terça-feira, março 17, 2009

Desejo, beleza e horror: a Internet, tráfico de mulheres e algumas divagações

É de largo conhecimento de qualquer pessoa que tenha passado mais de meia hora navegando pela Internet que, desde os primeiros tempos em que a rede se tornou conhecida do grande público, o negócio que mais prosperou no mundo virtual foi o de imagens eróticas. Seja na forma de ensaios artísticos ou da pornografia mais hardcore, o sexo parece estar a um clique de distância de quase qualquer recanto eletrônico. Obviamente, ele sempre esteve presente em qualquer sociedade, mas a facilidade de acesso ao menos visual a ele nunca foi tão grande -- e, naturalmente, ao mercado que o acompanha

"Anna", do MET-Art

Não é preciso ser um expert para perceber que, em boa parte desse oceano virtual de corpos esculturais e performances extravagantes, boa parte das modelos atende por nomes naturais do Leste Europeu e da Rússia: Olga, Svetlana, Sofia, Zuzana etc. Depois que, muitos anos atrás, por dica de uma colega de faculdade, adentrei uma das então ascendentes agências de casamentos russas, foi fácil entender o motivo. Mesmo descontando o fato de que não é qualquer pessoa que aparece em sites onde um belo corpo é pré-requisito, o tipo físico nessa região corresponde muito bem ao ápice do padrão de beleza caucasiano. Ou, como me disse um amigo que já teve a sorte de visitar Praga, é possível esbarrar em várias "top models" anônimas simplesmente andando pela rua. Some-se a isso o fato de que os países da região, ao emergirem das ruínas do comunismo, entraram numa crise econômica considerável, privando seus cidadãos das velhas garantias. Em outras palavras, havia um pool genético formidável à espera de oportunidades capitalistas que quisessem tirar proveito dele. 

Pois bem: demanda e oferta, certo? Nós, internautas ocidentais cheios de testosterona e tempo para gastar online, somos beneficiados com modelos e atrizes (?) esteticamente impressionantes, e elas, por sua vez, ganham  mais assim do que em carreiras mais "respeitáveis" em seus países natais. Um belo argumento liberal que, do ponto de vista estritamente legal, legitimaria as 372 milhões de webpages pornográficas, segundo um dado de 2007.

Particularmente, sempre fiquei intrigado com essa simbiose. Não pelos números grandiosos (você sabia que se gastam 89 dólares por segundo com pornografia na rede?) ou pela possibilidade de ter acesso instantâneo a material contendo (quase) toda e qualquer variedade sexual já concebida pela imaginação humana. O que sempre me despertou curiosidade, e deve ser ago até comum, era a pessoa das modelos. Não, não me refiro às proporções de sua figura, que falam por si nos sites; refiro-me às suas origens. Como elas foram parar ali? Tendo nomes eslavos, provavelmente vieram de áreas onde as perspectivas de vida são limitadas, mas não necessariamente o nível educacional. Teriam tido acesso de fato a estudo? Fizeram uma carreira nesse ramo ou teria sido um "bico"? Por que uma opção aparentemente tão extravagante? Suas famílias sabem dessa atividade? Como a sociedade a que pertencem encara esse segmento pujante e em expansão da economia? E ainda...quais os laços disso com a prostituição tradicional?

Tenho pensado muito nisso desde que li McMáfia: Crime sem Fronteiras, de Misha Lenny, mencionado em um post anterior. Um dos capítulos do livro é dedicado ao tráfico de mulheres dos países da antiga União Soviética para o resto do globo, sobretudo Oriente Médio (Israel incluso) e Ásia. Seguindo o padrão das reportagens sobre o assunto, Lenny começava com uma história individual e a partir daí traçava um panorama do tema. Lendo-o, não pude deixar de pensar no quanto pode ser tênue a linha que separa as ninfas de beleza estonteante que ilustram tantos ensaios e vídeos e o destino melancólico das prostitutas comuns. Hoje, em particular, pesquisando sobre o assunto, deparei-me com isto

Nowhere is this trafficking worse than it is in Moldova, Olga’s home, where experts estimate that since the fall of the Soviet Union between 200,000 and 400,000 women have been sold into prostitution — perhaps up to 10 percent of the female population.

