sexta-feira, maio 30, 2008

Vítimas e algozes

Uma questão espinhosa, mas que aparentemente começa a ser examinada sem o calor das paixões nacionalistas, que, por desgraça, conseguiram macular da pior forma o que poderia ser visto como uma reivindicação territorial e moral justa. Fico pensando que narrativa nacional prevalecerá em Israel quando mais gente conhecer os arquivos citados nesses trabalhos e, coisa já anunciada, os árabes e palestinos se tornarem uma maioria demográfica.

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Le Monde Diplomatique
maio de 2008











ORIENTE MÉDIO

Os intelectuais pacifistas de Israel

Por meio de uma ampla pesquisa nos arquivos do Estado, eles desmontam os mitos da política oficial e procuram abrir caminho para uma nova relação com os árabes. Graças aos estudos, sabe-se, por exemplo, que a ocupação da Palestina sempre esteve nos planos da direita sionista

Eric Rouleau

A intelligentsia israelense conheceu, nos anos 1980, o começo de uma mutação notável, que marca a ascensão de uma nova geração de homens e de mulheres que não conheceram a shoah [1] nem a criação do Estado de Israel. Essa evolução é também testemunho do amadurecimento progressivo das elites, capazes, a partir de então, de julgar sem complexo o passado e de se livrar dos mitos e tabus propalados pelos dirigentes israelenses.

O anticonformismo desses intelectuais — historiadores, sociólogos, filósofos, jornalistas, escritores, cineastas, artistas — manifestou-se depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967: a ocupação, a resistência palestina, a ascensão ao poder da direita nacionalista e religiosa em 1977, a influência crescente dos colonos e dos rabinos expansionistas, a exacerbação das tensões entre religiosos e leigos não deixou de alimentar a contestação. “Quando eles falam de Tel-Aviv, os religiosos usam com freqüência a expressão ‘Sodoma e Gomorra’, ao passo que, para os laicos, Jerusalém é como a Teerã do tempo dos aiatolás”, comenta Michel Warschawski, um dos dirigentes da ala radical do movimento pacifista.

A paz com o Egito, em 1979, suscitou a esperança de uma solução global, que a invasão do Líbano, em 1982, transformou em desilusão. Vista pela opinião pública como a primeira guerra ofensiva de Israel, esta última foi provocada por razões que se revelaram falsas. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que a dupla Menahem Begin - Ariel Sharon buscava aniquilar, não promoveu nenhuma provocação, ao contrário do que o governo israelense afirmava. Ela deu, até mesmo, sinais da vontade de se engajar na via do compromisso. Não colocava em perigo a existência do Estado judeu. À época, muitos israelenses ficaram escandalizados com a extrema brutalidade de suas forças armadas, e com o número exorbitante de vítimas entre os civis palestinos e libaneses, que culminou no terrível massacre de Sabra e Chatila.

Acontecimentos sem precedentes se sucederam então: cerca de quatrocentos mil manifestantes protestaram no centro de Tel Aviv; quinhentos oficiais e soldados desertaram; o movimento dos refuseniks [2] tomou forma com aqueles que se recusavam a servir o exército, inicialmente no Líbano, em seguida nos territórios ocupados. A “pureza das armas”, de que o Estado judeu se gabava desde o seu nascimento, ficou seriamente prejudicada.

São os primeiros pesquisadores, desde a criação do Estado de Israel, a fundamentar seus trabalhos em documentos irrefutáveis, ao invés de referências de segunda mão

Jovens historiadores contribuíram ainda mais, voluntariamente ou não, para o descrédito desse slogan. Ao tomar conhecimento dos arquivos oficiais, em grande parte tornados públicos em 1978 (trinta anos depois dos acontecimentos relacionados, como autoriza a lei israelense), descobriram que o comportamento das forças judaicas, antes e durante a Guerra de 1948, esteve longe de corresponder à imagem idílica projetada pela propaganda. Apoiado por documentos oficiais, Simha Flapan, fervoroso sionista até sua morte e um dos dirigentes do partido de esquerda Mapam, foi o primeiro a publicar uma obra expondo os “sete principais mitos” utilizados para enganar a opinião pública durante décadas [3].

Dominique Vidal [4], em colaboração com Sébastien Boussois, expõe e analisa as conclusões daqueles que, atualmente, designamos como “novos historiadores”: trata-se dos primeiros pesquisadores, desde a criação do Estado de Israel, a fundamentar seus trabalhos não sobre referências de segunda mão, como fizeram seus predecessores, mas sobre documentos irrefutáveis, consultados nos arquivos do Conselho de Ministros, do Exército, do Palmach (tropas de choque), das organizações sionistas, do diário do primeiro-ministro David Ben Gurion, entre outros.

Seu livro descreve as circunstâncias que conduziram à guerra contra os exércitos árabes, estigmatiza o papel de Ben Gurion, no melhor dos casos ambíguo, e consagra um capítulo a Benny Morris, o líder dos “novos historiadores”, que Vidal classifica de “esquizofrênico”, em razão do fosso entre seu engajamento de historiador na busca da verdade e suas posições políticas próximas da extrema-direita israelense. Vidal analisa, por fim, a obra mais recente de Ilan Pappé, The ethnic cleansing of Palestine ["A limpeza étnica da Palestina", ainda sem edição em português], que provocou tal escândalo (depois de tantos outros) que ele teve que se demitir da Universidade de Haifa para se exilar em uma universidade britânica.

Pappé não é o primeiro intelectual dissidente, e sem dúvida não será o último, a se expatriar para escapar do ambiente opressivo reservado aos “pestilentos”, como ele se define. No entanto, é muito difícil contestar suas narrativas, bem mais detalhadas do que as de seus predecessores. O historiador de Haifa teve acesso a documentos guardados nos arquivos israelenses há sessenta anos (e não apenas há quarenta, como foi o caso de seus predecessores). Mas ele também se baseou nos escritos de historiadores palestinos, muitas vezes testemunhas oculares dos acontecimentos. E recolheu testemunhos de sobreviventes da limpeza étnica, até agora, curiosamente, negligenciados por seus colegas, seja pela rejeição a priori dos testemunhos, seja por má fé, seja pela ignorância da língua árabe. São testemunhos ainda mais preciosos pelo fato de os Estados árabes se recusarem até hoje a abrir seus arquivos aos pesquisadores.

"Nós estamos em condições de ocupar toda a Palestina, disso não tenho qualquer dúvida", escreve Ben Gurion, o fundador de Israel, três meses antes da guerra de 1948

As divergências entre Ilan Pappé e Benny Morris não são, em última análise, fundamentais. Um e outro confirmam, em primeiro lugar, que a Guerra de 1948 não foi, como se costuma dizer, um combate de “David contra Golias”, pois as forças judaicas eram claramente superiores em efetivos e armamentos às de seus adversários. No auge da guerra civil judaico-palestina, havia apenas alguns milhares de combatentes palestinos mal equipados, apoiados por voluntários árabes do Exército de Libertação de Fawzi Al-Qawuqji. E, mesmo quando os Estados árabes intervieram, no dia 15 de maio de 1948, seus contingentes eram muito inferiores aos da Haganá [5], que não parava de se reforçar.

Além disso, os dois historiadores concordam que os exércitos árabes invadiram a Palestina in extremis, e certamente a contragosto, não para “destruir o jovem Estado judeu”, algo do qual sabiam que eram incapazes, mas para impedir que Israel e a Cisjordânia — em “conluio”, segundo o historiador Avi Shlaïm — partilhassem o território devolvido aos palestinos pelo plano de divisão da ONU de 29 de novembro de 1947.

“Nós estamos em condições de ocupar toda a Palestina, disto não tenho qualquer dúvida”, escreveu Ben Gurion a Moshe Sharett em 1948, três meses antes da guerra israelo-árabe e algumas semanas antes das entregas maciças de armamentos encaminhados, via Praga, pela União Soviética. Algo que não o impediu de proclamar repetidas vezes que Israel estava ameaçado de um “segundo holocausto”.

