1914.


Eterno Amor (A Very Long Engagement), dirigido por Jean-Pierre Jeunet e estrelado por Audrey Tautou (a mesma dupla de ...Amélie Poulain), trata com delicadeza do drama que a Primeira Guerra representou: a morte em massa pelas metralhadoras, o horror das trincheiras e da “terra de ninguém” entre elas, o descaso de oficiais incompetentes para as arrasadoras novas tecnologias bélicas e indiferentes para o destino dos infelizes sob seu comando... e também o da busca difícil por entes queridos que jamais retornaram do front. Esta é a sina de Mathilde, uma órfã obcecada pela idéia de que o noivo — condenado à morte na terra de ninguém junto com mais quatro soldados — teria sobrevivido. Com essa idéia em mente, ela inicia uma longa e penosa investigação, procurando todas as pessoas que poderiam ter tido contato com os cinco condenados e reconstituindo o drama pessoal de cada um deles, na esperança de uma pista que lhe desse a certeza do destino de seu amado Manech.

Essa mescla de trajetórias trágicas constitui o ponto mais forte do filme. O terror do campo de batalha leva os cinco homens a se mutilarem na esperança de serem dispensados de volta para casa, mas acaba lhes rendendo uma corte marcial e sua condenação à morte certa pelas armas alemães. Do trapaceiro que urinava nos capacetes dos camaradas ao homem que pede à mulher que engravide do melhor amigo para que ele, estéril, não precise voltar ao confronto onde seus compatriotas eram massacrados às centenas todos os dias, cada condenado renderia seu próprio filme. Essa riqueza de subtramas acaba reforçando o interesse da história.

Filmado em sépia, repleto de criativos recursos visuais para os recorrentes flashbacks, o filme acaba sendo uma combinação eficiente de história de amor, drama e aula de História. Sem os clichês que se poderiam esperar e exigindo do espectador uma boa dose de atenção para a trama para lá de intricada, o filme mereceu duas indicações ao Oscars e mais 15 premiações. Merecem destaque a fotografia e a interpretação impressionante de Audrey Tautou, já consagrada pela inesquecível Amélie Poulain.

Um filme para apreciar, refletir e também aprender.


sábado, outubro 01, 2005

O aborto como método de segurança pública

01/10/2005
Casa Branca rejeita comentário racista de Bennett
'Republicano afirma que crimes cairiam se negros fossem abortados'

David D. Kirkpatrick e Marek Fuchs*
Em Washington


A Casa Branca se distanciou nesta sexta-feira (30/09) dos comentários de um proeminente republicano, que disse em um recente programa de rádio que o índice de criminalidade do país poderia ser potencialmente reduzido com o aborto de bebês negros.

A Casa Branca chamou os comentários, feitos por William J. Bennett, um ex-secretário da Educação republicano, de terrivelmente equivocados. O porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, disse que o presidente Bush "acredita que os comentários foram inapropriados".

Bennett disse que os comentários foram tirados de contexto, notando que ele disse imediatamente que tais abortos seriam "repreensíveis".

O republicano, que também atuou com czar das drogas para o pai do presidente, foi atacado na quinta-feira por líderes democratas no Congresso pelos seus comentários, feitos nesta semana em seu programa de rádio, "Bill Bennett's Morning in America".

"Eu sei que é verdade que se você quisesse reduzir a criminalidade, você poderia, se este fosse seu único propósito, você poderia abortar todo bebê negro neste país e o índice de criminalidade cairia", disse Bennett na transmissão. "Isto seria uma coisa impossível, ridícula e moralmente repreensível de ser feita, mas o índice de criminalidade cairia."

Em uma transmissão de rádio na quinta-feira, Bennett considerou as críticas feitas a ele de "ridículas, estúpidas, totalmente sem mérito".

"Eu estava apontando que a oposição ao aborto não deve ocorrer por motivos econômicos, assim como ao racismo ou, da mesma forma, a escravidão ou a segregação não devem ser apoiadas ou combatidas por motivos econômicos", disse ele. "Políticas imorais são erradas porque são erradas, não por causa de um cálculo econômico. Alguém poderia simplesmente ter dito que você poderia abortar todas as crianças e prevenir todos os crimes, para mostrar o absurdo da proposta."

