domingo, março 09, 2008

Dilema bioético

Estou agora fortemente tentado a mudar de idéia sobre essa celeuma a respeito de embriões congelados. Até há pouco, pensava que o que estava em jogo eram apenas células que não teriam futuro caso fossem implantadas numa mulher. Os problemas da liberação de seu uso, nesse caso, seriam de outra natureza, como um possível mercado negro de embriões, mesmo viáveis, vendidos como se não o fossem. No entanto, parece que não é o caso, e aí a discussão se torna quase gêmea daquela sobre o aborto -- ao qual me oponho por princípio.

É cada vez mais difícil distinguir certo e errado neste mundo...

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Folha de S. Paulo, 09/03/2008
Embrião congelado por 8 anos produz bebê

O paulista Vinicius Dorte, de seis meses, veio de um embrião que seria candidato à destruição pela Lei de Biossegurança

Mãe se diz favorável à pesquisa com células-tronco embrionárias, mas diz que não teria coragem de doar os próprios embriões

Caio Guatelli/Folha Imagem

Vinicius com o pai, Luiz Henrique: 22 dias de UTI e um mês de internação até atingir o peso mínimo para sair da maternidade

CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A MIRASSOL

Aos seis meses de idade, Vinícius é um bebê que adora papinha de mamão, já tenta sair sozinho do carrinho e dá sonoras gargalhadas durante o banho. O menino foi gerado a partir de um embrião congelado durante oito anos, um recorde no país. Pelos critérios da Lei de Biossegurança, seria um embrião indicado para pesquisas com células-tronco embrionárias.
A lei, aprovada em 2005, enfrenta uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador-geral da República, o católico Claudio Fonteles. Ele acha que destruir embriões de cinco dias para a extração de células para pesquisa viola a Constituição, que garante o direito à vida. O julgamento da ação no Supremo Tribunal Federal foi interrompido na última quarta-feira por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Vinícius nasceu após quase 20 anos de tentativas de gravidez do casal Maria Roseli, 42, e Luiz Henrique Dorte, 41, de Mirassol (SP), que incluíram quatro fertilizações in vitro (FIV) e três abortos de gêmeos no terceiro mês de gestação. A mulher tinha endometriose e o marido, má qualidade dos espermatozóides, fatores que impediam uma gravidez natural.

Na última FIV, feita em 1999, Maria Roseli produziu nove embriões. Transferiu quatro para o útero, mas não engravidou. O casal decidiu então congelar os cinco embriões restantes. "Resolvemos dar um tempo. Não suportaria a dor de mais um aborto", relata a mãe.
Naquele mesmo ano, adotaram Paulo Henrique, à época com um ano e seis meses. "Era um menino frágil, cheio de problemas de saúde. Ficamos tão envolvidos com ele que nem percebemos o tempo passar."

Em 2006, o casal recebeu um telefonema da clínica de reprodução em Ribeirão Preto, onde haviam feito o tratamento, questionando sobre o destino que pretendiam dar aos cinco embriões. "Resolvemos transferir, mas sem muita esperança de dar certo", conta Luiz Dorte.

Em três ocasiões, a transferência dos embriões congelados para o útero teve de ser adiada porque o endométrio de Maria Roseli não atingia a espessura mínima. Em fevereiro de 2007, os embriões foram, enfim, descongelados. Três sobreviveram e foram transferidos ao útero de Maria Roseli. Um se fixou. "Nem comemorei muito porque tinha o fantasma dos abortos aos três meses que ficava me rondando", diz ela.

Com 28 semanas de gestação, ela sofreu uma hemorragia provocada pelo rompimento de duas veias na placenta e o parto teve de ser induzido para preservar a vida da mãe. Vinícius nasceu com 1,2 kg medindo 36 cm e, dez dias depois, chegou a pesar 840 gramas.
Foram necessários 22 dias de UTI neonatal e mais um mês de internação hospitalar para que o menino atingisse 1,8 kg e tivesse alta da maternidade. "Meu filho venceu oito anos de congelamento e a prematuridade. Imagine se eu tivesse desistido dele e doado o embrião para pesquisa? Acredito sim que há vida [nos embriões], o Vinícius é a prova disso", diz Maria Roseli, católica praticante. Ela afirma ser favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias, mas "não teria coragem" de doar seus embriões para esse fim.

O ginecologista José Gonçalves Franco Júnior, detentor do maior banco de criopreservação do país, onde os embriões de Maria Roseli ficaram, também aposta na viabilidade dos congelados. Sua clínica já obteve 402 nascimentos de bebês a partir de embriões criopreservados, a maioria acima de três anos de congelamento.

"É uma loucura falarem que embrião congelado há mais de três anos é inviável. E isso não tem nada a ver com religião. A viabilidade é um fato e ponto. Os maiores centros de reprodução na Europa defendem o congelamento de embriões como forma de evitar a gravidez múltipla", afirma o médico.

Um comentário:

Anônimo disse...

Depois de mais de 20 anos trabalhando em hospitais, lidando com todos os tipos de doença e o sofrimento estampado no rosto de todo tipo de pessoas, de todas as idades, sempre fui a favor das pesquisas com células tronco. Só quem tem um filho diabético ou tetraplégico, por exemplo,(graças a Deus não é meu caso) sabe o quanto maravilhosa é a esperança de em breve, ter seu filho curado e poder ver o fim de tantas doenças.
Confesso,porém, que desde que li essa notícia pela 1ª vez meu entusiasmo ficou abalado.
Quem sabe não é o caso, de deixar por conta do livre arbítrio de cada um que tem embriões congelados, a decisão de decidir por seus destinos. Eu, não sei mais...