Deixando-se arrebatar pela euforia das vitórias conquistadas, relata Ilan Pappé, o “pai” do Estado judaico escreveu no dia 24 de maio, na primeira semana da guerra, em seu diário pessoal: “Nós estabeleceremos um Estado cristão no Líbano (…) nós faremos a Cisjordânia em pedaços, bombardearemos a sua capital, destruiremos o seu exército (…) deixaremos a Síria de joelhos (…) nossa aviação atacará Port Said, Alexandria e o Cairo, e isto para vingar nossos ancestrais oprimidos pelos egípcios e pelos assírios nos tempos bíblicos (…)”.

Está demonstrado: as autoridades israelenses que forçaram os palestinos ao êxodo recorrendo, para enxotá-los de suas terras, à chantagem, à ameaça, ao terror e à brutalidade das armas

Do mesmo modo, Benny Morris e Ilan Pappé reduzem a nada a fábula, alimentada pelos dirigentes israelenses, segundo a qual os palestinos teriam deixado os seus lares voluntariamente, depois de apelos lançados pelas autoridades e pelas rádios árabes (emissões que a propaganda israelense forjou, como testemunham as gravações integrais realizadas pela BBC). Ao contrário, os dois historiadores confirmam aquilo que já sabíamos desde o fim dos anos 1950: foram as autoridades israelenses que forçaram os palestinos ao êxodo recorrendo à chantagem, à ameaça, ao terror e à brutalidade das armas para enxotá-los de suas terras.

Eles divergem, no entanto, sobre o sentido dessas expulsões. Para Benny Morris, são apenas “danos colaterais”: “guerra é guerra”, afirma, acrescentando mais recentemente [6], não sem cinismo, que Ben Gurion deveria ter prosseguido até expulsar o último palestino. Onde Benny Morris descreve um êxodo “nascido da guerra e não de uma intenção, judia ou árabe”, Ilan Pappé mostra que a purificação étnica foi planejada, organizada e posta em prática a fim de ampliar o território do Estado de Israel e de “judaizá-lo”.

O fato é que, apesar de terem aprovado publicamente o plano de divisão das Nações Unidas, os dirigentes sionistas o julgavam inadmissível: sua aprovação era de ordem tática, como indicam os numerosos documentos arquivados, assim como o diário de Ben Gurion.

Mais da metade da Palestina lhes havia sido atribuída, o restante regressando aos árabes autóctones que eram duas vezes mais numerosos do que os judeus. Todavia, aos seus olhos, o território previsto para o Estado de Israel era muito estreito para acolher os milhões de imigrantes que seus dirigentes esperavam receber. Além disso, 405 mil árabes palestinos conviveriam ali com 558 mil judeus, estes últimos constituindo assim apenas 58% da população do futuro Estado hebreu. Com tal composição, o sionismo arriscava-se a perder até mesmo a sua razão de ser. Daí a fórmula “tornar a Palestina tão judia quanto a América é americana e a Inglaterra é inglesa”, lançada por Haim Weizmann, futuro primeiro presidente de Israel.

A “transferência” (eufemismo para designar a expulsão) dos árabes autóctones para fora das fronteiras atormentou os espíritos dos dirigentes sionistas. Por isso, eles não paravam de debatê-la, o mais das vezes a portas fechadas. No final do século 19, Theodor Herzl sugeriu ao sultão otomano que deportasse os palestinos para desocupar o território e dar lugar à colonização judaica. Em 1930, Haim Weizmann tentou persuadir o governo britânico, potência mandatária da Palestina, a fazer o mesmo.

Em alguns meses, foram registrados dezenas de massacres e execuções sumárias: 531 aldeias, em um total de mil, foram destruídas ou reconvertidas para acolher imigrantes judeus

Em 1938, depois da proposição de um mini-Estado judeu, e também de uma transferência de árabes, pensada pela comissão britânica dirigida por Lord Peel, Ben Gurion declarou diante do comitê executivo da Agência Judaica: “Eu sou favorável à transferência obrigatória — uma medida que não tem nada de imoral”. A Guerra de 1948 ofereceu-lhe a ocasião sonhada. Seis meses antes da intervenção dos exércitos árabes, ele lançou contra a população autóctone a ofensiva destinada a deportá-la. Para realizar esse projeto — revela Pappé —, Ben Gurion possuía um arquivo com dados de todas as aldeias árabes, contendo informações demográficas, econômicas, políticas e militares, arquivo criado pela Agência Judaica em 1939 e atualizado constantemente ao longo da década de 1940.

Os meios aos quais as forças judaicas recorreram — e que Ilan Pappé analisa em detalhes — são de dar frio na espinha, mesmo que tenham por precedentes as atrocidades cometidas no curso das purificações étnicas conduzidas por outros povos desde a alta antigüidade. O balanço feito pelo historiador é eloqüente: em alguns meses, foram registrados dezenas de massacres e execuções sumárias; 531 aldeias, em um total de mil, foram destruídas ou reconvertidas para acolher imigrantes judeus; onze centros urbanos etnicamente mistos viram-se esvaziados de seus habitantes árabes.

Sob a ponta das baionetas, o conjunto de palestinos de Ramallah e de Lod, cerca de 70 mil pessoas, inclusive crianças e idosos, foi banido em poucas horas, em meados de julho de 1948. A operação foi instruída por Ben Gurion, como o testemunham as memórias, posteriormente censuradas, do futuro primeiro-ministro Itzhak Rabin — à época, o oficial superior encarregado, juntamente com Igal Allon, da atividade. Repelidos em direção à fronteira da Cisjordânia, vários palestinos morreram no caminho, de cansaço. A mesma coisa ocorrera, em abril, na cidade de Jaffa, quando 50 mil de seus habitantes árabes tiveram de fugir, aterrorizados pelo ataque intensivo da artilharia do Irgun [7], e pelo medo de novos massacres. Foi o que o próprio Benny Morris chama de “fator atrocidade”.

Esses horrores são ainda mais injustificáveis quando se sabe que muitas aldeias árabes — Ben Gurion mesmo o confessa — haviam declarado sua vontade de não resistir à divisão da Palestina e até mesmo decidido estabelecer, para esse fim, acordos de paz com seus vizinhos judeus. Foi o caso da aldeia de Deir Yassin, onde, apesar de tudo, as forças irregulares do Irgun e do Lehi [8] exterminaram uma parte considerável da população — com o acordo tácito da Haganá, o exército “regular” da Agência Judaica, segundo Simha Flapan.

Entre 1947 e 49, entre 750 e 800 mil palestinos tiveram de se exilar. Seus imóveis e móveis foram confiscados.O Fundo Nacional Judeu tomou 300 mil hectares de terras árabes

No total, entre 1947 e 1949, de 750 mil a 800 mil palestinos tiveram de tomar o caminho do exílio, enquanto seus bens imobiliários e mobiliários eram confiscados. Segundo a estimativa de um oficial israelense citado por Dominique Vidal, o Fundo Nacional Judeu se apoderou de 300 mil hectares de terras árabes, das quais a maior parte foi dada aos moradores dos kibutz. A operação não poderia ter sido melhor concebida: no dia seguinte ao voto da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 11 de dezembro de 1948, que aprovou a famosa resolução sobre o “direito ao retorno”, o governo israelense adotou a “lei de urgência relativa às propriedades dos ausentes”, que complementou aquela sobre o “cultivo das terras abandonadas”, de 30 de junho de 1948, e legalizou retroativamente a espoliação, proibindo que os espoliados se instalassem novamente em suas casas ou reivindicassem qualquer compensação.

