segunda-feira, março 16, 2009

O princípio do prazer: um retiro misto dedicado à sexualidade feminina

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2009/03/16/ult574u9230.jhtm

The New York Times
Por Patricia Leigh Brown e Carol Pogash
San Francisco - Até mesmo numa cultura em que os brinquedos sexuais são um negócio próspero e Oprah Winfrey discute como ter uma vida melhor no quarto, uma comunidade mista dedicada ao orgasmo feminino paira nos extremos.

A fundadora do One Taste Urban Retreat Center, Nicole Daedone, vê a si mesma como a líder de um "lento movimento sexual" que enfatiza exclusivamente o prazer feminino - no qual o amor, o romance a até o flerte não são necessários.

"Na nossa cultura, admitir as questões do corpo é quase como admitir um erro", diz Daedone, 41, que pode citar a poeta Mary Oliver e falar ironicamente sobre as complexidades da anatomia feminina com a mesma autoconfiança. "Não acho que as mulheres serão verdadeiramente livres antes de conquistar sua sexualidade".

Um grupo de 38 homens e mulheres - com média de idade beirando os 30 - vivem em tempo integral no centro de retiros, um prédio simples e elegante no distrito de South of Market. Eles cozinham juntos, praticam ioga e meditação e lideram workshops sobre comunicação para grupos de fora de até 60 pessoas.

Mas o coração das atividades do grupo, chamado misteriosamente no calendário do site de "prática matinal", é fechado para todos exceto os moradores.

Às 7 da manhã, todos os dias, enquanto o resto dos EUA está comendo cereal ou tentando enfrentar um engarrafamento sem hiperventilar, cerca de uma dúzia de mulheres, nuas da cintura para baixo, deitam-se com os olhos fechados numa sala de cortinas de veludo, enquanto os homens, vestidos, se aconchegam a elas, acariciando-as num ritual conhecido como meditação orgástica - "OMing", para os íntimos. Os casais, que podem ou não estarem envolvidos romanticamente, chamam uns aos outros de "parceiros de pesquisa".

Uma comunidade dedicada a que homens e mulheres criem em público "o orgasmo que existe entre eles", nas palavras de uma moradora, isso pode soar como a sátira mais recente da Califórnia. Mas a baía tem uma história vivaz e notável de buscadores construindo vidas em torno da aventura sexual.

San Francisco tem orgulho de sua herança libertine, como Sean Penn demonstrou recentemente em "Milk". A busca pela transformação pessoal, inclusive através do sexo, levou para o litoral as banheiras quentes do Esalen Institute em Big Sur, berço do movimento do potencial humano, e nos anos 60, as comunidades floresceram na cidade, muitas abraçando o amor livre.

A One Taste é apenas a última parada desse metrô sexual, costurando uma liberdade individual radical, a espiritualidade ocidental e o feminismo.

"A ideia de uma comunidade sexual em San Francisco voltada para o orgasmo feminino faz parte da longa e rica história de mulheres que assumiram sua sexualidade e a tornaram pública", diz Elizabeth A.
Armstrong, professora de sociologia na Universidade Indiana, que estudou as subculturas sexuais de San Francisco.

Assim como em muitas comunidades anteriores, a líder da One Taste, Daedone, é uma personalidade polarizadora, cujos admiradores veneram como uma diva sexual, apesar de alguns membros antigos dizerem que ela exerce um poder de culto sobre seus seguidores. Segundo eles, ela costumava sugerir fortemente quais os casais que deveriam se envolver romanticamente.

"Sempre existiu uma pressão em relação aos limites das pessoas", diz Judy Silver, que morou na One Taste por três anos e meio e saiu no outono passado. "Todos sabíamos que era um lugar extremo, e viemos para jogar duro".

O grupo não atraiu muita atenção durante seus quatro anos e meio de existência - talvez que esse tipo de comunidade não seja novidade para os moradores de San Francisco - apesar de ter causado alguma sensação quando o The San Francisco Chronicle escreveu sobre as aulas de ioga sem roupa do grupo (sem fins sexuais). Muitos voyeurs apareceram por lá depois disso. Agora as aulas são com os alunos vestidos.

As pessoas que chegam à One Taste são um grupo eclético. Algumas estão em períodos de transição, entre elas um engenheiro de 50 anos do Vale do Silício, com cara de jovem, divorciado recentemente, que disse que a prática de fixar sua atenção em um ponto minúsculo do corpo da mulher melhora sua concentração no trabalho.

