quinta-feira, setembro 21, 2006

O Vôo

Goza o vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.

Que sabes tu do fim ?

Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.

No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.

Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?

Que importa a rota.

Voa e canta enquanto resistirem as asas...

Menotti Del Picchia

terça-feira, setembro 19, 2006

O porta-voz do Sublime

Simplesmente um dos maiores poetas que já caminharam sobre a Terra. Nele, as palavras não soam como artifícios, obras de habilidade visando a impressionar; elas são o sopro da Eternidade, um chamamento para a contemplação do sublime que se oculta nas coisas mais simples. Quando fala de temas como o amor, não é a mera paixão que o inspira, nem mesmo o simples afeto do cotidiano, mas a própria idéia amorosa, o Amor em espírito. Esse é um dom raro mesmo entre os bons poetas, e Gibran soube, como ninguém, reunir em seus escritos o coração inconstante e a alma imortal.




Da Beleza

E um poeta disse, Fala-nos da Beleza.

E ele respondeu:
Onde podereis procurar a beleza, e onde a encontrareis, a menos que ela
própria cruze o vosso caminho e vos guie?

E como falareis dela a não ser que ela seja o artífice dos vossos discursos?

O humilhado e o ofendido dizem,
"A beleza é compassiva e gentil.
Tal como uma mãe tímida da sua própria glória, caminha entre nós."

E o apaixonado diz,
"Não, a beleza é coisa de poder e temor.
Tal como a tempestade, ela abala a a terra sob nós e o céu por cima de nós."

Os cansados e exaustos dizem,
"A beleza consiste em suaves murmúrios.
Fala no nosso espírito.
A sua voz ouve-se nos nossos silêncios como uma ténue luz que estremece
com medo da sombra."

Mas o inquieto diz,
"Já a ouvimos gritar nas montanhas, e com o seus gritos ouviu-se o som dos
passos, o bater das asas e o rugir dos leões."

À noite, os guardiães da cidade dizem,
"A beleza virá com a aurora do poente."

E ao meio dia os caminhantes dizem,
"Vimo-la debruçada sobre a terra nas janelas do pôr do sol."

No inverno dizem os que recolhem a neve,
"Ela virá com a primavera, saltando pelas colinas."

E no verão os ceifeiros dizem,
"Vimo-la dançar com as folhas do Outono e tinha pedaços de neve no
cabelo."

Todas estas coisas dissestes da beleza, no entanto, na verdade, não falastes
dela mas de necessidades insatisfeitas, e a beleza não é uma necessidade mas um
êxtase.

Não é uma boca com sede nem uma mão vazia estendida, mas antes um
coração inflamado e uma alma encantada.

Não é a imagem que veríeis nem o som que ouvirieis, mas antes uma imagem
que vedes embora fecheis os olhos, e uma canção que ouvis, embora tapeis os
ouvidos.

Não é nem a seiva na casca enrugada, nem a asa presa por uma garra, mas
antes um jardim sempre em flor e um grupo de anjos sempre a voar.

Povo de Orfalés, a beleza é a vida quando a vida desvenda o seu rosto
sagrado.

Mas vós sois a vida e sois o véu.

A beleza é a eternidade a olhar-se ao espelho.

Mas vós sois a eternidade e o espelho.

---------------------------------
Song of Love XXIV

I am the lover's eyes, and the spirit's
Wine, and the heart's nourishment.
I am a rose. My heart opens at dawn and
The virgin kisses me and places me
Upon her breast.


I am the house of true fortune, and the
Origin of pleasure, and the beginning
Of peace and tranquility. I am the gentle
Smile upon his lips of beauty. When youth
Overtakes me he forgets his toil, and his
Whole life becomes reality of sweet dreams.


I am the poet's elation,
And the artist's revelation,
And the musician's inspiration.


I am a sacred shrine in the heart of a
Child, adored by a merciful mother.


I appear to a heart's cry; I shun a demand;
My fullness pursues the heart's desire;
It shuns the empty claim of the voice.


I appeared to Adam through Eve
And exile was his lot;
Yet I revealed myself to Solomon, and
He drew wisdom from my presence.


I smiled at Helena and she destroyed Tarwada;
Yet I crowned Cleopatra and peace dominated
The Valley of the Nile.


I am like the ages — building today
And destroying tomorrow;
I am like a god, who creates and ruins;
I am sweeter than a violet's sigh;
I am more violent than a raging tempest.


Gifts alone do not entice me;
Parting does not discourage me;
Poverty does not chase me;
Jealousy does not prove my awareness;
Madness does not evidence my presence.


Oh seekers, I am Truth, beseeching Truth;
And your Truth in seeking and receiving
And protecting me shall determine my
Behavior.


domingo, setembro 17, 2006

Banindo a anorexia das passarelas...

