segunda-feira, julho 30, 2007

Versos para um dia cinzento

Para que serve um bom poema senão para dar forma àquilo que, no momento, é indizível?

Se eu morrer novo

Se eu morrer novo,
sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

sábado, julho 28, 2007

A primeira superprodução italiana



Amantes da sétima arte e de Gustave Doré, não percam isto:

http://www.linferno.com/index.htm


Já sei o que vou querer de Natal...

Outra descoberta tardia


Sem dúvida, este film e sua continuação feita dez anos depois, Antes do Pôr-do-Sol, constituem o mais belo romance já feito nas últimas décadas. Com diálogos realistas e inteligentes, sem clichês mas sem abrir mão do encantamento, são filmes que continuam a nos assombrar muito depois de acabarem os créditos. Fico realmente feliz por tê-los assistido, ambos no mesmo dia.

E Julie Delpy acaba de ganhar o posto de Musa cinematográfica ao lado de Jennifer Connelly. Que vontade de conhecer Viena...

quinta-feira, julho 26, 2007

quarta-feira, julho 25, 2007

Breves avisos

Voltei ao modelo anterior do Divagações, com uma ou outra modificação. Mas ainda estou indeciso se o mantenho ou fico com aquele azul que estava aqui até ontem. Opiniões são bem-vindas.

A Azel's Home Page, por sua vez, saiu do ar pela primeira vez em oito valorosos anos. O Yahoo simplesmente decidiu apagar minha conta, levando de roldão minha lista de discussão de História (com mais de 170 membros) e o site. Não me disseram o motivo real, exceto que o termo de serviço previa que isso poderia acontecer. Estou no escuro até agora, e também no prejuízo, pois eles não me deixam usar o velho endereço para reabrir o site.

O que me faz lembrar o quão efêmera pode ser a Internet. Todo esse HTML e todos esses pixels não passam de névoa...

A nossa natureza "imoral"

Já falei antes aqui sobre a sociobiologia -- a idéia de que muitos dos comportamentos humanos podem ser explicados por uma abordagem darwinista. Dado o papel que o impulso reprodutivo tem nela, em seus aspectos fundamentais, não é tão diferente assim da psicanálise freudiana: por trás de muito do que fazemos estaria, simplesmente, o sexo, ainda que a linguagem da sociobiologia enfatize os genes e não um mecanismo psíquico. De qualquer forma, como era de se esperar, a visão de mundo sociobiológica, surgida da zoologia, previsivelmente tornou-se uma corrente psicológica chamada "evolucionista".

Uma das maiores dificuldades da perspectiva sociobiológica é o determinismo nela implícito. Acostumados que estamos a nos ver como seres especiais, é difícil, uma vez que se aceite a análise sociobiológica, resistir à idéia de que somos apenas animais mais imaginativos que, não obstante, mantêm-se escravizados à sua programação genética. Nossas preferências, gostos, motivações, e até algumas de nossas ideologias e religiões, seriam no fundo apenas estratégias sofisticadas ligadas à obsessão de passar nossos genes adiantes. E o pior é que, da maneira como são apresentadas, essas explicações parecem tão abrangentes e lógicas que é difícil resistir a elas sem um certo grau de informação e pesquisa. É sempre muito tentador retomar a idéia de natureza humana como chave explicativa de tudo que fazemos, sentimos e desejamos. Como demonstraram os darwinistas sociais do século XIX e início do XX, de chave explicativa para tese legitimadora do status quo, ou coisa pior, bastam poucos passos.

De minha parte, considero-me um moralista. Não, isso não significa que eu use o preto severo dos velhos pregadores puritanos e saia por aí brandindo maldições contra a corrupção dos costumes; nem tampouco que eu siga um código estrito e "ultrapassado" de conduta. Longe disso. Meu moralismo se refere ao sentido mais antigo dessa palavra, de alguém que se preocupa com noções de certo e errado, que reflete (ou tenta refletir) sobre as ações humanas e procura referenciá-las a algum padrão ético. No meu caso, um padrão transcendente que não se reduz a instintos e programação genética, e nada tem a ver com estratégias reprodutivas. Embora reconheça tais forças como relevantes, de forma alguma admitiria que elas devam ser a nossa meta, ou a única fonte de nossos atos.