A maioria dos moradores é de jovens buscadores, que procuram preencher um vazio interno e se fortalecer com a mistura de sexualidade e espiritualidade centrada na mulher pregadas por Daedone. Uma delas, Beth Crittenden, 33, cresceu entre as plantações de tabaco da conservadora Virgínia, um lugar onde, segundo ela, a anatomia feminina nunca era discutida e a masturbação era algo que não podia ser mencionado. "Eu nunca tinha feito nada, mesmo no cair da noite", diz ela.

Ela acabou caindo no prédio do centro na rua Fulton, com seus sofás aconchegantes, e matriculou-se num curso de prazer da mulher porque seus relacionamentos com os homens "acabavam sempre batendo num muro de cimento", diz.

Ela resistiu às ofertas de fazer novos cursos (por uma taxa), deletando as incessantes mensagens de e-mail do centro. Mas às vésperas de seu 29º aniversário, ela voltou, hesitante. "Eu estava com medo de abrir tanto minha vida, mas estava com mais medo de não fazê-lo", diz.

Agora que é uma instrutora, Crittenden fala sobre "a velocidade lenta do meu desejo e minha hesitação em ceder a ele".

Outra integrante, Racheli Cherwitz, 28, passou anos lutando com a anorexia e o alcoolismo, disse. Na busca de sua identidade, ela mudou-se para Israel e se tornou uma judia ortodoxa.

Descobrir a One Taste, diz ela, melhorou sua autoimagem e deu a ela um "profundo acesso físico à mulher que sou e à mulher que quero ser".

Cherwitz viaja para Nova York e oferece treinamento particular sobre sensualidade numa filial da One Taste na Grand Street. Muitos de seus clientes, diz ela, são casais de judeus ortodoxos do Brooklyn.

No mundo da One Taste, homens e mulheres fazem um estranho pacto impessoal. Não há contato visual durante a meditação orgástica. A ideia, similar ao sexo do budismo tântrico, é prolongar o clímax sensorial - e compartilhá-lo publicamente - antes da "aceitação", que é como os moradores, que tendem a usar o jargão do grupo, chamam o orgasmo.

Apesar de os homens não serem tocados pelas mulheres e não chegarem ao orgasmo, eles dizem vivenciar uma sensação de energia e saciedade.
Tanto os acariciadores quanto as acariciadas insistem que o propósito verdadeiro do OMing é uma "hidratação" do ser, da conexão humana, e não o sexo.

Reese Jones, empresário-geek-capitalista-e-namorado de Daedone, compara a meditação orgástica a uma massagem.

"É um procedimento para nutrir o sistema límbico, como ioga ou pilates, sem nada além disso", diz. "Quando você vai a uma massoterapeuta", diz ele, "você não leva a massagista para jantar depois".

O inspirador e mentor de Daedone para se tornar uma guru sexual foi Ray Vetterlein, que ficou famoso nos círculos sexuais alegando prolongar os orgasmos de uma mulher comum para 20 minutos.

Vetterlein, que tem quase 80 anos, inspirou-se em Lafayette Morehouse, uma comunidade controversa de 40 anos de existência localizada no subúrbio de Lafayette, Califórnia, que promove demonstrações públicas de uma mulher atingindo o orgasmo desde 1976.

O fundador da Morehouse, Victor Baranco, era um vendedor de ferramentas que chamava sua filosofia de "hedonismo responsável".
Segundo alguns depoimentos, Baranco, que morreu em 2002, usava técnicas coercitivas de controle mental.

"Era uma gigantesca máquina de destruir o ego, assim como é toda tradição monástica válida", diz um homem que viveu na Morehouse por 20 anos e não quis ser identificado.

O início da carreira de Daedone não foi nem um pouco alternativo: ela estudou semântica na Universidade do Estado de San Francisco e depois doou suas pérolas para fundar uma galeria de arte. Mas aos 27 anos, seu mundo começou a ruir quando ela ficou sabendo que o pai, do qual ela estava afastada há tempos, estava morrendo de câncer na prisão, depois de ser condenado por molestar duas meninas.

"Tudo na minha realidade entrou em colapso", disse ela. "Meu corpo virou pedra e se estilhaçou".

Seu pai não havia se comportado inapropriadamente com ela, diz Daedone; pelo contrário, ele era uma figura distante.

"De certa forma eu me sentia próxima dele no toque, e de repente ele se fechou", diz ela. "Mais tarde entendi que ele estava tentando proteger-me dele mesmo, de sua patologia".

Seu caminho de volta para a vida começou no budismo, que ela seguiu com vingança, querendo morar numa comunidade zen. Mas numa festa em 1998, ela conheceu um budista que tinha uma prática que ele chamava de "sexualidade contemplativa".

