O ano está em seus estertores. Tão gentil ele foi — e queiram os céus não mudar isso nas derradeiras onze horas que ainda lhe restam —, que me recusei a deixá-lo partir sem algum tipo de registro. Nada de significativo ou inspirado, apenas uma homenagem simbólica, um marco para eu dizer a mim que me despedi. Mais tarde, em meio a fogos e champanhe, a euforia da passagem não permitiria fazê-lo adequadamente.
Eu disse que foi um ano gentil. Naturalmente, refiro-me ao plano puramente pessoal, pois no âmbito coletivo este foi um ano repleto de catástrofes e decepções. Não é necessário fazer nenhuma retrospectiva, já que todos podemos enumerar pelo menos uma dúzia delas, algumas mencionadas em posts aqui mesmo no Divagações. Destaco apenas que 2005 abalou minhas já vagas preferências eleitorais, no que certamente estou muito bem acompanhado. Fora isso, felizmente, não fui atingido nem por terremotos, furacões, erupções vulcânicas, guerras civis, atentados, escândalos, abusos de poder — essas coisas de todos os anos, que de tão repetidas já pouco nos comovem, à distância segura das câmeras de TV. Por outro lado, mergulhei no mundo da Academia, para descobrir, ou antes confirmar, que ela não é isso tudo que dizem, que do título ao saber consolidado vai certa distância e que, finalmente, nosso modelo educacional fabricante de especialistas pode não ser o mais enriquecedor de uma perspectiva humanista — embora a maioria dos seus usuários pareça pouco se importar com isso.
Se serviu para me confirmar a tese crítica, o ano também me proporcionou suas surpresas. Algumas amizades, recentes mas preciosas, praticamente me caíram ao colo — nunca mais se subestime o potencial socializador de um modem. Outras, de certo modo ressuscitaram e só posso ser grato por terem voltado a fazer parte do meu horizonte. Houve também, não nego, aquelas que por alguma razão parecem ter submergido na distância e no silêncio, mas mesmo estas poderão muito bem voltar a qualquer hora. As pessoas que nos atravessam o caminho são o maior patrimônio da vida, com suas lições, legados e exemplos; e se há uma coisa que este ano agonizante deixou como ensinamento é que elas não se perdem de todo. Mais cedo ou mais tarde, elas bem podem reaparecer e, surpresa, podem mostrar que o tempo não corroeu a velha estima.
Há mais, porém. Descobri na prática que não é tão difícil tentar fazer a diferença para alguém, mesmo não que não o conheça. Por toda parte há indivíduos e grupos que, nas correrias e obrigações do dia-a-dia comum a todos nós, encontra tempo para exercitar o altruísmo, e não falo apenas do círculo mais próximo, familiar, onde é mais comum a solidariedade. Eles não estão longe, basta saber onde procurá-los, e um pouco de boa-vontade é o único pré-requisito para unir-se a seus quadros. Não é preciso ser uma ONG, nem uma instituição formal, ou um departamento governamental; podem ser associações informais, centros espíritas, igrejas ou mesmo iniciativas particulares... Sejam o que forem, mais que um edificante exemplo moral, significam uma oportunidade de aplicar as energias sem o véu da indiferença auto-centrada em que o cotidiano pode nos afundar sem nos darmos conta. Embora eu mesmo tenha apenas tangenciado esse mundo novo de possibilidades, vi em 2005 é que ele está mais à mão do que a maioria de nós se dá ao trabalho de pensar. Basta querer.
De resto, é lugar-comum dizer que anos correm céleres, ainda mais se os contemplamos do ponto privilegiado de suas últimas horas. Uma percepção muito relativa, porém. Há coisas que hoje me parecem ter acontecido há séculos, e contudo estão longe apenas alguns meses. Outras, mais distantes, parecem se confundir com as memórias do mês passado. O recordar é uma das funções mais caprichosas da mente humana... Talvez amanhã, passada a fronteira psicológica do reveillon, eu já comece a esmaecer e abandonar memórias que hoje me parecem tão vívidas quanto se as tivesse vivido agora. Será assim todos os anos? Um tópico para reflexão, ou divagação, posterior.
Vejo que me alongo. Poderia ficar horas dando livre fluxo aos pensamentos que a data sugere, mas o tempo — esse tirano — não permite. Talvez as horas realmente se acelerem quando se pressente que rumam para algum tipo de fim, e o de 2005 logo virá. Então, concluo este post sem nostalgia, apenas ciente de que sou grato ao ano que se esgota. Quanto ao que vem, será o que fizermos dele.
Feliz Ano Novo!
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