segunda-feira, agosto 22, 2016

Contrapontos para quê? Maniqueísmo, Islã e intelectuais

Do meu amigo de Facebook, o historiador e professor Nélio Galsky: 


"Segundo Fest, Hitler odiava discutir com intelectuais. A razão é que eles sempre começavam seus argumentos com expressões como: 'por outro lado'; 'temos que levar em consideração também', etc. Sem dúvida, o posicionamento do Führer tem continuidade na falta de racionalidade que pauta as discussões sobre o radicalismo islâmico." 


Nunca fui particularmente interessado no Islã. O Budismo, por exemplo, sempre me atraiu mais do que os grandes monoteísmos clássicos. Mas percebo que sou obrigado a conhecê-lo melhor, dada a intensa e crescente campanha de difamação -- sim, difamação -- promovida pela extrema-direita ocidental, notadamente nos EUA e, por extensão, no Brasil. Não são apenas os religiosos fundamentalistas de sempre, que atacam tudo que não seja seu; são ideólogos, políticos profissionais, pessoas de mídia, intelectuais, muitos dos quais até ontem acusavam o "Comunismo" de todas as mazelas da modernidade e agora, por ironia, confirmam o dito de Marx sobre tragédias históricas que se repetem como farsa. Já não se trata mais apenas de posições políticas, mas de toda uma religião, e toda as culturas a ela relacionadas, condenadas em bloco, com generalizações e exageros que fariam corar qualquer um que se guiasse pela lógica e um pouco de objetividade. Não raro, o tom e a argumentação usada me lembram demais o antissemitismo de 80 anos atrás -- coisa que pessoas estudadas neste século XXI não têm o direito de fazer, mas fazem. E quando se lhes contrapõe alguma coisa, apontando um erro conceitual ou, o que é mais fácil, a falácia de uma exposição, não querem ouvir. "É o discurso politicamente correto", dizem, como se a alegação de que 1,5 bilhão de crentes espalhados pelo mundo estivessem mentindo sistematicamente sobre suas crenças para "invadir" o Ocidente livre e cristão fosse autoevidente. 


Não adianta ser cristão, não adianta discursar a favor dos altos valores da civilização ocidental e citar autores proeminentes, e proclamar a maravilha da liberdade individual acima de tudo, quando não se consegue fugir ao hábito milenar do maniqueísmo tribal e da histeria nacionalista (agora projetada para uma "civilização"). É como nas ditaduras da Guerra Fria, em que se justificava a tirania, a tortura e a opressão como forma de defesa contra uma outra tirania, outra tortura e outra opressão. "Vamos perseguir, prender e matar antes que o outro lado o faça", era a desculpa, ainda hoje repetida sem pudores por tantos. Até entendo que isso possa acontecer entre os mais ignorantes; mas entre aqueles que vivem de ideias, que se afirmam autoridades intelectuais e formam opiniões, é uma falha clamorosa -- não apenas intelectual, mas ética também. Afinal, como diz o Evangelho de Lucas, "muito se pedirá a quem muito recebeu".



Isso também tem a ver, aliás, com a mentalidade da nova direita emergente no Brasil. Seja na forma mais vulgar ou na mais sofisticada, o discurso de combate a um inimigo onipresente e maligno, encarnado numa ideia e seus adeptos (em oposição à classe social e a estruturas econômicas, favorita da esquerda), é o grande elementos mobilizador. Mas disso falaremos a seu tempo. Por ora, fica registrada a frustração de ver pessoas de grande potencial e preparo se deixando arrastar pelos esgotos do ódio.

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