sexta-feira, agosto 12, 2005

Terrorismo e religião -- relação desnecessária

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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Terrorismo não tem nada a ver com fanatismo religioso, afirma professor


Economia & Política - 05/08/2005 18:20

ENTREVISTA
Diego Mattoso / USP Online
mattoso@usp.br

Nova York, 11 de setembro de 2001. Madri, 11 de março de 2004. Londres, 7 de julho de 2005. Cidades e datas que marcam a face mais perversa da geopolítica internacional contemporânea: os ataques terroristas. Em todos eles, a palavra fanatismo não deixou de freqüentar discursos e páginas de jornais. A cada atentado, uma relação direta, quase automática, é estabelecida entre terrorismo, fanatismo, islamismo e países árabes e muçulmanos.

Crítico dessa interpretação, o professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Paulo Arantes acredita que a explicação para o avanço do terrorismo não está no fanatismo religioso. Para ele, os atentados são fruto da conjuntura política mundial, relacionada principalmente ao expansionismo norte-americano. O islamismo, segundo Arantes, seria apenas o fator de mobilização política contra a dominação estrangeira, sobretudo em países detentores de petróleo.

“Vende-se essa idéia de que existe um 'choque de civilizações'. Não se trata de guerra de religiões, pois isso não faz mais sentido. A religião é apenas uma motivação para racionalizar ressentimentos muito específicos”, constata o professor, referindo-se ao islamismo como a religião de maior potencial mobilizador no atual cenário político mundial.

Paulo Arantes é considerado um dos pensadores mais destacados da esquerda brasileira e, no próximo dia 11, participa do I Encontro Paulista “Fanatismo e Terrorismo ­ Conjunções e Disjunções”, quando ministra a palestra “Fanatismo e Terrorismo ­ Conjuntura Sócio-Econômica”. No dia 19, o professor integra a mesa-redonda “O Lugar do Fanatismo e do Terrorismo na Construção da Realidade”. Os eventos acontecem no Instituto de Psicologia da USP (ver programação completa).

Leia abaixo a entrevista do professor Paulo Arantes, concedida ao USP Online por telefone:


Em sua opinião, o fanatismo religioso é um fator que explica a escalada de terror que assola o mundo atualmente?

Paulo Arantes - Eu acredito que a questão não tem nada a ver com o fanatismo religioso. Vende-se essa idéia de que existe um “choque de civilizações”. Não se trata de guerra de religiões, pois isso não faz mais sentido. A religião é apenas uma motivação para racionalizar ressentimentos muito específicos. Ela foi o guia da formação dos Estados, há quatro séculos, quando as Igrejas e o poder espiritual faziam parte do poder político. A religião era a ideologia política, mas não é mais.

Há muitos trabalhos norte-americanos que desmentem essa associação entre terrorismo e fanatismo. Num deles, foi feito um levantamento sobre todos os atentados terroristas suicidas, e chegou-se à conclusão de que os terroristas não são motivados por razões religiosas, não se trata de fanatismo. É uma estratégia político-militar racional, que se usa da auto-emulação como recurso específico e que não tem qualquer relação com guerra de religião ou coisa que o valha. Foram analisados 381 atentados ocorridos de 1980 a 2003, e 98% dos casos tratam-se de razões políticas. A estratégia americana de combate ao terrorismo está completamente equivocada, porque os ataques suicidas são iniciativas políticas de agentes políticos que respondem a uma ocupação militar estrangeira em suas pátrias. As motivações pessoais para se converter alguém a homem-bomba é convencê-lo à libertação da terra natal que está sob domínio de forças estrangeiras.

Por que o fanatismo é um termo tão usado para explicar o terrorismo?

Arantes - Há uma espécie de vazio político de pensamento na sociedade contemporânea. Qualquer pessoa que esteja disposta a defender energicamente um ponto de vista e pense em alternativas que transcendam à ordem comum das coisas e ao consenso da sociedade contemporânea, é taxada como “fanática”, porque comete exageros e desvios da normalidade e porque tem princípios. Há um erro de percepção.

