Li em algum livro de psicologia há muito tempo que uma das formas mais seguras de tornar uma agressão socialmente aceitável -- e por "agressão" entenda-se todo o espectro que vai de um murro ao genocídio -- é fazer com que as pessoas objetifiquem as vítimas. Em outras palavras, que não as vejam como seres humanos, mas como representantes de qualquer outra categoria desprezada: negro, branco, judeu, armênio, nordestino, gay ou, muito freqüentemente, monstro criminoso. A partir do momento em que essa imagem é construída e incorporada à visão de mundo de quem se deseja convencer, diminui-se consideravelmente qualquer possibilidade de que o sofrimento das vítimas, real ou potencial, desperte o mecanismo da empatia, isto é, o colocar-se no lugar delas e se identificar com seu sofrimento. Se passamos a ver no outro um indivíduo em quem podemos nos reconhecer, dificilmente toleraremos que qualquer dano lhe seja feito, pois nesse caso estaremos emocionalmente envolvidos com ele -- ou, dito de outro modo, estaremos no processo da compaixão.
Sempre me intrigou por que as pessoas em cidades pequenas mostram-se mais sensíveis ao sofrimento público alheio -- por exemplo, alguém caído numa calçada -- do que as das cidades grandes. É um fato muito conhecido, e lembro-me de já ter visto experiências desse tipo em programas de TV. Enquanto para os habitantes de uma metrópole é banal ver mendigos, bêbados, crianças de rua e pessoas inconscientes na rua, para os das cidades menores, não é. E, por isso, eles tendem a parar para descobrir o que está havendo com aquela pessoa em dificuldades.
As explicações usuais não são difíceis de levantar, é claro. Mas também sempre me pareceu que, para além de questões como insegurança pública e pressa (comuns nos grandes centros urbanos), havia um exemplo claro de desumanização. Essas pessoas na sarjeta não são indivíduos, com nome, rosto e uma personalidade; são elementos de paisagem. Neles pouco pensamos até mesmo quando lhe damos alguma moeda extra que nos sobre no bolso, muitas vezes sem nem mesmo um olhar direto. E eles são sempre tão numerosos que nossa eventual generosidade se dissipa após a primeira esmola, ou se sente desencorajada de pronto. Quem anda de ônibus e já viu quatro ou cinco camelôs consecutivos embarcarem, vendendo balas com o discurso de que estão desempregados há muito tempo e têm filhos para criar, sabe do que estou falando.
Sempre me intrigou por que as pessoas em cidades pequenas mostram-se mais sensíveis ao sofrimento público alheio -- por exemplo, alguém caído numa calçada -- do que as das cidades grandes. É um fato muito conhecido, e lembro-me de já ter visto experiências desse tipo em programas de TV. Enquanto para os habitantes de uma metrópole é banal ver mendigos, bêbados, crianças de rua e pessoas inconscientes na rua, para os das cidades menores, não é. E, por isso, eles tendem a parar para descobrir o que está havendo com aquela pessoa em dificuldades.
As explicações usuais não são difíceis de levantar, é claro. Mas também sempre me pareceu que, para além de questões como insegurança pública e pressa (comuns nos grandes centros urbanos), havia um exemplo claro de desumanização. Essas pessoas na sarjeta não são indivíduos, com nome, rosto e uma personalidade; são elementos de paisagem. Neles pouco pensamos até mesmo quando lhe damos alguma moeda extra que nos sobre no bolso, muitas vezes sem nem mesmo um olhar direto. E eles são sempre tão numerosos que nossa eventual generosidade se dissipa após a primeira esmola, ou se sente desencorajada de pronto. Quem anda de ônibus e já viu quatro ou cinco camelôs consecutivos embarcarem, vendendo balas com o discurso de que estão desempregados há muito tempo e têm filhos para criar, sabe do que estou falando.
Nossa compaixão é limitada pela capacidade de individualizar o outro. Isso é mais difícil que não se tem contato direto com ele, e, segundo informa a matéria transcrita abaixo da revista Foreign Policy, mais ainda quando se trata de uma pessoa perdida numa massa de outros tão necessitados quanto ela. Isso me faz pensar sobre o ideal de amor universal preconizado por tantos mestres espirituais ao longo do tempo. É possível harmonizá-lo com esse tipo de limitação humana? Talvez uma possibilidade seja procurar agir como se o sentíssemos, mesmo que a chama amorosa real só possa ser sentida em alguns poucos momentos especiais. Mas essa é uma questão que merece mais do que um simples post de blogueiro pouco inspirado. Quanto à matéria, ela fala por si.
