Ainda pesquisando. O tema é "culpa", um sentimento muito mais pervasivo e frequente do que a ideia mais comum que se faz dele, ou seja, de uma espécie de remorso explicitamente ligada a um ato específico. Afinal, existem culpas que continuam incomodando seus portadores por anos a fio, sem que se saiba bem de onde vêm -- e outras cultivadas inadvertidamente por falta de coragem para (ou de entendimento para fazer) uma reparação. Seja como for, uma das propostas mais claras para a culpa é o perdão, seja de outrem ou de si mesmo. Não por acaso, há milênios essa ideia vem sendo enfatizada em várias religiões, filosofias e sistemas éticos. Perdoar, contudo, pode não ser nada fácil; já não bastasse a dificuldade de superar os conflitos interiores causados por quem nos prejudicou, há ainda os impositivos da educação que recebemos. Afinal, em nossa sociedade, não é difícil aprendermos desde muito cedo que para certos atos não há qualquer possibilidade de perdão. Para esses, restará somente a "justiça" -- concebida muitas vezes apenas como uma oficialização da vingança e aplicada com o mesmo tipo de sentimento.
Tudo isso é muito natural. A grande maioria de nós não tem, a rigor, nenhuma grande sofisticação ética e tampouco uma impressionante grandeza de sentimentos. Bateu, levou. Fez sofrer, sofra também. Diante de um infrator, é visível o prazer com que testemunhamos sua punição. A "justiça", assim, passa a ser a manifestação socialmente aceita de nossa raiva, para não dizer de nosso ódio, tanto maior quanto maior for nossa empatia pela vítima. Isso explica, por exemplo, o recente clamor popular no julgamento do
casal Nardoni, acusado de matar a menina Isabela. Durante o julgamento, várias pessoas madrugavam à porta do fórum para xingar os acusados e pressionar por sua condenação. Alguns vinham de outras cidades. Tudo para garantir que os criminosos fossem justiçados com o maior rigor possível. Se houvesse pena de morte no Brasil, não é difícil imaginar que essas mesmas pessoas estariam pedindo a cadeira elétrica para os réus.
Pode-se pensar em perdão para um caso desses? Se sua resposta é um sonoro e imediato Não, congratulações, você está perfeitamente imbuído do senso comum. O problema é que esse mesmo senso comum nos acompanha desde nossos ancestrais pré-históricos, e alguns dos grandes triunfos espirituais humanos se fizeram indo além dessa concepção instintiva de como as relações humanas devem funcionar. Afinal de contas, Sidarta Gautama, Jesus de Nazaré e outros tantos não entraram para a história por endossar as ideias já correntes em suas épocas.
Cito exemplos religiosos porque são os que me ocorrem em primeiro lugar. Não obstante, sempre parti do princípio de que quase todas as boas ideias no campo da ética e das relações humanas podem ser defendidas em bases puramente leigas. Do contrário, só teriam apelo para os fiéis das várias religiões, o que definitivamente não é o caso. Prova disso é o caso dos
muitos relatos de pessoas que, tendo sido vítimas dos mais diferentes crimes, foram capazes de estabelecer uma relação diferente com seus agressores -- e, sem minimizarem todo o sofrimento por que passaram, conseguiram se libertar do passado e, às vezes, contribuírem para a recuperação do seu suposto algoz. Serão elas "santas", "Espíritos iluminados" acima da média humana? Ao que parece, não; mas de alguma forma elas perceberam que a "justiça" vingativa que normalmente se oferece a casos como os seus não era o bastante. Elas foram além, e essa jornada interior, que não se faz de uma hora para outra e é, sim, fruto de uma
escolha consciente, é o que chamo aqui de
perdão.
"Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: 'Senhor, quantas vezes deverei perdoar o meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?' Jesus respondeu: 'Eu lhe digo: Não sete, mas até setenta vezes sete.'" (Mateus 18:21)
Como se perdoa? Por que se perdoa? O que se perdoa? Acabei descobrindo alguns sites que tratam do assunto da maneira mais direta possível: a partir da experiência empírica de várias pessoas. De um deles, da
Catherine Blount Foundation, extraí o que segue:
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Os dez maiores equívocos sobre o perdão
Azim Khamisa
Fonte: http://www.catherineblountfdn.org/forgiveness.html
1. Recusar o perdão machuca o outro.
A verdade é: recusar o perdão machuca você mesmo.
2. O perdão é uma empreendimento passivo.
A verdade é: o perdão é um empreendimento muito ativo, no qual você pode estender alcançar o outro com amor e compaixão.
3. O perdão deixa as pessoas impunes, de modo que elas não são responsáveis por suas ações.
A verdade é: perdão e responsabilidade não são o mesmo assunto. Você pode ter ambos: perdoar o outro oferecendo empatia e união; contudo, manter o processo de responsabilidade dentro da estrutura social.
4. Perdoar alguém diz a essa pessoa que o que quer que ela tenha feito é aceitável para você.
A verdade é: aceitar as ações alheias e aceitar a verdadeira natureza da pessoa por trás delas são duas coisas muito diferentes. Você pode deixar isso claro.
5. O perdão é para o outro.
A verdade é: perdoar o outro é um ato que fazemos por nós mesmos, para nos libertar da dor ou da amargura.
6. Quando se perdoa, está-se “relevando” o mau comportamento alheio.
A verdade é: Não há “relevação”, apenas uma percepção mais clara de quem a outra pessoa verdadeiramente é, e o que ela ainda pode fornecer à sua vida, à comunidade e à sociedade.
7. O perdão é feito ao se dizer, “Eu te perdoo”.
A verdade é: O perdão não está só nas palavras, mas também no pensamentos, nos sentimentos e na ação.
8. Perdoar o outro não gera realmente nada de bom.
A verdade é: perdoar não apenas eleva você E essa outra pessoas de maneiras não visíveis, mas traz muito mais luz para um mundo muito necessitado dela.
9. O perdão é só para as pessoas religiosas.
A verdade é: ele é para todos nós que estamos sobre este planeta.
10. Perdoar é difícil demais.
A verdade é: pode ser difícil, mas não difícil demais, quando você tem o apoio e a perspectiva correta.
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Para terminar, por enquanto, uma frase de Viktor Frankl, alguém cuja vida certamente justifica que lhe demos ouvidos:
"...Tudo pode ser tirado do homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas -- escolher a própria atitude em qualquer conjunto de circunstâncias, escolher o seu próprio caminho."
(Man’s Search For Meaning)
Um comentário:
Ao fazer pesquisas sobre o perdão para dar uma aula acabei por me deparar com seu blog. Parabéns pela organização do material. Grato pela partilha dessas preciosas informações. Abraços!
www.kaumascarenhas.blogspot.com
kaumasc@yahoo.com.br
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