Entretanto, o quão relevantes elas são? De que formas somos influenciados por elas? Eis o tipo de coisa em que a sociobiologia, com todas as suas controvérsias, pode ser útil. Afinal de contas, até para cultivar o espírito é preciso conhecer também o animal que também vive em nós.

O artigo parcialmente reproduzido abaixo ilustra o quanto a perspectiva sociobiológica vem avançando nas ciências humanas, mas seus autores felizmente não chegam a ser radicais como Richard Dawkins. O texto apresenta alguns dados empíricos muito interesantes, e sua versão integral está disponível neste endereço. Vale a pena a leitura.

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Ten Politically Incorrect Truths About Human Nature
Why most suicide bombers are Muslim, beautiful people have more daughters, humans are naturally polygamous, sexual harassment isn't sexist, and blonds are more attractive.


Human nature is one of those things that everybody talks about but no one can define precisely. Every time we fall in love, fight with our spouse, get upset about the influx of immigrants into our country, or go to church, we are, in part, behaving as a human animal with our own unique evolved nature—human nature.

This means two things. First, our thoughts, feelings, and behavior are produced not only by our individual experiences and environment in our own lifetime but also by what happened to our ancestors millions of years ago. Second, our thoughts, feelings, and behavior are shared, to a large extent, by all men or women, despite seemingly large cultural differences.

Human behavior is a product both of our innate human nature and of our individual experience and environment. In this article, however, we emphasize biological influences on human behavior, because most social scientists explain human behavior as if evolution stops at the neck and as if our behavior is a product almost entirely of environment and socialization. In contrast, evolutionary psychologists see human nature as a collection of psychological adaptations that often operate beneath conscious thinking to solve problems of survival and reproduction by predisposing us to think or feel in certain ways. Our preference for sweets and fats is an evolved psychological mechanism. We do not consciously choose to like sweets and fats; they just taste good to us.

The implications of some of the ideas in this article may seem immoral, contrary to our ideals, or offensive. We state them because they are true, supported by documented scientific evidence. Like it or not, human nature is simply not politically correct.

Adapted from Why Beautiful People Have More Daughters, by Alan S. Miller and Satoshi Kanazawa, to be published by Perigee in September 2007.

  1. Men like blond bombshells (and women want to look like them)

    Long before TV—in 15th- and 16th- century Italy, and possibly two millennia ago—women were dying their hair blond. A recent study shows that in Iran, where exposure to Western media and culture is limited, women are actually more concerned with their body image, and want to lose more weight, than their American counterparts. It is difficult to ascribe the preferences and desires of women in 15th-century Italy and 21st-century Iran to socialization by media.

    Women's desire to look like Barbie—young with small waist, large breasts, long blond hair, and blue eyes—is a direct, realistic, and sensible response to the desire of men to mate with women who look like her. There is evolutionary logic behind each of these features.

    Men prefer young women in part because they tend to be healthier than older women. One accurate indicator of health is physical attractiveness; another is hair. Healthy women have lustrous, shiny hair, whereas the hair of sickly people loses its luster. Because hair grows slowly, shoulder-length hair reveals several years of a woman's health status.

