quinta-feira, janeiro 31, 2008

Leituras de janeiro


Voltei a ler blogs. Depois de uma longa pausa praticamente só usando a Internet para e-mails, Orkut e MSN -- tempo durante o qual alguns neurônios devem ter perecido por inanição e sedentarismo --, retomei o desejo de visitar outros sites. Uma breve passada pelo Arts & Letters Daily foi o primeiro tônico cerebral, e depois uma leitura do debate no blog do Idelber Avelar sobre a questão de políticas raciais de ação afirmativa reforçou a dose. Já sentindo as velhas sinapses voltando a funcionar, percebi-me faminto -- estivera tão fraco que nem mais desejo de estudar vinha tendo, mas, depois do primeiro revigorante, o cérebro quase doía (se isso fosse biologicamente possível) exigindo mais. Então, numa leva, revisitei Geza Vermes e seu estudo sobre o judaísmo de Jesus, numa noite de particular enlevo na volta de uma palestra espírita. Depois de sete anos, voltei a conhecimentos que mantivera enterrados nos labirintos da memória, e (re)aprendi que, mesmo nos momentos em que aparentemente renegava a velha Lei judaica (por exemplo, em Mateus 5:21-26), o célebre rabi galileu na verdade estava retomando sentidos e interpretações que já existiam, e não exatamente "revolucionando" o judaísmo, ao contrário do que gerações de cristãos tenderam a pensar. Fazia tempo que não mergulhava nesse tipo de leitura, e até me dispus a reler o livro todo, não fosse o fato de que, como sempre, a inconstância que me é característica exigiu novos sabores. E lá fui eu.

Há mais de um mês estou para postar aqui algo sobre Alain de Botton. Já fiz propaganda enfática dele para algumas pessoas, e ao ouvir os seus comentários sobre a leitura, senti aquela peculiar satisfação de quem pode dizer, "Eu não lhe disse?". Pois bem, Ensaios de Amor, um livro que se deve apreciar com vagar, à maneira de uma iguaria rara, foi o próximo. Vinha-o lendo em doses homeopáticas, mas agora, forçado a acelerar, devorei o romance-ensaio do Sr. de Botton como um desesperado. A trajetória de uma história de amor trivial narrada em primeira pessoa por um homem profundamente erudito e dado a reflexões filosóficas sobre cada etapa de seu relacionamento equivaleu a uma injeção de nutrientes espirituais nas artérias da minha alma. Descobri o tipo de livro que eu gostaria de ter escrito e, mais ainda, que gostaria de ver mais vezes nas prateleiras das livrarias. Como já disse uma amiga, não se trata de o que é narrado, mas como isso é feito, e o jovem de Botton (tinha 24 anos quando o livro foi publicado) destilou brilhantismo em cada página dessa obra singular. Mais tarde pretendo cumprir a promessa que fiz a mim mesmo de dedicar um post inteiro ao livro, mas deixo desde agora a recomendação aos meus parcos e fiéis leitores.

Alain de Botton

Ensaios de Amor me deixou curioso, e daí encomendei Nos Mínimos Detalhes, do mesmo autor, que, seguindo os mesmos moldes de ficção e ensaio, é uma reflexão sobre a feitura de biografias. Não me criou a mesma impressão do livro anterior, mas, como ainda estou nos primeiros capítulos, deixo-o para outra ocasião. Foi seu companheiro de encomenda, contudo, que me prendeu realmente, a começar pelo tema. Descoberto numa referência qualquer num suplemento literário há uns dois anos, Como Me Tornei Estúpido, de Martin Page, é uma sátira repleta de surrealismo. Numa linguagem elegante, tão comum em autores franceses, trata da história de Antoine, um jovem amaldiçoado com o excesso de inteligência e senso crítico, estereótipo do gênio melancólico e "nerd" dos filmes juvenis. Pobre, frustrado e inquieto, Antoine, cujo intelecto pode ser medido por sua tradução de Proust para o aramaico, decide "virar a mesa": após grave ponderação, descobre que sua inteligência superior é a fonte de sua infelicidade, e que a maneira de ter numa vida normal é tornar-se tão medíocre e estúpido quanto a grande maioria da humanidade. Nas suas próprias palavras:

"Eu tenho a maldição da razão; sou pobre, solteiro, depressivo. Há meses reflito sobre a doença de refletir demasiadamente e estabeleci com toda a certeza a correlação entre a mnha infelicidade e a incontinência da minha razão. Pensar, tentar compreender nunca me trouxe nenhum benefício, mas, ao contrário, sempre atuou contra mim. Refletir não é uma operação natural e fere, como se revelasse cacos de garrafa e arames farpados misturados com o ar. Eu não consigo deter o meu cérebro, diminuir o seu ritmo. (...) Tudo o que vejo, sinto, escuto se engolfa no forno do meu espírito e o impele e faz funcionar a todo vapor. Tentar compreender é um suicídio social, e isso significa já não desfrutar a vida sem sentir-se, a contragosto, e ao mesmo tempo, uma ave de rapina e um abutre que despedaça os seus objetos de estudo. (...) hoje, sinto aproximar-se o perigo do cinismo, do amargor e da infinita tristeza; rapidamente nos tornamos dotados para a infelicidade. Não é possível viver demasiadamente consciente, demasiadamente pensante. Aliás, observemos a natureza: tudo o que vive muito e contente não é inteligente. As tartarugas vivem séculos, a água é imortal, e Milton Friedman está sempre vivo."

