CANÇÃO ÓBVIA
Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais,
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,:
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso, esperar, na forma em que esperas,
porque esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente ,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.
Genève, Março 1971.
4 comentários:
Rodrigo,então permita minha catarse,através dos versos de Florbela Espanca.
LÁGRIMAS OCULTAS
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era qu'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico,pensativa,olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro,branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
A UM LIVRO
No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste.
Sombra roubada ao livro de mágoas que me deste.
Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto,sem poder dizer!
Leio-o e folheio,assim,toda a minh'alma!
O livro que me deste é meu e salma
As orações que choro e rio e canto!...
Poeta igual a mim,ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!...Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!...
EU
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo,triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam de triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
RODRIGO,RELENDO ALGUMAS COISAS,ENCONTREI UM POEMA QUE TAMBÉM FALA DE ESPERAR.ESTÁ NA REVISTA CANDELÁRIA,Nº1,PÁG.145,ANO 2004. O AUTOR É AGUINALDO RAMOS.
OLHA QUE BONITO O QUE ELE DIZ SOBRE ESPERA E ESCOLHA!
DÚVIDA
Ao decidir personagem fica entre
a espera e a escolha.
A espera é o espaço do meio,
tem peso de mala
se cerca de vícios.
A espera desloca o ritmo,
dilata o ventre no tempo, é lugar de desvios.
A escolha é uma arte
ou justo a morte do nada.
A escolha é o corte,
a arte exata do passo no chão.
A espera é a face de frente pra dúvida,
o anseio do brilho nos olhos,
a pose de estátua fechando a saída:
a espera se planta nos pés.
A escolha é o fio de fogo na face,
o risco rasgando o perfil à feição,
é mais que sentido ou razão:
a escolha sai do coração.
A espera está sempre indecisa.
A escolha tem sempre razão...
lindo, lindo, lindo...
Beijos,
G.
Postar um comentário