Ele a convidou para deitar-se nua com ele, colocou um despertador e, enquanto a acariciava, começou a narrar delicadamente em detalhes a beleza que ele via, as cores que ia do coral, ao rosa profundo, ao rosa-choque perolado. "Eu simplesmente me abri, e o sentimento foi puro e limpo", diz Daedone. "De uma forma estranha, acho que naquele momento eu decidi viver".

Desde a abertura da One Taste, ela permitiu que a comunidade passasse por inúmeras mudanças; para seu desgosto, o local atraiu inicialmente desajustados que "gostavam de ficar à toa se bolinando", diz ela.

Ela admite que cometeu erros - entre eles as aulas de ioga sem roupas - mas tem sido astuta em relação a como apresentar seu produto. Ela trocou o termo "orgasmo deliberado", como é chamado pelos outros praticantes, por "meditação orgástica", mais apropriado para o marketing. Grande parte da atmosfera da comunidade gira em torno de Daedone, uma mulher de um charme considerável, apesar de seus detratores a verem como uma mestra em manipulação.

"Nicole lê as pessoas", diz Marci Boyd, 57, moradora mais velha do grupo, emprestando uma frase do livro "Stranger in a Strange Land", de Robert A. Heinlen, que significa entender alguém tão completamente que o observador se torna uno com o observado.

Elana Auerbach, uma das primeiras moradoras, que deixou o grupo com Bill Press, que hoje é seu marido, disse que a consequência da capacidade de Nicole de se tornar exatamente a pessoa mais desejada por um indivíduo é que "eles se apaixonam por Nicole, exalam Nicole". "Você deixa de confiar em si mesmo e começa a confiar em Nicole", diz ela.

Até pouco tempo, os moradores viviam num lugar apertado, sacrificando a privacidade pelo grupo, duas pessoas em cada cama, 12 camas em cada quarto, separadas por cortinas. Agora eles têm quartos particulares num prédio adjacente ao centro de meditação (ambos estão localizados providencialmente em Folsom Street, lugar que abriga a maior feira anual de couro, "bondage" e fetiche).

Auerbach diz que ela e Press acabaram decidindo que queriam uma vida "focada no coração e não nos genitais". Agora que têm um filho, veem sua experiência como uma lição.

"Nicole divulga uma mensagem e todo mundo repete aquilo", diz Press. Daedone insiste que ela não incentiva nem gosta da imagem de toda-poderosa. "Há um grande potencial para isso ser um culto", diz ela.

Ela deixou recentemente sua moradia na comunidade, em parte para evitar essa tendência. "Sempre que eu estava lá, todo mundo me tratava como uma guru", diz. "Eu acordava e as pessoas vinham sentar na minha cama".

Agora ela mora com Jones, seu namorado, que vendeu uma companhia de software que ele fundou, a Netopia, para a Motorola por US$ 208 milhões, e fornece recursos financeiros para a One Taste, ajudando inclusive a comprar uma sede de retiros em Stinson Beach, Califórnia.

Daedone quer que a One Taste seja conhecida, e para isso o centro oferece ensinamentos de rabinos e monges tibetanos, junto com aulas públicas e cursos sobre "sexualidade consciente".

Mas é difícil imaginar uma academia One Taste. Num curso de fim de semana realizado recentemente no centro, com uma platéia grande de homens e mulheres interessados em aprender a meditação orgástica, Daedone resumiu sua filosofia.

"Na nossa cultura", disse, beatificamente sentada sobre uma almofada, "as mulheres têm sido condicionadas a terem uma sexualidade fechada e uma abertura de sentimentos, e os homens têm uma sexualidade aberta e os sentimentos fechados. Há uma região enorme de resistência e vergonha".

Em breve os aspirantes a praticantes, incluindo um casal de Marin County que esperava reacender seu casamento, reuniram-se no chão em volta de uma cama de massagem. Justine Dawson, uma bela moradora da comunidade, de 34 anos, tirou seu robe e subiu na maca. Outro morador, Andy Roy, 28, começou sua tarefa, com uma concentração tão intensa que começou a suar.

Os presentes foram instruídos a falar sobre seus sentimentos, e muitos o fizeram, descrevendo a excitação que eles, também, estavam sentindo.

Quando terminou, Dawson emanava uma radiância digna de um Caravaggio, uma inocência juvenil. Em outro contexto, poderia ter sido um momento profundo e romântico entre dois amantes. Em vez disso, uma imagem diferente veio à mente: a entrevista pós-coito de Howard Cosell, segurando um microfone, no filme "Bananas", de Woody Allen.

Tradução: Eloise De Vylder

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