E daí ele segue numa odisséia em busca da mesquinharia mental, com lances dignos de Monty Python. Um livreto realmente delicioso que me fez lembrar que nem só de clássicos e histórias de terror vive o homem.

Mas também nem só com lazer se combate a indigência mental. Aquilo de que Antoine tanto queria se livrar, para mim era algo a retomar e cultivar. Nesse ponto, ao menos, o tempo que gastei em comunidades no Orkut serviu como foco e estímulo. Depois de alguns atritos com o fundamentalismo espírita (sim, doutrinas religiosas nascida numa era de Luzes também têm seus candidatos a aiatolás), interessei-me pela história do espiritismo brasileiro e, por extensão, voltei a ler sobre as raízes anglo-saxãs do Espiritualismo Moderno, um movimento do qual o Espiritismo de Allan Kardec, em vigor por aqui, é uma ramificação. E já que o livro-padrão para isso -- a obra definitiva escrita por Sir Arthur Conan Doyle -- se encontra emprestado, apelei para autores mais recentes. Com Todd Jay Leonard, o contexto histórico do movimento surgido com as pancadas misteriosas na casa das irmãs Fox em 1848 se tornou mais claro. A leitura ainda está em curso, mas já estabeleceu uma ramificação interessante: alguns anos antes das irmãs Fox protagonizarem a primeira comunicação sistemática e publicamente reconhecida com uma entidade desencarnada, Andrew Jackson Davis, o "vidente de Poughkeepsie", um rapaz de parca instrução formal mas que, em moldes similares a seu antecessor, o místico sueco Emmanuel Swedenborg, desenvolveu todo um sistema filosófico transcendental (por assim dizer) atribuído a seres espirituais. Ocorreu-me compará-lo com o que Allan Kardec sistematizou em O Livro dos Espíritos, embora eu suspeite que isso vá dar um bocado de trabalho, especialmente se o estilo de Davis for similar ao de Swedenborg.

Andrew Jackson Davis

Ensinos Espiritualistas, do reverendo anglicano W. Stainton Moses, é um livro peculiar. Quando o Espiritualismo se tornou uma febre, e médiuns se tornavam celebridades na América e na Europa difundindo feitos espetaculares, muitos homens do clero se dedicaram ao que hoje chamamos sessões espíritas. Se hoje isso parece uma aberração teológica e disciplinar, na época (2ª metade do século XIX) a idéia não soava tão absurda. Afinal de contas, se havia notícias de espíritos voltando ao mundo dos vivos com notícias do Além, nada mais natural que os homens que tradicionalmente eram os guardiões dos mistérios da transcendência se interessassem pelo assunto. Moses era um deles e, ao descobrir-se médium psicógrafo, começou a receber comunicações cujo teor colidiam com suas convicções religiosas. A verdadeira natureza da vida, o cconceito de Deus, o grau de inspiração divina dos textos bíblicos, o problema do mal, entre outros assuntos sobre os quais as denominações cristãs majoritárias tinham posição firmada há muito tempo, eram objeto de minuciosas dissertações, mas sob um ponto de vista absolutamente estranho para o espantado clérigo. É engraçado, ao longo do texto, ver como ele discute com as entidades que assinam as comunicações, como as contesta, às vezes com veemência, procurando defender as crenças que eram, afinal, não apenas sua fé pessoal como davam sentido à própria instituição que ele representava. De todos os livros mediúnicos que já li, é um dos de que gosto mais, e infelizmente menos conhecido no Brasil do que deveria. A Federação Espírita Brasileira o traduziu, mas, para os leitores de língua inglesa, o livro pode ser lido na íntegra e gratuitamente neste site.

No lado brasileiro desse intercâmbio entre mortos e vivos, no sempre nebuloso mundo do paranormal, tenho tentado digerir gradativamente O Cuidado dos Mortos: Uma História e Legitimação do Espiritismo, de Emerson Giumbelli. Originalmente uma dissertação de mestrado, facilmente perceptível pela densa revisão bibliográfica de sua introdução, o trabalho foi o ganhador do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa de 1995, e é uma das poucas obras que consegui localizar a respeito do história do movimento espírita brasileiro sob um ponto de vista não comprometido com as suas instituições. É uma tema no qual desejo me aprofundar aos poucos, se minha perseverança permitir. Ele já me persegue há um tempo, na verdade, desde que assisti a uma apresentação desta tese de doutorado num congresso de História. Se história religiosa já me interessa em geral, a história do Espiritismo, com seus freqüentes confrontos e alianças com a ciência, especialmente no que tange à realidade ou não dos chamados fenômenos psíquicos, ganha uma sabor especial.

