terça-feira, maio 08, 2007

A fábula moral do Homem-Aranha


Homem-Aranha 3, lançado na última sexta-feira no circuito brasileiro, ilustra uma tese típica de nosso tempo: a do carisma do homem comum. Uma superprodução digna do herói que a protagoniza, o filme de Sam Raimi retoma a idéia-base de seus dois antecessores, que é tratar não de batalhas épicas entre o Bem e o Mal, mas das pessoas que se escondem por trás dos rótulos de herói e vilão. Numa linha similar à do grande clássico do gênero, Superman – The Movie, de John Donner, a trilogia de Raimi fala sobretudo de Peter Parker, o adolescente tímido que por acaso se torna super-herói. São seus dilemas, dores e ilusões que dão o grande recheio dos três filmes, e fazem deles, em vez da exibição machista de proezas físicas e personagens superficiais típica de filmes de ação, obras mais delicadas, em que cada personagem tem seu próprio drama, suas motivações e dúvidas. Os vilões, seja o maligno Duende Verde ou o apaixonado Dr. Octopus, têm seus momentos de ternura, e levam a platéia a torcer por sua redenção. Afinal, mais do que antagonistas terríveis e cruéis, que eles também são, eles possuem, como Peter, suas próprias tragédias, e não se tornaram o que são por livre-escolha. Vendo-os em confronto com o Parker-herói em batalhas bombásticas, é difícil não imaginar que poderia haver uma outra solução, uma outra forma de lidar com seus conflitos. Que tenham de se enfrentar do jeito mais violento acaba sendo uma faceta a mais em sua tragédia.

Nessa terceira parte das aventuras do Aracnídeo, esse cuidado de Raimi fica mais uma vez explicitado na figura do Homem-Areia, um vilão menor na galeria de inimigos do herói. Flint Marko, que é reinventado como participante de um momento crucial na vida de Parker, não é um maníaco que procura descontar no mundo as suas frustrações; é, tão-somente, um sujeito confuso, perseguido, que procura, do único jeito que conhece, compensar a filha doente pela vergonha e a ausência de um pai condenado à prisão. O momento em que ele renasce como Homem-Areia talvez seja o mais bonito e doloroso já dedicado a um antagonista em todos os grandes filmes de fantasia, e com certeza no gênero super-heróico. Pode-se até questionar se Marko é realmente um vilão ou simplesmente um anti-herói trágico. Seja como for, a forma como o personagem foi construído confirma o quanto Homem-Aranha é uma série inovadora, rompendo os estereótipos maniqueístas que infestam os filmes-pipoca feitos em Hollywood, que por sua vez constituem parte da educação moral de nossa geração multimídia. Além de coragem e da nobreza individual que são atributos tradicionais do heroísmo, os três Homem-Aranha são narrativas permeadas também pela compaixão — um sentimento, e um valor, ainda muito pouco cultivados diante do que seria preciso em meio às turbulências humanas.


A primeira aparição do uniforme negro alienígena (1984)

Claro, nenhum dos filmes é perfeito, e essa terceira parte não é exceção. Nunca gostei da escalação de Kirsten Dunst para o papel de Mary-Jane, por exemplo, mas não se pode esperar que uma terceira parte que faz referência o tempo todo aos filmes anteriores mude a atriz principal. Mas a principal crítica é que Raimi peca ao fazer um filme com excesso de informação: além do Homem-Areia, existem o novo Duende Verde, o simbionte alienígena que origina o uniforme negro e, por fim, Venom. Na ânsia de apresentar tantos oponentes, temas excelentes são tratados com uma pressa lamentável: o drama do Homem-Areia não é devidamente explorado, e até a relação entre o simbionte/uniforme negro e Parker, que por si só já renderia um ótimo suspense e mesmo terror, é resolvida um tanto abruptamente, em meio a coincidências improváveis e uma improvável redenção de última hora. Fico me perguntando se isso não se deveria à possibilidade de Raimi querer se despedir da série (que deve continuar no futuro próximo) em grande estilo, procurando reunir o maior número possível de sagas clássicas dos quadrinhos num único longa-metragem. Quem sabe? Esse mesmo mal destruiu X-Men 3, mas felizmente, no caso de Raimi, apenas diminuiu um pouco o mérito de uma produção que, em tudo mais, senão brilhante, muito divertida.

Enfim, Homem-Aranha 3 conclui bem a melhor trilogia super-heróica jamais feita e deve agradar tanto aos fãs quanto aos neófitos, às crianças e aos adultos. Combinando aventura, romance e uma dose considerável de bom-humor (há cenas absolutamente impagáveis), é diversão certa e vale o ingresso. Fica a recomendação.

***

P.S.: Já ia esquecendo de dizer que o filme tem uma breve e hilária participação de Bruce Campbell, protagonista de Uma Noite Alucinante e que de vez em quando aparece nas produções de Raimi. Vale conferir!

4 comentários:

Anônimo disse...

Assim como nos "300", uma crítica recheada de coerência e bom gosto!


Um forte abraço

A propósito, terá aula hoje?

Talvez esse não seja o meio mais apropriado para se saber, mas foi o único que encontrei.

Anônimo disse...

Olá, Douglas.

Grato pelo comentário. Seja sempre bem-vindo a este modesto e não muito movimentado blog.

Sobre a aula, eu fui à faculdade e só lá é que soube da greve. Mas ainda não sei nada sobre as razões dela, então só posso dizer que "aderi" porque não havia um só aluno por lá. Pena, pois o tema de hoje é muito interessante.

Espero sinceramente que esse problema acabe logo. Nosso programa já está atrasado, e não posso avançar o mês de julho com aulas repostas por conta de uma viagem há muito agendada. Vamos torcer para que saia tudo bem.

Um abraço,
Rodrigo.

Unknown disse...

Estive aqui justamente para procurar a crítica do filme. E, de fato, não saio decepcionado. Apesar de tentar esconder um maniqueísmo rasteiro, acho difícil não cair nele em filmes confessadamente blockbusters... e o homem-aranha não foi tão diferente. Até seria difícil, tratando do simbionte. Um filme que também trata sobre redenção, do Peter, do Harry, do Flint, do Eddie... todo mundo no fim é bonzinho...

Rodrigo disse...

Oi, Fábio.

Eu achei o segundo filme superior, mas o terceiro lida com certas questões subjetivas de forma mais elaborada. Acho ótimo que os vilões sejam tratados com mais respeito de vez em quando, e, particularmente, embora essa não seja a função principal de um filme, acho que isso até tem caráter educativo em uma produção que será vista por milhões de crianças. Realmente vale a pena assistir.

Um abraço,
R.