domingo, abril 03, 2005

João de Deus

E ele se foi. Depois de uma geração, ele se foi. Cresci vendo-o na TV quase toda semana, em capas de bíblias, calendários, escapulários, jornais. Habituei-me à sua voz, à sua batina branca, seu sotaque típico. Lembro-me bem da última vez em que veio ao Brasil, quando centenas de milhares, milhões o saudaram em um Aterro do Flamengo apinhado, em uma impressionante demonstração da força que a fé católica ainda tem nestes tempos de exorcismos televisivos e espiritualidade de shopping center. Embora não mais lhe partilhasse as convicções, tinha-lhe um carinho, uma simpatia pelo homem de branco que corria o mundo atiçando a devoção de tanta gente, encarnando uma tradição milenar que ajudou a moldar nossa civilização. E ele sabia se valer disso, trazendo às pessoas toda a autoridade que sua posição lhe conferia. Mas fazia isso, em geral, de uma forma gentil, simples. Para minha geração, que tem com ele, em sua maioria, alguns pontos de discordância inegociáveis em certas matérias de conduta, ele era, no entanto, o Papa. Não mais um, mas o Papa. Parecia lá desde sempre.
E agora se foi. Relutou, é verdade, e foi longa sua luta com a morte. E agora que ela o levou, ele conseguiu o que parecia impossível -- a mim, que nasci já com ele no Trono de Pedro: fazer com que, por alguns dias, a TV e a mídia em geral abandonassem um pouco suas pautas apelativas e se enchessem de mensagens de fé e veneração, de recolhimento e edificação. E a impressão que me deu, vendo multidões comovidas mundo afora, foi como se, por um momento, o mundo se unificasse em torno do Vaticano, e aquelas mensagens tão simples, que um dia foram a base do império que a Igreja se tornaria, tivessem sido finalmente ouvidas. Por um instante, ao badalar do sinos seculares da Santa Sé, o mundo inteiro converteu-se... E lembrou, ainda inspirado pela estranha coragem de um sacerdote agonizante, de enfim erguer os olhos para o Céu...
E, nesse instante, eu me uni a ele.


Um comentário:

Anônimo disse...

Estudei em vários colégios católicos e sendo assim... bem, guardava um certo carinho por este Papa. PAX!