Apesar dos protestos de alguns membros do governo israelense, escandalizados pela brutalidade da purificação étnica, Ben Gurion — que não havia patrocinado explicitamente e por escrito essas ações — não fez nada para interrompê-las. Contentou-se em denunciar os saques e os estupros a que os soldados do Tsahal se entregavam — crimes que se beneficiaram, contudo, de uma impunidade total. O mais espantoso, sem dúvida, foi o pesado silêncio da “comunidade internacional” — silêncio que se prolongou por várias décadas, durante as quais os observadores estrangeiros, incluídos os da ONU, não ignoraram as atrocidades cometidas. Compreendemos melhor, dessa maneira, porque os palestinos falam em nakba (catástrofe) quando se referem à “guerra de independência de Israel”.

Avi Shlaim, professor de longa data no St. Anthony’s College, em Oxford, acaba de publicar Le Mur de fer, Israël et le monde arabe ["O muro de ferro: Israel e o mundo árabe". ainda ainda sem edição em português]. No livro, Shlaim destrói mais um mito: o de um Estado de Israel enamorado pela paz, em oposição ao belicismo dos Estados árabes dedicados a aniquilá-lo. O título de sua obra refere-se à doutrina de Zeev Jabotinsky. Já em 1923, esse pai da direita ultranacionalista judaica, afirmava que era imprescindível desistir de negociar um acordo de paz antes de ter colonizado a Palestina, protegido dos perigos por um “muro de ferro”, já que os árabes só compreendiam a lógica da força.

Tendo adotado essa doutrina na prática, políticos e militares israelenses, tanto de “direita” quanto de “esquerda”, teriam, no mais das vezes, sabotado os sucessivos planos de paz. Calculando que o tempo joga a favor de Israel, e sustentando que este “não tem um parceiro pela paz”, conforme as palavras de Ehud Barak, os dirigentes de Jerusalém esperam sempre que a parte contrária se resigne a aceitar a expansão territorial do Estado judeu e a fragmentação de um hipotético Estado palestino, condenado a se tornar um mosaico de “bantustões”. A obra de Shlaim, cuja edição inglesa no ano 2000 tornou-se um best-seller, com mais de cinqüenta mil exemplares vendidos, foi traduzida em várias línguas antes de aparecer em hebraico, cinco anos depois: a quase totalidade dos editores israelenses a havia considerado até então “sem interesse”.

Historiadores, sociólogos, escritores, jornalistas e cineastas da nova onda da intelligentsia são sionistas de tipo novo. Estão convencidos de servir à causa da paz, ao restabelecer a verdade histórica

Avi Shlaim admite “reconhecer a legitimidade do movimento sionista e a do Estado de Israel em suas fronteiras de 1967”. Ele acrescenta, porém: “Por outro lado, rejeito totalmente o projeto colonial sionista além dessa fronteira”. Com algumas exceções, os historiadores, sociólogos, escritores, jornalistas e cineastas pertencentes à nova onda da intelligentsia são, como ele, sionistas de um tipo novo, aos quais apelidamos de “pós-sionistas”. Todos estão convencidos de servir à causa da paz ao restabelecer a verdade histórica e ao reconhecer os prejuízos causados aos palestinos.

Para apreender o sentido e o alcance dessa mutação, iniciada nos anos 1980, podemos ler com proveito a pesquisa realizada em Israel por Sébastien Boussois junto aos novos historiadores e seus adversários [9]. Alguns chegaram à conclusão de que a instituição de um Estado de Israel “normalizado”, em paz com seus vizinhos, depende em grande medida do impacto que esses intelectuais contestadores terão sobre a sociedade e principalmente sobre o mundo político israelense.

É o que escreve, à sua maneira, Yehuda Lancry, antigo embaixador de Israel na França e nos Estados Unidos: “Os ‘novos historiadores’, mesmo por meio do radicalismo de Ilan Pappé, são tanto os batedores dessa região pouco clara da consciência coletiva israelense quanto os preparadores de uma adesão mais firme ao reconhecimento mútuo e à paz com os palestinos. Seu trabalho, longe de representar uma fonte de transtornos para Israel, é uma honra para o seu país — e, mais do que isso, um dever, uma obrigação moral, uma prodigiosa tomada de responsabilidade sobre um empreendimento liberador capaz de inscrever no vivido israelense as linhas de articulação, os interstícios saudáveis, necessários para a inserção do discurso do outro [10].”



[1] Termo iídiche, que significa calamidade ou grande catástrofe, com o qual os judeus se referem ao holocausto nazista.

[2] Originalmente, o termo nomeava judeus, armênios e outras minorias às quais era negada autorização para emigrar na antiga União Soviética. Atualmente, a palavra designa aqueles que alegam objeção de consciência para não servir o exército israelense.

[3] The Birth of Israel, myths and realities (Nova York, Pantheon Books, 1987).

[4] Dominique Vidal é jornalista, integrante do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (França). Seu livro Comment Israel expulsa les Palestiniens (Como Israel expulsou os palestinos) é uma edição revista e ampliada da obra Le péché originel d’Israel (O pecado original de Israel), publicada pelo mesmo autor, em colaboração com Joseph Algazy, pelas Éditions de l’Atelier, em 1988.

[5] Força paramilitar judaica. Criada durante o Mandato Britânico na Palestina, entre 1920 e 1948, tornou-se a coluna vertebral do exército israelense.

[6] Em uma entrevista ao diário Haaretz (Tel Aviv, 8 de janeiro de 2004).

[7] Organização sionista terrorista atuante na Palestina. Fundado em 1931, o Irgun foi dirigido, a partir de 1943, por Menahem Begin, futuro primeiro-ministro israelense. Em 1948, com a criação do Estado de Israel, a grande maioria de seus membros foi incorporada ao recém-criado exército nacional.

[8] Organização sionista terrorista atuante na Palestina. O Lehi nasceu, em 1940, de uma dissidência do Irgun, liderada por Avraham Stern.

[9] Ver Dominique Vidal, op. cit. Sébastien Boussois é, por outro lado, o autor de Israel, confronté à son passé (Israel confrontado com o seu passado). Paris, L’Harmattan, 2008.

[10] Prefácio ao livro de Dominique Vidal, op. cit.


quinta-feira, maio 29, 2008

Uma surpresa

Victor Frankl

Quando eu achava que nada mais veria de útil vindo de Olavo de Carvalho, eis que me surpreendo:

http://www.olavodecarvalho.org/textos/1a_leitura_2005_nov.htm

Pelo menos, o dito filósofo continua sendo um divulgador de algumas referências úteis. Depois de uma lida em dois artigos correspondentes da Wikipédia, estou curioso para conhecer o Sr. Frankl. E desde já consigo me lembrar de pelo menos um homem que conseguiu sair de um campo de concentração nazista e descobrir um sentido nobre para sua vida: David Rousset, um dos primeiros denunciadores dos gulags em língua francesa e também um dos mais ativos militantes contra esse tipo de campo de prisioneiros -- nos quais, diga-se, estavam muitos de seus antigos algozes.

Digam o que quiserem os pessimistas de todos os tempos, ainda há muita nobreza na humanidade. Podem não ser exatamente os mais famosos dos exemplos, mas ninguém precisa recorrer apenas aos grandes santos de todos os tempos para buscar um modelo e uma inspiração. Há alguns muito mais próximos de nós, de nossas dificuldades e ninharias cotidianas, mas que sabem, em situações nas quais tantos desanimariam ou cruzariam os braços, achar inspiração para feitos realmente grandiosos.


sábado, maio 17, 2008

Adolescência: um mito?

Todas as épocas têm seus "clichês", idéias que são tidas como óbvias e auto-evidentes mas que, se observadas com um pouco de cuidado, podem se revelar ilusórias ou apenas verdades relativas. Seria o caso do status especial que damos aos adolescentes? Como sempre sou a favor da confrontação de opiniões, reproduzo aqui um "herege" no campo, cujo ataque a essa fase tão notória em nossos tempos dá o que pensar.

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Época - http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR77573-6014,00.html

COMPORTAMENTO

Abaixo a adolescência!