Tendo a desconfiar de soluções legislativas, mas, neste caso, pode bem ser que funcione. É lugar-comum que o estado das modelos não é mero acaso, mas uma exigência do mercado. Talvez, alterando as passarelas, crie-se uma situação mais saudável. Pode valer a pena tentar.
-----------------------
17/09/06 14:19
( Fonte: Reuters)


Chefe da moda rejeita tentativa de banir modelos magérrimas

Por Paul Majendie
LONDRES (Reuters) - Um dos principais patrocinadores da Semana de Moda de Londres rejeitou neste domingo as tentativas do governo britânico de banir modelos magérrimas à medida que a indústria da moda enfrenta uma exaltação dos ânimos sobre suas passarelas.
"Proibições totais e legislação não são um caminho que queremos percorrer", disse o presidente-executivo da Marks and Spencer, Stuart Rose, que é presidente do Conselho Britânico de Moda, organizador do evento marcado para começar na segunda-feira.
Ele estava respondendo a um argumento da secretária de Cultura, Tessa Jowell, para que Londres seguisse o exemplo de Madri e banisse modelos muito magras.
Os organizadores de moda de Madri tomaram a medida inédita de rejeitar mulheres abaixo do peso, dizendo que querem projetar a imagem de beleza e saúde --não um visual de desamparo.
As novas regras espanholas dizem que as modelos com um índice de massa corpórea (IMC) --uma relação entre peso e altura-- abaixo de 18 não podem participar dos desfiles.
Pedindo que Londres seguisse o exemplo de Madri, Jowell disse que "a promoção de beleza feita pela indústria da moda como algo magérrimo prejudica a auto-imagem das meninas novas e sua saúde".
"A indústria da moda é muito poderosa em moldar a atitude das adolescentes e de seus sentimentos sobre elas próprias", disse ela em um comunicado.
"Nós vamos pedir para as pessoas passarem por um detector de IMC e dizer 'desculpa você foi rejeitada?' Isso seria bem difícil", disse Rose, ao rejeitar o pedido.
"A massa corpórea é apenas uma indicação", disse ele à Sky News. "É apenas um guia. Você não pode usar como algo absoluto".
"Nós precisamos ser razoáveis, educar as pessoas, dar a elas os fatos e deixar que decidam por si", disse Rose.
Mas a medida de proibir modelos magrinhas pode muito bem ganhar força no mundo da moda.
A prefeita de Milão, Letizia Moratti, disse que irá procurar uma proibição semelhante para a Semana de Moda de Milão --que começa em uma semana-- a não ser que consiga encontrar uma solução para as modelos de aparência "doente".
Com medo de ser o próximo alvo, o dono da agência de modelos de Milão, Riccardo Gay, disse "com esse tipo de regras, teremos de rejeitar 80 por cento das modelos. Naomi Campbell não poderia desfilar".
Após a proibição de Madri, Cathy Gould da agência nova-iorquina de modelos Elite disse que a indústria da moda estava sendo utilizada como bode expiatório para doenças como anorexia e bulimia.
Mas pessoas que defendem a medida receberam apoio da autora de Harry Potter, JK Rowling, que disse ao Evening Standard, de Londres, que ela não queria que suas crianças crescessem para ser "clones cabeças-ocas, narcisistas".

quinta-feira, setembro 14, 2006

Vestígios de amor

Music I Heard

Music I heard with you was more than music,
And bread I broke with you was more than bread.
Now that I am without you, all is desolate,
All that was once so beautiful is dead.

Your hands once touched this table and this silver,
And I have seen your fingers hold this glass.
These things do not remember you, beloved:
And yet your touch upon them will not pass.

For it was in my heart you moved among them,
And blessed them with your hands and with your eyes.
And in my heart they will remember always:
They knew you once, O beautiful and wise!

Conrad P. Aiken

sexta-feira, setembro 08, 2006

Réquiem para um mote

À procura de um tema, pensei em escrever algo sobre o não-dito, o silêncio e a perigosa aventura de ler nas entrelinhas; sobre o buscar sentidos, talvez confirmar esperanças, na penumbra das ambigüidades, na precariedade de palavras avaras de clareza. Mergulhados no oceano da linguagem, não é surpreendente o quão pouco ela pode nos dizer, tantas vezes, e quantos sentidos infindáveis podem se ocultar por trás de uma única frase trivial?

Era esse o meu mote. Se verso ou prosa, não cheguei a determinar... Sei apenas que topei com estas linhas de Rabindranath Tagore e pela enésima vez confirmei a teoria de que qualquer idéia que tenhamos, por boa que nos pareça, em algum momento já foi pensada por alguém. Para meu azar, neste caso o "alguém" foi um mestre da poesia, que soube combinar a dúvida e a esperança de uma forma que nenhum diletante igualaria. Assim, curvo-me ao poeta indiano que tantas vezes me embalou os sonhos nos dias em que estava faminto de significado -- essa iguaria deliciosa, terrível e fugaz.
---------
Se não Falas

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Uma homenagem atrasada

Correio da Bahia / Data:13/7/2004
A melhor tradução de um continente

Centenário de nascimento de Pablo Neruda reafirma engajamento e romantismo do poeta chileno

Paulo Sales

Há exatos cem anos nascia Pablo Neruda, escritor que quis amores tão ardentes quanto seus versos, não se esquivou das convicções políticas e se transformou em um dos grandes nomes da literatura no século passado.

