segunda-feira, novembro 14, 2005

Depois da Teoria

"Estruturalismo, marxismo, pós-estruturalismo já não são mais os assuntos sexy de antes. Em vez disso, o que é sexy é o sexo. Nas bases mais entusiasmadas da academia, um interesse pela filosofia francesa deu lugar a uma fascinação pelo french kiss. Em alguns círculos culturais, a política da masturbação exerce fascínio muito maior do que a política do Oriente Médio. O socialismo perdeu lugar para o sadomasoquismo. Entre estudantes da cultura, o corpo é um tópico imensamente chique, na moda, mas é, em geral, o corpo erótico, não o esfomeado. Há um profundo interesse por corpos acasalados, mas não pelos corpos trabalhadores. Estudantes de classe média e de fala mansa amontoam-se diligentemente nas bibliotecas para trabalhar com temas sensacionalistas como vampirismo e arranca-olho, seres biônicos e filmes pornôs.

Nada poderia ser mais compreensível. Trabalhar com a literatura sobre produtos eróticos de látex ou com as implicações políticas do piercing no umbigo é tomar literalmente o sábio e velho adágio segundo o qual estudar tem que ser divertido. É parecido com escrever sua dissertação de mestrado comparando diversos sabores dos uísques maltados ou sobre a fenomenologia de um dia passado na cama. Isso cria uma continuidade harmônica entre o intelecto e a vida cotidiana. Há vantagens em ser capaz de escrever uma tese de doutorado sem sair da frente da TV. Nos velhos tempos, o rock era uma distração que afastava você dos estudos; agora bem pode ser o que você esteja estudando. Questões intelectuais já não são mais um assunto tratado em torres de marfim, mas fazem parte do mundo da mídia e dos shopping centers, dos quartos de dormir e dos motéis. Como tal, elas retornam ao domínio da vida cotidiana — mas só sob a condição de correrem o risco de perder a habilidade de criticar essa mesma vida. Hoje os antiquados que trabalham com alusões clássicas encontradas em Milton olham atravessado para os Jovens Turcos profundamente mergulhados em incesto e cyberfeminismo. As brilhantes coisinhas jovens que compõem ensaios sobre o fetichismo dos pés ou sobre a história da braguilha olham com suspeita os velhos e esquálidos acadêmicos que ousam sustentar que Jane Austen é melhor que Jeffrey Archer. Enquanto, nos velhos tempos, você poderia ser expulso pelos colegas da roda de bebida se não conseguisse detectar uma metonímia em Robert Herrick, hoje pode ser visto como um indescritível nerd se, para começar, tiver ouvido falar de metonímias ou de Herrick.”

“Outro ganho histórico da teoria cultural foi estabelecer que a cultura popular também merece ser estudada. Com algumas honrosas exceções, o pensamento acadêmico tradicional ignorou, durante séculos, a vida diária das pessoas comuns. Na verdade, ignorava mesmo era a própria vida, não apenas a diária. Não faz muito tempo, em algumas universidades tradicionalistas, ainda não era permitido pesquisar sobre autores que estivessem vivos. Isso resultava num grande incentivo para enfiar uma faca entre as costelas de alguém numa noite de neblina, ou num notável teste de paciência se seu romancista predileto tivesse uma saúde de ferro e apenas 34 anos de idade. Você certamente não poderia pesquisar qualquer coisa que visse à sua volta todos os dias, pois, por definição, isso não merecia ser estudado. Nas humanidades, a maior parte das coisas consideradas objetos de estudo adequados não era visível como são cortadores de unha ou Jack Nicholson, mas invisível, como Stendhal, o conceito de soberania ou a sinuosa elegância da noção leibniziana de mônada. Hoje reconhece-se em geral que a vida diária é quase tão intricada, incompreensível, obscura e ocasionalmente tediosa quanto Wagner, sendo, assim, eminentemente merecedora de ser investigada. Nos velhos tempos, o teste do que valia a pena estudar era, com freqüência, o quão fútil, monótono e esotérico fosse o tema. Em alguns círculos atuais, o teste é a medida em que se trata de algo que você e seus amigos fazem à noite. Houve um tempo em que os estudantes escreviam ensaios acríticos, reverentes, sobre Flaubert, mas tudo isso está mudado. Hoje escrevem ensaios acríticos, reverentes, sobre Friends.”

Esses são trechos de Terry Eagleton, professor de Teoria Cultural da Universidade de Manchester, no primeiro capítulo de Depois da Teoria: Um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo. Por sinal, um livro delicioso e muito informativo nestes tempos em que se escrevem, para ficar apenas na área que me é mais familiar, histórias sociais das nádegas, dos seios, das lágrimas, do pênis, do ménage à trois etc., etc., etc., ou em que estudantes fazem objeções ao estudo da Ilíada por se tratar de uma obra criada por e para homens brancos "ocidentais". Tempos interessantes estes, que requerem, sem dúvida, leituras interessantes.

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