Psicólogo americano diz que os jovens não são problemáticos: os adultos é que têm medo de lhes dar responsabilidades desde cedo

Por Francine Lima

A tese dele é polêmica: a adolescência não deveria existir. Não, o psicólogo americano Robert Epstein não prega o extermínio dos jovens, e sim uma nova forma de encará-los. No livro The Case against Adolescence: rediscovering the Adult in Every Teen (algo como O Processo contra a Adolescência: redescobrindo o Adulto dentro de cada Adolescente), lançado nos Estados Unidos, Epstein atribui boa parte do comportamento problemático dos jovens à tendência dos adultos de não lhes dar confiança e responsabilidade. Indisciplina, agressividade, falta de autonomia, abuso de drogas e criminalidade poderiam ser problemas bem menos comuns, segundo ele, se parássemos de tratar os adolescentes como... adolescentes.

Robert Epstein
• QUEM É - Nasceu em 19 de junho de 1953 em Hartford, Connecticut, EUA. Tem quatro filhos: dois já foram adolescentes e dois ainda vão ser

• O QUE FAZ - Epstein é editor-colaborador da revista Scientific American Mind e foi editor-chefe da Psychology Today. É pesquisador visitante da Universidade da Califórnia em San Diego, e já publicou artigos em revistas como Science e Nature. Entre os temas que estuda, além da adolescência, estão sexualidade, criatividade, relações amorosas e motivação

ÉPOCA - Por que o senhor diz que a adolescência é uma ficção?
Robert Epstein -
A adolescência, tal como a conhecemos hoje, é uma invenção industrial. A primeira referência a ela surgiu em 1904, na obra de um psicólogo americano chamado Granville Stanley Hall, como uma transição supostamente necessária entre a infância e a idade adulta. Mas Hall nunca estudou outras culturas para avaliar sua teoria. Há mais de cem países onde não há qualquer vestígio desse tipo de mau comportamento juvenil - na maioria dos países muçulmanos e no Japão, por exemplo. Onde há vínculo com o mundo dos adultos não existe esse tipo de problema. Em sociedades pré-industriais, os adolescentes trabalhavam no campo, ajudavam em casa, preparavam a comida. Aprendiam a se tornar adultos convivendo com eles. Se tiverem oportunidade, os adolescentes vão querer e vão tentar.

ÉPOCA - Sua tese se baseia na própria experiência?
Epstein -
Tenho ótima relação com meus filhos. O mais velho se meteu em muita encrenca com professores, autoridades e amigos quando era adolescente. Chegou a mexer com drogas... Foi preso, mas não condenado. O segundo filho também se envolveu com drogas, e algumas vezes fiquei bem preocupado. Eu tinha me divorciado da mãe deles. Então, se um de nós não cedia aos pedidos do filho, o outro cedia. Isso ocorre muito entre pais separados. s

ÉPOCA - O divórcio, então, é prejudicial aos filhos?
Epstein -
Acredito que o verdadeiro motivo não seja o divórcio, mas o fato de os adolescentes viverem hoje em um mundinho próprio, isolado dos adultos. Eles passam 70 horas por semana com amigos da mesma idade. Não porque eles não queiram ficar com os adultos, mas porque os adultos não permitem que eles participem da vida adulta. Eles caem na armadilha da escola secundária e ficam isolados.

ÉPOCA - Qual é o problema com a escola secundária?
Epstein -
A forma como se concentra a educação é velha e errada. Os jovens são separados em classes por idade. Ensinamos a todos a mesma matéria, no mesmo ritmo. Tudo isso é ridículo. Cada criança tem um modo de aprender. Algumas das pessoas mais importantes do mundo abandonaram a escola. Bill Gates largou Harvard e nunca obteve um diploma. Thomas Edison, o maior inventor que conhecemos, foi educado em casa.

Nem sempre os adultos se saem melhor que os jovens. A taxa de divórcios é menor quando o homem se casa na adolescência

ÉPOCA - O que o senhor propõe?
Epstein -
A solução é simples: restabelecer o vínculo dos adolescentes com os adultos. Como? Dando a eles a opção de se tornar adultos tão logo queiram tentar. Não acho que as pessoas devam ser julgadas pela idade, pelo sexo ou pela etnia, e sim pelas habilidades. Nós poderíamos dar aos jovens diversas formas de participar do mundo adulto. Um grande teste dessa passagem da infância para a maturidade é o exame de motorista. Todos os jovens que fazem o teste passam. Não importa quão ruins sejam na escola, se cometeram algum delito ou se usam drogas. Se não passam na primeira tentativa, passam na segunda. Ou na terceira. Tentam até aprender e conseguir. Da mesma forma, se você permitir que eles façam testes para dar um passo adiante rumo à vida adulta, eles mostrarão que têm capacidade.

ÉPOCA - Dirigir é uma tarefa complexa?
Epstein -
É extremamente complexa. Especialmente quando comparada com as habilidades necessárias para assinar um contrato ou para se casar. Essas, sim, são atividades bem simples. Permanecer casado é complexo, mas se casar é muito simples. Nisso, muitos adultos não se dão melhor que os adolescentes. A taxa de divórcios entre homens que se casaram na adolescência aqui é mais baixa que a taxa de homens que se casaram na faixa dos 20 anos.

ÉPOCA - São raros os adolescentes que sustentam a si próprios.
Epstein -
São raros porque não permitimos. Não deixamos que os adolescentes adquiram propriedades ou abram empresas. Milhares de adolescentes abriram negócios na internet. Só não fazem mais porque não têm o próprio dinheiro. George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos, chefiava várias pessoas aos 16 anos, quando trabalhava como agrimensor. Jimmy Carter, outro ex-presidente, vendia amendoins aos 7 anos e dirigia aos 14. Os dois aderiram ao mundo adulto desde muito cedo. A cultura adolescente não existia naquele tempo. E, como resultado, eles se tornaram adultos maravilhosos.

ÉPOCA - Será que é isso que os adolescentes querem?
Epstein -
Os jovens são mais saudáveis e mais determinados. No entanto, o trabalho mais comum para eles aqui são atividades estúpidas como varrer o chão ou assumir o caixa de uma lanchonete. Estudos mostram que jovens envolvidos com drogas largam o hábito quando finalmente começam a trabalhar. Mais de 10 milhões de adolescentes americanos bebem regularmente. Mais de 1 milhão deles precisam de tratamento contra o alcoolismo e abuso de drogas. Se tivessem oportunidade de trabalhar - não no caixa do McDonald's, mas numa atividade de verdadeira responsabilidade - e fazer parte do mundo adulto, iriam parar com isso.

ÉPOCA - E no sexo? Os adolescentes também devem ser responsabilizados?
Epstein -
Eles vão fazer sexo cedo ou tarde, mas os pais podem se certificar de que os filhos estão prontos para essa nova etapa. O mesmo pode ser dito sobre a decisão de fazer um aborto. O que acontece agora é que os jovens fazem tudo o que querem, mas em conflito com os pais, por baixo do pano. Estamos tornando o amadurecimento deles uma fase escondida.

ÉPOCA - No Brasil, discute-se a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O que o senhor pensa da prisão de jovens criminosos?
Epstein -
A lei deve proteger pessoas porque são incapazes, e não porque são jovens. Não é possível um jovem de 13 anos cometer um crime e ter total capacidade de entender o que fez? É claro que é.

ÉPOCA - Estudos mostram que o cérebro dos adolescentes é menos desenvolvido que o dos adultos. Não é natural, portanto, que eles sejam de alguma forma problemáticos?
Epstein -
Não existe um só estudo que demonstre a existência de um "cérebro adolescente" que seja responsável pelos problemas causados pelos jovens. O cérebro muda ao longo da vida; é claro que o cérebro dos adolescentes tem um aspecto um pouco diferente do cérebro de alguns adultos. Isso não explica o comportamento. Não podemos culpar a idade do cérebro pela irresponsabilidade dos jovens.

segunda-feira, maio 12, 2008

Ciências e letras

Achei que seria só mais um lamento sobre a esterilidade do pós-modernismo nos estudos literários e culturais, até chegar a este trecho:

Or consider this shibboleth of modern literary theory: the author is dead. Roughly speaking, this statement means that authors have no power over their readers. When we read stories we do not so much yield to the author's creation as create it anew ourselves - manufacturing our own highly idiosyncratic meanings as we go along. This idea has radical implications: If it is true, there can be no shared understanding of what literary works mean. But like so much else that passes for knowledge in contemporary literary studies, this assertion has its basis only in the swaggering authority of its asserter - in this case, Roland Barthes, one of the founding giants of poststructuralist literary theory.

