Consegui encontrar na Internet, na página de um curso de Letras (!) da Universidade da Pensilvânia, alguns capítulos de The Organization Man, de William Whyte (1956). Trata-se de uma das grandes críticas sociais ao estilo de vida americano nos anos 50, mais especificamente ao domínio psicológico exercido pelo trabalho nas grandes corporações. O “homem organizacional” de que fala o título, embora continue reafirmando os valores da velha ética protestante de individualismo e trabalho duro, na verdade faz o oposto. Apesar da “mitologia”, tão presente no discurso americano, do self-made man, o homem organizacional só se pauta pelo que é aceito e instituído. É o grupo, e não o indivíduo, o seu referencial de verdade. “Transformar” a sociedade é algo que está completamente fora do seu horizonte, o que ele faz é adaptar-se ao máximo a ela: fazer um curso profissionalizante, se possível técnico; arranjar um emprego em uma empresa que lhe garanta estabilidade e segurança; casar, ter filhos e morar em uma casa de subúrbio com um ou dois carros na garagem. Acrescente-se a isso um hobby qualquer e um churrasco com os amigos uma vez por semana. Pronto, eis a vida perfeita, sem contratempos, insegurança ou mudanças bruscas. Por volta dos 30 anos, o homem organizacional provavelmente terá chegado ao ponto de sua vida onde permanecerá até o último dos seus dias. Nada poderá interferir nesse pequeno paraíso suburbano de previsibilidade.
A crítica não veio do nada. Os Fifties americanos são largamente conhecidos como uma época de complacência e conformismo, na qual a prosperidade (“afluência”, diria J. K. Galbraith), pelo lado positivo, e o macartismo e o puritanismo, pelo negativo, garantiam que a grande maioria “entrasse na linha”. É a época em que um seriado em que não acontece absolutamente nada de importante, como Papai Sabe Tudo, é um sucesso estrondoso de audiência. Carrões cromados, pleno emprego, filmes românticos em que os protagonistas, mesmo casados, dormiam em camas separadas, davam o tom dos ideais de uma classe média próspera e complacente. Havia problemas, é claro, como o comunismo e “a Bomba”, mas era perfeitamente possível ignorar esses incômodos. Se é verdade que as crianças eram obrigadas a exercícios rotineiros de proteção em caso de bombardeio – enfiar-se sob as carteiras contra uma bomba atômica! --, também é que havia Truman, Ike, Dulles e McCarthy para dar conta dos inimigos. A sociedade mais próspera da Terra podia se dar ao luxo de olhar para si mesma com lentes róseas e lisonjeiras.
Nem todos compartilhavam desse enlevo ególatra, no entanto. Enquanto a classe média branca em ascensão migrava para os subúrbios, deixava as cidades depauperadas para negros, hispânicos e pobres em geral se amontoarem em seus guetos. Nos estados do sul, apesar da atuação de algumas organizações e de decisões da Suprema Corte, a segregação mais atroz ainda era a regra, defendida até como uma necessidade do estilo de vida sulista. Nas universidade, centro de saber e reflexão, estudantes evitavam até mesmo assinar petições por cafeteiras no campus para não se verem associados a colegas de opiniões suspeitas, alguns milhares de outras perdiam empregos e eram incluídas em listas negras. Questionar o sistema, como diríamos hoje, era um risco. Pouco importavam as suas verdadeiras convicções políticas, o essencial era o que os outros achariam de você. Era mais seguro não chamar atenção.
Felizmente, esses aspectos negativos não passaram em branco. Por mais espraiado que fosse, o homem organizacional não resumia o espírito de toda a nação. Não era preciso ser vítima direta dessa ordem de coisas para se ter uma visão lúcida de que as coisas não iam tão bem quanto pregava a mensagem do Papai sabe tudo. Nem todos os problemas eram externos, obra de seres sombrios incapazes de compreender a grandeza da América. É nesse contexto que surgem os primeiros livros de cabeceira dos jovens que abalarão o país na década seguinte: Growing Up Absurd, de Paul Goodman; The Power Elite, do sociólogo bad boy C. Wright Mills e... The Organization Man. Obras que começaram a mostrar aos americanos que sua sociedade não era tão democrática, livre ou modelar quanto muitos deles gostavam de alardear. Esse surto de auto-crítica teria grandes conseqüências em pouco tempo. Mas esse é um assunto para um post futuro.
A crítica não veio do nada. Os Fifties americanos são largamente conhecidos como uma época de complacência e conformismo, na qual a prosperidade (“afluência”, diria J. K. Galbraith), pelo lado positivo, e o macartismo e o puritanismo, pelo negativo, garantiam que a grande maioria “entrasse na linha”. É a época em que um seriado em que não acontece absolutamente nada de importante, como Papai Sabe Tudo, é um sucesso estrondoso de audiência. Carrões cromados, pleno emprego, filmes românticos em que os protagonistas, mesmo casados, dormiam em camas separadas, davam o tom dos ideais de uma classe média próspera e complacente. Havia problemas, é claro, como o comunismo e “a Bomba”, mas era perfeitamente possível ignorar esses incômodos. Se é verdade que as crianças eram obrigadas a exercícios rotineiros de proteção em caso de bombardeio – enfiar-se sob as carteiras contra uma bomba atômica! --, também é que havia Truman, Ike, Dulles e McCarthy para dar conta dos inimigos. A sociedade mais próspera da Terra podia se dar ao luxo de olhar para si mesma com lentes róseas e lisonjeiras.
Nem todos compartilhavam desse enlevo ególatra, no entanto. Enquanto a classe média branca em ascensão migrava para os subúrbios, deixava as cidades depauperadas para negros, hispânicos e pobres em geral se amontoarem em seus guetos. Nos estados do sul, apesar da atuação de algumas organizações e de decisões da Suprema Corte, a segregação mais atroz ainda era a regra, defendida até como uma necessidade do estilo de vida sulista. Nas universidade, centro de saber e reflexão, estudantes evitavam até mesmo assinar petições por cafeteiras no campus para não se verem associados a colegas de opiniões suspeitas, alguns milhares de outras perdiam empregos e eram incluídas em listas negras. Questionar o sistema, como diríamos hoje, era um risco. Pouco importavam as suas verdadeiras convicções políticas, o essencial era o que os outros achariam de você. Era mais seguro não chamar atenção.
Felizmente, esses aspectos negativos não passaram em branco. Por mais espraiado que fosse, o homem organizacional não resumia o espírito de toda a nação. Não era preciso ser vítima direta dessa ordem de coisas para se ter uma visão lúcida de que as coisas não iam tão bem quanto pregava a mensagem do Papai sabe tudo. Nem todos os problemas eram externos, obra de seres sombrios incapazes de compreender a grandeza da América. É nesse contexto que surgem os primeiros livros de cabeceira dos jovens que abalarão o país na década seguinte: Growing Up Absurd, de Paul Goodman; The Power Elite, do sociólogo bad boy C. Wright Mills e... The Organization Man. Obras que começaram a mostrar aos americanos que sua sociedade não era tão democrática, livre ou modelar quanto muitos deles gostavam de alardear. Esse surto de auto-crítica teria grandes conseqüências em pouco tempo. Mas esse é um assunto para um post futuro.
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