Domingo, 11 de Janeiro de 2009 |
Poe
No bicentenário de seu nascimento, escritor ainda mantém grande influência na literatura atual
Ubiratan Brasil
Mais conhecido por contos e poemas de mistério como A Queda da Casa de Usher, Os Assassinatos da Rua Morgue e O Coração Denunciador, Poe foi o criador de vários gêneros literários. Segundo Paul Valéry, o poeta francês avaro com as palavras, ele escreveu os primeiros e mais impressionantes exemplos da narrativa científica, além de exercícios da moderna poesia cosmogônica, do romance policial pedagógico, e da introdução de situações e estados psicologicamente doentios na literatura.
Os aplausos, é claro, não foram unânimes. Para Ralph Emerson, por exemplo, Poe era um autor supervalorizado. E Stevenson considerava cansativa e pouco verossímil a constante tentativa de passar lições de moral em seus escritos. A obra de Poe, no entanto, perdura e transcende o próprio autor. Italo Calvino, outro de seus admiradores, acreditava que, depois de Poe, toda a literatura do decadentismo nutriu-se fartamente de seus principais motivos; e o cinema, das origens até hoje, os divulgou à exaustão.
Os Assassinatos da Rua Morgue, por exemplo, é considerado o marco inicial do moderno romance policial e seu personagem principal, o investigador Auguste Dupin, inaugurou uma linhagem de detetives que se estende até hoje. E, nos contos góticos, pôs em prática suas teorias sobre a manipulação do leitor.
A divulgação mundial de sua obra se deveu às traduções francesas, especialmente as feitas por Charles Baudelaire que, de 1852 a 1865, verteu os textos de Poe, vendo nele um modelo, precursor do simbolismo, um autor de gênio, uma figura quase mítica. Na verdade, a obra de Poe permitiu a Baudelaire encontrar seu próprio rumo, liberando um talento à espera de ser desenvolvido.
Na verdade, Poe ressaltava suas virtudes intelectuais para fugir da desgraça pessoal. O autor de O Corvo, poema de extremo virtuosismo formal, levava uma vida atribulada, desvinculado de laços familiares e amizades sinceras. Conheceu a pobreza e morreu misteriosamente aos 40 anos, provavelmente vítima das drogas e do álcool. Poe chocou leitores e críticos, como escreveu Júlio Cortázar, por construir figuras que "se abandonam às neuroses, à mania, à normalidade ou ao vício, sem a menor sutileza." Criou, enfim, "um só personagem com vida interior".
A realidade o atormentava. A ponto de vários momentos de sua vida parecerem encomendados por Hollywood. Filho de atores amadores, Edgar Poe ficou órfão aos 2 anos, sendo socorrido por um rico comerciante que o abrigou (e de quem adotou o sobrenome Allan). Depois de um raro período de conforto material e espiritual, foi estudar na Universidade da Virgínia, onde começou a jogar, beber e acumular dívidas. O vício pelo álcool, aliás, marcaria o resto de sua trajetória, uma linha tortuosa em que empregos temporários em jornais, constantes trocas de pensões e projetos que não saíam do papel não passavam de desesperadas tentativas de fazer com que o acreditassem nascido em berço esplêndido, educado no exterior e com um passado rico em aventuras tão fantásticas quanto as de seu personagem Arthur Gordon Pym.
Poe não conseguia conciliar o trabalho com a vida cotidiana, pois alternava o rigor e a disciplina dos momentos de criação com um completo desalinho e um constante hálito alcoólico com que era encontrado nas ruas, criando o duplo de si mesmo. Colecionou uma série de infortúnios até que, na madrugada de 7 de outubro de 1849, depois de uma série de acontecimentos nebulosos, foi levado para um hospital onde balbuciou suas últimas palavras: "Senhor, ajudai minha pobre alma". Nunca se soube a causa precisa de sua morte - embriaguez a mais provável, mas também há hipóteses de diabetes, sífilis, raiva ou doenças cerebrais raras. Certo, mesmo, é o valor permanente de sua obra, como comprovam os inúmeros seguidores.
Um comentário:
Parabéns ao Grande!
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