segunda-feira, outubro 10, 2005

No amor e na guerra

Quando se pensa em conflitos catastróficos, a Segunda Guerra Mundial talvez seja a primeira que nos vem à mente. Tem todos os elementos para isso: proximidade temporal, conseqüências geopolíticas ainda visíveis, um vilão megalomaníaco especialmente cruel com alguns milhões dentre suas vítimas e o início do terror atômico. Por conta disso, poucos dentre os não-especialistas atentam para o fato de que o grande choque de carnificina do século XX, que rompeu todos os limites da arte da guerra, na verdade começou em 1914.


Eterno Amor (A Very Long Engagement), dirigido por Jean-Pierre Jeunet e estrelado por Audrey Tautou (a mesma dupla de ...Amélie Poulain), trata com delicadeza do drama que a Primeira Guerra representou: a morte em massa pelas metralhadoras, o horror das trincheiras e da “terra de ninguém” entre elas, o descaso de oficiais incompetentes para as arrasadoras novas tecnologias bélicas e indiferentes para o destino dos infelizes sob seu comando... e também o da busca difícil por entes queridos que jamais retornaram do front. Esta é a sina de Mathilde, uma órfã obcecada pela idéia de que o noivo — condenado à morte na terra de ninguém junto com mais quatro soldados — teria sobrevivido. Com essa idéia em mente, ela inicia uma longa e penosa investigação, procurando todas as pessoas que poderiam ter tido contato com os cinco condenados e reconstituindo o drama pessoal de cada um deles, na esperança de uma pista que lhe desse a certeza do destino de seu amado Manech.

Essa mescla de trajetórias trágicas constitui o ponto mais forte do filme. O terror do campo de batalha leva os cinco homens a se mutilarem na esperança de serem dispensados de volta para casa, mas acaba lhes rendendo uma corte marcial e sua condenação à morte certa pelas armas alemães. Do trapaceiro que urinava nos capacetes dos camaradas ao homem que pede à mulher que engravide do melhor amigo para que ele, estéril, não precise voltar ao confronto onde seus compatriotas eram massacrados às centenas todos os dias, cada condenado renderia seu próprio filme. Essa riqueza de subtramas acaba reforçando o interesse da história.

Filmado em sépia, repleto de criativos recursos visuais para os recorrentes flashbacks, o filme acaba sendo uma combinação eficiente de história de amor, drama e aula de História. Sem os clichês que se poderiam esperar e exigindo do espectador uma boa dose de atenção para a trama para lá de intricada, o filme mereceu duas indicações ao Oscars e mais 15 premiações. Merecem destaque a fotografia e a interpretação impressionante de Audrey Tautou, já consagrada pela inesquecível Amélie Poulain.

Um filme para apreciar, refletir e também aprender.


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