domingo, junho 07, 2009

O homem no mundo

Uma questão que me intriga é da espiritualidade na vida prática. Naturalmente, todos temos uma ideia disso, especialmente no quesito moral. Mas não é disso do que falo, do certo ou do errado, do bem e do mal. Sempre me fascinou a tensão entre a visão de mundo religiosa, portanto voltada para o Transcendente, e a ação humana no mundo e suas demandas não raro urgentes e pouco espirituais -- em seus extremos, entre o asceta e o pragmatista. Tendo já encontrado radicais de um lado e de outro, os que procuram viver só para o espírito e os que negam a validade deste, a busca de um caminho do meio sempre foi uma questão das mais envolventes para mim. Como viver ambos os mundos sem violentá-los? Como usufruir da singularidade de seus ensinos e de suas vivências, sem cair no proverbial sujeição a dois senhores e que corrói, tantas vezes, as religiões organizadas, tanto para o bem quanto para o mal?

Por isso mesmo, este se tornou um dos meus textos favoritos. À parte a linguagem fortemente cristã, sua essência é aplicável, penso eu, a qualquer um que procure vivenciar sua fé sem abrir mão do mundo à sua volta. E embora eu saiba que sua abordagem não seja plenamente compatível com todo e qualquer credo -- e como isso poderia ser possível? --, ainda assim é dele que me lembro nos dilemas do dia-a-dia.

Divido-o com vocês.
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UM ESPÍRITO PROTETOR

Bordeaux, 1863

            10 – Um sentimento de piedade deve sempre animar o coração daqueles que se reúnem sob o olhar do Senhor, implorando a assistência dos Bons Espíritos. Purificai, portanto, os vossos corações.Não deixeis que pensamentos fúteis ou mundanos os perturbem. Elevai o  vosso espírito para aqueles a quem chamais, a fim de que eles possam, encontrando em vós as disposições favoráveis, lançar em profusão as sementes que devem germinar os vossos corações, para neles produzir os frutos da caridade e da justiça.

            Não penseis, porém, que aos vos exortar incessantemente à prece e à evocação mental, queiramos levar-vos a viver uma vida mística, que vos mantenha fora das leis da sociedade em que estais condenados a viver. Não. Vivei com os homens do vosso tempo, como devem viver os homens; sacrificai-vos às necessidades, e até mesmo às frivolidades de cada dia, mas fazei-o com um sentimento de pureza que as possa santificar.

            Fostes chamados ao contato de espíritos de naturezas diversas, de caracteres antagônicos: não melindreis a nenhum daqueles com quem vos encontrardes. Estai sempre alegres e contentes, mas com a alegria de uma boa consciência e a ventura do herdeiro do céu, que conta os dias que o aproximam de sua herança.

            A virtude não consiste numa aparência severa e lúgubre, ou em repelir os prazeres que a condição humana permite. Basta referir todos os vossos atos ao Criador, que vos deu a vida. Basta, ao começar ou acabar uma tarefa, que eleveis o pensamento ao Criador, pedindo-lhe, num impulso da alma, a sua proteção para executá-la ou a sua benção para a obra acabada. Ao fazer qualquer coisa, voltai vosso pensamento à fonte suprema; nada façais sem que a lembrança de Deus venta purificar e santificar os vossos atos.

            A perfeição, como disse o Cristo, encontra-se inteiramente na prática da caridade sem limites, pois os deveres da caridade abrangem todas as posições sociais, desde a mais íntima até a mais elevada. O homem que vivesse isolado não teria como exercer a caridade. Somente no contato com os semelhantes, nas lutas mais penosas, ele encontra a ocasião de praticá-la. Aquele que se isola, portanto, priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de perfeição: só tendo de pensar em si, sua vida é a de um egoísta. (Ver cap. V. nº 26)

            Não imagineis, portanto, que para viver em constante comunicação conosco, para viver sob o olhar do Senhor, seja preciso entregar-se ao cilício e cobrir-se de cinzas. Não, não, ainda uma vez: não! Sede felizes no quadro das necessidades humanas, mas que na vossa felicidade não entre jamais um pensamento ou um ato que possa ofender a Deus, ou fazer que se vele a face dos que vos amam e vos dirigem.





3 comentários:

há palavra disse...

- Mestre, o que é o zen?
- Você já fez suas refeições?
- Sim.
- Então vá lavar sua tigela.

[extraído de: "Zen - estórias e koans"; Numen Editora, 1991]

Abraços!

Anônimo disse...

http://www.asitis.com/5/

Erica Cristina disse...

Acabei de crer q tu é meu irmão siamês mesmo,rs... Hj no estudo de Hammed caímos justamente nesta questão da dificuldade em encontrar este "caminho do meio". Boa lembrança este texto do Evangelho, ajudou a aliviar algumas fumacinhas na cabeça... Bjks