terça-feira, outubro 19, 2004

De volta aos anos 50

Consegui encontrar na Internet, na página de um curso de Letras (!) da Universidade da Pensilvânia, alguns capítulos de The Organization Man, de William Whyte (1956). Trata-se de uma das grandes críticas sociais ao estilo de vida americano nos anos 50, mais especificamente ao domínio psicológico exercido pelo trabalho nas grandes corporações. O “homem organizacional” de que fala o título, embora continue reafirmando os valores da velha ética protestante de individualismo e trabalho duro, na verdade faz o oposto. Apesar da “mitologia”, tão presente no discurso americano, do self-made man, o homem organizacional só se pauta pelo que é aceito e instituído. É o grupo, e não o indivíduo, o seu referencial de verdade. “Transformar” a sociedade é algo que está completamente fora do seu horizonte, o que ele faz é adaptar-se ao máximo a ela: fazer um curso profissionalizante, se possível técnico; arranjar um emprego em uma empresa que lhe garanta estabilidade e segurança; casar, ter filhos e morar em uma casa de subúrbio com um ou dois carros na garagem. Acrescente-se a isso um hobby qualquer e um churrasco com os amigos uma vez por semana. Pronto, eis a vida perfeita, sem contratempos, insegurança ou mudanças bruscas. Por volta dos 30 anos, o homem organizacional provavelmente terá chegado ao ponto de sua vida onde permanecerá até o último dos seus dias. Nada poderá interferir nesse pequeno paraíso suburbano de previsibilidade.
A crítica não veio do nada. Os Fifties americanos são largamente conhecidos como uma época de complacência e conformismo, na qual a prosperidade (“afluência”, diria J. K. Galbraith), pelo lado positivo, e o macartismo e o puritanismo, pelo negativo, garantiam que a grande maioria “entrasse na linha”. É a época em que um seriado em que não acontece absolutamente nada de importante, como Papai Sabe Tudo, é um sucesso estrondoso de audiência. Carrões cromados, pleno emprego, filmes românticos em que os protagonistas, mesmo casados, dormiam em camas separadas, davam o tom dos ideais de uma classe média próspera e complacente. Havia problemas, é claro, como o comunismo e “a Bomba”, mas era perfeitamente possível ignorar esses incômodos. Se é verdade que as crianças eram obrigadas a exercícios rotineiros de proteção em caso de bombardeio – enfiar-se sob as carteiras contra uma bomba atômica! --, também é que havia
Truman, Ike, Dulles e McCarthy para dar conta dos inimigos. A sociedade mais próspera da Terra podia se dar ao luxo de olhar para si mesma com lentes róseas e lisonjeiras.
Nem todos compartilhavam desse enlevo ególatra, no entanto. Enquanto a classe média branca em ascensão migrava para os subúrbios, deixava as cidades depauperadas para negros, hispânicos e pobres em geral se amontoarem em seus guetos. Nos estados do sul, apesar da atuação de algumas organizações e de decisões da Suprema Corte, a
segregação mais atroz ainda era a regra, defendida até como uma necessidade do estilo de vida sulista. Nas universidade, centro de saber e reflexão, estudantes evitavam até mesmo assinar petições por cafeteiras no campus para não se verem associados a colegas de opiniões suspeitas, alguns milhares de outras perdiam empregos e eram incluídas em listas negras. Questionar o sistema, como diríamos hoje, era um risco. Pouco importavam as suas verdadeiras convicções políticas, o essencial era o que os outros achariam de você. Era mais seguro não chamar atenção.
Felizmente, esses aspectos negativos não passaram em branco. Por mais espraiado que fosse, o homem organizacional não resumia o espírito de toda a nação. Não era preciso ser vítima direta dessa ordem de coisas para se ter uma visão lúcida de que as coisas não iam tão bem quanto pregava a mensagem do Papai sabe tudo. Nem todos os problemas eram externos, obra de seres sombrios incapazes de compreender a grandeza da América. É nesse contexto que surgem os primeiros livros de cabeceira dos jovens que abalarão o país na década seguinte: Growing Up Absurd, de Paul Goodman; The Power Elite, do sociólogo bad boy
C. Wright Mills e... The Organization Man. Obras que começaram a mostrar aos americanos que sua sociedade não era tão democrática, livre ou modelar quanto muitos deles gostavam de alardear. Esse surto de auto-crítica teria grandes conseqüências em pouco tempo. Mas esse é um assunto para um post futuro.

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