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Numbed by Numbers
By Paul Slovic
http://www.foreignpolicy.com/story/cms.php?story_id=3751
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Posted March 2007
People don’t ignore mass killings because they lack compassion. Rather, it’s the horrific statistics of genocide and mass murder that may paralyze us into inaction. Those hoping that grim numbers alone will spur us to action in places like Darfur have no hope at all.
If I look at the mass I will never act. If I look at the one, I will.” This statement uttered by Mother Teresa captures a powerful and deeply unsettling insight into human nature: Most people are caring and will exert great effort to rescue “the one” whose plight comes to their attention. But these same people often become numbly indifferent to the plight of “the one” who is “one of many” in a much greater problem. It’s happening right now in regards to Darfur, where over 200,000 innocent civilians have been killed in the past four years and at least another 2.5 million have been driven from their homes. Why aren’t these horrific statistics sparking us to action? Why do good people ignore mass murder and genocide?
The answer may lie in human psychology. Specifically, it is our inability to comprehend numbers and relate them to mass human tragedy that stifles our ability to act. It’s not that we are insensitive to the suffering of our fellow human beings. In fact, the opposite is true. Just look at the extraordinary efforts people expend to rescue someone in distress, such as an injured mountain climber. It’s not that we only care about victims we identify with—those of similar skin color, or those who live near us: Witness the outpouring of aid to victims of the December 2004 tsunami. Yet, despite many brief episodes of generosity and compassion, the catalogue of genocide—the Holocaust, Bosnia, Rwanda, Darfur—continues to grow. The repeated failure to respond to such atrocities raises the question of whether there is a fundamental deficiency in our humanity: a deficiency that—once identified—could be overcome.
The psychological mechanism that may play a role in many, if not all, episodes in which mass murder is neglected involves what’s known as the “dance of affect and reason” in decision-making. Affect is our ability to sense immediately whether something is good or bad. But the problem of numbing arises when these positive and negative feelings combine with reasoned analysis to guide our judgments, decisions, and actions. Psychologists have found that the statistics of mass murder or genocide—no matter how large the numbers—do not convey the true meaning of such atrocities. The numbers fail to trigger the affective emotion or feeling required to motivate action. In other words, we know that genocide in Darfur is real, but we do not “feel” that reality. In fact, not only do we fail to grasp the gravity of the statistics, but the numbers themselves may actually hinder the psychological processes required to prompt action.
A recent study I conducted with Deborah Small of the University of Pennsylvania and George Loewenstein of Carnegie Mellon University found that donations to aid a starving 7-year-old child in Africa declined sharply when her image was accompanied by a statistical summary of the millions of needy children like her in other African countries. The numbers appeared to interfere with people’s feelings of compassion toward the young victim.
Other recent research shows similar results. Two Israeli psychologists asked people to contribute to a costly life-saving treatment. They could offer that contribution to a group of eight sick children, or to an individual child selected from the group. The target amount needed to save the child (or children) was the same in both cases. Contributions to individual group members far outweighed the contributions to the entire group. A follow-up study by Daniel Västfjäll, Ellen Peters, and me found that feelings of compassion and donations of aid were smaller for a pair of victims than for either individual alone. The higher the number of people involved in a crisis, other research indicates, the less likely we are to “feel” for each additional death.
When writer Annie Dillard was struggling to comprehend the mass human tragedies that the world ignores, she asked, “At what number do other individuals blur for me?” In other words, when does “compassion fatigue” set in? Our research suggests that the “blurring” of individuals may begin as early as the number two.
If this is true, it’s no wonder compassion is absent when deaths number in the hundreds of thousands. But there is a difference between merely being aware of this diminishing sensitivity and appreciating its broader implications. This is especially true when you consider how difficult it is to create, let alone sustain, the emotional responses needed to spark action.
In light of our historical and psychological deficiencies, it is time to re-examine this human failure. Because if we are waiting for a tipping point to spur action against genocide, we could be waiting forever.
Paul Slovic is president of Decision Research and professor of psychology at the University of Oregon. He studies risk and decision-making.
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