sábado, agosto 13, 2005

Paz e estagnação

Nunca se sabe tão bem o que realmente significa a paz como quando a perdemos. A estagnação, por sua vez, se anuncia já à chegada. A primeira é uma âncora, uma firmeza, algo que nos fortalece mesmo diante de uma tempestade a anunciada; a segunda é um pântano que nos prende sem que possamos divisar uma direção por onde sair dele.

Ambas nos fazem sentir estáveis, porém a paz é plena de promessas, não nos nega possibilidades e quiçá mudanças de rota; a estagnação é uma renúncia permanente, um eterno deixar passar de coisas que nos roçam de leve o desejo e logo são esquecidas sem recurso.

Para a paz, é sempre tempo; para a estagnação, sempre o tempo se perdeu.

A paz nos conduz, e se deixa conduzir; a estagnação nos emperra. Uma é o sopro de frescor nas horas de dificuldade; a outra não passa de uma falta de brisa.

A paz não exclui a esperança e a novidade, antes adapta-se ao seu movimento como numa dança; a estagnação não olha para o dia de amanhã, pois ele nada mais é que um novo ontem.

A paz acalenta e repousa; a estagnação prostra e exaure. Pois os pacíficos se recolhem para a renovação, e os estagnados se atolam num infindável presente.

A paz acalma os pensamentos, ordena-os, amplia-os por lhes abrir a opção da profundidade; a estagnação é sempre rasa, pois o tédio a tudo amortece.

A paz se permite algumas lágrimas de comoção pelas dádivas que encontra pelo caminho; a estagnação também chora, mas pelas dádivas que a encontraram e ela não as reconheceu.

A paz flui na harmonia; a estagnação bóia na recorrência.

A paz se transmite, se irradia aos que a contemplam; a estagnação, egoísta, não se partilha.

A paz cresce; a estagnação incha.

A paz é certeza; a estagnação é a dúvida sufocada.

A paz ama; a estagnação acomoda-se.

A paz evolui; a estagnação se detém.

A paz nem de longe se confunde com a mesmice, como o mar não se confunde com um charco; a estagnação jamais será inteiramente tranqüila, como uma poça não pode ser um lago, por sempre destinada a secar.

A paz é um sonho bom que nos consola e acarinha ao longo de todo o dia; a estagnação não tem sonhos — apaga-se a cada noite e continua opaca ao longo de todo o dia, quando não de toda a vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente para ser lido em uma bela madrugada, como eu fiz. Muito verdadeiro. Gostei da analogia com a âncora, muito apropriada e original.