Bennett, que foi secretário da Educação no governo Reagan e é autor de um livro best-seller sobre moralidade, disse que estava se referindo a um debate na revista online "Slate", que discutia raça no contexto de um argumento de que abortos contribuíam para a redução do índice de criminalidade. Tal debate, envolvendo Steven D. Levitt, autor do best seller "Freakonomics", aparentemente apareceu na "Slate" seis anos atrás.

Em uma entrevista para a "Fox News", Bennett disse que os críticos distorceram seus comentários ao omitirem sua declaração de que o aborto de todos os bebês negros seria "moralmente repreensível".

"Quando isto é incluído na citação, deixa perfeitamente clara qual é a minha posição", disse Bennett. "Eles fazem parecer como se eu apoiasse tal idéia monstruosa, o que não apoio."

Os líderes democratas no Congresso, o senador Harry Raid, de Nevada, e a deputada Nancy Pelosi, da Califórnia, buscaram colocar os comentários no contexto do esforço republicano para cortejar os eleitores afro-americanos. Reid disse que os comentários de Bennett "alimentarão as chamas do racismo" e Pelosi os chamou de "palavras vergonhosas".

*Com reportagem de David D. Kirkpatrick em Washington e Marek Fuchs em New York.

Tradução: George El Khouri Andolfato

quinta-feira, setembro 29, 2005

Um mito que cai...ou melhor, afunda

Definitivamente, Hollywood não é uma boa fonte de informações científicas.

Para quem quiser saber mais sobre o que fazer quando Murphy tripudia de você em termos dignos de um filme -- mas, claro, não há ninguém por perto para filmar e sobretudo prestar socorro, uma boa dica é este livro.
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28/09/2005 20:48:49

Cientistas ensinam como sair de areia movediça

LONDRES (Reuters), 28 de setembro - A areia movediça não é bem como mostram os filmes de Hollywood, um poço sem fundo que engole vítimas desavisadas. É verdade que, quanto mais as pessoas tentam sair, mais elas afundam, mas é impossível que elas afundem completamente, disseram cientistas nesta quarta-feira.

"Graças ao cinema, todo mundo acha que é possível morrer afogado na areia movediça. Se se fizer um cálculo simples de flutuação, a força de Arquimedes, fica evidente que não dá para afundar completamente", disse Daniel Bonn, do Instituto Van der Waals-Zeeman, da Universidade de Amsterdã.

A areia movediça é feita de sal, água, areia e argila, e aparece perto de estuários, praias e rios. É a presença da água que a torna tão perigosa.

"Quando se pisa na areia movediça, ou se mexe dentro dela, ela passa de algo quase totalmente sólido para algo quase totalmente líquido", disse Bonn à Reuters.

Ele e sua equipe mediram a viscosidade, a resistência e a capacidade de afundamento da areia movediça e comprovaram que Hollywood está errada.

Eles também calcularam que a força necessária para retirar um pé preso na areia movediça é equivalente à necessária para levantar um carro médio. As conclusões estão descritas na revista científica Nature.

Quando alguém cai na areia movediça, começa a afundar, e a areia envolve firmemente o pé, formando uma espécie de armadilha. Nos filmes, as pessoas que afundam na areia movediça normalmente se agarram a um galho de árvore ou são puxadas quando já estão quase desaparecendo sob a lama.

Mas Bonn e a equipe disseram que, na vida real, a vítima teria metade do corpo afundado na areia movediça, mas não desapareceria.

Os cientistas aconselham as pessoas que ficarem presas na areia movediça a não entrar em pânico e a balançar o pé, para permitir a entrada de água em torno dele.

Por Patricia Reaney

domingo, setembro 25, 2005

A volúpia das imagens


A posse de uma câmara fotográfica pode inspirar algo semelhante ao desejo. E, como todas as formas de desejo, não se consegue satisfazê-lo.

