quinta-feira, outubro 12, 2006

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?



Carlos Drummond de Andrade

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma noite difícil é feita de palavras de sonhos, pensamentos de nuvens, brilho de arco-íris... buscar o sublime em si, escavar os recantos, procurar, procurar, existe e há, um punhado em algum lugar... onde será?


Sua doce palavra,( ou doce ilusão!)
seu instante de febre,( Oh!Coração)
Com a chave na mão (pergunta!)
quer abrir a porta,( resposta!)
não existe porta;( dúvida!)
quer morrer no mar, (se afogar!)
mas o mar secou; ( se depois...)
Se você gritasse,( não!)
se você gemesse,( não!)
se você tocasse ( sempre!)
a valsa vienense,( ou dançasse!)
se você dormisse,( ou sonhasse!)
se você cansasse,( ou se perdesse!)
se você morresse...( ou vivesse!)
Mas você não morre, ( existe!)
você é duro, José! ( no escuro!)
Sozinho no escuro ( eis o claro!)
qual bicho-do-mato, ( silêncio de fato)
sem teogonia,( ou Odisséia!)
sem parede nua ( ou máscara!)
para se encostar, ( se esconder!)
sem cavalo preto ( ou branco!)
que fuja a galope, ( não pode!)
você marcha, José! ( você sonha!)
José, para onde? ( Por quê?)