Ainda sobre paranormalidade, Mysteries, de Colin Wilson, está há séculos na minha prateleira do assunto, mas ainda sem atenção. Sendo hoje o último dia do mês, é justo que o o encerre com um capítulo ao menos. Já Ghost Hunters: William James and the Search for Scientific Proof of Life After Death, de Deborah Blum, que trata do interesse do famoso psicólogo e filósofo William James pela fenomenologia mediúnica... Bem, acho que esse ficarei devendo para o próximo mês, mas deixo duas sugestões para quem se interessar por essa figura interessantíssima. (Menciono-o, apesar ainda não ter lido o livro, para que ninguém pense que só bibliófilos desocupados é que se interessam por tais matérias.)

William James


Resta Thomas Merton, mas dele já falei num post anterior.

Que venha fevereiro!

7 comentários:

Anônimo disse...

Três sugestões de romances:
O Físico e Xamã, que devem ser lidos nessa ordem. O outro livro é O Último Judeu. Desculpem, mas como não estou com eles perto de mim, não posso indicar autor e editora,mas são tão conhecidos que é só perguntar por eles em uma boa livraria que acredito que logo serão encontrados.

Alexander Gieg disse...

Oi, Rodrigo! Faz bastante tempo, bom ouvir falar de você. Respondi seu comentário no meu blog, aliás, o primeiro comentário que alguém fez a ele. :)

Vou postar um pequeno adendo ao texto sobre vibrações mais tarde. Mantenha contato!

Anônimo disse...

RODRIGO, DO MEDALHÃO. É UM "DIÁLOGO" ENTRE PAI E FILHO,ONDE O PAI DÁ AO FILHO CONSELHOS QUE ACHA FUNDAMENTAIS PARA QUE O FILHO SE TORNE UMA FIGURA RECONHECIDA NA SOCIEDADE. RESUMINDO,SOMENTE SE TORNANDO UM SER ABSOLUTAMENTE MEDÍOCRE É QUE PODERÁ SE TORNAR UM "MEDALHÃO". O CONTO É UMA DELÍCIA E QUEM NÃO LEU PRECISA LER.
O PAI PREOCUPADO COM O FUTURO DO FILHO DÁ VERDADEIRAS RECEITAS DO QUE FAZER PARA NÃO PENSAR, NÃO EXERCITAR O CÉREBRO.EM CERTO MOMENTO CHEGA MESMO A RECOMENDAR O BILHAR,DIZENDO:"AS ESTATÍSTICAS MOSTRAM QUE TRÊS QUARTAS PARTES DOS HABITUADOS DO TACO PARTILHAM AS OPINIÕES DO MESMO TACO". E MACHADO CONTINUA EXERCENDO TODA A SUA REFINADA IRONIA EM UMA CRÍTICA ABERTA À SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX. É IMPERDÍVEL!

Anônimo disse...

O MEU COMENTÁRIO ANTERIOR FICOU MEIO TRUNCADO,NÃO SEI PORQUE.
DEVIDO A SUA DESCRIÇÃO DO LIVRO: COMO ME TORNEI ESTÚPIDO,LEMBREI DE RECOMENDAR UM CONTO DE MACHADO DE ASSIS:TEORIA DO MEDALHÃO.É ESSE CONTO QUE ESTOU RECOMENDANDO, ACIMA.VALE DAR UMA CONFERIDA.

Anônimo disse...

Será que um dia eu escrevo elegante que nem você? rsrs

Beijo,
G.

Rodrigo disse...

Elaine,

Esses livros são de Noah Gordon. Três tijolos, se não me enganam. E já conhecia "A Teoria do Medalhão", já é a segunda pessoa que mo indica. Sugestões registradas para minha próxima temporada de ficção, obrigado.


Gabrieli,

Tudo que se deseja alcançar a título de auto-aprimoramento real, será alcançado, esteja certa disso. E, ademais, para quem leu "Os miseráveis" na quinta série, superar este humilde blogueiro não há de ser difícil.


Um abraço,
R.

Anônimo disse...

Rodrigo...capturei algumas dicas e apreciei por demais tua resenha nesta manhã de domingo "trabalhadeira"... :)

Elaine...adorei os dois primeiros "tijolos" de Gordon e fui enganada quanto ao 3 livro da trilogia...falaram que era "A escolha de Dra.Colin", algo assim...quem falou? Bem...sites deste mar da net...
Devo concordar que o livro citado pelo amigo Rodrigo recorda a teoria do medalhão...Grande Machado...Grande...

Gabi... concordo com o Rodrigo...basta você escrever e escrever e escrever... :)

Abraços triplos...
S.