quinta-feira, abril 22, 2010

Sentir-se amado

Martha Medeiros é uma escritora adorada por muita gente. Eu, entretanto, só notei que ela existia quando assisti ao filme Divã, baseado em uma obra sua. Achei encantador. Hoje, pesquisando outras coisas, topei com este texto dela e descobri a fonte do seu encanto: a identificação rápida com situações vividas, momentos intensos (e não raro silenciosos) que nos marcam e moldam nossa vida daí por diante. Homem ou mulher, basta um mínimo de sensibilidade (e talvez alguma vivência) para ver na autora um cúmplice ou porta-voz a distância, capaz de enunciar o que tantas vezes foi indizível.

Deixo este texto aqui, como amostra. Talvez lhes pareça tão encantador em sua simplicidade quanto foi para mim.
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Sentir-se amado

O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.

Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?

Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho".

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. "Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato."

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.

Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rodrigo, sentir-se amado pode ser mais simples e ao mesmo tempo mais complexo. Demonstrar amor e cumplicidade, daquelas que "estou aqui para o que você precisar", pode ser apenas num momento difícil para o outro, simplesmente oferecer sua compainha em silêncio, seu colo de amante protetora, sem perguntas. Sentir-se amado pode ser simplesmente oferecer o silêncio para ser quebrado se o outro assim o quiseer. Pode ser chorar junto sem saber a causa porque ele chora; chorar junto com ele somente por não conseguir ver seu amado sofrer sem se comover. Amar está muito, muito, muito além de sexo e palavras. Está na qualidade da sua presença vazia de você e repleta do desejo de acalentar o outro. Eu só sei amar assim, e acho que por isso vivo me decepcionando. Ainda não achei ninguém que saiba aceitar, simplesmente, aceitar ser amado dessa forma. Mas sou perseverante...