O início do ano letivo é sempre um enigma. Não se sabe que tipo de turma está nos esperando, há a preocupação em deixar uma boa impressão inicial, dentre outras que só aparecem às vésperas de entrar em sala. Quando se é um professor em início de carreira, este é um momento de certa solenidade, um verdadeiro rito de passagem pessoal e profissional. São os primeiros alunos que o aguardam, rostos que talvez carregue na memória para o resto da vida. Em um pré-vestibular comunitário, voltado para pessoas de baixa renda que muito provavelmente trazem sérias deficiências educacionais, o senso de responsabilidade é ainda maior. Muitas serão tentadas a desanimar, ou, mesmo que não desanimem, não terão condição de enfrentar a concorrência de igual para igual. Outras, mais capacitadas, sabem que estão em desvantagem em relação à enorme massa de competidores. Não importa o caso; todos precisam do máximo que o professor puder lhes oferecer.
Agora, no último dia de aula, após tantas apostilas, questões e palestras, ei-los diante de mim. Menos de dez, eles que já foram quarenta. Idades entre 18 e 45 anos. Não os verei mais juntos, talvez não torne a vê-los jamais. Do extenso programa exigido pelas provas, menos de um terço pôde ser cumprido com o tempo disponível. E foi tão rápido! Quase dez meses entre a crise do século XIV e a Revolução Industrial. Pouco, comparado à necessidade deles, mas o possível. Penso num relance se não poderia ter aproveitado melhor o tempo, dado este texto e não aquele, sido mais conciso neste ou naquele tópico, enfatizado mais determinado tema. Agora não importa mais. Os terrores da maior parte das provas já faz parte do passado, resta aguardar as que faltam e esperar com ânsia a sentença final: eles no vestibular, eu no mestrado. De certo modo, somos irmãos na luta surda contra um obstáculo implacável e necessário.
Comentamos a prova mais recente, procuro tirar suas dúvidas sobre temas variados. Duas garotas admitem que não foram bem, e em meu íntimo eu lamento... por elas e pela pouca surpresa com que ouço sua confidência. Quisera ouvir palavras confiantes e brados de entusiasmo, mas eles não vêm. Meus alunos, mesmo quando brincam e sorriem, sabem que nada está garantido, parecem mesmo não se permitir muito otimismo. Apenas o melhor aluno da turma, um gari que já é um senhor, parece mais alegre. Diz que, se não passar, não retornará ao curso, por causa dos sacrifícios que teve de fazer no emprego para assistir às aulas. Pergunto se isso significa a desistência de ir para a faculdade (aliás, de História). Responde que estudará sozinho, e à minha maneira eu o abençôo, tocado por sua tenacidade.
Os minutos correm céleres e chega a hora de partir. O professor seguinte aguarda lá fora. Percebo que não ensaiei nada, nem um mísero discurso de despedida. Hora de improvisar. Saem algumas palavras sobre perseverança, manutenção de ânimo e vontade, algumas frases de prudência e consolo antecipado para o caso de ser preciso tentar outra vez, um agradecimento pela atenção dispensada ao longo dos meses para um professor novato.
Aplausos. Um aperto de mão. Fim.
Um comentário:
Imaginava algo assim para ti quando falaste de aulas fora da faculdade... um pré-vestibular para pessoas com acesso mais limitado aos cursinhos. :) Um sorriso largo se estampa em meu rosto. Ele também? E ele conseguiu tornar real sua vontade... cabe a mim também seguir com ela, ainda que não seja vista com bons olhos por muitos.
Um aperto de mão, como digo a um amigo, eis a demonstração de afeto mais fugaz e mais permanente, se as mãos se enlaçam com verdade.
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