Is this one of those squishy, unfalsifiable literary claims? No, it is also testable. Hijacking methods from psychology, Joseph Carroll, John Johnson, Dan Kruger, and I surveyed the emotional and analytic responses of 500 literary scholars and avid readers to characters from scores of 19th-century British novels. We wanted to determine how different their reading experiences truly were. Did reactions to characters vary profoundly from reader to reader? As we write in "Graphing Jane Austen," a book undergoing peer review, there were variations in what our readers thought and felt about literary characters, but it was expertly contained by the authors within narrow ranges. Our conclusion: rumors of the author's demise have been greatly exaggerated.

Ah, ainda existe esperança na academia...



domingo, maio 11, 2008

A paz possível: de novo a não-violência

Estou lendo, dentre outras obras, O Princípio da Não-Violência, do autor abaixo mencionado. Encontrei o livro na quinta passada, então ainda estou no primeiro capítulo, mas tem sido uma leitura excelente. Em poucas páginas, Jean-Marie Muller conseguiu me fascinar, não apenas pelo estilo elegante e incisivo, mas também pela honestidade. Ele repudia a violência, sim, mas reconhece os elementos que levam a ela; reafirma a brutalidade da força e a corrupção que seu emprego costuma trazer aos que dela se valem, mas não nega o valor da agressividade. Em suma, ele não apresenta uma utopia pacifista que devemos abraçar em nome de altos princípios morais, mas começa o livro já reconhecendo a natureza de nossos impulsos. Vivemos num mundo violento, cuja cultura nos instiga desde cedo um sentimento de naturalidade para com ela... mas isso acontece por determinadas razões que devem ser encaradas. E, por isso mesmo, embora defenda a não-violência inclusive como princípio de vida (e não como mero meio para um fim), ele não nega a ninguém o direito à defesa ou à indignação frente à injustiça. Para mim, essa é a chave para uma postura não-violenta que não implique um quietismo improdutivo, cúmplice do abuso e da tirania.

Ainda estou começando nesse campo, mas desde já identifiquei uma questão crucial e inevitável. A. J. Muste (1885-1967), um renomado militante pacifista americano, escreveu durante a Segunda Guerra Mundial que o pacifismo só podia ser plenamente entendido por alguém acostumado a uma visão religiosa do mundo, isto é, com parâmetros que transcendem o aqui e o agora. Dessa forma, o verdadeiro pacifista poderia não só abraçar sua causa como aceitar plenamente os custos e sacrifícios dela decorrentes -- inclusive o sacrifício da própria vida. Não nego isso, uma visão transcendente realmente relativiza noções que, numa perspectiva mundana, não dariam margem a dúvida. Por exemplo, pouca gente duvidaria que os movimentos para evitar a Guerra do Iraque foram um fracasso, já que não atingiram seu objetivo principal; contudo, espiritualmente falando, não se pode medir o quanto eles foram bem-sucedidos em pelo menos mudar as idéias sobre guerra e paz daqueles que com eles tomaram contato. Disse Gandhi, não sei se com essas palavras, que "o caminho é a meta" -- na não-violência, o mero esforço para alcançá-la, a vivência sincera dessa opção de vida, já consiste numa vitória, nem que seja para os próprios ativistas. E lendo os testemunhos de membros e ex-membros de vários movimentos sociais, não apenas os religiosos, vê-se que realmente eles podem promover significativas mudanças nas consciências dos que com eles se relacionam. São "olhos que se abrem", emoções que se educam, horizontes que se expandem. Isso já independe da conquista de uma causa concreta, e dificilmente será uma experiência a ser esquecida por aqueles que tomaram parte nela. Na pior das hipóteses, ao menos para eles o movimento terá sido um marco em sua vida.

É possível difundir uma perspectiva assim? É prática numa cultura laicizada? Mesmo aceitando o que "o caminho é a meta", não devemos nos preocupar ao máximo com a eficácia do movimento? E se esta não existir ou demorar, como lidar com a frustração daqueles que deram seu suor e seu sangue (até literalmente) pela causa?

Tenho pensado muito nessas coisas e ainda à procura de interlocutores.

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Para Filósofo Francês, Violência é Método Ultrapassado

Entrevista de Jean-Marie Muller publicada no jornal
Folha de S. Paulo em 01/12/2005

FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S. Paulo

A não-violência não é uma teoria idealista ou fora da realidade. A violência é que é.Quem inverte o senso comum é o filósofo francês Jean-Marie Muller, que pesquisa, hámais de 30 anos, a teoria da não-violência. Para ele, é preciso experimentar um novocaminho para resolver os conflitos humanos. "A violência dá exemplos em excesso de fracassos para que não tenhamos a inteligência de tentar a não-violência", afirma.

Autor de 27 livros na área, Muller coloca em prática o que prega. Em 1970, fez greve de fome para protestar contra a venda de aviões Mirage ao governo militar brasileiro. Em 1972, participou da ação do Batalhão da Paz, que conseguiu pôr fim aos testes nucleares a céu aberto realizados pela França. Muller é fundador e diretor do Instituto de Pesquisas sobre a Resolução Não-Violenta de Conflitos, que participa das reuniões da defesa nacional francesa. Em São Paulo a convite da Associação Palas Athena, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha.


Folha- Como educar as crianças para a não-violência?

Jean-Marie Muller- Antes, gostaria de falar sobre a não-violência na educação. Ao
longo da história, a violência contra a criança foi considerada um meio de educar: pais e educadores batiam nelas. Hoje, a violência por parte dos professores é proibida em muitos países, mas é permitida nas famílias. A experiência e as pesquisas mostram que crianças que apanham tornam-se pais violentos. Ao mesmo tempo, a criança precisa da autoridade do adulto e não vamos permitir que ela faça tudo. É preciso colocar limites e fazê-la compreender que é do interesse dela respeitar as regras. É o que chamamos de regra de ouro, que é "não faça ao outro o que você não quer que o outro faça com você". No fim das contas, é a educação do respeito ao outro. Quando acontece o conflito entre duas crianças no pátio do recreio, por exemplo, é preciso que o adulto intervenha e faça o que chamamos de mediação. Nesse caso, trata-se de reunir as duas para uma conversa.

Folha - Isso vale também para conflitos entre adultos?

Muller- No essencial, sim. Se podemos fazer com que as crianças compreendam a regra de ouro, esperamos que os adultos também o façam. As pessoas devem entender que a violência é sempre um fracasso, um drama, um sofrimento que jamais solucionará os conflitos humanos. Conflitos são naturais, mas é preciso resolvê-los de forma que tenhamos dois ganhadores, seja no nível da vida pessoal, na vida política em uma sociedade ou mesmo no nível internacional.


Folha - A não-violência é diferente da passividade ou da covardia?

Muller- Gandhi dizia que, se a escolha fosse unicamente entre a violência e a covardia, ficaria com a primeira. Para ele, era preferível que os indianos resistissem violentamente a aceitar a dominação. Ele afirmava que havia muito mais coragem na não-violência do que na violência. Um episódio que ilustra bem isso foi o que ocorreu com Rosa Parks, a primeira mulher que lançou a resistência dos negros nos EUA. Na época, os ônibus tinham lugares reservados para os brancos. Um dia, ela se sentou em um desses lugares. Quando um branco pediu que ela se levantasse, ela permaneceu sentada. Quando o condutor do ônibus pediu o mesmo, ela continuou lá, e não se moveu nem quando os policiais chegaram. Permanecer sentada exigia muita resistência, energia e coragem. A covardia teria sido levantar-se.