A idéia do fanatismo é uma forma de se desconsiderar o fato de que estamos presenciando uma espécie de guerra civil mundial. De ambos os lados existem atores perfeitamente modernos e contemporâneos. Ninguém seqüestra um avião e o joga contra um edifício em Nova York sem se sentir parte integrante de um mesmo mundo globalizado. Não por acaso a estratégia do terrorismo é adotada por agentes políticos mais fracos diante da potência dominante. Trata-se de uma guerra absolutamente assimétrica. Como os envolvidos são países petrolíferos árabes e muçulmanos e o Ocidente considera a religião dos povos vencidos retrógrada, há uma associação feita entre o islamismo, fanatismo e a iniciativa terrorista.

Em sua opinião, quais são as razões sociais para o crescimento do número de atentados terroristas suicidas nas últimas décadas?

Arantes - Tenho a impressão de que o avanço do terrorismo tem a ver com o retrocesso dos movimentos sociais e sindicais no mundo inteiro e com o colapso da modernização das periferias, em cidades que concentram grande contingente populacional sem qualquer perspectiva. O planeta hoje é urbano, e esse problema não se resolve da noite para o dia. O capitalismo só agrava isso. Como há uma desmoralização de todas as idéias progressistas e socialistas do século passado, a religião mobiliza parte dessa periferia, e a religião mobilizadora desse momento é o islamismo. Como todas as alternativas estão bloqueadas, o terrorismo torna-se a mais viável.

Ou seja, o que é e o que será do terrorismo está diretamente ligado à atual conjuntura do capitalismo.

Arantes - É, essa me parece a visão mais convincente.

E de que forma os eventos geopolíticos influenciaram para a constituição do atual cenário de avanço do terrorismo?

Arantes - Há autores que localizam em 1953 o epicentro da atual crise mundial, quando os EUA promoveram um golpe de Estado sangrento contra Mohammad Mossadegh, primeiro ministro iraniano que havia nacionalizado as companhias petrolíferas inglesas e americanas presentes no Irã. Colocou no lugar uma ditadura sanguinária da dinastia Pahlevi, em princípio para modernizar o Irã. Isso desestabilizou toda a região. A revolução iraniana (1979) é um ricochete dessa intervenção promovida pelos serviços de inteligência americanos para controlar o petróleo naquela região.

Se analisarmos esse evento como o foco do movimento islâmico radical atual, percebemos que é um movimento estratégico de enfrentamento entre poderes no tabuleiro geopolítico internacional, que não tem nada a ver com o fanatismo. Simplesmente os aiatolás iranianos mobilizaram um sentimento nacional que se exprimiu religiosamente como um sentimento de luta contra a espoliação colonial iniciada pelo golpe de Estado. O mundo ainda está pagando o preço desse desarranjo inicial.

Quer dizer que o fator política é mais determinante que o fator islamismo para explicar a escalada terrorista atual?

Arantes - Nenhuma religião foi tão militar e territorialmente expansionista como o cristianismo. Mas por que dizem que só o islã é uma religião militar e expansionista? Porque, nesse momento, as igrejas ocidentais convocam seus fiéis para o consumo, enquanto a religião islâmica mobiliza politicamente seus fiéis. Isso faz uma enorme diferença no mundo. Essa diferença tem um custo político e tem resultados estratégicos. Deve-se lembrar que o chamado terrorismo islâmico expulsou do Líbano os americanos, franceses e israelenses. O fato de haver um crescimento exponencial do terrorismo suicida mostra que ele funciona, tem resultados. É uma estratégia racional, semelhante ao que foram os kamikazes. As pessoas se escandalizam com coisas que estão aí há décadas.

Mas não quero banalizar o terrorismo, acho que é uma importante questão do mundo contemporâneo. Eu, como marxista, sou antiterrorismo. Na tese clássica do marxismo e do leninismo, o terrorismo desmoraliza as pessoas, desmotiva massas e classes sociais. Portanto, sou insuspeito de fazer apologia ao terrorismo. Mas acredito que o terrorismo veio para ficar, faz parte das questões insolúveis da sociedade contemporânea.

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