quarta-feira, dezembro 09, 2009

A (i)moralidade da violência política



Os pontos de interseção entre moral e política me fascinam. Apesar de tudo o que o senso comum diz sobre o suposto pragmatismo, para não dizer amoralismo, necessário ao bom político -- aquela dose de flexibilidade que dá a ele a capacidade de "trocar" parte de seus princípios e desejos por uma eficiência que resultará no bem comum --, existem questões que exigem uma reflexão e uma tomada de posição que são sobretudo morais. Uma delas é a questão da violência: quando (e se) ela seria aceitável?


Já falei disso antes aqui. Mas gostaria de compartilhar um fato curioso que me trouxe o assunto à mente outra vez. Neste semestre eu fiz uma disciplina no IFCS, Instituto de Filosofia e Ciência Sociais da UFRJ, que tratava da questão da subjetividade e da memória nos estudos históricos. A professora, simpática ainda que um pouco desorganizada, especializou-se em memórias ligadas às ditaduras militares do Brasil e da Argentina. Em uma de nossas últimas aulas, quando se discutiu o filme Hércules 56, de Sílvio Da-Rin, levantou-se a questão da legitimidade ou não da luta armada, observando-se como, dos ex-militantes que depõem no filme, falava-se da (in)eficiência ou da (in)conveniência dessa prática como forma de luta política, sem se tocar em um ponto muito mais elementar e que há pouco tempo foi objeto de intensa discussão na Argentina: a moralidade do ato de matar.

Esse silêncio é engraçado, para não dizer melancólico, pois dá a entender que esse era um ponto pacífico entre os guerrilheiros e aspirantes a guerrilheiros da época. Mas, vendo as origens de muitos deles, que eram estudantes universitários de classe média, eu duvido que seja algo tão simples assim. Mas por que então não se fala no assunto? Não sei. O que posso dizer, porém, é olhar para os nossos hermanos argentinos, que tiveram de enfrentar esse questionamento moral numa polêmica iniciada com o filósofo Oscar del Barco. Em resposta a uma entrevista de um ex-membro de um grupo guerrilheiro dos anos 1960, que falava da execução de dois jovens militantes que queriam abandonar a organização, del Barco assume uma posição não-violenta e diz, em síntese, que nenhuma causa, nenhum pretexto político justifica a violação de um preceito essencial de qualquer sociedade, que é o "Não matarás". E, ao fazê-lo, del Barco fez algo que até então praticamente ninguém ousava: chamar à responsabilidade não apenas os que cometeram crimes e barbaridades a mando do Estado argentino, mas também aqueles que cometeram crimes e barbaridades na oposição a esse mesmo Estado. Ou seja, ele rasga o cenário de mocinhos vs. bandidos em que as narrativas das ditaduras normalmente se apresentam, e com isso começou uma troca furiosa de artigos e cartas, parcialmente compilada na revista Políticas de la Memória nº 6/7, do verão de 2006/2007.

Ao comentar a posição corajosa de del Barco, minha professora, uma senhora falante que deve ter seus cinquenta e muitos anos, provavelmente incapaz de matar uma galinha para fazer o almoço, fez questão de enfatizar, como quem pede desculpas, que não estava dizendo que a violência revolucionária era condenável, ou um erro absoluto. Chamou-me menos a atenção do que ela disse do que a forma como disse. Ora, então, dizer que matar é errado seria algo incômodo, algum tipo de heresia que só pode ser enunciada com muitos rodeios e qualificações? Isso me incomodou. Pensei em fazer uma objeção, mas transformar os últimos minutos de uma aula de pós-graduação em um debate moral provavelmente não iria longe. Ainda assim, a questão continua comigo. Haverá muitos que ainda pensem assim? A não-violência vista como princípio, e não como mera tática utilitária, será ainda considerada tão absurda assim? Ou, por outro lado, a legitimidade do recurso às armas será algo tão tranquilamente aceito que soe estranho, quase blasfemo, pensar noutra possibilidade?

Minha professora é de uma geração em que a ideia de revolução ainda era abraçada por muita gente, especialmente na esquerda universitária. Isso explica a forma como tratou o assunto. Nenhum mistério aí. Mas que, décadas depois, o efeito disso na sua leitura moral ainda seja tão visível me dá o que pensar. Um simpatizante relutante da não-violência, espírita, mas que vê lógica e necessidade no princípio da legítima defesa, ainda tenho muito que refletir sobre o assunto. Mas gostaria muito que ele tivesse mais visibilidade por nossas plagas, especialmente numa época em que sabemos de coisas como esta. Afinal, como combater a violência que infecta o corpo social se não refletimos sobre ela? Assuntos dessa ordem, acredito, não podem ser deixados apenas para estatísticas policiais. Devem ser tratados também nas cátedras, nos estudos privados, nos púlpitos, nas escolas e, por que não, também em blogs modestos como este.
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Atualização: Um artigo que trata do assunto das diferentes maneiras como a violência é encarada no caso da luta armada no Brasil e na Argentina pode ser lido aqui.

3 comentários:

Alexander Gieg disse...

Revolucionários costumam imaginar que a derrubada violenta do poder (e toda a violência intermediária necessário a que se desemboque em tal derrubada) é justificada porque o resultado será, em tese, melhor do que a situação atual, já contando com a própria violência necessária a provocar a mudança. É o vulgo "os fins justificam os meios". O qual, diga-se de passagem, é mesmo um princípio formal em algumas escolas de pensamento ético, que o afirmam e tentam defender com rigor acadêmico.

Mas o que essa gente não costuma perceber é que, no fim das contas, o que uma revolução de fato produz é a troca de um governo composto majoritariamente por, digamos, corruptos e ladrões, por outro composto majoritariamente por assassinos, e que não se pode esperar de quem faz o mais que não faça também o menos. Terminado o processo temos um Estado que ainda rouba, que ainda corrompe, mas que agora, além de roubar e corromper, já não se importa em ferir e matar para poder continuar corrompendo, e roubando, e ferindo, e matando.

Quem reflete sobre isso logo vê que um processo revolucionário não pode ser bem sucedido, pouco importa a bandeira ideológica. A própria estrutura da coisa é auto-destrutiva. Seja de direita, de esquerda, progressista ou conservadora, o final é o mesmo: uma ou duas gerações de terror, seguindo dum abrandamento gradual, que por fim leva, na melhor das hipóteses, de volta à situação inicial, ou pelo menos a uma muito similar àquela.

Se há um meio de melhorar um governo, pois, é pela mudança dos governantes, não pela substituição de governantes. Cabe ao sábio não o derrubá-los, mas o instruí-los, sempre e continuamente. Derrubá-los de nada serve, é apenas paliativo. O importante é curar. E curar leva tempo, sobretudo quando o que se busca é a cura de toda uma cultura.

Anônimo disse...

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