Estou lendo McMáfia: Crime sem fronteiras, de Misha Glenny (Cia. das Letras, 2008), e devo dizer que estou impressionado. O livro trata da internacionalização de várias organizações criminosas sobretudo a partir dos anos 1990, acompanhando os efeitos da queda do comunismo e a intensificação da globalização. Jornalista do The Guardian inglês e historiador, Glenny combina pesquisa bibliográfica e suas próprias aventuras como correspondente para mostrar como, em um enorme número de casos, a emergência de Estados fracos, democráticos ou não, levou a relações íntimas com redes criminosas não raro formadas por altos membros do próprio governo, e até das próprias forças de segurança supostamente encarregadas de manter a ordem. O caso paradigmático é a ex-União Soviética, fonte de tantas histórias melancólicas e atordoantes, onde os ativos do Estado no campo da energia foram virtualmente saqueados por uma nova classe empresarial que em pouquíssimo tempo fez de ex-agentes da KGB, burocratas e pessoas que teriam poucas chances no velho sistema uma camarilha de oligarcas bilionários que contavam com suas próprias quadrilhas guarda-costas e a cumplicidade do governo Yeltsin; ou onde o presidente e seu governo, no caso daUcrânia de Leonid Kuchma (antes da Revolução Laranja), haviam transformado toda a estrutura adminsitrativa num instrumento sórdido de extorsão, fraude e assassinato. Isso para não citar as quadrilhas de venda de proteção da Bulgária, o paraíso de lavagem de dinheiro e ostentação indecorosa que é a louvada Dubai, o recrutamento e o tráfico de mulheres para Israel e, o que me marcou particularmente, o lucro de governantes e mafiosos sérvios, bósnios e croatas durante a guerra dos anos 1990 traficando armas uns para os outros enquanto, ao mesmo tempo, incentivavam e tomavam parte em massacres nacionalistas (a família Milosevic, diz Glenny, era particularmente apta nisso). Em quase todos os casos, a fraqueza institucional e a corrupção governamentais abrem o caminho para empreendimentos os mais sórdidos.
Mal cheguei à metade do livro e já teria histórias capazes de convencer muita gente a querer entrar para a Interpol. Concluí, com o autor, que as atenções da imprensa e do público em geral estão demasiadamente focadas no terrorismo, sempre espalhafatoso, mas que a verdadeira ameaça, o grande inimigo dos ideais globalistas, pode residir menos em milícias fanáticas em Tora Bora (sem desprezar seu potencial, claro) do que em grupos menos visíveis, e muito mais poderosos, que vêm se entranhando nas mais diversas áreas da economia de um sem-número de países, alguns ditos "emergentes", a ponto de formarem com eles uma relação simbiótica indispensável à manutenção de ambos. Para as populações que residem nessas áreas, trata-se de uma drama: como escapar à influência dessas organizações quando elas se tornam como quem órgãos do próprio Estado e da economia?
Para quem quiser mais informações, recomendo enfaticamente a leitura do livro. A revista Superinteressante também elaborou uma longa matéria sobre a Máfia em uma edição recente, que merece ser vista. Finalmente, pode valer a pena uma olhada no site da Interpol.
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