Nada como o trabalho para nos fazer sentir úteis... e ansiosos para que ele termine. Ok, é verdade que não tenho que não tenho um horário fixo das 9h às 18h todo santo dia e faço parte da minoria privilegiada que ainda tem horas livres enquanto o sol brilha no céu e pode se dar ao luxo de acordar em horários decentes pelo menos algumas vezes por semana. Por outro lado, não tenho um expediente demarcado e os trabalhos que faço envolvem, de uma forma ou de outra, criação: de textos, de aulas, de atividades. Isso também gera sua cota de tensão, e é com alívio que me vejo livre de pelo menos uma das minhas obrigações: duas disciplinas a menos para administrar, menos provas para corrigir, menos textos obrigatórios para ler. Resultado? Retomei um velho hobby e troquei Roosevelt, Lincoln, Kardec e similares por três dias de histórias de terror. Do vitoriano ao mais moderno, passeei por gêneros e autores, feliz da vida (ou da morte...) em poder ler por puro deleite outra vez.
O primeiro foi World War Z: An Oral History of the Zombie War, que deverá ser traduzido em breve por aqui. Faz algum tempo que comprei o exemplar, mas é irônico que só agora o esteja lendo para valer, pois o faço justamente depois de descobrir o autor que o inspirou. Afinal, o que Max Brooks fez foi recriar o estilo do historiador e radialista Studs Terkel, autor de livros como The Good War, e aplicá-lo ao cenário romeriano de uma pandemia de cadáveres canibais reanimados. Em vez de um único narrador, temos depoimentos em forma de entrevista dos mais diferentes tipos de pessoa, desde políticos a seguranças de celebridades. Mais que os zumbis em si, interessa mais a desagregação de uma sociedade desesperada -- e o autor não se exime de muito sutilmente fazer uma certa crítica política e cultural nas entrelinhas de alguns de seus "entrevistados" (note-se a fala de um certo ex-vice-presidente americano, por exemplo). O livro aborda as diferentes fases da maior catástrofe necrofílica da história, desde os primeiros incidentes até os anos pós-guerra (sim, sobrou alguém, do contrário o formato não faria sentido...), e merece alguma consideração pelos apreciadores do gênero.
M.R. James
Saindo do presente para o passado mais glamouroso, descobri no site da Livraria Cultura um bom acervo da coleção Contos de Mistério e Sobrenatural da Wordsworth Editions. São brochuras muito baratas (R$ 11,30 cada uma) de autores em sua maioria vitorianos, mas que incluem desde o patriarca do Gótico Horace Walpole até o maior e mais erudito de todos os autores de histórias de fantasmas, M. R. James. Deste último fiquei com An Episode of Cathedral History, que foge aos clichês do bestiário sobrenatural que o cinema consagrou. Não é o mais medonho de todos os contos de James -- Number 13 chega a ser perturbador --, mas traz todo o seu estilo característico: a erudição coloquial do antiquário, o fraseado elegante, o cenário interiorano, a sutil introdução do extraordinário no cotidiano até então demasiado tranquilo. Não é para menos: não é sempre que um medievalista bem-sucedido se dedica a escrever contos sobrenaturais -- e ninguém melhor que um para dar veracidade àquilo que escreve.
Outro amigo de férias foi W. F. Harvey. Nunca ouviu falar? Não se preocupe, a grande maioria também não. Porém, é dele um dos mais originais e estranhos conceitos de vilão sobrenatural, do qual a primeira representação de massa tenha sido o filme The Beast with Five Fingers, de 1946, exibido no Brasil como Os Dedos da Morte. Esse filme impressionante traz uma atuação de Peter Lorre que, nalgumas cenas, mostra do que o cinema em preto e branco é capaz, mesmo nestes dias de CG e 3D. O filme é apenas levemente baseado na história de Harvey, que nos anos 80 teve uma adaptação em quadrinhos no Brasil -- jamais esqueci o que li numa daquelas Histórias Reais de Drácula, publicação mensal da Bloch Editores. O conto em si tem suas imperfeições, mas o conceito... O que posso dizer é que vale a pena. Pode-se lê-lo gratuitamente aqui.
Ilustração de Varney, the Vampyre:
exemplo de vampiro à moda antiga.
Ainda na mesma leva, uma "história real" de ataque vampírico na Inglaterra. Digo "real" porque sua proveniência não é tão fácil de determinar, e ela contém elementos confirmados de verdade -- não à toa se tornou famosa não nos famosos pulps em que tais histórias eram comuns, mas numa autobiografia do escritor Augustus Hare. Mais interessante ainda é que sua história nos permite ver o quão pouco a atual versão do vampiro hollywoodiano tem a ver com o monstro que povoa lendas e relatos mais antigos. Uma extensa discussão a respeito pode ser encontrada aqui, e uma concisa avaliação cética e desdenhosa, aqui. Já o relato propriamente dito pode ser lido neste link.
Um comentário:
Engraçado como realmente a descrição hollywodiana (e principalmente a realizada de alguns anos para cá) dos vampiros não condiz com as tão numerosas lendas ao redor do mundo. Há algumas aqui mesmo no Brasil, como as lendas indígenas. Há até mesmo uma lenda grega (creio ser a mais antiga), mas sem dúvida alguma, o povo europeu, e mais especificamente os eslavos, são os que têm as mais ricas lendas vampíricas.
Bacanas as indicações de livros! Pretendo ler alguma(s).
Fiz um comentário, como disse que faria, e nada de ser anônimo! =)
Postar um comentário