quarta-feira, setembro 21, 2011

Contra a corrupção

Cinelândia, por volta de 17h30. Aglomeração se formando, um "trio elétrico" em frente ao Teatro Municipal, dezenas de pessoas circulando com vassouras, adesivos, alguns cartazes e camisetas com dizeres variados. As escadas da Câmara dos Vereadores lotadas de manifestantes. Gente de crachá com cara de jornalista passando aqui e ali. Não seria um fim de tarde como outros.

Eu estava lá por sentimento de dever cívico. Política sempre foi, de uma forma ou de outra, meu tema favorito de pesquisa. Por outro lado, e ligado a isso, está o fato de que nunca me filiei a nenhum movimento do gênero, partidário ou não, e isso me dói um pouco na consciência. Não que tais movimentos sejam a única maneira de exercer a cidadania, mas, enfim, são uma maneira que sempre me deixou curioso. Assim, quando soube que os organizadores do evento tinham entre suas propostas a obrigatoriedade do voto aberto no Congresso, decidi ir. Quanto mais gente participasse de um evento assim, melhor; quem sabe não poderia ser o começo de algo maior, à maneira do movimento que levou a Ficha Limpa ao status de lei? Na pior das hipóteses, depois da absolvição vergonhosa de Jacqueline Roriz, algo precisava ser feito, por mais que sempre seja um tanto cético quanto ao impacto que meros protestos populares possam ter sobre nossos políticos.

Então, fui. O que vi? Para começar, não mais que um décimo das 30 mil pessoas que "confirmaram presença" na página do evento no Facebook. Faz lembrar esta discussão do ano passado sobre o ativismo das redes sociais. É fácil clicar e "curtir" no Facebook, mas cadê o pessoal na hora do "vamos ver"? Acham que movimentos sociais se fazem só em 140 caracteres? Acham que políticos e burocratas que mal sabem o que é um email vão se sensibilizar com "trending topics" e números de curtidores?

No trio elétrico, músicas de Chico Buarque alternadas com alguns discursos dos organizadores. Musiquinhas irônicas serviam de bordão e entretenimento, quando o locutor principal não estava falando raivosamente dos "facínoras" da política, sem mencionar nomes. Fiquei esperando por alguma orientação concreta, uma exortação pragmática, algo que desse a mim e àquela multidão -- que a certa altura incluía os bombeiros em greve e até a atriz Lady Francisco --uma linha de ação mínima. OK, havia um livro de assinaturas para apoiar um projeto de lei pedindo que a corrupção tenha penas mais severas e prioridade no julgamento, igualando-se a um crime hediondo. Também se leu um manifesto reivindicando o fim de nomeações políticas para cargos técnicos, o meu querido fim do voto secreto no Congresso, a extinção do sigilo bancário de homens públicos e o financiamento público de campanhas eleitorais. Propostas razoáveis, sem dúvida, mas que não ficou claro se estavam inclusas no projeto de lei. Além disso, discursos mais vagos, em que se falou até em "batalha do bem contra o mal" e que os votantes não têm responsabilidade pelas pessoas que põem no poder -- o tipo de coisa que sempre me faz erguer a sobrancelha e cheira a certa demagogia. Mas lembrei do que meu orientador, Daniel Aarão Reis, costumava dizer: o discurso da política simplifica para mobilizar, para causar um efeito (do que se infere que quem muito analisa, provavelmente pouco age). Pelas reações da plateia, parece que funcionou.

É um começo. Espero que não seja só um entusiasmo passageiro, que de fato surja algo de bom e permanente daí. Se houver outro protesto, pretendo ir mais uma vez. E torço para que essa mobilização não seja só fogo de palha. Pode ser a chance de promover algum tipo de educação política dos eleitores, nem que seja, inicialmente, apenas os da classe média (não vi ninguém com aparência de pobre na manifestação) -- uma educação que não se resuma às bobagens eleitoreiras de sempre. Veremos. Por ora, quem quiser conhecer o movimento, há um site incipiente em http://www.movimentocontraacorrupcao.org.br.
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P.S.: Vejo agora nos jornais que alguns políticos estiveram presentes na plateia. De fato, vi o Marcelo Freixo ao longe. Gabeira também esteve presente. Mas a surpresa foi que o Fernando Peregrino, o candidato do Garotinho nas eleições de 2010, também foi lá capitalizar em cima do evento. Parece piada de mau gosto.


Um comentário:

Diários de um Onironauta disse...

Bela análise professor. Um dos temas que mais intriga na população brasileira é a nossa tendência à alienação e à falta de mobilização. Não sei se é por uma característica cultural ou se fomos "adestrados" na base da violência por todos os representantes que ficaram a frente do Estado Brasileiro, mas posso afirmar que esse fenômeno é uma das maiores causas da impunidade, e do descaso dos nossos políticos com a opinião pública.
Entretanto, como não posso forçar os outros a nada, visto que abomino autoritarismo, só me resta torcer para que o brasileiro crie esse hábito de participação na vida política.