Isso é aterrador. A explicação bate com o que eu já imaginava desde os tempos em que me permiti sonhar por uns minutos com uma noiva russa:

The numbers are staggering, but for Liuba Revenko of the International Organization for Migration in Moldova the bondage of the country’s young women has become routine. “Moldovans are a hybrid population of Russians, Romanians, Jews, Ukrainians and Bulgarians,” Revenko said. “That creates a special race of women that are beautiful and in demand. They have no future. They are a good target for the traffickers.”

Como acontece com outras atividades criminosas, a paralisia e a corrupção dos ex-Estados socialistas permite ao tráfico e à escravização de mulheres seguir seu curso sem grandes obstáculos policiais. Na Macedônia, por exemplo, a reportagem da MSNBC informa que o próprio ministro do Interior, um "linha-dura", admitia que os policiais sob seu comando estavam na folha de pagamento dos cafetões e traficantes. Nada muito diferente, afinal, do que acontece também em nossas plagas.

Achei as reportagens em dois minutos de pesquisa, e agora me volto para a moça da foto acima. Seria ridículo pressupor que o mercado virtual de sexo sobrevive apenas às custas de escravas, ou fazer da existência desse tipo de monstruosidade um pretexto moralista contra a indústria pornográfica. Enquanto houver desejos e fantasias insatisfeitos, ela continuará existindo; enquanto existir, continuará responsável por muito dinheiro; finalmente, enquanto houver esse fluxo de recursos, não faltarão jovens atraentes dos dois sexos dispostos a fazer uso de seu corpo para ter direito a uma parcela do lucro. Não obstante, olhando para "Anna", e pensando nas legiões como ela -- muitas delas com carreiras muito menos sedutoras em sites muito mais sórdidos --, ocorre-me que, para o observador/consumidor distante, é quase impossível dizer a diferença. Não sei de onde ela vem, ou para onde foi depois que se vestiu e deixou o set de fotografia. E percebo, para meu espanto e alguma tristeza, o quão fácil pode ser esquecer o assunto e parar apenas no deleite que é olhar para sua imagem. 

Mas hoje não.

5 comentários:

Anônimo disse...

Este post foi pura masturbação intelectual (e uma desculpa esfarrapada para botar uma foto de mulher pelada no blog)! Desencana e vive o seu onanismo sem culpa!

Gabrieli Martins disse...

Oi Azel, faz tempo que eu não venho aqui e adorei o post, até que enfim você escreveu um pouquinho, rs.

Já havia pensando um pouco sob essa perspectiva... Interessante que, por mais que esse tema já esteja meio "passado", é polêmico e vale a pena refletirmos sobre ele.

Anônimo disse...

Achei interessante você fazer um paralelo geográfico/histórico. A partir disso foi possível adentrar nessa questão do mercado da pornografia, tratada como foi, que eu não havia pensado antes. E também me desperta outra questão: o que tem levado o ser humano a buscar essa atividade? O que tem levado o ser a buscar a pornografia, ainda que digitalizada? O que no fundo leva um homem a ficar admirando uma mulher nua na Internet? Por que nós, seres humanos, ainda nos prendemos a coisas passageiras e pequenas e que não nos trarão crescimento efetivo nenhum?

Pablo disse...

Daniel, o que leva um homem a ficar admirando uma mulher nua na Internet é exatamente o mesmo impulso que nos faz existir como espécie até hoje. E eu garanto que a sua pergunta foi retórica...

clabrazil disse...

Concordo com o Pablo.

Rodrigo: o tráfico humano (incluíndo a prostituição mas nao só ela) é a maior fonte de renda criminosa do mundo. Supera drogas e armas. Além de ser muito mais "segura" e longamente rentável pelo fato de um cafetão viver da renda de várias moças, que, por sua vez, morrem de medo de ser pegas ou de retaliação.

Tenho um filme que você deve assistir: Lilja 4-ever. E um livro que deve ler: A short story of tractors in Ukranian.

Uma coisa te falta nessa fascinação pelas deusas caucasianas: conhecê-las de perto e entender a mentalidade das moças. Tenho certeza que seu interesse em casar-se com uma iria terminar na primeira imersão cultural. O que elas procuram você não tem (ainda), meu caro. A grana.

Beijos,
Cla