Susan Sontag

quarta-feira, setembro 21, 2005

A morte de um justiceiro

20/09/2005 - 08h38m
Morre o caçador de nazistas Simon Wiesenthal

Agências Internacionais

VIENA - Simon Wiesenthal, o veterano caçador de nazistas que procurou criminosos de guerra incansavelmente por mais de seis décadas, morreu em Viena, na madrugada desta terça-feira, aos 96 anos. Sua campanha pessoal para impedir o mundo de esquecer os horrores do Terceiro Reich resultou no julgamento de 1.100 fugitivos nazistas. Entre eles, estava Adolf Eichmann, o homem a quem Adolf Hitler confiou a execução do programa de genocídio dos judeus. Sua história e empenho renderam a Wiesenthal a alcunha de "a consciência do Holocausto".

Judeu sobrevivente de campos de concentração, Wiesenthal fundou o Centro de Documentação Judaica na Áustria pós-guerra, em 1947. Ali, construiu uma rede de informações usada para descobrir e localizar indícios dos responsáveis pelas atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Nas décadas que se seguiram, ele sempre sustentou que não era motivado por ressentimento.

- Eu busco justiça. Não vingança - dizia o Wiesenthal, que nascera na Ucrânia, em 1908.

Em suas memórias, publicadas em 1988, sob o título "Justiça e não vingança", deu uma idéia de como esperava que seu trabalho fosse lembrado: "Quando olharem para trás na História, quero que as pessoas saibam que os nazistas não puderam escapar sem castigo pelo assassinato de milhões de seres humanos".

Estima-se que os nazistas tenham massacrado 11 milhões de civis - entre eles, 6 milhões de judeus.

- Simon Wiesenthal agiu trazendo justiça aos que escaparam da justiça. Fazendo isso, ele foi a voz de 6 milhões - disse o porta-voz do ministério de Relações Exteriores de Israel, Mark Regev.

Na nota em que anunciou o falecimento, o Centro de Documentação Judaica disse que seu fundador assumiu uma tarefa indesejada e preterida na época por outros interesses políticos.

"Sua nomeação não foi anunciada numa entrevista coletiva, nem por algum presidente ou primeiro-ministro. Simplesmente assumiu esse trabalho. Foi um trabalho que ninguém quis. A missão era impressionante. O objetivo tinha poucos amigos. Os aliados já se concentravam na Guerra Fria, os sobreviventes tratavam de recompor suas vidas destroçadas, e Simon Wiesenthal estava sozinho em seu papel como perseguidor e detetive."

Wiesenthal retirou-se há dois anos e meio da vida pública, depois de dar por encerrada sua missão. Ele considerava que, apesar de ainda haver criminosos nazistas foragidos, estes seriam tão idosos que dificilmente poderiam ser levados a um tribunal.

- Os assassinos em massa que persegui, encontrei; e sobrevivi a todos - disse Wiesenthal na ocasião.

Wiesenthal morreu de causas naturais, enquanto dormia, por volta das 4h (23h de segunda-feira em Brasília). Ele será sepultado em Israel, na sexta-feira. Antes, será longamente homenageado na Áustria.

terça-feira, setembro 20, 2005

Cinema, cinema, cinema

Vai começar o Festival do Rio, um maremoto cinematográfico. A chance de ver filmes das mais variadas partes do mundo, conhecer linguagens cinematográficas fora do padrão Made in Hollywood, assistir a clássicos obscuros e documentários raríssimos. É verdade que quase tudo ainda muito concentrado na Zona Sul, com certos horários ingratos para suburbanos sem carro. Mas são ossos do ofício. Há de valer a pena!




sábado, setembro 17, 2005

O porquê de lecionar

“O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. ‘As pessoas em função das quais você está lá’, disse meu próprio professor, ‘não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das nota baixas, e cujas respostas no exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você.’”

Eric Hobsbawm, Sobre História, p. 21.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Pílula filosófica

Já pensou sobre seus pensamentos hoje?


