Folha de S. Paulo
26/4/2008
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2604200831.htm
DRAUZIO VARELLA
Éramos todos negros
A você que se orgulha da cor da própria pele (seja ela qual for), tenho um conselho: não seja ridículo |
ATÉ ONTEM , éramos todos negros. Você dirá: se gorilas e chimpanzés, nossos parentes mais chegados, também o são, e se os primeiros hominídeos nasceram justamente na África negra há 5 milhões de anos, qual a novidade?
A novidade é que não me refiro a antepassados remotos, do tempo das cavernas (em que medíamos um metro de altura), mas a populações européias e asiáticas com aparência física indistinguível da atual.
Trinta anos atrás, quando as técnicas de manipulação do DNA ainda não estavam disponíveis, Luca Cavalli-Sforza, um dos grandes geneticistas do século 20, conduziu um estudo clássico com centenas de grupos étnicos espalhados pelo mundo.
Com base nas evidências genéticas encontradas e nos arquivos paleontológicos, Cavalli-Sforza concluiu que nossos avós decidiram emigrar da África para a Europa há meros 100 mil anos.
Como os deslocamentos eram feitos com grande sacrifício, só conseguiram atingir as terras geladas localizadas no norte europeu cerca de 40 mil anos atrás.
A adaptação a um continente com invernos rigorosos teve seu preço. Como o faz desde os primórdios da vida na Terra sempre que as condições ambientais mudam, a foice impiedosa da seleção natural ceifou os mais frágeis. Quem eram eles?
Filhos e netos de negros africanos, nômades, caçadores, pescadores e pastores que se alimentavam predominantemente de carne animal. Dessas fontes naturais absorviam a vitamina D, elemento essencial para construir ossos fortes, sistema imunológico eficiente e prevenir enfermidades que vão do raquitismo à osteoporose; do câncer, às infecções, ao diabetes e às complicações cardiovasculares.
Há 6.000 anos, quando a agricultura se disseminou pela Europa e fixou as famílias à terra, a dieta se tornou sobretudo vegetariana.
De um lado, essa mudança radical tornou-as menos dependentes da imprevisibilidade da caça e da pesca; de outro, ficou mais problemático o acesso às fontes de vitamina D.
Para suprir as necessidades de cálcio do esqueleto e garantir a integridade das demais funções da vitamina D, a seleção natural conferiu vantagem evolutiva aos que desenvolveram um mecanismo alternativo para obter esse micronutriente: a síntese na pele mediada pela absorção das radiações ultravioletas da luz do sol.
A dificuldade da pele negra de absorver raios ultravioletas e a necessidade de cobrir o corpo para enfrentar o frio deram origem às forças seletivas que privilegiaram a sobrevivência das crianças com menor concentração de melanina na pele.
As previsões de Cavalli-Sforza foram confirmadas por estudos científicos recentes.
Na Universidade Stanford, Noah Rosemberg e Jonathan Pritchard realizaram exames de DNA em 52 grupos de habitantes da Ásia, África, Europa e Américas.
Conseguiram dividi-los em cinco grupos étnicos cujos ancestrais estiveram isolados por desertos extensos, oceanos ou montanhas intransponíveis: os africanos da região abaixo do Saara, os asiáticos do leste, os europeus e asiáticos que vivem a oeste do Himalaia, os habitantes de Nova Guiné e Melanésia e os indígenas das Américas.
Quando os autores tentaram atribuir identidade genética aos habitantes do sul da Índia, entretanto, verificaram que suas características eram comuns a europeus e a asiáticos, achado compatível com a influência desses povos na região.
Concluíram, então, que só é possível identificar indivíduos com grandes semelhanças genéticas quando descendem de populações isoladas por barreiras geográficas que impediram a miscigenação.
No ano passado, foi identificado um gene, SLC24A5, provavelmente responsável pelo aparecimento da pele branca européia.
Num estudo publicado na revista "Science", o grupo de Keith Cheng seqüenciou esse gene em europeus, asiáticos, africanos e indígenas do continente americano.
Tomando por base o número e a periodicidade das mutações ocorridas, os cálculos iniciais sugeriram que as variantes responsáveis pelo clareamento da pele estabeleceram-se nas populações européias há apenas 18 mil anos.
No entanto, como as margens de erro nessas estimativas são apreciáveis, os pesquisadores tomaram a iniciativa de seqüenciar outros genes, localizados em áreas vizinhas do genoma. Esse refinamento técnico permitiu concluir que a pele branca surgiu na Europa, num período que vai de 6.000 a 12 mil anos atrás. A você, leitor, que se orgulha da cor da própria pele (seja ela qual for), tenho apenas um conselho: não seja ridículo.
A novidade é que não me refiro a antepassados remotos, do tempo das cavernas (em que medíamos um metro de altura), mas a populações européias e asiáticas com aparência física indistinguível da atual.
