quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Doce regresso

Adentrar novamente os muros que me abrigaram por 42 meses de felicidade não poderia deixar de ser um prazer. Rever a pequena multidão ambulante que a todo momento percorre prédios, corredores e jardins, no seu burburinho alegre e interminável; reencontrar velhas faces conhecidas, que, mesmo quando à distância, compuseram minha paisagem favorita por tanto tempo; ouvir mais uma vez o burburinho interminável do campus; sentir a revigorante eletricidade de aulas, debates e da produção de idéias. Talvez em nenhum outro lugar experimente um efeito igual ao da minha universidade-mãe: nela, uma energia misteriosa como que jorra de dentro do cérebro e aciona potências desconhecidas da personalidade. O agito do campus, com sua cornucópia de possibilidades e boas lembranças, é o melhor programa a que poderia aspirar numa noite de quarta-feira.

O motivo do retorno, uma solenidade inócua de premiação monográfica seguida de uma formatura de uma colega, é de pouca monta. Marcante mesmo foi a possibilidade de reencontros que ele ocasionou. Não dos amigos de sempre, dos que estão costumeiramente ao nosso lado, buscando-nos em alegrias e tristezas. Não é desses de que falo. Refiro-me, ao contrário, àquela outra espécie mais fugidia, dos encontros raros e espaçados, que nunca telefona espontaneamente, mas que, quando enfim achada, proporciona muita alegria. O tipo de amigo que é como as efemérides astrais, só aparece quando o cosmo conspira para isso, e nem por isso deixa de nos provocar um sorriso quando o faz. O amigo, enfim, que causa sempre um reencontro memorável, pela raridade com que o proporciona. Não é o amigo do peito, o irmão de todas as horas; tampouco o confidente, que vigia zeloso os nossos segredos e dilemas. Basta que ele faça parte aqui e ali de algumas alegrias comuns, de pequenos grandes momentos de conversas generosas. E assim, como quem nada quer, vai ganhando algum espaço em nossa memória e, se não chega a inspirar propriamente saudade como os outros, também não é esquecido.

Noites assim, todavia, guardam lá suas surpresas, mesmo aquelas, é bem verdade, não tão surpreendentes. Pode acontecer que algo mais do que efusividade marque presença e observar como isso acontece é sempre fascinante. É involuntário, a princípio, mas não tarda a ter uma agradável deliberação: sutil e insistentemente, os olhos começam a gravitar na mesma direção, correr sobre os mesmos traços, estudados com um cuidado que se poderia dizer digno de um artista. A tagarelice torrencial provocada pela familiaridade do ambiente e o “estar à vontade” libertador que ele proporciona logo deixam escapar, no meio de um argumento ou no fim de uma frase, entre cuidadosos parênteses ou como impulsiva interjeição, pequenos elogios irrefletidos, talvez sinceros demais, escorregando inconseqüentes de lábios quase famintos. Nada de arrependimentos, porém. Há aqui uma força em ação, antiga como a espécie, admirável pela astúcia com que contamina gestos, palavras, expressões — criando entrelinhas aqui e ali, quase alardeando a própria presença. Reprimi-la? Para quê? Não há temores na segurança do lar reencontrado. Só o prazer lúdico, a sensação de que naqueles minutos a vida parece mais intensa, com sensações mais vivas e marcantes.

Findas as cerimônias, prêmio entregue e colegas diplomados, a confusão das despedidas. Rever colegas há muito sumidos de vista, cumprimentar os antigos mestres, perder-se por instantes na multidão que dá parabéns, tira fotos, despe becas... Uma algazarra gostosa de se ver. O entusiasmo ainda impregna o rosto de todos.

Hora de partir. Os lábios ainda quase famintos, a alma sorridente. Fartou-se à sua moda, rejuvenescida por seus próprios apetites.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já entendo o que seja isso... o campus, o espaço em nossas memórias.