Música para acompanhar: Dança Eslava nº 2, de Dvorak.

quarta-feira, setembro 14, 2005

De novo o Orkut

13/09/2005 - 11h25

Orkut surpreende internautas e pede cadastro no Google

JULIANA CARPANEZ
da Folha Online

Os usuários do Orkut foram surpreendidos nesta semana por uma iniciativa do Google que tem como objetivo relacionar os serviços oferecidos pela empresa. Teoricamente, somente aqueles que tiverem uma conta do Google podem agora acessar o popular site de relacionamentos --alguns membros, no entanto, continuam entrando normalmente.

Esta conta não é a mesma do serviço de e-mail Gmail, ainda restrito a convidados. Ela pode ser aberta por qualquer internauta no site www.google.com/accounts/NewAccount.

Ao criá-la, o internauta ganha acesso a vários serviços do Google. Entre eles estão notícias, lista de compras do Froogle, resultados de pesquisas e buscas personalizadas. O cadastro também dá acesso à ferramenta Google Web APIs, para desenvolvedores de software, e ensina como colaborar voluntariamente para traduzir os serviços do Google.

Para iniciar a conta não é preciso ter um e-mail com a extensão ".gmail.com". Usuários do Hotmail e Yahoo!, entre outros, podem se cadastrar. Aqueles que já usam o Gmail têm a vantagem de não precisarem fazer o cadastro; eles devem apenas clicar no link "associe minha senha do Orkut à minha conta do Google", para acessar o site. Em alguns casos, nem isso é necessário.

A iniciativa surpreendeu os internautas, que não esperavam esse tipo de restrição sem qualquer aviso. Há meses, no entanto, especula-se mudanças no Orkut para reverter sua popularidade em benefícios para o Google. Alguns boatos, espalhados pelos próprios usuários via e-mail, davam conta de que a página passaria a cobrar por seus serviços.

Aqueles que não têm conta no Gmail estão sendo "barrados" sem qualquer explicação --a única diferença apresentada no site é um logotipo do "Google Conta", sem link para este serviço. Já alguns usuários do Gmail tiveram acesso a um texto explicativo. "Todos os usuários do Orkut devem agora utilizar a conta do Google para fazer o login", diz um trecho da mensagem.

A reportagem da Folha Online entrou em contato com o Google, mas ainda não obteve resposta.

terça-feira, setembro 13, 2005

Mudanças no Orkut

O Google parece mesmo disposto a dominar o mundo e desferiu um forte golpe no Hotmail, pertencente à Microsoft. Desde ontem, após uma inédita tela de "O Orkut está em construção", os usuários do mais badalado site de relacionamentos devem se tornar também usuários do Gmail, o correio eletrônico gratuito do Google que oferece muito mais espaço e também, que eu saiba, funciona segundo o sistema de convites. Isso significa que os próximos dias serão de contratempo para os orkutianos sem Gmail, e a Internet será tomada por levas de convites. Afinal, cada usuário com cadastro no Gmail quererá "resgatar" seus contatos que não têm a mesma sorte. Será interessante como esse processo se dará.

De minha parte, já montei uma lista de salvamento. Pena que o máximo permitido de convites é de 50 pessoas... Terei de brincar de Deus e escolher quem vai ou não para o Paraíso. Uma boa hora para enxugar a lista de contatos, quem sabe.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Um bom exemplo

A cartilha da Amarribo

Marcos Sá Corrêa




11.09.2005 | Cansado das mesmas CPIs? Visite a Amarribo É o nome de guerra da Amigos Associados de Ribeirão Bonito. A cidade fica no interior de São Paulo. Tem 11 mil habitantes. A ONG está na internet. Já passaram por sua página mais de 56 mil pessoas. Dá cinco vezes a cidade. Dois anos atrás a Amarribo publicou um livro chamado “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil”. Custa R$ 10 e está em terceira edição. Ou seja, espalhado pelo país, com 120 mil exemplares. Dá quase um Zuenir Ventura.