Trinta anos atrás, quando as técnicas de manipulação do DNA ainda não estavam disponíveis, Luca Cavalli-Sforza, um dos grandes geneticistas do século 20, conduziu um estudo clássico com centenas de grupos étnicos espalhados pelo mundo.
Com base nas evidências genéticas encontradas e nos arquivos paleontológicos, Cavalli-Sforza concluiu que nossos avós decidiram emigrar da África para a Europa há meros 100 mil anos.
Como os deslocamentos eram feitos com grande sacrifício, só conseguiram atingir as terras geladas localizadas no norte europeu cerca de 40 mil anos atrás.
A adaptação a um continente com invernos rigorosos teve seu preço. Como o faz desde os primórdios da vida na Terra sempre que as condições ambientais mudam, a foice impiedosa da seleção natural ceifou os mais frágeis. Quem eram eles?
Filhos e netos de negros africanos, nômades, caçadores, pescadores e pastores que se alimentavam predominantemente de carne animal. Dessas fontes naturais absorviam a vitamina D, elemento essencial para construir ossos fortes, sistema imunológico eficiente e prevenir enfermidades que vão do raquitismo à osteoporose; do câncer, às infecções, ao diabetes e às complicações cardiovasculares.
Há 6.000 anos, quando a agricultura se disseminou pela Europa e fixou as famílias à terra, a dieta se tornou sobretudo vegetariana.
De um lado, essa mudança radical tornou-as menos dependentes da imprevisibilidade da caça e da pesca; de outro, ficou mais problemático o acesso às fontes de vitamina D.
Para suprir as necessidades de cálcio do esqueleto e garantir a integridade das demais funções da vitamina D, a seleção natural conferiu vantagem evolutiva aos que desenvolveram um mecanismo alternativo para obter esse micronutriente: a síntese na pele mediada pela absorção das radiações ultravioletas da luz do sol.
A dificuldade da pele negra de absorver raios ultravioletas e a necessidade de cobrir o corpo para enfrentar o frio deram origem às forças seletivas que privilegiaram a sobrevivência das crianças com menor concentração de melanina na pele.
As previsões de Cavalli-Sforza foram confirmadas por estudos científicos recentes.
Na Universidade Stanford, Noah Rosemberg e Jonathan Pritchard realizaram exames de DNA em 52 grupos de habitantes da Ásia, África, Europa e Américas.
Conseguiram dividi-los em cinco grupos étnicos cujos ancestrais estiveram isolados por desertos extensos, oceanos ou montanhas intransponíveis: os africanos da região abaixo do Saara, os asiáticos do leste, os europeus e asiáticos que vivem a oeste do Himalaia, os habitantes de Nova Guiné e Melanésia e os indígenas das Américas.
Quando os autores tentaram atribuir identidade genética aos habitantes do sul da Índia, entretanto, verificaram que suas características eram comuns a europeus e a asiáticos, achado compatível com a influência desses povos na região.
Concluíram, então, que só é possível identificar indivíduos com grandes semelhanças genéticas quando descendem de populações isoladas por barreiras geográficas que impediram a miscigenação.
No ano passado, foi identificado um gene, SLC24A5, provavelmente responsável pelo aparecimento da pele branca européia.
Num estudo publicado na revista "Science", o grupo de Keith Cheng seqüenciou esse gene em europeus, asiáticos, africanos e indígenas do continente americano.
Tomando por base o número e a periodicidade das mutações ocorridas, os cálculos iniciais sugeriram que as variantes responsáveis pelo clareamento da pele estabeleceram-se nas populações européias há apenas 18 mil anos.
No entanto, como as margens de erro nessas estimativas são apreciáveis, os pesquisadores tomaram a iniciativa de seqüenciar outros genes, localizados em áreas vizinhas do genoma. Esse refinamento técnico permitiu concluir que a pele branca surgiu na Europa, num período que vai de 6.000 a 12 mil anos atrás. A você, leitor, que se orgulha da cor da própria pele (seja ela qual for), tenho apenas um conselho: não seja ridículo.
3 comentários:
Ele é habilitado para falar sobre este assunto...médico...se fosse um geneticista vá lá...
Rodrigo,
não tem a ver com a postagem de hoje mas... vc sabe se existe a tradução do "AMERICAN IN THE KING YEARS"? Vc já fez um comentário e eu gostaria de ler o livro. Tenho o "At Canaa's Edge" mas está mto difícil em inglês...
Gabi,
Infelizmente não conheço nenhuma tradução desse livro. Espanta-me que haja tão pouca coisa sobre esse período, e King em particular, em português.
Talvez ajude, indiretamente, o livro de Mark Kurlansky sobre 1968. Ou você pode ler minha dissertação de mestrado no banco digital de teses da UFF, "De Port Huron aos Weathermen: Students for a Democratic Society e a Nova Esquerda Americana", que fala bastante do assunto. Dê uma olhada em www.historia.uff.br.
Um abraço,
Rodrigo.
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