sábado, fevereiro 26, 2005
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
Doce regresso
Noites assim, todavia, guardam lá suas surpresas, mesmo aquelas, é bem verdade, não tão surpreendentes. Pode acontecer que algo mais do que efusividade marque presença e observar como isso acontece é sempre fascinante. É involuntário, a princípio, mas não tarda a ter uma agradável deliberação: sutil e insistentemente, os olhos começam a gravitar na mesma direção, correr sobre os mesmos traços, estudados com um cuidado que se poderia dizer digno de um artista. A tagarelice torrencial provocada pela familiaridade do ambiente e o “estar à vontade” libertador que ele proporciona logo deixam escapar, no meio de um argumento ou no fim de uma frase, entre cuidadosos parênteses ou como impulsiva interjeição, pequenos elogios irrefletidos, talvez sinceros demais, escorregando inconseqüentes de lábios quase famintos. Nada de arrependimentos, porém. Há aqui uma força em ação, antiga como a espécie, admirável pela astúcia com que contamina gestos, palavras, expressões — criando entrelinhas aqui e ali, quase alardeando a própria presença. Reprimi-la? Para quê? Não há temores na segurança do lar reencontrado. Só o prazer lúdico, a sensação de que naqueles minutos a vida parece mais intensa, com sensações mais vivas e marcantes.
sábado, fevereiro 19, 2005
À musa ausente
Meu coração se assenta na sombra das chuvas, esperando teu amor. Todavia, mesmo que ele se frustre, é doce ficar esperando.
Eles vão embora, cada um por seu diferente caminho, e me deixam para trás. Porém, mesmo que eu esteja sozinho, é doce ficar à escuta, esperando por teus passos.
A face nostálgica da terra tece as névoas de seu outono e desperta a saudade em meu coração. E, embora seja inútil, mesmo assim é doce para mim sentir a dor da saudade."
Rabindranath Tagore
sábado, fevereiro 12, 2005
Coletânea de terror é clássico das emoções
Escritora Heloísa Seixas compilou os melhores contos do autor inglês Blackwood, um mestre do horror que é pouco divulgado até em seu país
por SCHNEIDER CARPEGGIANI
Aos 82 anos, o inglês Algernon Blackwood foi convidado para ler na TV uma história assombrada na noite de Halloween. Usando duas câmeras e dois cenários iguais, o diretor do programa conseguiu um feito extraordinário para aquele ano de 1947: fez Blackwood desaparecer, deixando para os telespectadores apenas sua voz em off e sua cadeira vazia ocupando a telinha. No dia seguinte, a repercussão na Inglaterra foi retumbante. E acabou marcando também um dos últimos momentos de glória da carreira desse que foi considerado um dos maiores autores de terror do começo do século 20, hoje em dia, praticamente esquecido. Até mesmo em sua terra natal, seus títulos são difíceis de ser encontrados.
Pelo menos para os brasileiros, Blackwood acaba de receber os créditos merecidos. A escritora Heloísa Seixas compilou e traduziu alguns dos seus principais contos, na coletânea A Casa do Passado. "Eu, que me interesso muito por literatura de terror, jamais ouvira falar dele, até o dia em que comprei num sebo uma antologia de contos assombrados, da editora Modern Library", disse Heloísa, por telefone.
Os fãs de literatura de terror devem lembrar que essa não é a primeira contribuição de Heloísa ao gênero. Ela já organizou Depois - Sete Histórias de Horror e Terror, com textos de autores diversos, como Edgar Allan Poe e o próprio Blackwood; e Visões da Noite, centrado na obra de Ambroce Bierce, escritor que gostava de misturar lendas estranhas com psicopatas em seus escritos. Do seu próprio legado, Heloísa lançou ainda Pente de Vênus, excelente reunião de contos, que comunga os arrepios próprios de uma estória de terror, com outros segmentos, como o mistério e o erotismo.
No texto de apresentação que preparou para A Casa do Passado, Heloísa descreveu de forma magistral o que Blackwood faz com o leitor: "Comecei a ler uma das suas histórias, chamada Os Salgueiros. De repente, como ocorre com os personagens das histórias de fantasmas, lá estava eu, cenho franzido, lábios apertados, mãos úmidas segurando as bordas do livro, uma sensação de arrepio, uma inquietação. Eu estava com medo."
O melhor na literatura de Blackwood é que ela se distancia do clichê de sangue, fantasmas e vampiros. Nela, o medo surge aliado ao drama interno da personagem: ou seja, ele pode existir ou não. Seu texto é permeado por aquela sensação de se estar sozinho em casa e escutar algum barulho, como o som de janelas batendo. Sempre pode ser o vento ou não, tudo depende do seu estado de nervos.
O conto Os Salgueiros, que Heloísa afirmou ter sido o primeiro de Blackwood que teve contato, exemplifica bem o estilo do autor. Dois viajantes acampam em uma ilhota, até então, aparentemente virgem de presença humana. Por todos os lados, uma gigantesca extensão de salgueiros. De uma hora para outra, ambos começam a ter visões e a sentir que seus mantimentos estão sumindo. Está criado um cenário claustrofóbico que Blackwood descreve com calma e muita sutileza.
Outro ponto bem interessante no seu texto são pequenas pinceladas de ficção-científica, gênero ainda bem incipiente naquele começo do século 20.
SEM DENTADAS - Com as suas antologias, Heloísa Seixas está ajudando a divulgar a literatura de terror no Brasil, um gênero que nunca encontrou grande abertura em território nacional. "Não sei citar um grande autor ou obra de terror brasileira. Pode até existir, mas não tenho conhecimento", disse Heloísa.
Fã do gênero desde pequena, a autora afirmou que não tem muito interesse em histórias com monstrengos, como vampiros ou lobisomens. "Prefiro uma abordagem mais psicológica nesse caso, na qual o terror passe pelas emoções da personagens e também por algo que não consegue ser explicado."
Heloísa listou ainda as estórias que mais a arrepiaram na vida: Ruínas Circulares, de Borges; Os Salgueiros, de Blackwood; A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe; e O Túmulo, de Lovecraft.
sexta-feira, fevereiro 11, 2005
Tédio
Que inveja de Leopardi, que podia contemplar o infinito na paisagem e mergulhar na Fonte de todas as musas. Neste carnaval ela desertou de mim, e por momentos pude remotamente conceber a imensidão do castigo de Lúcifer quando a Deidade lhe desviou Sua face. Nenhuma solidão é mais absoluta que esta de ser deixado à própria sorte, apenas com os recursos do seu ego, desligado do fluxo incessante da transcendência. "O Inferno", disse uma vez um famoso beneditino brasileiro, "é a ausência de Deus". Ocorreu-me que a secura interna que impede o ato de criar deve ser um dos primeiros sintomas dessa ausência.
Mas fora com os queixumes! Dou a palavra ao bom poeta, para que ele dissipe os miasmas do tédio neste post e leve algum contentamento aos meus parcos e fiéis leitores. Ele será minha apologia por um tema tão insípido.
The Infinite
It was always dear to me, this solitary hill,
and this hedgerow here, that closes out my view,
from so much of the ultimate horizon.
But sitting here, and watching here, in thought,
I create interminable spaces,
greater than human silences, and deepest
quiet, where the heart barely fails to terrify.
When I hear the wind, blowing among these leaves,
I go on to compare that infinite silence
with this voice, and I remember the eternal
and the dead seasons, and the living present,
and its sound, so that in this immensity
my thoughts are drowned, and shipwreck seems sweet
to me in this sea.