Homem-Aranha 3, lançado na última sexta-feira no circuito brasileiro, ilustra uma tese típica de nosso tempo: a do carisma do homem comum. Uma superprodução digna do herói que a protagoniza, o filme de Sam Raimi retoma a idéia-base de seus dois antecessores, que é tratar não de batalhas épicas entre o Bem e o Mal, mas das pessoas que se escondem por trás dos rótulos de herói e vilão. Numa linha similar à do grande clássico do gênero, Superman – The Movie, de John Donner, a trilogia de Raimi fala sobretudo de Peter Parker, o adolescente tímido que por acaso se torna super-herói. São seus dilemas, dores e ilusões que dão o grande recheio dos três filmes, e fazem deles, em vez da exibição machista de proezas físicas e personagens superficiais típica de filmes de ação, obras mais delicadas, em que cada personagem tem seu próprio drama, suas motivações e dúvidas. Os vilões, seja o maligno Duende Verde ou o apaixonado Dr. Octopus, têm seus momentos de ternura, e levam a platéia a torcer por sua redenção. Afinal, mais do que antagonistas terríveis e cruéis, que eles também são, eles possuem, como Peter, suas próprias tragédias, e não se tornaram o que são por livre-escolha. Vendo-os em confronto com o Parker-herói em batalhas bombásticas, é difícil não imaginar que poderia haver uma outra solução, uma outra forma de lidar com seus conflitos. Que tenham de se enfrentar do jeito mais violento acaba sendo uma faceta a mais em sua tragédia.
Nessa terceira parte das aventuras do Aracnídeo, esse cuidado de Raimi fica mais uma vez explicitado na figura do Homem-Areia, um vilão menor na galeria de inimigos do herói. Flint Marko, que é reinventado como participante de um momento crucial na vida de Parker, não é um maníaco que procura descontar no mundo as suas frustrações; é, tão-somente, um sujeito confuso, perseguido, que procura, do único jeito que conhece, compensar a filha doente pela vergonha e a ausência de um pai condenado à prisão. O momento em que ele renasce como Homem-Areia talvez seja o mais bonito e doloroso já dedicado a um antagonista em todos os grandes filmes de fantasia, e com certeza no gênero super-heróico. Pode-se até questionar se Marko é realmente um vilão ou simplesmente um anti-herói trágico. Seja como for, a forma como o personagem foi construído confirma o quanto Homem-Aranha é uma série inovadora, rompendo os estereótipos maniqueístas que infestam os filmes-pipoca feitos em Hollywood, que por sua vez constituem parte da educação moral de nossa geração multimídia. Além de coragem e da nobreza individual que são atributos tradicionais do heroísmo, os três Homem-Aranha são narrativas permeadas também pela compaixão — um sentimento, e um valor, ainda muito pouco cultivados diante do que seria preciso em meio às turbulências humanas.
A primeira aparição do uniforme negro alienígena (1984)
Claro, nenhum dos filmes é perfeito, e essa terceira parte não é exceção. Nunca gostei da escalação de Kirsten Dunst para o papel de Mary-Jane, por exemplo, mas não se pode esperar que uma terceira parte que faz referência o tempo todo aos filmes anteriores mude a atriz principal. Mas a principal crítica é que Raimi peca ao fazer um filme com excesso de informação: além do Homem-Areia, existem o novo Duende Verde, o simbionte alienígena que origina o uniforme negro e, por fim, Venom. Na ânsia de apresentar tantos oponentes, temas excelentes são tratados com uma pressa lamentável: o drama do Homem-Areia não é devidamente explorado, e até a relação entre o simbionte/uniforme negro e Parker, que por si só já renderia um ótimo suspense e mesmo terror, é resolvida um tanto abruptamente, em meio a coincidências improváveis e uma improvável redenção de última hora. Fico me perguntando se isso não se deveria à possibilidade de Raimi querer se despedir da série (que deve continuar no futuro próximo) em grande estilo, procurando reunir o maior número possível de sagas clássicas dos quadrinhos num único longa-metragem. Quem sabe? Esse mesmo mal destruiu X-Men 3, mas felizmente, no caso de Raimi, apenas diminuiu um pouco o mérito de uma produção que, em tudo mais, senão brilhante, muito divertida.
Enfim,
Homem-Aranha 3 conclui bem a melhor trilogia super-heróica jamais feita e deve agradar tanto aos fãs quanto aos neófitos, às crianças e aos adultos. Combinando aventura, romance e uma dose considerável de bom-humor (há cenas absolutamente impagáveis), é diversão certa e vale o ingresso. Fica a recomendação.
***
P.S.: Já ia esquecendo de dizer que o filme tem uma breve e hilária participação de Bruce Campbell, protagonista de Uma Noite Alucinante e que de vez em quando aparece nas produções de Raimi. Vale conferir!
4 comentários:
Assim como nos "300", uma crítica recheada de coerência e bom gosto!
Um forte abraço
A propósito, terá aula hoje?
Talvez esse não seja o meio mais apropriado para se saber, mas foi o único que encontrei.
Olá, Douglas.
Grato pelo comentário. Seja sempre bem-vindo a este modesto e não muito movimentado blog.
Sobre a aula, eu fui à faculdade e só lá é que soube da greve. Mas ainda não sei nada sobre as razões dela, então só posso dizer que "aderi" porque não havia um só aluno por lá. Pena, pois o tema de hoje é muito interessante.
Espero sinceramente que esse problema acabe logo. Nosso programa já está atrasado, e não posso avançar o mês de julho com aulas repostas por conta de uma viagem há muito agendada. Vamos torcer para que saia tudo bem.
Um abraço,
Rodrigo.
Estive aqui justamente para procurar a crítica do filme. E, de fato, não saio decepcionado. Apesar de tentar esconder um maniqueísmo rasteiro, acho difícil não cair nele em filmes confessadamente blockbusters... e o homem-aranha não foi tão diferente. Até seria difícil, tratando do simbionte. Um filme que também trata sobre redenção, do Peter, do Harry, do Flint, do Eddie... todo mundo no fim é bonzinho...
Oi, Fábio.
Eu achei o segundo filme superior, mas o terceiro lida com certas questões subjetivas de forma mais elaborada. Acho ótimo que os vilões sejam tratados com mais respeito de vez em quando, e, particularmente, embora essa não seja a função principal de um filme, acho que isso até tem caráter educativo em uma produção que será vista por milhões de crianças. Realmente vale a pena assistir.
Um abraço,
R.
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