Ele não poderia ser mais prático e oportuno. Trata-se de uma cartilha que ensina didaticamente a atazanar prefeitos, vereadores e outros próceres municipais flagrados em roubalheira. Baseia-se na experiência própria. A Amarribo patenteou a fórmula três anos atrás, ao botar na cadeia o prefeito de Ribeirão Bonito. Na época era uma ONG com poucos anos de vida. Tinha então, em seu currículo, pouco mais do que a restauração dos jardins no Morro do Bom Jesus.

Havia ali um mirante abandonado. Um comitê de cidadãos restaurou-o. E, depois de devolvê-lo à população, virou ONG, em nome do “crescimento humano” da cidade. Tinha aprendido que não adianta esperar que as coisas caiam do céu e muito menos do poder público. Instituída, passou a dar palpites na administração municipal. O prefeito se esquivou dela e com isso fez mau negócio. A Amarribo, empurrada para a oposição, passou a juntar denúncias contra ele.

Começou pelos sinais notórios de enriquecimento ilícito. “Antes mesmo da posse, prefeito e parentes passaram a circular com carros novos e fazer viagens internacionais”, conta o site da associação. Os carros estavam em “nome do proprietário de uma casa de carnes de São Carlos”, que lesara o comércio local num contrato com a prefeitura, obtido através de fraude na licitação. A concorrência tinha cláusulas feitas sob medida para ele.

Daí ao dossiê foi um pulo. A ONG passou a juntar “notas fiscais de aquisição de combustível de cidades distantes, cujo produto não havia dado entrada na prefeitura municipal, e cópias de notas fiscais de aluguel de roçadeiras, tratores, de cidades distantes, que ninguém na cidade havia visto”. As “empresas de aluguel de máquinas não existiam”. O “combustível não dava entrada na prefeitura”. Os pagamentos “eram depositados na conta de um vereador”. Etc.

Com a Amarribo puxando a opinião pública, a cidade virou. A política, como sempre, veio atrás. O prefeito controlava 11 dos 13 vereadores. Acabou em minoria. A Amarribo pediu à Câmara uma Comissão Especial de Investigação. Ela saiu por unanimidade. Apurados dos fatos, veio o processo de cassação. Outra unanimidade. Também, pudera. No dia da votação, havia 1,2 mil pessoas na porta da Câmara. Era mais ou menos um terço da população total de Ribeirão Bonito.

O prefeito renunciou em abril de 2002. Foi preso em Rondônia quatro meses depois. E a Amarribo nunca mais largou os calcanhares dos administradores, não só em Ribeirão Bonito, como em todos os municípios onde a corrupção é endêmica. Todo mundo sabe que eles são muitos. Mas nem todo mundo sabe o que fazer com isso. Parece simples. Fernanda Verillo, a diretora de Combate à Corrupção da Amarribo, fala dessas coisas como se fosse uma dona de casa ensinando receita de bolo. O manual da ONG ensina a reconhecer notas fiscais frias, farejar o excesso de contas abaixo de R$ 8 mil, valor que dispensa licitação, desconfiar de muitas compras feitas em outras praças e do excesso de festas públicas, que costumam ser produzidas por empresas especializadas antes de mais nada na promoção do superfaturamento.

De repente, a Amarribo parrece estar em toda parte, a serviço de qualquer cidade onde haja qualquer coisa de podre. "Nossos esforços pelo uso correto das verbas públicas não se reduz à nossa cidade. Queremos contribuir para criar um modelo de gestão que impeça desvios de verbas e que possa se tornar referência para outras prefeituras", diz o site. Ela faz campanhas e conferências em outros municípios. Já inspirou mártires. Em Diamantina, semanas atrás, durante um seminário da ONG, um vereador fez discurso, abjurando o nepotismo. Apareceu morto, em circunstâncias mal explicadas, poucos dias depois. Pelo visto, está crescendo no país o número de pessoas que prefere uma Amarribo na mão do que duas CPIs voando.

A Amarribo já tem até hino, que também se pode ouvir pela internet. A letra de Paulo Basque Celestino diz coisas assim: “Amarribo, com você/Eu irei por onde for/E seu nome honrarei/Com orgulho e com amor”. Gosto não se discute. Mas é melhor ouvir um hino desses do que reprise de discursos do presidente Lula.