segunda-feira, setembro 12, 2005

Um bom exemplo

A cartilha da Amarribo

Marcos Sá Corrêa




11.09.2005 | Cansado das mesmas CPIs? Visite a Amarribo É o nome de guerra da Amigos Associados de Ribeirão Bonito. A cidade fica no interior de São Paulo. Tem 11 mil habitantes. A ONG está na internet. Já passaram por sua página mais de 56 mil pessoas. Dá cinco vezes a cidade. Dois anos atrás a Amarribo publicou um livro chamado “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil”. Custa R$ 10 e está em terceira edição. Ou seja, espalhado pelo país, com 120 mil exemplares. Dá quase um Zuenir Ventura.

Ele não poderia ser mais prático e oportuno. Trata-se de uma cartilha que ensina didaticamente a atazanar prefeitos, vereadores e outros próceres municipais flagrados em roubalheira. Baseia-se na experiência própria. A Amarribo patenteou a fórmula três anos atrás, ao botar na cadeia o prefeito de Ribeirão Bonito. Na época era uma ONG com poucos anos de vida. Tinha então, em seu currículo, pouco mais do que a restauração dos jardins no Morro do Bom Jesus.

Havia ali um mirante abandonado. Um comitê de cidadãos restaurou-o. E, depois de devolvê-lo à população, virou ONG, em nome do “crescimento humano” da cidade. Tinha aprendido que não adianta esperar que as coisas caiam do céu e muito menos do poder público. Instituída, passou a dar palpites na administração municipal. O prefeito se esquivou dela e com isso fez mau negócio. A Amarribo, empurrada para a oposição, passou a juntar denúncias contra ele.

Começou pelos sinais notórios de enriquecimento ilícito. “Antes mesmo da posse, prefeito e parentes passaram a circular com carros novos e fazer viagens internacionais”, conta o site da associação. Os carros estavam em “nome do proprietário de uma casa de carnes de São Carlos”, que lesara o comércio local num contrato com a prefeitura, obtido através de fraude na licitação. A concorrência tinha cláusulas feitas sob medida para ele.

Daí ao dossiê foi um pulo. A ONG passou a juntar “notas fiscais de aquisição de combustível de cidades distantes, cujo produto não havia dado entrada na prefeitura municipal, e cópias de notas fiscais de aluguel de roçadeiras, tratores, de cidades distantes, que ninguém na cidade havia visto”. As “empresas de aluguel de máquinas não existiam”. O “combustível não dava entrada na prefeitura”. Os pagamentos “eram depositados na conta de um vereador”. Etc.

Com a Amarribo puxando a opinião pública, a cidade virou. A política, como sempre, veio atrás. O prefeito controlava 11 dos 13 vereadores. Acabou em minoria. A Amarribo pediu à Câmara uma Comissão Especial de Investigação. Ela saiu por unanimidade. Apurados dos fatos, veio o processo de cassação. Outra unanimidade. Também, pudera. No dia da votação, havia 1,2 mil pessoas na porta da Câmara. Era mais ou menos um terço da população total de Ribeirão Bonito.

O prefeito renunciou em abril de 2002. Foi preso em Rondônia quatro meses depois. E a Amarribo nunca mais largou os calcanhares dos administradores, não só em Ribeirão Bonito, como em todos os municípios onde a corrupção é endêmica. Todo mundo sabe que eles são muitos. Mas nem todo mundo sabe o que fazer com isso. Parece simples. Fernanda Verillo, a diretora de Combate à Corrupção da Amarribo, fala dessas coisas como se fosse uma dona de casa ensinando receita de bolo. O manual da ONG ensina a reconhecer notas fiscais frias, farejar o excesso de contas abaixo de R$ 8 mil, valor que dispensa licitação, desconfiar de muitas compras feitas em outras praças e do excesso de festas públicas, que costumam ser produzidas por empresas especializadas antes de mais nada na promoção do superfaturamento.

De repente, a Amarribo parrece estar em toda parte, a serviço de qualquer cidade onde haja qualquer coisa de podre. "Nossos esforços pelo uso correto das verbas públicas não se reduz à nossa cidade. Queremos contribuir para criar um modelo de gestão que impeça desvios de verbas e que possa se tornar referência para outras prefeituras", diz o site. Ela faz campanhas e conferências em outros municípios. Já inspirou mártires. Em Diamantina, semanas atrás, durante um seminário da ONG, um vereador fez discurso, abjurando o nepotismo. Apareceu morto, em circunstâncias mal explicadas, poucos dias depois. Pelo visto, está crescendo no país o número de pessoas que prefere uma Amarribo na mão do que duas CPIs voando.

A Amarribo já tem até hino, que também se pode ouvir pela internet. A letra de Paulo Basque Celestino diz coisas assim: “Amarribo, com você/Eu irei por onde for/E seu nome honrarei/Com orgulho e com amor”. Gosto não se discute. Mas é melhor ouvir um hino desses do que reprise de discursos do presidente Lula.

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