Folha - O uso da violência não é necessário nem para se defender de um ataque?

Muller- O homem violento se defende sempre de um ataque. É sempre o outro que começou. No conflito entre israelenses e palestinos, cada lado usa a violência para se defender da violência do outro. Os dois justificam seus assassinatos pelos seus mortos. É verdade que é preciso se defender. A questão é encontrar as estratégias não violentas eficazes para isso. No nível pessoal, as artes marciais são métodos não violentos de autodefesa. O aikido, por exemplo, permite que um japonês pequenininho se defenda de um japonês enorme que tem uma espada. No caso de Israel e Palestina, é evidente que a violência não vai resolver o problema. Hoje, eles são praticamente incapazes de encontrar por si próprios uma solução. É necessária uma mediação
internacional. Seria preciso que centenas, milhares de voluntários internacionais formados na resistência não violenta de conflitos se dirijam para lá e usem os métodos de mediação no interior sociedade civil.

Folha - Os jovens filhos de imigrantes que queimaram carros na França poderiam ter
usado métodos não violentos de protesto?

Muller- Eu deveria dizer sim, mas isso seria fácil demais. Não devemos reescrever a história. O que é necessário é compreender por que houve essa violência. Esses jovens estão numa situação de ruptura social: fracasso na escola, falta de trabalho, famílias desestruturadas, racismo. São jovens a quem a palavra nunca foi dada. Para eles, a violência não é um meio de ação: é uma forma de expressão, um grito de revolta que expressa o sofrimento e a falta de esperança. E eu diria, contrariamente ao que diz o presidente da França, que a primeira coisa que precisamos fazer é compreender, e a segunda, proibir. Não são os policiais que devem resolver a situação. O que é grave é que nós esperamos que os carros fossem queimados para cuidarmos dos problemas. O governo tinha suprimido quase que a totalidade das subvenções para associações sociais, tinha suprimido a polícia comunitária. Parece que eles vão restabelecer isso tudo. Agora eu acredito que, depois dessa explosão de violência, seria essencial que esses jovens pudessem encontrar outros meios de expressão não violentos.

Folha - A construção de uma civilização não violenta é possível?

Muller- Não vou responder que é impossível e sei que não é suficiente responder que ela é possível. Vou dizer que ela é difícil. Isso porque ela não vai acontecer naturalmente. Quando me perguntam se sou otimista ou pessimista, cito o escritor francês George Bernanos, que dizia que o otimista é um imbecil feliz e o pessimista, um imbecil infeliz. Recuso-me a escolher entre duas formas de imbecilidade. O peso da herança da violência sobre a sociedade é tão grande que não posso ser otimista. Mas não sou pessimista, porque a violência não é uma fatalidade. Ela é construída pelas mãos dos homens. Nossas mãos podem desconstruir a fatalidade da violência. Acredito que há lugar para uma esperança. Nos oito dias que passei em São Paulo, encontrei muitas pessoas dispostas a experimentar a não-violência. Certamente, sairei do Brasil com mais esperança do que quando cheguei aqui.

terça-feira, maio 06, 2008

1968 sob outro prisma

Entre passado e futuro: os 40 anos de 1968*

por Daniel Aarão Reis

As comemorações dos quarenta anos de 1968, em termos históricos, ainda se referem a acontecimentos e a processos relativamente recentes. Para os que participaram de algum modo da aventura de 1968, no entanto, já decorreu um tempo considerável. Em qualquer caso, há uma certa distância, o que, em princípio, não garante coisa alguma, salvo poder meditar e discutir sobre versões diferenciadas e controversas que não deixaram de se acumular ao longo das décadas.

De alguns anos para cá, menos ou mais, segundo as sociedades, as datas redondas têm quase obrigado a um esforço de reflexão sobre certos marcos, considerados importantes, ou decisivos, na história. Alguns têm mesmo feito uma crítica contundente à febre das comemorações. Elas estariam se banalizando a tal ponto, e invadindo de tal forma os debates, que, a continuar assim, as margens para novas ações e acontecimentos se veriam reduzidas já que os atores sociais capazes de empreendê-las estariam sempre ocupados em... comemorar alguma coisa já acontecida!

Entretanto, a opção de evitar, ou fugir dos debates associados às comemorações pode não ser boa conselheira, eis que as batalhas de memória, não raro, são tão, ou mais, importantes que os objetos a que se referem, porque têm a capacidade de reconstruí-los ou remodelá-los, confirmando-se o velho aforismo de que a versão vale mais do que o fato, sobretudo quando não se tem consenso sobre o fato/os fatos em questão. Alguns inclusive pretendem, na vertigem dos relativismos cada vez mais dominantes, que a versão é o próprio fato, na medida em que a ele se sobrepõe, modificando os contornos e conferindo sentido às ações empreendidas no passado. Segundo esta orientação, os fatos dependeriam das versões e não travar os debates sobre elas seria abandonar os fatos à própria sorte ou ao controle dos que imaginam deles se apropriar como bem entendam.

Trata-se portanto de considerar e assumir os riscos inerentes ao exercício das comemorações, sobretudo quando se tem em vista a tendência a comemorar no sentido mais usual que, infelizmente, é pior sentido da palavra, ou seja, no sentido de celebrar acriticamente uma data, ou um processo, ou um conjunto de acontecimentos. Nas celebrações, como se sabe, tendem a desaparecer as contradições e as disputas, e a história é recuperada, ou narrada, segundo as conveniências das circunstâncias, e/ou dos celebrantes, ou dos valores dominantes, ou que passaram a dominar. Pode acontecer com os chamados veteranos que, com o passar do tempo, queiram ou não, vão se convertendo em ex-combatentes, obrigados a conviver com os avatares inevitáveis deste tipo de situação. Mas pode acontecer também, em chave negativa, aos que desejam se livrar deles, ou dos acontecimentos a eles associados. Estes dedicam-se a celebrar, exaltados, não a vigência de algo, mas o seu desaparecimento ou enterro. E isto se aplica a processos mais recentes ou mais remotos.

Sustento a possibilidade de comemorar (relembrar juntos) sem celebrar, o que, de modo algum, significa, como se verá, que pretenda entrar no debate sem premissas ou pontos de vista determinados.


O que impressiona no ano de 1968, e muitos já o têm sublinhado, é...

(Quer ler o artigo na íntegra? Clique aqui.)

segunda-feira, maio 05, 2008

O retorno

São coisas assim que reafirmam minha fé em Deus. Só falta agora anunciarem um roteirista que realmente preste, de preferência da HBO, e atingirei o Nirvana imediatamente.

A propósito, não faço a menor idéia de quem é esse tal de Justin Marks.

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Confira as novas imagens de Street Fighter
(05/05/2008 - 16h03)

Da Redação www.cineclick.com.br
Cena de Street Fighter

Foram divulgadas as novas imagens do filme adaptado do game Street Fighter: The Legend of Chun-Li. O longa é dirigido por Andrzej Bartkowiatk (Romeu Tem Que Morrer), com roteiro de Justin Marks. As seqüências de luta serão coreografadas por Dion Lam (Matrix).

Neal McDonough (88 Minutos) será o terrível Bison. O papel foi vivido anteriormente pelo falecido Raul Julia em Street Fighter - A Última Batalha (1994).

O filme será protagonizado por Kristen Kreuk (a Lana Lang de Smallville). Também estão confirmados no elenco Michael Clarke Duncan (À Espera de Um Milagre), como o boxeador Balrog, Chris Klein (American Pie), como o militar Nash, e Rick Yune (Velozes e Furiosos), como Gen. Também estão no elenco Neal McDonough (como M. Bison), Taboo (como Vega), Josie Ho (como Cantana), Moon Bloodgood (como Maya), Edmund Chen (como Huang) e Pei Pei Cheng (como Zhilan).