(Continua...)





sábado, julho 14, 2007

En voyage


Este blogueiro se encontra em expedição antropo-socio-psico-turismológica às gélidas terras do Sul. Ele pede a todos que lhe queiram falar para deixar um recado que, caso sobreviva ao inverno meridional, ele responderá o mais rápido possível.

segunda-feira, julho 09, 2007

Divagações musicais

Durante boa parte da minha vida, ouvi predominantemente música clássica e instrumental, sobretudo a sinfônica. Enquanto meus colegas de escola e até alguns amigos desfrutavam sua adolescência procurando se identificar com as letras de tantas canções -- Legião Urbana era uma escolha certeira daqueles com noções mínimas de gosto --, eu sempre preferi noturnos, poemas sinfônicos e, quando os encontrava, temas incidentais. Nessa época antes da Internet e do Napster, a preferência por tais gêneros tinha um lado negativo: algumas melodias absolutamente encantadoras podiam ser terrivelmente difíceis de achar, e, como eram puramente instrumentais, não havia refrão que pudesse ser procurado nos mecanismos de busca. Se o locutor da rádio não anunciasse o nome ou se não houvesse papel para anotar, ou ainda se o nome do compositor fosse ininteligível ou a trilha em questão só aparecesse de relance numa determinada cena de filme ou desenho, uma composição magnífica poderia se perder para sempre. E muitas tiveram esse destino triste, vítimas dos abismos da memória, buscadas mais tarde na casualidade da programação radiofônica, das reprises televisivas ou, eventualmente, nos lançamentos em vídeo. Não poucas vezes alugava uma fita para ouvir a música de uma cena específica, e ali me perder em notas que por razões misteriosas ecoavam em minha sensibilidade e diziam algo de sublime à minha alma. Esqueci-as aos borbotões, sem que perdesse de todo a marca que cada uma deixava em minhas emoções. Longe de um mero passatempo, elas podiam se tornar momentos preciosos de introspecção e/ou catarse, e eu me lançava à torrente de sensações e cenas imaginárias que as notas sugeriam, sem palavras nem versos, mas intensas sempre. Da Eroica de Beethoven a uma casual faixa instrumental de alguma banda mais popular, como a própria Legião, os momentos musicais sempre traziam em si alguma promessa de êxtase.

Não obstante, aos poucos fui ouvindo cada vez menos música, limitando-me a alguns CDs espaçados, tocados uma, duas ou três vezes, e ao considerável acervo de meu disco rígido. O engraçado é que, num mar de opções ao meu gosto, eu tendia a ouvir quase sempre as mesmas músicas, uma fração muito reduzida do total, geralmente enquanto fazia alguma outra coisa. As sessões de fruição musical propriamente dita deram lugar a sessões de múltiplas atividades com música ao fundo, o que é um tanto diferente. Quando dei por mim, notando também a evolução deste blog e de minhas leituras, vi-me demasiadamente em prosa. Salvo momentos muito específicos, percebi-me por demais descritivo, analítico, ainda apaixonado pela beleza mas sem a mesma comoção. Uma fruição estética serena, talvez até demais, que só de vez em quando sentia fome de belas notas e do prazer inconfundível que elas podem proporcionar. A energia que tive de dedicar ao saber e aos raciocínios nos últimos tempos -- por força de novos compromissos acadêmicos e profissionais -- de certa maneira ocupou parte do espaço antes destinado à ânsia da beleza pura, outrora mais ativa e perceptível.

Ontem, porém, ao visitar um amigo enlutado, tive uma agradável surpresa. Depois de um longo tempo acomodado ao meu próprio acervo, já tão conhecido, eis que descubro Sigur Rós através de um clipe extremamente lírico. Nunca tinha pensado em explorar outros gêneros começando pela Islândia, a exótica ilha gelada repleta de atividade vulcânica cuja independência "comemorei" em post anterior. Musicalmente, os 300.000 islandeses eram representados por Björk, um ser de outro planeta que já era celebridade o bastante para uma nação ínfima. E apesar disso, numa noite que aparentemente seria marcada pelo travo da melancolia, senti um pouco da velha ânsia, do doce apetite por beleza sonora que quase já não mais associava às produções não exclusivamente instrumentais. Um sinal de que chegou a hora de explorar um mundo novo de musicalidades há muito negligenciadas.

