segunda-feira, novembro 15, 2004

Esperando o vazio

Das inúmeras modalidades de ilusão que afligem a existência, poucas são tão desagradáveis, uma vez expostas, quanto a falsa esperança. O desespero absoluto certamente é também uma ilusão cruel, mas a feliz espera por algo que não virá é particularmente insidiosa. Em Esperando Godot, Samuel Beckett joga com o absurdo dessa situação ao mostrar dois personagens que se consomem num aguardar sem fim: a cada minuto, pode surgir um sinal qualquer que pareça pressagiar a chegada do etéreo Godot - uma expectativa angustiosa que se alimenta de si mesma, enquanto paralisa os outros aspectos da vida ao seu redor. Tudo passa ter a espera como fundo, e ainda está para nascer o artista que consiga retratar os variados estados por que a mente transita enquanto tenta se sustentar no que, afinal, não passa de vácuo.

"Vácuo"... A frustração é sem dúvida a mãe de muitos ódios, bem como a morte de incontáveis amores. Estes, porém, ainda são alguma coisa sólida a que se opor ou ceder; mas a frustração é apenas depressiva. Não se triunfa sobre ela como não se triunfa sobre o nada. Vai contra sua natureza, tediosa demais para empolgar uma luta. No máximo, pode-se esquecê-la por meio de algum objeto, quiçá voltando-se contra sua fonte. Mas, em si mesma, a frustração é vazia. E o vazio é a negação da existência, o único pecado mortal da Criação. Sejam, pois, malditos os que incitam esperas sem redenção, e lançam o vazio onde antes havia alguma coisa. São os verdadeiros inimigos de Deus, os suicidas do Cosmo. Não há perdão para eles, pois não se pode esperar perdão do nada -- pois não é a isso que nos reduzem quando nos aprisionam na não-ação e na expectativa inútil? Deixados de lado, inconscientemente infectados pelo não-ser...

Agora não importa. Em um dia que poderia ser tanto, mas que se reduziu a um buraco no calendário e uma esperança inane, encerro este mergulho na metafísica do tédio com o único poeta capaz de entendê-lo.

O Lamento das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,

O choro da Energia abandonada!



É a dor da Força desaproveitada

— O cantochão dos dínamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

jazem ainda na estática do Nada!



É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que se não realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...



E é em suma, o subconsciente ai formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo!


Augusto dos Anjos



Um comentário:

Anônimo disse...

...pois não se pode esperar perdão do nada...
Eis uma frase forte, que faria juz ao Schopenhauer... em sua esperança, por vezes, mal compreendida; sempre imaginei sua esperança como este nada da espera sem retorno, este parar no tempo e nos atos por um talvez... chego a pensar no mito da "Caixa de Pandora", suas duas versões, será a esperança (no sentido de espera) o pior dos males, enviada pelos deuses como castigo à raça humana, representada na pessoa de Prometeu? Prometeu sabia-o, avisou ao Epimeteu que aje antes de pensar... mas, os deuses sabem o caminho dos corações humanos e este passa pela razão.