Street Fighter: The Legend of Chun-Li tem previsão de estréia em 2009.

sexta-feira, maio 02, 2008

Ativismo ético no mercado financeiro

Estudando a não-violência, tenho me deparado com questões difíceis. Mais até do que isso, tenho tido de lidar mais diretamente, sobretudo nas suas manifestações ligadas a movimentos religiosos americanos, com uma visão de mundo que só posso definir como radical. Se ela traduz o primitivo espírito das tradições a que se ligam (no caso, a cristã, principalmente), é algo aberto à discussão. Mas não se pode negar que a adoção de certos princípios no dia-a-dia implica um radicalismo de fazer corar os anarquistas mais empedernidos.

Tenho feita algumas descobertas, na verdade fontes de informação que ainda não sei se terei tempo e disciplina para explorar como merecem. Uma delas é a revista Sojourners, que procura examinar os mais diversos assuntos de um ponto de vista cristão -- sem, contudo, se reduzir a um instrumento de propaganda sectária. Considerando a importância que ela tem para vários ativistas e estudiosos da não-violência, fui visitá-la e me deparei com o artigo a seguir. Deu-me muito o que pensar.
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http://www.sojo.net/index.cfm?action=magazine.article&issue=soj0805&article=080520

Wall Street and Christian Conscience

Why I'm a shareholder activist.
by Susan Wennemyr

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My father-in-law, a Swedish Baptist missionary, did not invest in stocks on principle. As he was also the most joyous person I’ve known, I responded to his abstention like the woman in the deli scene of When Harry Met Sally: “I’ll have what he’s having!” Maybe I, too, should own no stocks as a point of Christian conscience. As a freshly minted Quaker theologian when this question first crossed my path, it sounded good to me.

Since then, I have added to my Ph.D. a “FINRA Series 7,” the registration that stockbrokers get. As a financial planner, I sometimes recommend stocks to clients. I’ve moved from a puritanical concern with avoiding temptation to an activist’s preoccupation with transforming what is rotting in my world. Thinking of the barbarous abuses in sweatshops, of the killing fields that border mineral deposits, and of the disease that emerges downstream from carcinogenic effluents, I am reminded of the poignant passage: “Jesus wept.”

In this mood, I still often want to have nothing to do with those corporations that create suffering to bolster revenues that, in turn, are distributed in absurdly imbalanced ratios between executives and other employees. To abstain from corporate ownership by avoiding stocks, though, is to take an Amish-style stance of not touching what is compromised in the world. This posture is rooted in the insight that subjecting oneself to temptation is playing with fire. It’s an admirable choice. Undeniably, maintaining a pure spirit was central to the teachings of Jesus, who would always shift attention from the letter to the spirit of the law—without ignoring the former.

Reading Walter Wink changed everything for me. His work Engaging the Powers made me see that taking a separate, superior stance was to abdicate the Christian duty to be “in the world, but not of the world.” Opting out of that vital tension by abstaining from stock ownership was choosing simply to be “not of the world.” Where was the engagement with the “powers and principalities” that Wink brought to life as vividly as Jesus had done?

In today’s world, I knew, power meant access to capital. How could I tap into that power in a way responsive to the call of Christ? I decided to learn the language of finance and advise those whose capital could make a difference. Today I’m the principal of Alabaster Financial Planning, helping progressive Christians use their capital to advance our shared vision of the reign of God.

Upon entering this profession, I had to decide if I would recommend stock ownership to my clients. Could it be done responsibly, or was it intrinsically corrupting? Publicly traded stocks are essentially really big co-ops; people share ownership of an enterprise whose profits they then divide. But they differ from co-ops, because trading in secondary markets (in stock exchanges) creates distance between the eventual owners and the actual operations of the enterprise. I drive by my CSA field every day. If I were to see school-age children in rags tilling the land, I could screech to a halt and protest. In contrast, with stock in an international corporation I don’t see the laborers, the work conditions, or the billowing smokestacks from which I enjoy the profits. I’d have to do a lot of research to learn what “my” companies were up to.

What are the benefits of doing that research? When companies behave badly, they justify it by appealing to their fiduciary obligation to stockholders—i.e. by law they owe their shareholders the highest possible profits, whatever it takes. But what if the stockholders themselves protested bad corporate behavior? I can think of few more effective ways to practice discipleship in the modern economy.

This relatively new practice of shareholder activism organizes minority shareholders to request changes in corporate conduct. The oldest technique in socially responsible investing is simply to screen against stocks that are polluting, for instance, or selling weapons. It offers a Puritan’s solution, keeping my conscience clean but leaving “the powers and principalities” unchecked. By contrast, telling a CEO that a lot of shareholders will dump the stock (reducing both the price and prestige of the stock) unless the corporation changes its conduct—now that’s transformative! Historically, the mere threat of a shareholder campaign often creates change, and it’s doing so at an increasing rate. Management typically requests a pre-emptive dialogue with activists, who may agree to call off a proxy battle if certain conditions are satisfied.

MY THOUGHTS return to my father-in-law, that man so free of all fear. His face in the frame on my desk shakes me from complacency with my own conclusions, reminding me of the danger along the path I’ve forged: greed. I know that avarice is no small threat, a temptation mentioned abundantly by Jesus as a grave danger to our love of God.

Activist shareholders have already curbed greed, to a degree. They know that paying a living wage, for instance, will cut into their returns. They’re telling a company’s managers, “We’re willing to take a hit of x percent on profit in order to keep drinking water clean near our factories.”

Still, owning stocks can foster greed by its very nature. One buys them alongside bonds—which are loans with a fixed rate of repayment—because one wants the opportunity to get more than bonds are paying, which is predictable and limited. As wealth is addictive, one is at risk for finding oneself a year from now wanting limitless gain, setting aside activism altogether in the zeal to boost earnings. Replacing “limitless” with “infinite,” it becomes clear that we have entered the theological territory of idolatry, forgetting Martin Luther’s crucial lesson: that God is God, and we are not. Surely this is a danger to be taken seriously, even in a post-puritanical paradigm.

With this in mind, I recommend Christian participation in the stock market with a second caveat: We must seek to transform the companies we own and be vigilant practitioners of the spiritual disciplines. Consider following the advice that Richard Levin, the president of Yale, gives to graduating seniors: Choose someone now that you will call in the future when you need an ethical friend. In Christian community, one can make a pact with a pastor, spouse, or friend, asking them to stop us when they see that greed has pulled us into its undertow.

Is the stock market compatible with a Christian conscience? I’ve come to believe that it is. But it is not to be entered into casually. It requires research and engagement on your part, or by your adviser or fund manager. More important, stock market participation calls for spiritual discernment in the context of the broader body of Christ. If a share of Google would keep you from living like the lilies of the field, it’s overpriced at any cost.

Susan Wennemyr (swennemyr@finsvcs. com) is a registered representative of—and offers securities, investment advisory, and fee-based financial planning services through—MML Investors Services, Inc., member SIPC, 1500 Main Street, 12th Floor, Springfield, MA 01115, (413) 781-6850. Insurance offered through Massa­chusetts Mutual Life Insurance Company (MassMutual) and other companies.

The views expressed here are those of Wennemyr and are not necessarily those of MML Investors Services Inc. or MassMutual and should not be construed as investment advice.





Série de TV britânica mostra lado feio da moda



Jovens britânicos trabalharam em fábricas na Índia
Jovens britânicos trabalharam em fábricas na Índia
As condições de trabalho duvidosas de algumas das fábricas que produzem artigos baratos em países do sudeste asiático preocupam muitos consumidores. Mas essa preocupação é suficiente para fazer com que eles deixem de comprar, por exemplo, camisetas “Made in China” vendidas por preços extremamente baixos?

A BBC resolveu tirar a dúvida enviando seis jovens britânicos que gostam de moda para passar uma temporada vivendo as duras condições de trabalho em fábricas de roupas na Índia, como parte de uma série de quatro episódios transmitida na televisão britânica.

