Por Fábio Marton
Em Losing the Race: Self-Sabotage in Black America (“Perdendo a Corrida/Raça: Auto-Sabotagem na América Negra”), o lingüista John McWorther afirma que o pior problema dos negros é a própria vitimização. Alguns o chamaram de “traidor da própria raça” e “negro de aluguel”. Enquanto outros o abordaram na rua para dizer como o livro mudou a vida delas. A seguir, McWorther fala com a Super:
O que é a dupla consciência negra?
O que eu tento dizer com essa expressão é que, mesmo que ainda haja racismo na sociedade, o maior problema para a comunidade negra não é o que os brancos pensam dela. O problema é cultural, é interno, o modo como os negros tratam a si próprios. Acho que as pessoas precisam ajudar a si próprias e umas às outras. É assim que as sociedades evoluem. Os negros, na verdade, sabem disso, dizem isso para si o tempo inteiro. Mas, em público, quando há um branco por perto, passam a se fazer de vítimas, a falar sobre como a sociedade tem uma dívida, como o racismo é sutil, mas ainda está lá. É uma dupla consciência: você é uma vítima em público e um vitorioso em casa. E isso cria uma grande confusão na forma como o racismo é discutido nos EUA.
Você recentemente escreveu um artigo chamado Pare a Ku Klux Klan Negra. Existe um equivalente negro à KKK?
Claro que foi um recurso retórico, que eu tomei emprestado do [comentarista negro de esportes] Jason Whitlock. O caso é que, quando uma pessoa negra é morta, na maioria das vezes é por outra pessoa negra, envolvida com gangues e drogas. Esses assassinos são a KKK negra. Se um sujeito branco de uma escola do Sul tem um surto e sai matando negros, o crime é manchete em todos os jornais. Mas negros são alvejados por negros o tempo inteiro e o fato é considerado, banal, assunto sem importância. Os negros dão muita importância a quando um branco mata um negro, mas não a quando um negro faz a mesma coisa. Isso não está certo.
Como você vê a influência dos negros americanos sobre os negros do mundo?
Quer saber? Eu me preocupo bastante com a influência dos negros americanos sobre outros negros. Estou falando é do hip-hop e da pose de gangsta. Quando vejo os turcos imitando essa pose na Alemanha, os negros das favelas do Brasil, acho muito perigoso. A mesma coisa acontece na África, onde a pobreza é extrema e existe uma enorme necessidade de recursos humanos, mas as músicas dos jovens ficam falando em balançar o traseiro, como as americanas. Isso decididamente não é a melhor coisa no mundo.
Desde a era do jazz, a música negra americana é referência mundial. Como ela está agora?
Nada bem. Mesmo que boa parte seja realmente boa música, a fúria, o discurso do ódio é teatral, é uma pose. Ser furioso é fácil, ser furioso é legal, ser furioso é algo para mostrar. Mas muito do hip-hop é fachada, é ser furioso por ser furioso. Usar roupas largas, mostrar o dedo médio para os adultos, xingar um monte, tratar mal as mulheres e falar o tempo todo o quanto você é o máximo. E qual é a mensagem? A mensagem é que todos os negros devem se comportar assim até que a haja igualdade racial. E, quando você se enjoa da pose, o que você fez para ajudar alguém e o que você fez para ajudar a si próprio? Um garoto branco pode gostar de hip-hop, mas no final ele sabe que vai ter de batalhar e estudar muito para conseguir conquistar uma vaga na universidade.
Como foi ser jovem durante a chamada “era de ouro do hip-hop”?
Eu não morava em Nova York e, pra dizer a verdade, isso não era tão influente assim. Minha mãe e meu pai tinham diploma universitário, então não sou o caso clássico de uma família pobre lutando para levar a primeira geração à universidade. Quando eu era jovem, já disseram que era “muito branco”, porque não falo como os negros do movimento. Hoje, sou freqüentemente ofendido por negros, principalmente porque vivo de escrever coisas de que as pessoas nem sempre vão gostar.
Você já foi vítima de racismo?
Não diria que fui vítima, mas houve vezes em que a raça teve parte em tornar certos eventos negativos. Certa vez não consegui um emprego e, meses depois, fui descobrir que era por causa de minha cor. Coisas assim. O racismo fez parte de minha vida e geralmente de uma forma dolorosa. Mas, pra dizer a verdade, hoje em dia ele é muito mais indireto que costumava ser. E esse é o ponto mais importante do meu livro Losing the Race: o racismo não foi uma parte suficiente da minha vida pra dizer que é particularmente importante.
É possível classificar com exatidão quem é branco e quem é negro?
Essa é uma questão muito interessante. Existe essa forma brasileira e latino-americana de identificar as pessoas. Você pode estar entre todos os graus entre “branco” e “preto”, pode ser “meio preto, mas não preto” e identificado assim. Aqui, com a One Drop Rule [regra segundo a qual quem tem uma pequena descendência negra é negro], quando você tem um pai branco e uma mãe negra, tem em si a “negritude”, e é negro, ponto. Mas existe um movimento birracial que, nos últimos 10 anos, tenta incluir a opção mulato no censo. É uma coisa absolutamente nova, impossível de pensar nos anos 70 e 80 por exemplo.Mas não é um caso de melhor ou pior.
Como você define o fato de ser negro? É viver uma situação especial?
Minha definição não é tão profunda quando a de várias pessoas seria: existe uma subcultura negra na América. Existe um jeito de falar – ainda que eu não fale assim –, existe uma expressão corporal diferente, existe uma culinária – e nessa eu definitivamente estou dentro –, existe a música, antes do hip-hop, o blues, o jazz, o soul e o funk. Você é criado no meio disso, e você se identifica com essas coisas. Para muitos, porém, ser negro é também ser vítima. Para mim, não. Eu não vou sair por aí remoendo uma concepção frágil de mim mesmo. Eu sou negro, meus pais são negros, eu tenho a cultura negra. Mas me defino, primeiro, como ser humano, segundo, e principalmente, americano, e só depois como negro.