domingo, julho 23, 2006

Expressão

Um bom poema nada tem a ver, em essência, com belas rimas ou uma métrica perfeita. É simplesmente aquele que, em determinado momento, diz tudo aquilo que nos vai pela alma e resiste às palavras -- a sensação nítida, clara, intensa, que, muito embora até nos leve a lágrimas ou gestos impensados, nos faz calar, perplexos, incapazes de fala. O bom poema, portanto, é o que se torna nosso intérprete, que dá voz ao indizível e, ao fazê-lo, de algum modo nos consola e alivia. Ele oferece, pelas palavras de um estranho, o ponto em que nossa individualidade e a experiência comum da humanidade se tocam. E recorda, malgrado nosso, o quão parecidos todos somos.

Hoje, como tantas vezes antes, este é o meu bom poema. Versos que jamais compus, e no entanto são mais meus, hoje, do que de seu próprio autor.

Poemas de Amor - XX

Pablo Neruda


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: ‘A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros à distância’.

Gira o vento da noite pelo céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.

Eu a tive em meus braços em noites como esta.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E descer o verso à alma como ao campo do rocio.

Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Como para cercá-la meu olhar a procura.
Meu coração a busca, ela não está comigo.

A mesma noite faz branquear as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos, nós os de outros dias.

Já não a quero, é certo, quanto a quis, no entanto.
Minha voz ia no vento para alcançar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, os olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ai, é tão breve o amor e é tão extenso o olvido.

Porque em noites como esta eu a tive em meus braços,
minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Mesmo sendo esta a última dor que ela me cause
e estes os últimos versos que eu lhe tenha escrito.

Um comentário:

Anônimo disse...

"...diz tudo aquilo que nos vai pela alma e resiste às palavras..."
Muito bem colocado.
Olhe, daqui a pouco você vai para "o citador", viu? ;)