Na série “Blood, Sweat and T-Shirts” (Sangue, Suor e Camisetas), os jovens, com idades entre 20 e 24 anos, costuraram roupas em fábricas indianas, trabalhando longas horas e dormindo no chão ao lado de suas máquinas de costura.

Entre os participantes estão Georgina, de 20 anos, que não vê problema em usar uma roupa apenas uma vez e jogar a peça fora; e Tara, de 21 anos, que quer ser estilista e precisou colocar suas habilidades à prova para tentar cumprir a meta de costurar duas peças por minuto imposta pela empresa indiana.

A idéia da série é avaliar como esses jovens mudam sua atitude para com a moda barata produzida em condições duvidosas em países como a Índia, Bangladesh e China e vendida em lojas britânicas.

Revista

Para acompanhar a série, a BBC está produzindo também a revista online Thread, direcionada aos internautas entre 16 e 30 anos e que será publicada durante seis meses.

Revista mostra moda ética

“Recentemente tem havido um grande burburinho a respeito da moda ética, mas muitas pessoas ainda estão confusas”, diz Steve Goggin, diretor de campanhas da BBC.

Segundo ele, certos estereótipos ainda rondam esse tipo de moda, principalmente de que se trata de peças feias e sem estilo, caras ou difíceis de achar.

“Por isso, estamos usando peças interessantes que podem ser encontradas online ou em redes de lojas conhecidas. Também temos a preocupação de mostrar que nem todas as roupas éticas são caras”, diz Goggin.

O conceito do que é uma roupa ética também gera confusão entre os consumidores, já que uma peça pode ter sido feita com algodão orgânico, por exemplo, mas em fábricas que não garantem boas condições de trabalho aos seus funcionários.

A questão é mesmo complicada e a revista decidiu mostrar roupas e acessórios que respeitem pelo menos um dos seguintes critérios: que sejam produzidos e transportados de forma ética, respeitando o meio-ambiente e os direitos dos trabalhadores ou que sejam feitos usando materiais orgânicos e sustentáveis.

Roupas usadas e instruções para que os leitores façam suas próprias peças também tem espaço na revista.

A primeira edição da Thread traz uma reportagem mostrando as condições de trabalho em que são produzidas algumas roupas e um guia explicando os jargões da moda ética (palavras como reciclado, sustentável e orgânico), além de um ensaio fotográfico usando peças produzidas de forma ética.

Entre os temas das próximas edições estarão os direitos dos animais, a produção de algodão orgânico e o futuro da moda ética.

quinta-feira, maio 01, 2008

Médiuns na Superinteressante

O tema me interessa, claro. Admito que achei a matéria um tanto pequena para uma reportagem de capa (aliás, com uma ilustração muito bonita), mas é otimo que veículos como a Super dêem atenção ao assunto. Por mais que contrarie as crenças de muita gente, falar de mediunidade tem muito menos a ver com "fé" do que, simplesmente, com conhecimento. É um fenômeno relativamente comum, existente e utilizado em muito mais que uma religião (ou a despeito dela), e, depois que se investiga os casos a ela relacionados, sejam aqueles da literatura sobre fenomenologia psíquica, sejam os inúmeros relatos de pessoas próximas (e acredito que cada brasileiro tenha acesso a pelo menos um), a conclusão a se tirar é que só o preconceito e a crassa ignorância justificam alegar que ele não existe. É bem verdade que a comunidade científica ainda fica um tanto perdida quando trata dele, mas há cem anos ela também ficava quando se tratava do vôo de objetos mais pesados que o ar ou transmissões de rádio.

Espero ainda viver para ver o tema tratado em larga escala não como curiosidade ou tópico sensacionalista, mas com o respeito que merece. Afinal, ele sugere um nível de potencial humano bem diferente daquele a que estamos acostumados, cujo reconhecimento pode ter também considerável repercussão social.
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Superinteressante
, maio de 2008

Médiuns: O que a ciência tem a dizer sobre a mediunidade?

Os cientistas acreditam que o cérebro explica a mediunidade, mas não saberm dizer como.

De repente, coisas estranhas ocorrem. A pessoa vê vultos inexplicáveis, ouve vozes de gente que não aparece ou faz previsões que, de tão acertadas, não parecem ser apenas coincidência.

Depois dos momentos de susto, chega a hora de deixar de negar o fenômeno e tentar conviver com ele.

Os brasileiros que acreditam ter dons mediúnicos geralmente procuram centros espíritas – há 14 mil deles no país – e acabam conhecendo gente com histórias parecidas. "Mas, quando a mediunidade é exuberante, você não pode evitá-la" , diz Marta Antunes, diretora da Federação Espírita Brasileira.

As imagens de espíritos ou a inspiração para escrever uma carta costumam aparecer do nada, como um déjà vu, na hora em que a pessoa menos espera. É como dizia o médium Chico Xavier: "O telefone toca sempre de lá para cá".

Na tentativa de ligar daqui para lá, muitas religiões do planeta criam rituais e provocam um momento de êxtase: o transe. Para os médiuns, o transe é o ponto alto de sua habilidade, quando conseguem incorporar um espírito.

Já para os psiquiatras, é um estado alterado de consciência, assim como a hipnose, que se atinge após um longo processo de concentração. Rituais com danças frenéticas, mantras, estímulos luminosos, jejum prolongado e até plantas alucinógenas fariam o participante sair de si.

Uma boa forma de desvendar a mediunidade é entender como rituais levam ao transe e como o transe resulta nos relatos de contato com os espíritos. Por isso, os cientistas tentam estudar o que acontece no cérebro durante esse momento único.

A busca tem duas frentes. Numa delas há espíritas que tentam explicar e comprovar cientificamente a mediunidade. É o caso do psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da USP e membro da Associação Médico-Espírita de São Paulo.

Segundo ele, a glândula pineal é a responsável pela interatividade com o mundo dos espíritos. Do tamanho de uma ervilha, a pineal fica no centro do cérebro e produz a melatonina, hormônio que regula o sono. "É um órgão sensorial capaz de converter ondas eletromagnéticas em estímulos neuroquímicos", diz. Oliveira acredita que as pessoas que dizem sofrer possessões têm na pineal uma quantidade maior de cristais de apatita, um mineral parecido com o esmalte dentário. Quanto mais cristais, maior seria a sensibilidade espiritual.

Na outra frente estão neuropsicólogos que usam exames de ressonância magnética e tomografias para tentar entender que mecanismos o cérebro aciona durante os rituais religiosos.

O neurocientista Mario Beauregard, da Universidade de Montreal, no Canadá, estudou o cérebro de 15 freiras carmelitas enquanto elas rezavam. Achou uma dezena de pontos ativados, especialmente nas áreas relacionadas à emoção, orientação corporal e consciência de si próprio.

Já o radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, mapeou a ativação cerebral de monges budistas. Analisando tomografias dos religiosos durante a meditação, Newberg notou que a área relacionada à orientação corporal é quase toda desativada, o que pode justificar a sensação relatada de desligamento do corpo.

Ele também estudou freiras franciscanas durante longas preces. Descobriu que o fluxo sanguíneo do lóbulo parietal esquerdo, parte responsável pela orientação, caía bruscamente. Para Newberg, as irmãs franciscanas experimentavam a sensação de união com Deus porque o cérebro delas deixava de fazer a separação do próprio corpo com o mundo.

Mas nenhuma das duas frentes de pesquisa tem explicações definitivas para os efeitos do transe. Por isso, as origens fisiológicas da mediunidade seguem sendo um mistério. "A grande pergunta é: há uma base única para todos os transes? O que a neuropsicologia tem indicado é que não", afirma Paulo Dalgalarrondo.


E leia mais na edição impressa:
É possível curar doenças graves em cirugias espeirituais que duram menor de um minuto?

Como os médiuns conseguem dar detalhes do morto nas mensagens que psicografam?

Como os detetives mediúnicos trabalham para ajudar – e às vezes atrapalhar – as investigações policiais?