sábado, maio 09, 2020

Karl Barth e o "cristianismo de cultura"

Lendo A Teologia do Século XX, de Roger Olson e Stanley Grenz. Por quê? Comecei a ler sobre o assunto por causa de um artigo sobre fundamentalismo, e, como testemunha o post anterior, tomei gosto pela coisa. Não é muito diferente de ler uma história da filosofia, mas, sendo espírita, há um interesse extra. Já tendo passado pela teologia liberal protestante, finalmente cheguei à neo-ortodoxia, que marca de fato o ínício do século XX nesse campo do conhecimento. E, nessa corrente, ninguém é maior que o suíço Karl Barth (1886-1968), que reafirmou a autoridade da revelação diante da "humanização" iluminista promovida pelos liberais -- a mesma que, como disse no texto anterior, é muito parecida com a visão espírita da missão do cristianismo.
O que me chamou a atenção em Barth foi o gatilho para essa reação. Em 1914, Barth constatou, surpreso, que seu professor Adolf von Harnack -- ícone da teologia liberal para a qual o Cristianismo é uma religião privada, individualista, de "pessoas boas querendo transformação interior" -- fora um dos autores do discurso do Kaiser sobre a "obrigação moral" da Alemanha ir à guerra. Se bem entendi, para Barth, o cristianismo racionalizado, humanizado, de Harnack se diluíra tanto na cultura moderna que perdera as defesas contra uma monstruosidade como o ultranacionalismo e a beligerância estatal. As marcas essenciais da revelação haviam dado lugar ao lugares-comuns da sua época, notadamente da política. O "bom cristão liberal", nessa perspectiva, não se distinguia do cidadão comum mesmo num momento de imensa urgência moral, e para o qual não faltavam ensinamentos de Cristo em que se basear.
Como espírita, entendo e sempre defendi que não dá para separar a ética pessoal da ação social. Nosso "vício" é o oposto, o de fingir que nosso discurso sobre caridade e amor ao próximo não tem dimensão política nenhuma, e fugir de qualquer conflito nesse campo como o (inexistente) diabo foge da cruz. "Caridade" é distribuir quentinha, que se danem as políticas públicas que poderiam fazer menos gente precisar delas (deve ser difícil praticar "caridade" na Noruega). Por outro lado, vendo como alguns companheiros de fé simplesmente aceitam pacotes e chavões ideológicos de direita e esquerda, aparentemente alheios aos conflitos com a doutrina que professam, a questão de Barth me volta à cabeça.

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