Portanto, aproveitando uma dica do blog da Jaqueline, criei uma nova seção neste blog. Por meio da imagem em flash no menu à direita, meus sete leitores poderão ouvir um pouco do grupo islandês e outros similares, todos representantes de alguma coisa alcunhada de "pós-rock", que, por sua vez, tem uma veia minimalista que me recorda uma trilha recente muito de meu agrado. Aproveito para lhes apresentar também o Last.fm, uma notável rádio virtual gratuita que vale a pena conhecer. É só clicar, registrar-se, baixar um software de pouco mais de 3Mb e reservar algum tempo para brincar em um oceano de possibilidades sonoras.

Quanto a mim, seguirei em busca de um pouco do êxtase que só a música proporciona.

terça-feira, julho 03, 2007

O sexo da União Européia

Um dos motivos pelos quais a Europa ainda é um lugar fascinante.

Pena que não há indicação dos filmes de que as cenas são retiradas. Em todo caso, não deixem de conferir o que o dinheiro dos contribuintes do Velho Mundo tem ajudado a financiar:
http://www.youtube.com/watch?v=koRlFnBlDH0.

segunda-feira, julho 02, 2007

Essa tal felicidade

Extraído da última edição de Philosophy Now: http://www.philosophynow.org/issue61/61kazez.htm.

Transcrevo abaixo apenas a parte inicial do artigo, que merece ser lido na íntegra. Também pode valer a pena dar uma olhada nos livros indicados, um dos quais, uma história da idéia de felicidade, já está na minha mira. O assunto é particularmente interessante por auscultar um daqueles valores que, de tão espraiados sociedade afora, tornam-se quase invisíveis. Estamos aqui para ser felizes, é o segredo da vida que tantos livros, filmes e um sem-número de "morais da história" nos ensinam desde que nos entendemos por gente. E, no entanto, o conceito de felicidade que muitas vezes se esconde por trás desse lema, se examinado à luz dos valores de outras épocas, pode parecer muito ralo, para dizer o mínimo.

Ora, o que chamamos de felicidade, essa culminância da vida que perseguimos, ou achamos que devemos perseguir, com toda nossa alma? Será um romance, uma família, um projeto realizado, a segurança material, tudo isso junto? E mesmo que a definamos, conseguiremos realmente alcançá-la? Em caso positivo, será um estado permanente de satisfação? Se não for, que sentido terá a vida nos momentos inevitáveis da ausência de felicidade? E, se uma vez alcançada, desenvolvermos outro conceito de felicidade? Afinal, não é da natureza humana nos acostumarmos com situações prolongadas e nos tornarmos um tanto insensíveis a elas?

Bem, não ficarei aqui a especular. Leiam o artigo e tirem suas conclusões. Quando se trata de determinados temas, pode ser mais proveitoso ter as perguntas em mente que as possíveis respostas. Afinal, se tem uma coisa que é comprovadamente satisfatória não é a conquista, mas a busca dessa tal felicidade.

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More Happiness Please

If we think carefully about our decisions, we’ll wind up living better lives, right? Jean Kazez asks this question in response to three recent books about happiness.


Do reflective people live better lives? To the Greeks, the answer was obvious. If the unexamined life is not worth living, as Socrates said, the examined life goes much better. We need to think deeply before aiming and acting, if we are to have the best chance of succeeding. Think, aim, succeed. It sounds good; but do things really work that way?

Two recent books on the psychology of happiness call into question the notion that success in life depends on thinking and aiming. Stumbling on Happiness, by Harvard psychologist Daniel Gilbert, suggests that we don’t steer our way toward better lives, but mostly just happen upon them. In The Happiness Hypothesis, University of Virginia psychologist Jonathan Haidt compares a person to a combination of horse and rider. Thinking (the rider) is not entirely in control.

Stumbling and Steering

We have to stumble on happiness, according to Daniel Gilbert, because we are so bad at predicting our future feelings. If you were paralyzed from the neck down, you would be vastly less happy, obviously, right? Studies show otherwise. At first you’d be devastated; but you’d adjust and find new ways of being happy. It’s not at all surprising that people can’t predict the next earthquake or the next fad, but our feelings are in our own heads. Why can’t we predict our own mental weather?