Pablo Neruda costumava dizer que 'escrever é fácil - você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio, coloca as idéias'. Fácil para ele, que sabia como poucos construir um bom recheio. Seus versos encerravam a substância que serve de matéria-prima aos grandes poemas - a força vital, maciça e única do idealismo. Essa talvez seja a impressão mais nítida hoje, quando se comemora o centenário do poeta chileno, Prêmio Nobel de Literatura de 1971 e um dos mais obstinados tradutores do próprio continente.

Neruda certamente foi mais do que um poeta engajado. Parte significativa de sua obra versava sobre os labirintos do amor e a insaciabilidade permanente da paixão, que são o cerne de obras como Cem sonetos de amor (1959) e Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924). Escancarados em três casamentos e número infinitamente maior de affairs ocasionais, esses sentimentos são dimensionados pelo próprio poeta em uma afirmação definitiva - 'Sou e serei sempre, antes de mais nada, o poeta do amor. Não sou um poeta político, mesmo que me tenha tornado um homem político'.

A boemia fez parte da lenda pessoal do poeta, incluindo uma predileção inapelável pelos prazeres da cama, mesa e copo. Algo que o aproxima, numa transposição para o universo literário brasileiro, do poetinha Vinicius de Moraes, outro amante do álcool, da alcova e dos versos de amor. Mas seria leviano não ressaltar sua militância. Ela o levou a combater diferentes graus de injustiças mundo afora e o aproximou de outros artistas de ideologia semelhante, sendo o principal deles o baiano e compadre Jorge Amado.

Marxistas convictos - embora o poeta não tenha vivido o suficiente para presenciar o desmoronamento da Cortina de Ferro, em 1989 -, os dois foram ligados aos partidos comunistas de seus países e passaram longos períodos exilados. Neruda foi senador da República nos anos 40, e chegou a se candidatar à Presidência, em 1970, sempre pelo Partido Comunista Chileno.

Ao contrário de outros grandes autores latino-americanos, como o colombiano Gabriel García Márquez, o mexicano Carlos Fuentes e o cubano Alejo Carpentier, Neruda explicitou o amor por seu continente em versos, não em prosa. Nesse ponto, junta-se a gente como o cubano Nicolás Guillén e o brasileiro Ferreira Gullar, também cantadores da aldeia que vai do Golfo do México à Terra do Fogo.

O fruto maior do engajamento político do autor é Canto geral, obra monumental, espécie de epopéia da dominação, miséria e grandeza do continente. Nele, o escritor procurou abarcar todos os dilemas e conflitos inerentes à América Latina, desde antes da chegada dos europeus até o caos vivido pelos países no século XX. Foi principalmente por ele que o poeta arrebatou o Prêmio Nobel de Literatura. Canto geral - e outros livros do autor, incluindo a autobiografia Confesso que vivi - ganhou recentemente uma nova edição pela Bertrand Brasil. Vinte poemas de amor e uma canção desesperada foi reeditado pela José Olympio.

Idealismo precoce - Nascido em Parral, no dia 12 de julho de 1904, Ricardo Eliezer Neftalí Reyes Basoalto passou a adolescência na pequena Temuco, no extremo sul da América, onde conviveu com os índios mapuches. Essa experiência foi fundamental para que ele travasse contato franco e espontâneo com o povo originalmente americano, desenvolvido intelectualmente em Canto geral. O pseudônimo Pablo Neruda nasceu em homenagem a um poeta checo, Jean Neruda, mas foi também a maneira encontrada por ele para ludibriar o pai opressor, que não admitia um filho dado a escrever versos, chegando ao extremo de queimar seus originais.

A atividade diplomática, que exerceu esporadicamente por mais de 30 anos, permitiu ao poeta conhecer amplamente o mundo e mensurar a real magnitude do continente em que nasceu. E também presenciar um episódio que modificou radicalmente sua personalidade. Neruda estava em Barcelona no ano de 1936, quando eclodiu a Guerra Civil Espanhola e - principalmente - quando as tropas do Generalíssimo Franco assassinaram seu amigo Federico García Lorca. O sentimento de perda e de injustiça inoculou nele o idealismo e a intolerância aos regimes autoritários.

Sua morte, em decorrência de um infarto, se confunde com o início de um período lúgubre para a história do Chile - o golpe de Estado que provocou, no dia 11 de setembro de 1973, o assassinato de Salvador Allende e a ascensão do general Augusto Pinochet. Neruda definitivamente não suportou saber que amigos e companheiros de partido estavam sendo executados, e abandonou o mundo no dia 23 de setembro de 1973, aos 69 anos. Morreu de desgosto, mas foi poupado de assistir, em seu próprio país, à consolidação de uma das ditaduras mais sanguinárias da história da América Latina.